Psicodélico: Ayahuasca e depressão

quinta-feira, 17 de março de 2011

Ayahuasca e depressão

Por Brian Anderson.

Este artigo se propõe a dar ao leitor alguma informação básica no tópico sobre ayahuasca e depressão. Lembramos que decisões sobre questões de saúde não devem ser tomadas apenas com base nestas informações, mas devem ser feitas através da consulta de um profissional da área médica, um curandeiro experiente, ou um líder religioso confiável.

Assim como todas as outras substâncias com proprieadades medicinais, a ayahuasca pode trazer riscos se usada de maneira incorreta.

É claro que a interpretação do que é “correto”, bem como sobre o uso saudável da ayahuasca é discutível.

Uma questão frequente que envolve a ayahuasca com a saúde é a pergunta se pessoas que tomam antidepressivos devem ingerir a ayahuasca. Esta questão não pode ser respondida de maneira satisfatória no presente mo

mento, mas podemos fazer uma tentativa inicial de nos aprofundar na questão com as informações disponíveis na literatura científica.

Depressão é uma doença muito comum. Apesar de ser vista como um distúrbio de ordem “mental”, a depressão pode consistir em sintomas físicos e psicológicos, incluindo mau humor, inabilidade de se experimentar o prazer, falta de energia, perda de apetite, falta de concentração, alterações no sono (pra mais ou pra menos), sensação de culpa, agitação, dores físicas e pensamentos suicidas.

O uso da ayahuasca para se tratar de sintomas como estes já se faz corrente há décadas – um livro conhecido que descreve est

e tipo de uso da ayahuasca se chama Visionary Vine (“O Cipó Visionário”, sem tradução para o português), de Marlene Dobkin de Rios. Tentativas de se usar a ayahuasca em cenários tradicionais para se tratar da depressão também já foram documentadas recentemente (1). Não há tratamentos médicos clínicos para a depressão com o uso de ayahuasca que tenham sido completados, mas alguns cientistas acreditam que outros psicodélicos, como a psilocibina, podem ser úteis no tratamento da depressão (2). Então existe uma chance de que a pesquisa científica possa jogar uma luz sobre a questão de o uso da ayahuasca ser benéfico no tratamento da depressão.

Antes que possamos adentrar a questão das interações negativas de certos medicamentos com a ayahuasca, deve ser notado que mesmo nas pessoas que não estão tomando remédios psiquiátricos, a ayahuasca pode ter efeitos psicológicos danosos (como a indução de estados psicóticos ou depressivos), mesmo que estes casos sejam relativamente raros. Acredita-se que os psicodélicos em geral possam precipitar estados psicóticos em pessoas predispostas a tais reações (3). Outras reações negativas podem ocorrer quando o usuário da ayahuasca não tem suporte na sociedade para ajudá-lo a integrar suas experiências após a sessão (4). É importante para a própria saúde que pessoas com histórico psicótico não bebam a ayahuasca (5). E, apesar de que algumas pessoas depressivas possam afirmar se sentirem melhor após a ingestão da medicina ancestral, pessoas que sofrem de depressão com sintomas psicóticos também deveriam evitar a ayahuasca.

Muita da preocupação acerca do uso da ayahuasca por pessoas que tomam antidepressivos parece proceder da questão da “síndrome da serotonina” levantada por James Callaway e Charles Grob no artigo de 1998 intitulado “Preparados de Ayahuasca e Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (SSRIs): Uma Combinação Potencial para Interações Adversas Severas(6). A Síndrome da Serotonina é caracterizada pelos indícios e sintomas de febre, pressão alta, confusão e agitação, convulsões, tremores, rigidez muscular, reflexos patelares elevados, pupilas dilatadas, contínuos movimentos oculares horizontais, suor, vômitos e diarréia (7). Estes sintomas geralmente começam minutos após o consumo de drogas que aumentam excessivamente os níveis de serotonina, e se não forem tratados, casos severos podem resultar em morte. No caso de suspeita de Síndrome de Serotonina, deve-se procurar por ajuda médica imediatamente. Isto é complicado no caso de usuários da ayahuasca, porque diversos destes sintomas podem ser efeitos normais de curto prazo decorrentes do uso da mesma.

A Síndrome da Serotonina é uma preocupação entre usuários da ayahuasca porque a bebida contém alcalóides do tipo harmala, como a harmina e harmalina, que agem como inibidores da Monoamina Oxidase (IMAOs – ou MAOIs, em inglês), ou seja, eles impedem que as moléculas de serotonina sejam quebradas, e assim elevam os níveis de serotonina no corpo. Assim sendo, para uma pessoa que esteja tomando drogas antidepressivas como os IMAOs, ou os mais frequentes Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRSs – ou SSRI, em inglês), é temido que elas possam elevar seus níveis de serotonina demasiadamente se elas também beberem a ayahuasca.

