Psicodélico: março 2012

quinta-feira, 15 de março de 2012

Manter grower na prisão é ilegal (por Dr.André Barros)



Em 15 de fevereiro de 2012, o Senado Federal tomou a seguinte resolução:


“Art. 1º É suspensa a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS.”

Veja como ficou na lei 11343/2006 o § 4º do art.33:

“§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)”

Nos casos que acompanhamos, os plantadores (growers) enquadravam-se exatamente no § 4º citado: primários, de bons antecedentes, não se dedicando às atividades criminosas, nem integrando organização criminosa. Portanto, teriam o direito à diminuição da pena em um sexto a dois terços, como estabelece o §4º.

Preenchendo todas essas condições, mesmo na pior das hipóteses, de condenação por tráfico, o plantador teria como pena-base o mínimo legal de 5 anos do art. 33 da Lei 11343/2006. Com a redução mínima, alcançaria 4 anos e dois meses. Diminuindo apenas mais dois meses, a pena aplicada seria de 4 anos e, assim, o plantador teria o direito à conversão em penas restritivas de direito, como estabelece o artigo 44 do Código Penal, que o STF julgou inconstitucional sua vedação:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

II - o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

Como na pior das hipóteses, o plantador pode ter, ao final, na Sentença, sua pena privativa de liberdade substituída pela restritiva de direitos, e sua prisão durante o processo se torna ilegal.

Este é um argumento forte para tentar a liberdade do plantador preso como traficante pelo Delegado, que deve encaminhar imediatamente o auto de prisão em flagrante ao Juiz, que pode manter ou relaxar a prisão. Agora, com esta decisão do STF, a manutenção da prisão do plantador durante o processo é um exagero, uma ilegalidade.

Várias pessoas pelo Brasil buscam uma orientação sobre muitos growers presos e esse texto tem a função de ajudar a liberdade dos amantes da planta de Jah.




ANDRÉ BARROS, advogado da Marcha da Maconha

Em reunião na ONU, Bolívia defende consumo da coca



O presidente boliviano, Evo Morales, defendeu na segunda-feira o direito do seu povo a mascar folhas de coca, principal ingrediente da cocaína, dizendo que se trata de uma tradição antiga, e que seu governo está lutando contra o narcotráfico.

Segurando uma folha de coca para salientar sua mensagem durante uma reunião na ONU sobre narcóticos, o líder esquerdista, ex-dirigente sindical dos cultivadores da planta, disse que os cocaleiros não são "traficantes de drogas", e que a coca não é o mesmo que a cocaína.

A folha de coca foi declarada como um narcótico ilegal na Convenção Única sobre Entorpecentes, um documento da ONU de 1961, junto com a cocaína, a heroína, o ópio, a morfina e várias drogas químicas.

A Bolívia se retirou da convenção, mas espera readerir com uma ressalva ao uso da coca mascada. Não está claro, porém, se um número suficiente de países apoiará essa iniciativa.

"Sabemos que alguns países já nos transmitiram sua forte oposição", disse em entrevista coletiva o chefe do Escritório da ONU para Drogas e Crimes, Yury Fedotov.

Morales disse que mascar coca é um "direito ancestral" dos bolivianos. "Não somos viciados em drogas quando consumimos a folha de coca. A folha de coca não é cocaína, temos de nos livrar desse equívoco", disse ele no discurso, que terminou sob aplausos. "Essa é uma milenar tradição na Bolívia, e esperávamos que os senhores entendessem que os produtores de coca não são traficantes de drogas."

Após o discurso de Morales, milhares de cocaleiros saíram às praças em várias cidades do país, mascando coca para expressar apoio ao presidente.

A Bolívia é o terceiro maior produtor de coca, atrás de Colômbia e Peru. A folha da coca, quando mascada, serve como um estimulante leve, que reduz os incômodos decorrentes da fome e da altitude.
"Estamos muito cientes do dano que pode ser feito pela cocaína, e estamos trabalhando contra o tráfico de drogas (...), mas queremos o reconhecimento desses direitos ancestrais", disse Morales.

