Característica
BOTÂNICA E ANTROPOLOGIA
Características Botânicas e Antropológicas:
Ayahuasca é uma bebida psicoativa feita pela cocção de duas espécies vegetais distintas e utilizada em cerimônias ou rituais religiosos, conhecida pelos Incas após o reinado de Huayna Cápac. Uma da plantas é a liana cientificamente denominada Banisteriopsis Caapi e a outra é um arbusto da família das rubiáceas denominada Psychotria Viridis. Em quéchua as plantas são conhecidas como Mariri (o nome da liana), e Chacruna ou Chacrona (o nome do arbusto). Na mesma língua o nome da bebida é Ayahuasca – vinho dos espíritos, das almas, dos mortos ou dos ancestrais. A bebida é feita das duas plantas postas em maceração ou cozinhadas, com diversos graus de apuro e concentração.
A antiguidade do uso da Ayahuasca se perde na pré-história. De uma utilização regional milenar, centrada na Amazona ocidental, seu uso tem se expandido em toda a América do Sul primordialmente graças à preservação do uso pelos indígenas e mestiços apesar da incessante repressão cultural desde os primórdios da colonização. Muito do que se pratica e se conhece em relação à Ayahuasca vem da observação e conhecimento empírico acumulado pelos indígenas. O uso dessas plantas pelos mestiços acontece dentro do contexto da etno-medicina e segue os princípios gerais do uso tradicional dos nativos (uso xamânico), com modificações e acréscimos atinentes aos diversos sistemas de crenças importados junto com a colonização, principalmente: espiritismo, cristianismo, maçonaria e cultos africanos.
O impulso inicial em direção a uma expansão mundial da utilização da Ayahuasca se deu graça ao interesso geral por assuntos etnológicos e à expansão dos grandes movimentos religiosos sincréticos do Brasil, organizados em torno da utilização da Ayahuasca como sacramento, sendo os maiores o Santo-Daime o mais antigo, iniciado na década de 1930, e, a União do Vegetal (UDV), iniciada na década de 1960, entre varias outros denominações. É interessante notar que a Ayahuasca vem sendo utilizada há séculos por milhares de pessoas. Um tal período de ensaio excede em muito os padrões de estudos administrados para a aprovação de medicamentos. Na maioria das culturas amazônicas, até hoje, a Ayahuasca ocupa culturalmente um elevado conceito ao lado de outras “plantas mestras” (professoras ou Instrutoras) como o Peyote. Durante os últimos vinte anos, a literatura contemporânea, socio-antropológica, farmacológica e popular, debateu as diversas dimensões e uso da Ayahuasca, do ponto de vista cultural, químico, psicológico e espiritual.
Denominações
BOTÂNICA E ANTROPOLOGIA
Os nomes da Ayahuasca:
As plantas são conhecidas por varias denominações, sendo usadas desde de tempos imemoriais, numa área extensa, por diversas nações indígenas separadas por grandes distâncias, diferenças culturais e idiomáticas. De acordo com Schultes, Richard Evans, and Raffauf, Robert F. – The Healing Forest: Medicinal and Toxic Plants of Northwest Amazonia (1990); Portland, OR: Dioscorides Press - são conhecidos, pelo menos, 42 nomes indígenas para esta poção usada por cerca de 72 tribos e nações indígenas da bacia Amazônica, locadas ao longo do Peru amazônico, Equador, Colômbia, Bolívia, Brasil ocidental, e, em determinada região da Venezuela. Os nomes que predominam são: Yagé; Caapi; Huasca, ou Ayahuasca, e, Népe, ou Nepi.