Curiosamente, no entanto, apesar do fato de que milhares de pessoas no Brasil e em outros países bebam a ayahuasca regularmente, e que muitos deles possivelmente estejam tomando medicamentos antidepressivos, não há um único caso de Síndrome de Serotonina registrado na literatura científica desde o artigo de 1998 de Callaway e Grob. Existem muitas possíveis razões para isto, e apenas uma das quais sugere que estes casos seriam muito raros ou não-existentes. No entanto, esta idéia de que casos severos de Síndrome de Serotonina raramente ocorram, pelo menos dentro na União do Vegetal (UDV) (8), tem suporte na alegação feita pelo psiquiatra Luis Fernando Tófoli, coordenador do Comitê de Saúde Mental para a UDV, o qual jamais ouviu depoimentos de casos deste tipo que teham ocorrido dentro da instituição.

É claro que esta falta de evidências de danos não deve ser tomada necessariamente como evidência de segurança. Além disso, Tófoli comenta que é de fato importante se evitar o uso da ayahuasca enquanto se toma o IMAO Tranilcipromina. Isto se deve ao fato de que a tranilcipromina é uma IMAO “irreversível”, ou seja, que seus efeitos duram por mais tempo que outros IMAOs “reversíveis” como a Moclobemida.

Isto nos leva a outro ponto importante: os efeitos de algumas drogas, incluindo antidepressivos, irão durar mais tempo que outras após o indivíduo ter encerrado a ingestão de tal substância. Os efeitos do Prozac (um ISRS: Flouxetina), por exemplo, pode durar por semanas após a última dosagem. Então, mesmo que alguém parasse de tomar antidepressivos para evitar uma interação negativa com a ayahuasca, esta interação ainda poderia ocorrer dias após a medicação ter sido cortada. Além disso, interromper uma medicação de forma imediata nem sempre pode ter um efeito benigno – além do potencial para uma piora da saúde mental, interromper um medicamento psiquiátrico de repente pode, às vezes, trazer sintomas físicos como câimbras gastrointestinais em pessoas que tenham usado ISRSs por muito tempo.

Este texto se propôs a fazer um pequeno resumo do que é conhecido dentro do campo das ciências acadêmicas no tópico de ayahuasca e depressão, e tentamos demonstrar preocupação acerca da possibilidade de casos de Síndrome de Serotonina, potencialmente letal, em pessoas que tomam medicamentos antidepressivos e ayahuasca. Deve ser notado que não apenas drogas antidepressivas são tidas como associadas à Síndrome de Serotonina, mas também medicamentos como Meperidina, o antibiótico Linezolid, o xarope pra tosse (e muitas vezes droga recreativa) Dextrometorfano, e inúmeras outras (9). Não se sabe como estes medicamentos interagem com a ayahuasca, especialmente devido ao diversos métodos que existem para o preparo da mesma. Em suma, ayahuasca é realmente uma substância complexa, e as experiências que as pessoas têm, e as relações que podem se desenvolver com a bebida são ainda mais complexas. Desconhece-se muito mais do que se conhece sobre como a ayahuasca afeta a saúde mental. E além da substância em si, os contextos nos quais a bebida é usasa podem ser muito importantes, combinando assim para aumentar a complexidade dos efeitos da ayahuasca sobre a saúde mental.

Da mesma forma como acontece com o uso de qualquer outra substância em tratamentos terapêuticos, contexto e suporte interpessoal são cruciais para que se possa cultivar e colher os efeitos otimizados da susbstância. Este fato não deve ser ignorado.

1 Palladino, L. 2010. Vine of the Soul: A Phenomenological Study of Ayahuasca and its Effects on Depression. Ph.D. dissertation, Program in Clinical Psychology, Pacifica Graduate Institute.
2 Grob, C. S., A. L. Danforth, G. S. Chopra, M. Hagerty, C. R. McKay, A. L. Halberstadt and G. R. Greer. 2011. Pilot Study of Psilocybin Treatment for Anxiety in Patients with Advanced-Stage Cancer. Archives of General Psychiatry 68(1):71-8.
Vollenweider, F. X., and M. Kometer. 2010. The Neurobiology of Psychedelic Drugs: Implications for the Treatment of Mood Disorders. Nature Reviews Neuroscience 11:642-51.
3 Strassman, R. J. 1984. Adverse Reactions to Psychedelic Drugs: A Review of the Literature. The Journal of Nervous and Mental Disease 172(10):577-95.
4 Lewis, S. E. 2008. Ayahuasca and Spiritual Crisis: Liminality as Space for Personal Growth. Anthropology of Consciousness 19(2):109-33.
5 Santos, R. G., and Strassman, R. J. 2008. Ayahuasca and psychosis. British Journal of Psychiatry (online). 2008.
6 Callaway, J. C., and C. S. Grob. 1998. Ayahuasca Preparations and Serotonin Reuptake Inhibitors: A Potential Combination for Severe Adverse Interactions. Journal of Psychoactive Drugs 30(4):367-9.
7 Boyer, E. W., and M. Shannon. 2005. The Serotonin Syndrome. New England Journal of Medicine 352:1112-20.
8 Almeida, C. 2010. Pesquisas testam potencial benefício da ayahuasca contra depressão e dependência. Bol Notícias, 26 de Abril de 2010 .
9 Boyer, E. W., and M. Shannon. 2005. The Serotonin Syndrome. New England Journal of Medicine 352:1112-20.

Brian Anderson é doutorando em medicina pela Stanford University School of Medicine; mestrando no BIOS Centre, London School of Economics, e pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP).

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