Por quase 150 anos, acadêmicos védicos procuram a misteriosa planta do Rigveda (5.000a.c) conhecida como Soma. Soma foi a planta em torno da qual sacrifícios védicos se deram, conhecida por causar um prazeroso estado de consciência . Mas Soma era mais que uma planta, ela e seu suco eram considerados Deuses que eram comumente usados alternadamente com Agni, o Deus do fogo. Espero ser capaz de mostrar que 'Soma' na verdade não é uma planta comum, mas um fungo com efeito inebriante e alucinógeno. Pretendo primeiro apresentar evidências textuais do próprio Rigveda, e então apontar o uso deste fungo em específico em outras culturas, sempre conferindo a tese geral.
A idéia que o Soma era um fungo, especialmente o cogumelo do chapéu avermelhado Amanita Muscaria, foi primeiramente apresentada pelo etnomicólogo R. Gordon Wasson e sua esposa Valentina Wasson na década de 1960 e publicada em 1968, no volume "Soma: The Divine Mushroom of Immortality". Um considerável número de teorias para a identificação do Soma circula há alguns anos, mas todas careciam de similaridade às descrições poéticas da planta descritas no Rigveda. Algumas plantas que poderiam ser o Soma são o Bhang (Cannabis), Ruibarba, Periploca aphylla, Sarcostemma brevistigma e Ephedra vulgaris, para mencionar somente algumas, sendo Peganum harmala a suspeita mais recente. Uma das evidências mais fortes de que estas não poderiam ser o Soma é que o Rigveda não faz menção à planta divina ter raízes, folhas, flores ou sementes. O que achamos no Rigveda, entretanto, são referências poéticas aos atributos que poderiam ser aplicados ao cogumelo. Para ver estes atributos, nós devemos primeiro ter um entendimento de onde o cogumelo Amanita Muscaria nasce e com o que ele se parece.
O Amanita cresce em associação micorrízica com alguns tipos de árvores, especialmente os pinheiros, os 'firs' (**), e sobre todos, as bétulas, de onde eles se alimentam. Sendo árvores de clima temperado as que crescem em temperaturas mais baixas, podemos assumir que o Amanita nasce em elevações nas porções nórdicas da penísula índica, especificamente no perímetro de Hindu Kush e da montanhas do Himalaia. O Rigveda afirma repetidamente que o Soma cresce nas altas montanhas, e em nenhum outro lugar. Por exemplo, Mandala V 43 afirma que o Soma é "uma planta da montanha...", e a Mandala IX 46 diz que o Soma está "sentado no topo da montanha...". Com o posicionamento do Soma nas altas montanhas, seria ingênio acreditar que o Soma possa ser alguma daas plantas anteriormente citadas, que crescem em vales ou em planícies áridas.
Entendendo a grande importância do Soma na cultura védica, por que na moderna India há um acordo que o que é utilizado nos sacrifícios é substituto do Soma? Poderiam os arianos, em sua migração dos planaltos do norte para os vales e planícies, ter ficado sem alternativas de trazer sua planta consigo mesmos, por conta de sua inabilidade de ser cultivada, devido a sua necessidade de relação micorrízica com plantas que só crescem em maiores altitudes?
O Amanita Muscaria em si é um cogumelo vermelho brilhante que tem pontinhos brancos no chapéu, que são fragmentos do véu de onde o cogumelo emerge assim que sai do chão. Essas manchinhas parecidas com lã, que lembram verrugas, levaram este cogumelo à designação "toadstool". Amanita pode crescer 8 polegadas (* aproximadamente 20 cm) e ter até 10 polegadas (*aproximadamente 25 cm) em diâmetro de chapéu, assim que totalmente aberto.
Uma indicação de que o Soma pode ser o vermelho Amanita é que descreve-se o Soma como o sol."Ele (Soma) se veste com as queimaduras do sol..." (Mandala IX 17). Mesmo antes de estar totalmente aberto, o Amanita pode tranquilamente lembrar o sol, os pontos brancos como os raios de órbita. A Mandala IX 86 diz que " O Soma se envolve todo com os raios do sol...". O Soma também é comparado ao brilho da luz (Mandala IX 22), fazendo o poeta "queimar como fogo iniciado por fricção"(Mandala VIII 48). W.L. Reese, em seu dicionário de filosofia e religião, diz que " Agni (Soma) representa a trindade do fogo terreno, luz e sol. Neste sentido ele era o mediador entre o homens e Deuses. Como em muitas outras culturas, parece possível que um alucinógeno, neste caso Amanita Muscaria, seja uma porta para adentrar a realidade dos deuses.
Uma metáfora comum para o Soma é o touro, símbolo Rigveda da força. "Ele (soma) abaixo, touro aterrorizante...A pele é de touro, o vestido é de ovelha" (Mandala IX 70). Na Mandala IX 97 nós encontramos uma referência ao 'touro vermelho'.Podemos assumir que a pele do cogumelo representa o couro vermelho do touro, enquanto as manchas brancas representam o 'vestido' de ovelha? Muitas referências ao úbere da vaca também podem ser encontradas no Rigveda. Já que o Soma era 'ordenhado' do seu suco parece possível que o próprio Amanita pode ser este couro. Isso fica ainda mais plausível se a pessoa já viu um Amanita jovem. Não há dúvidas de que um Amanita pode sugerir poeticamente este órgão. Mesmo o talo, ou amsu, é parecido com uma teta. "Quando os amsus(*talos) engolidos foram ordenhados como vacas com úberes cheios..."(Mandala VIII 9). O que também é interessante é que o 'leite' do Soma é descrito como tendo uma cor amarelada, mais próxima à cor do leite e do suco feito com Amanita do que seria se se tratasse de um suco feito de qualquer planta produtora de clorofila.