A lista das várias denominações indígenas da Ayahuasca de acordo com a referência acima indicada:
Yagé; bejuco bravo; bejuco de oro; caapi (Tupi, Brasil); mado, mado bidada e rami-wetsem (Culina); nucnu huasca e shimbaya huasca (Quechua); ka-malampi (Piro); punga huasca; rambi e shuri (Sharanahua); ayahuasca amarillo; ayawasca; nishi e oni (Shipibo); ayahuasca; ayahuasca negro; ayahuasca blanco; ayahuasca trueno, cielo ayahuasca; népe; xono; datém; kamarampi; Pindé (Cayapa); natema (Jivaro); iona; mii; nixi; pae; ka-hee’ (Makuna); mi-hi (Kubeo); kuma-basere; wai-bu-ku-kihoa-ma; wenan-duri-guda-hubea-ma; yaiya-suava-kahi-ma; wai-buhua-guda-hebea-ma; myoki-buku-guda-hubea-ma (Barasana); ka-hee-riama; mene’-kají-ma; yaiya-suána-kahi-ma; kahí-vaibucuru-rijoma; kaju’uri-kahi-ma; mene’-kají-ma; kahí-somoma’ (Tucano); tsiputsueni, tsipu-wetseni; tsipu-makuni; rami-wetsem (Kulina); amarrón huasca, inde huasca (Ingano); oó-fa; yajé (Kofan); bi’-ã-yahé; sia-sewi-yahe; sese-yahé; weki-yajé; yai-yajé; nea-yajé; horo-yajé; sise-yajé (Shushufindi Siona); shimbaya huasca (Ketchwa); shillinto (Peru); nepi (Colorado); wai-yajé; yajé-oco; beji-yajé; so’-om-wa-wai-yajé; kwi-ku-yajé; aso-yajé; wati-yajé; kido-yajé; weko-yajé; weki-yajé; usebo-yajé; yai-yajé; ga-tokama-yai-yajé; zi-simi-yajé; hamo-weko-yajé (Siona of the Putomayo); shuri-fisopa; shuri-oshinipa; shuri-oshpa (Sharananahua).
Na sociedade brasileira contemporânea os nomes mais usados são: Yagê, Ayahuasca, Daime, Vegetal, Hoasca e Oasca.
Farmacologia: Mariri
A FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA
Mariri (Banisteriopsis Caapi):
As Beta-carbolinas (Harmina, Harmalina e Tetrahidroharmina) são extraídas do chá de Mariri (Banisteriopsis Caapi). Isoladamente, o chá do Mariri tem o poder de induzir alguns efeitos psicoativos, indiretos, mediados pela sua atividade inibidor sobre a Monamina Oxidase (MAO) e subsequente elevação dos níveis de Serotonina tanto a nível de SNC quanto a nível periférico. Alguns efeitos, como surgimento de imagens tipo hipnogogicas, modificações do humor e das emoções, são atribuídos tanto à Harmina, quanto à elevação dos níveis de Serotonina no Sistema Nervoso Central. Os efeitos purgativos e eméticos são mediados pelo efeito da Serotonina no intestino.
Farmacologia: Chacrona
A FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA
A Chacrona (Psicotria Viridis):
A substância N-Dimethyltryptamine (DMT), indutora do efeito psicodélico, está presente nas folhas da Chacrona (Psicotria Viridis). O chá das folhas, ou as folhas in natura, não possuem efeito psicodélico quando ingeridas isoladamente devido à rápida destruição deste alcalóide pela Monoamina Oxidase (MAO), uma enzima naturalmente presente no organismo. A estrutura de DMT, como a de outros compostos psicodélicos, é bem semelhante à da Serotonina (5-Hidroxitriptamina ou 5-HT) um importante neurotransmissor de modulação. A Serotonina age desinibindo controles e processos reguladores no cérebro. Supõe-se que, tanto a presença da DMT (atuando em receptores específicos) quanto o acréscimo dos níveis de Serotonina afetam os neurônios serotonérgicos, promovem uma hiper-estimulação e modulação, que desencadeiam um largo espectro de efeitos como liberação de emoções reprimidas, recordações de memórias esquecidas e geração de imagens.
Sinergismo
A FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA
Sinergismo Químico Mariri/Chacrona:
A DMT foi produzida em laboratório em 1931. Desde o início, descobriu-se que a substância produzia efeitos intensos quando aplicada por via intramuscular em doses diminutas de alguns miligramas (na ordem de 0.7mg por kg de peso), mas que em contrapartida era inativa por via oral até mesmo em doses 1.000 vezes superiores. Uma vez bem estabelecida a sua inatividade por via oral, levantou-se a necessidade de se explicar como doses diminutas, de aproximadamente 29 mg de DMT, tipicamente ingerida numa Cerimônia de Ayahuasca, eram capazes de produzir efeitos intensos.
A enzima Monoamina Oxidase (MAO) é a chave do mistério. Esta enzima, fisiologicamente presente no sistema digestivo, tem como função destruir as diversas monoaminas naturalmente contidas nos alimentos no sentido de proteger as diversas funções cerebrais mediadas por neuro-receptores ativados por monoaminas endógenas. Sendo a DMT uma monoamina, tão logo ingerida, é oxidada e decomposta pela enzima MAO ao nível do intestino. Mas, no caso da do chá composto Ayahuasca, acontece que os demais alcalóides presentes na poção – as Beta-carbolinas trazidas pelo Mariri – inibem, reversívelmente, a enzima intestinal MAO ao ponto de evitar a degradação da acompanhante DMT na área digestiva, ficando assim disponível para absorção e penetração na corrente sanguínea e sistema nervoso central.
