Acabou o bicho de sete cabeças. Se alguém ainda precisa convencer os pais de que eles não devem interná-lo numa clínica de desintoxicação só porque acharam um baseado no seu bolso pode contar com a ajuda do livro “Maconha: mitos e fatos”, da socióloga Lynn Zimmer e do médico farmacologista John P. Morgan, conceituados professores universitários de Nova York.
Lançado originalmente em 1997, com o título Marijuana Myths Marijuana Facts, o livro foi traduzido para sete idiomas e acaba de ser lançado em português pela ONG Psicotropicus. É literatura para mudar paradigmas.
Por exemplo, quem acha que maconha é a porta de entrada para outras drogas vai descobrir que ela só é muito mais popular que as outras drogas. Pesquisas feitas nos EUA concluíram que poucas pessoas experimentam cocaína antes de experimentar maconha. E a maioria dos adolescentes que experimenta maconha não se torna um usuário regular. Já entre os usuários regulares adolescentes, uma minoria se torna usuária de múltiplas drogas. Segundo o livro, para cada 100 pessoas que experimentaram maconha, 28 também experimentaram cocaína, mas só uma usa cocaína regularmente.
Outro mito derrubado é o de que a maconha tem grande poder de causar dependência. Pesquisas epidemiológicas indicam que a maioria das pessoas que experimenta maconha não passa a usá-la frequentemente e nem por muito tempo. Quem usa regulamente e decide parar ou reduzir o consumo relata um processo relativamente simples. Sobre as pesquisas que apontam para um risco potencial de dependência, os autores observam que a maioria dos trabalhos foi escrita por provedores de tratamentos de dependência.
Ao conjunto de alegações de pesquisas realizadas por comissões governamentais cujas provas científicas não se sustentavam, os autores chamam de mitos. São 20 ao todo no livro. Feita a revisão das pesquisas, eles concluíram que os danos da maconha são pequenos, ainda mais se comparados com outras drogas, como o álcool, a cocaína, a heroína e o tabaco. A esta e outras constatações, chamam de fatos.
Apesar de lançado há 13 anos, o livro continua atual. Pesquisas mais recentes, embora com evidências distintas, chegam às mesmas conclusões: os perigos da maconha foram exagerados e o uso moderado raramente provoca danos. Algumas pesquisas até reforçam seu lado profícuo, como no caso do uso medicinal.
Debate com Dr. Carlini
O livro foi lançado na sede do Viva Rio, no Rio de Janeiro, no dia 25, com um debate que contou com a presença do médico Elisaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid). Para Carlini, o livro é “atualíssimo”.
“Nada foi superado, só se acrescentou conhecimento ao que aqui já está e tudo foi reforçado”, disse Carlini (foto), que tem uma experiência de mais de 50 anos em pesquisa sobre maconha. Ele enalteceu as 70 páginas de referências científicas, 834 citações e mais de mil trabalhos estudados e disse que mais mil poderiam ser acrescentados num novo livro. A última novidade, segundo o especialista, é a descoberta do sistema canabinóide humano.
“O conhecimento está muito bem documentado e está comprovado que o efeito deletério da maconha é muito menor que o de outras drogas antidepressivas”, disse. Ele contou que nos Estados Unidos 13 remédios com as mesmas indicações medicinais que a maconha causaram mais de 10 mil mortes, segundo a Food and Drug Administration (FDA), agência que controla as drogas que entram no mercado nso Estados Unidos.
Para Carlini, é hora de os médicos se afastarem e abrirem espaço para sociólogos, religiosos, economistas e outros profissionais. “Não é mais um problema médico. As maiores incertezas que ainda temos são de temática social”, completou. O médico defende que o primeiro passo para se destruir o mito contra a maconha é que ela seja retirada da Lista 4 da ONU, que agrupa as substâncias mais perigosas.
O perito criminal do Instituto de Criminalística Carlos Éboli da Polícia Civil do Rio de Janeiro (ICCE-RJ) Bruno Sabino (foto) trabalha há 10 anos com análise de drogas no serviço de química, onde chegam as apreensões feitas pela polícia. No seu dia-a-dia, o Sabino trabalha mais com cocaína, crack eecstasy, que têm maior probabilidade de chegar ao público misturadas a outras substâncias tóxicas. Mas ele alerta que já acharam metal em maconha, que a planta suga junto com a água do solo.
“Isso tem que ser investigado, assim como a presença de pesticidas, material microbiológico, como bactérias e fungos, e o teor e a proporção de canabinóides das amostras”, diz Sabino, que é doutor em farmacologia e pesquisador do InMetro.
O perito não vê sentido na criminalização da maconha, já que ela traz pouquíssimos danos para o ser humano. Segundo ele, a nova lei que despenaliza o usuário levou a uma redução no número de solicitações de exames de maconha, mas as quantidades aumentaram. “Vale a pena esse aparato todo do estado por uma droga cuja toxidade é tão baixa quando comparada a outras?”, questiona.
Sabino criticou o fato de o THC, princípio ativo da maconha, constar na lista F2 do Ministério da Saúde, que reúne as substâncias que causam dependência, apesar de a literatura farmacológica atribuir à maconha tendência à dependência fraca ou ausente. Ele contou que fez um estudo com 50 usuários de drogas de Uberlândia e observou que o uso associado de maconha e cocaína era de apenas 8% a 10%.
O químico Francesco Ribeiro (foto), ativista do Growroom e Cannabis Café, defendeu o cultivo como alternativa ao tráfico, que oferece um produto de péssima qualidade. “O processo de cultivo da maconha medicinal é cuidadoso desde a escolha da cepa de sementes até a secagem e separação das folhas. O traficante usa pesticida sem controle”, comparou.
Ribeiro citou a frase “as drogas não estão proibidas por serem perigosas. São perigosas por serem proibidas”, com a qual a jornalista Helena Ortiz encerra seu livro “Baseado em quê?”. “Os livros não vão acabar com preconceitos e mitos, mas o processo de discussão implanta o princípio da dúvida sobre a certeza”, disse.
Luiz Paulo Guanabara, psicólogo e diretor-executivo da Psicotropicus, afirmou que é a favor da despenalização não só do usuário, mas também do produtor e do vendedor. “Essa ânsia punitiva da sociedade tem que acabar”, disse. Ele contou que agora usa a palavra regulamentação em vez de legalização, para ser mais bem aceito.
A antropóloga Alba Zaluar (foto), professora da Uerj, se apresentou como “moderadamente viciada em vinho tinto, chocolate e café”. Como antropóloga, ela reclamou do mau uso da palavra “mito”. “Os mitos dos povos primitivos são uma forma de eles falarem das suas histórias em linguagem poética e estão longe de serem tão prejudiciais quanto as falsidades ideológicas e mentiras com interesses econômicos que o livro retrata”, ensinou. Para ela, a proibição do comércio tem como resultado a violência armada.
O livro “Maconha: mitos e fatos” será oferecido para quem realizar uma doação mínima de R$ 25 reais para a Psicotropicus (com a taxa de envio inclusa).
Mais informações:
Fala de Francesco Ribeiro no Growroom/You Tube
Why Marijuana Should Be Legalized: An Expert’s Perspective – John P. Morgan, um dos autores do livro, defende a legalização da maconha em vídeo no You Tube, com legendas em português.
Um comentário:
http:// jiancurek3.blogspot.com
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