Outra referência interessante é do Soma ser um olho único. "Acelerado pelas sete mentes, ele (Soma) encarou os rios sem mágoa, o que fortaleceu seu olho único" (Mandala IX 9). E na Mandala IX 97, "Soma que tem por olho o sol". Apesar da falta de outras evidências que o Amanita é o olho único, Wasson sugere em "Soma: The Divine Mushroom of Immortality" que peguemos um Amanita e perguntemos se uma Ruibarba preenche melhor o conceito do 'olho único'. Outra Mandala sobre o olho ajuda a encaixar as muitas metáforas descritivas do Soma. "Eu tomei o (***) 'corpo'(Soma) pra dentro do 'corpo'(Estômago) pelo nosso motivo. Inclusive, o olho está junto ao sol. Eu ordenhei os filhos dos sábios"(Mandala IX 10). Neste trecho podemos ver muitas metáforas em ação; 'navel', uma palavra com história arcaica em várias culturas e que comumente tem o significado duplo de 'cogumelo'; o olho, que pode tanto significar o formato como o poder de abrir a visão de alguém; o sol, que o chapéu vermelho pode representar, e a ordenha, que é o que foi feito com o Soma e que encaixa no conceito do úbere.
O mais interessante, e provavelmente a prova mais forte a favor da teoria de que o Soma é o cogumelo Amanita Muscaria é a menção no Rigveda de duas formas de Soma. "Com estas duas formas que estão frente a nós, Ó Soma, tu reinas sobre todas as coisas" (Mandala IX 66). Wasson, em seus estudos sobre Amanitas em outras culturas, também encontrou duas formas do Amanita. A primeira é o suco de um cogumelo fresco ou rehidratado, e a segunda é a urina daqueles que já tomaram o suco. O melhor exemplo de alguém bebendo urina após ingerir os cogumelos Amanitas vem dos estudos de Filip Johann von Strahlenberg sobre a tribo Koryak, no começo do século 18 (* a partir de 1701). Strahlenberg afirma que os koryak
" fazem um banquete, jogam água em alguns cogumelos e os cozinham. Então eles bebem o líquido, que os intoxica; as pessoas mais pobres, que não podem pagar pelos cogumelos, ficam ao redor do chalé dos ricos e esperam a oportunidade do convidado precisar urinar; aí, seguram uma tigela de madeira para receber a urina, que depois é bebida com prazer, por ter ainda algum traço dos cogumelos, e desta forma eles também ficam inebriados. "
Já que o princípio ativo dos Amanitas é pouco alterado através do corpo humano, a possibilidade de interpretar as referências do Rigveda a uma segunda forma de Soma ser a urina é simplificada. Espero que esta citação nos permita um melhor entendimento da tese de Wasson. "Soma, nuvem de tempestade embebida em vida, é ordenhada do leite. 'Corpo' do caminho, Princípo Imortal, pulou para a vida de uma grande distância. Atuando em concerto, aqueles encarregados do ofício, dotados ricamente, honram integralmente o Soma. O homem que o engoliu urina o Soma fluente."(Mandala IX 74).
Apesar de outras Mandalas do Rigveda poderem ser interpretadas às luzes do Amanita Muscaria, e de outras informações sobre o seu uso em outras culturas poderem ser examinadas, isso tudo vai além deste ensaio. Eu simplesmente acredito que este belo cogumelo seja a melhor explicação do Soma até hoje e que deva ser levado a sério por todos os acadêmicos interessados no Soma divino do Rigveda. "O Fly-agaric (Amanita Muscaria) produz intoxicação, alucinação e delírio. Formas leves de intoxicação são acompanhadas por algum grau de animação e espontaneidade de movimentos. Muitos Xamãs, antes de suas sessões, comem o Fly-Agaric para chegar a estados de êxtase... Sob forte intoxicação os sentidos ficam confusos; objetos ao redor parecem maiores ou menores do que realmente são, alucinações se dão, movimentos espontâneos e convulsões. Até agora, pude observar que ataques de grande animação alternam-se com movimentos de profunda depressão. A pessoa intoxicada com os cogumelos senta-se quietamente movendo-se de um lado a outro, até conversando com sua família. De repente os olhos se dilatam, ela começa a gesticular convulsivamente, conversa com pessoas que imagina ver, canta e dança. Então um intervalo de descanso se coloca novamente. Entretanto, para manter a intoxicação, novas doses do fungo são necessárias...Esta é a razão pela qual os efeitos do Fly-Agaric seriam mais fortes se as toxinas não fossem retiradas da urina. Os Koryak sabem disso por experiência, e a urina dos intoxicados com os cogumelos não é disperdiçada. O próprio alucinado bebe sua urina para prolongar suas visões, ou a oferece a outras pessoas, como um presente."Waldemar Jochelson, início do século 19.
fonte:http://leda.lycaeum.org/?ID=14032
créditos: M. S. Smith
Considerações:
(**) Firs - não há tradução literal para esta palavra, uma vez que é um tipo de pinheiro. Segue a taxonomia dele e um link para consulta.
Reino : Plantae
Divisão: Pinophyta
Classe: Pinopsida
Ordem: Pinales
Família: Pinaceae
Gênero: Abies
consulta: http://en.wikipedia.org/wiki/Fir
(***) Corpo - a palavra é usada em dois sentidos. Podemos pensar algo análogo em português.
ex: 'um corpo (de frutificação) pra dentro do corpo (humano)'
link original: http://leda.lycaeum.org/?ID=14032
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