Inocuidade
A FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA
Inocuidade do Chá:
Entre 1991 e 1993, a Universidade Federal de São Paulo (antiga Escola Paulista de Medicina), Universidade de Campinas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Amazonas, Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA), Universidade da Califórnia, Universidade de Miami, Universidade do Novo México e Universidade de Kuopio (Finlândia), foram convidados por iniciativa de uma das igrejas sincréticas Brasileiras, a UDV, para gerenciar uma pesquisa cientifica, intitulada “Farmacologia Humana da Hoasca, chá usado em contexto ritual no Brasil”. A pesquisa foi articulada pela direção central do Centro de Estudos Médico-Científicos da União do Vegetal, órgão interno da instituição, que reúne seus adeptos e profissionais das áreas relevantes. Os resultados constatam que o chá Hoasca (nome dado à Ayahuasca na UDV) é inofensivo à saúde. A pesquisa está publicada em importantes revistas científicas como: Psychopharmacology, em texto assinado por J. C. Callaway (PhD), e no “The Journal of Nervous and Mental Disease”, num texto assinado por Charles S. Grobb (PhD).
Este estudo se deu em Manaus, envolveu nove centros universitários e instituições de pesquisa do Brasil, Estados Unidos e Finlândia, tendo sido financiado pela fundação norte-americana Botanical Dimension. A pesquisa começou a ser planejada em 1991 e aconteceu em 1993. Consistiu em aplicar testes laboratoriais e questionários, dentro dos procedimentos científicos padrões, em usuários da poção. Eram pessoas de faixas etárias variadas, dos meios urbano e rural, frequentadores assíduos dos cultos. Os testes foram também executados em não usuários servindo de grupo de controle. A avaliação psiquiátrica conduzida pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Centro de Referência da Organização Mundial da Saúde, não encontrou entre os usuários pesquisados nenhum caso de dependência, abuso ou perda social pelo uso da Ayahuasca, aspetos presentes em usuários de drogas proscritas pela legislação. As conclusões comparativas são surpreendentes. A primeira delas, confirmando a afirmação de que o chá é inócuo do ponto de vista toxicológico: não se constatou “nenhuma diferença significante no sistema neurosensorial, circulatório, renal, respiratório, digestivo, endócrino entre os grupos experimentadores e de controle”.
Nos testes psiquiátricos, foram aplicados os questionários recomendados: o CIDI (Composite International Diagnostic Interview), com os critérios do CID 10 e DSM IIIR, e o TPQ (Tridimensional Personality Questionnaire). Constatou-se que os usuários da Hoasca, ou Ayahuasca, comparativamente aos não usuários (grupo de controle) mostraram-se mais “reflexivos, resistentes, leais, estóicos, calmos, frugais, ordeiros e persistentes”. E ainda: mais “confiantes, otimistas, despreocupados, desinibidos, dispostos e enérgicos”. Exibiram também “alegria, hipertimia, determinação e confiança elevada em si mesmo”. Os examinandos apresentaram desempenho significativamente melhor que os do grupo de controle quanto à capacidade de lembrar as palavras na quinta tentativa. Foram melhores também em “número de palavras lembradas, recordação tardia e recordação de palavras após interferência”. Embora o protocolo de estudo não permitia separar os benefícios atinentes ao contexto religioso dos efeitos do chá em si, esta pesquisa confirma a impressão geral – decorrente da sua utilização milenar – da inocuidade do chá. De fato, não se conhece casos de lesões ou doenças provocadas pelo seu uso in natura, sem adulterações ou misturas.
Associação
A FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA
Associação com medicamentos:
Esta claro que a utilização concomitante de drogas inibidoras da MAO, ou que de alguma maneira interferem com o sistema serotonérgico não é recomendado uma vez que, teoricamente, pode levar à chamada Síndrome Serotonérgica – um quadro clínico resultando de uma elevação patogênica e potencialmente perigosa dos níveis de Serotonina, suscetível de desencadear convulsões, hipertermia e perda de consciência. Por uma questão de prudência e prevenção desta eventualidade, nunca registrada com o uso tradicional da Ayahuasca, mas, teoricamente, possível, não recomendamos o uso do chá para pessoas em tratamento com antidepressivos inibidores permanentes da Monoamia Oxidase até três semanas antes da Cerimônia para permitir a total recomposição do estoque de MAO endógena e o retorno do sistema nervoso à sua fisiologia natural.
Contraindicação
A FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA
Contra-indicação:
Nos contextos ritualísticos aqui evocados, consideramos ser contra-indicado o uso da Ayahuasca para pessoas com personalidades esquizóides e pre-psicóticas; neuróticos com instabilidade de identidade e níveis altos de ansiedades (síndrome do pânico) assim como para os usuários de drogas e medicamentos psicoativos como os antidepressivos ou inibidores permanentes da monoaminoxidase como: Tranilcipromina (Parnate, Stelapar), Fenelzina (Nardil), assim como antidepressivos de efeito dual como Effexor e os psico-estimulante como Ritalina. Apenas por questão de prudência não recomendamos o uso da Ayahuasca, a não ser em condições especiais, para mulheres grávidas.
Dietas
RECOMENDAÇÕES DE USO DA AYAHUASCA
Evitar tirosina:
Embora o efeito da Ayahuasca sobre a MAO seja de inibição curta e reversível, é interessante, para quem sofre de hipertensão, não utilizar alimentos contendo níveis elevados de tirosina (precursor da dopamina, epinefrina e norepinefrina) convertida em tiramina pelas bactérias intestinais. A tiramina, na vigência de uma inibição da MAO como a induzida pelo Mariri, pode chegar na circulação gerando elevação da pressão arterial. O uso de alguns estimulantes do grupo das anfetaminas assim como alguns broncodilatadores podem também reforçar uma tendência à hipertensão. Assim sendo, para portadores de hipertensão, achamos por bem recomendar a limitação do uso das bebidas e alimentos ricos em tirosina por 24 horas antes da Cerimônia.
Alimentos ricos em tirosina: vinhos tintos, cerveja e whisky, soja fermentada (misso), favas, queijos envelhecidos e fermentados, peixes defumados, patê de produtos animais enlatados, molhos concentrados de carne, salsicharia, repolho fermentado (Sauerkraut) e aditivos protéicos vendidos em academia de ginástica.
O triptófano:
Algumas pessoas esperando reforçar os efeitos do chá pretendem elevar os seus níveis de serotonina ingerindo maior quantidade do aminoácido essencial, precursor dietético fundamental na síntese orgânica da serotonina o seja, o triptófano. Vários estudos demonstram que a concentração de serotonina no cérebro é diretamente proporcional à concentração de triptófano no plasma e sistema nervoso. A ingestão dietética de triptófano influencia diretamente a quantidade de serotonina no plasma, cérebro e todos os tecidos do corpo. Para acontecer, o metabolismo do triptófano requer uma quantidade adequada de vitamina B6 e magnésio. O triptófano é o aminoácido essencial menos abundante nos alimentos: além das carnes e anchovas, os queijos tipo suíços, comté, gruyère e parmesão, os ovos e as nozes são ricos em triptófano. Não recomendamos esse tipo de dieta, de eficiência duvidosa, no sentido de reforçar os efeitos do chá – não temos noticias de investigações elaboradas no sentido de conferir os efeitos de um complemento dietético de triptófano em pessoas refratarias ou pouco sensíveis aos efeitos da Ayahuasca.
O regime dos vegetalistas:
Na prática dos vegetalistas, curandeiros utilizando a Ayahuasca como medicina para cura, é comum a recomendação de regimes diversos principalmente sem carne (sendo excluída a carne de porco por muitos dias antes da experiência), gorduras, sal, açúcar, bebidas alcoólicas e abstinência sexual; o tabaco, considerado uma planta sagrada, é usado em diversos rituais. Alguns desses preceitos, como a eliminação do sal e do álcool, se justificam do ponto de vista bioquímico, outras tem justificativas de natureza essencialmente espiritualistas.
O valor relativo das deitas:
Vale salientar que milhares de adeptos, afiliados às grandes seitas sincréticas o Santo Daime e a UDV, não recebem dos dirigentes nenhuma orientação dietética – além de abster-se do fumo, bebidas alcoólicas ou drogas – sem por isso, deixar de obter os resultados desejados nas suas experiências, tampouco, apresentar reações atípicas.
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