Advogado de Nick Diaz encontra brecha na lei para que o atleta possa fumar maconha antes dos combates

O bom advogado é justamente aquele que encontra uma brecha na lei para poder beneficiar o seu cliente. Desta forma, foi que Ross Goodman, responsável por gerenciar os problemas do lutador Nick Diaz com a Justiça, usou uma brecha na lei para defender que o astro do UFC possa fumar maconha antes de seus combates. Isto porque o atleta teria testado positivo para os metabólicos da maconha. Contudo a droga só é considerada proibida no doping quando é a substância pura.

Isso mesmo, fumar maconha. Apesar de soar de forma tão estranha, a explicação de Goodman é rápida e certeira, e foge às discussões éticas sobre a droga ser ou não considerada doping.
Em entrevista ao site da ESPN americana, o advogado explicou sua posição usando uma brecha nas normas da Agência Mundial Anti-Doping.

“ A maconha é uma substância proibida, mas seus metabólitos não. O sr. Diaz não testou positivo para uma substância proibida. Sabemos que ele não testou para maconha, então, se você olhar a lista da Agência Mundial, verá que os metabólicos da maconha não são proibidos.”

Se o recurso terá êxito só saberemos nos próximos dias, ou semanas, mas, de fato, a lista da entidade, que é extremamente rigorosa com as demais drogas, não discorreu sobre a erva.

Enquanto drogas como cocaína e ecstasy, assim como substâncias anabolizantes, possuem extensas discriminações em suas diversas formas apresentáveis no organismo após o uso, assim como seus prinícpios ativos, a maconha só é mencionada em seu estado “puro”.

“ Você tem que testar positivo para maconha, ingrediente nãs testado por Nick. Se não há nada nas regras que proíbem os metabólitos da maconha, por que estamos aqui?”, indagou o advogado do atleta.
Flagrado no exame após o duelo contra Carlos Condit, em fevereiro, Diaz está suspenso preventivamente até que o resultado seja oficializado, já que em 2007 o americano já havia sido pego pela Comissão Atlética.

Revoltado com o caso e com a derrota por pontos para Condit, o ex-campeão dos meio-médios (77 kg) do Strikeforce ameaça se aposentar.

É possível morrer fumando maconha ?!?!

A ciência já provou quantos baseados são necessários para uma dose letal de maconha. Essa informação todo mundo deveria ficar sabendo para que consigamos quebrar de uma vez por todas o tabu que rege a cabeçaprincipalmente dos pais: porque eles acham a maconha mais perigosa que o álcool? Enquanto a bebida pode matar facilmente, a cannabis simplesmente não consegue, ou melhor, nunca conseguiu matar ninguém!



Isso não quer dizer que a maconha não faz mal, mas sim que a dose letal dela é impossível de ser alcançada mesmo pelo maior maconheiro de todos os tempos. Segundo a ciência, para morrer fumando maconha seria necessário uma quantia de pelo menos 680 quilos da erva! E mais: em 15 minutos! Isso é cerca de de 20 a 40 mil cigarros de maconha, uma quantidade que talvez você não fume durante toda a vida. Divulguem essa informação. Fonte: aqui.

LSD pode ser útil para doentes ou recreativamente, diz economista.

A partir dos anos 1980, com a cocaína, a reputação das drogas decaiu; mas, como já sabia Steve Jobs, o LSD pode ser útil para os doentes ou recreativamente

Marcos Fernandes G. da Silva, Folha de S.Paulo

TENDÊNCIAS/DEBATES

Um debate ácido

“Usar LSD foi uma das melhores coisas de minha vida.” Essa afirmação de Steve Jobs, que literalmente amou o alucinógeno ao longo de sua vida, chocou a muitos, mas não poderia ter sido mais oportuna.

De fato, nos anos 1960 houve um elogio dionisíaco dos recreativos naturais e químicos. No entanto, a “The Economist” recuperou recentemente a história de Timoty Leary, professor de psicologia de Harvard. Suas pesquisas foram revisitadas recentemente, reabrindo um debate inescapável sobre drogas e seus usos.

Entretanto, a partir dos anos 1980, com a ascensão da cocaína, a reputação das drogas em geral decaiu e as proibições foram encaradas como única política pública aplicável ao problema.

A mais nova vítima da criminalização é a Salvia divinorum, “prima” daquela deliciosa ervinha culinária. Ela pode ser mais poderosa do que o LSD e levar a surtos perigosos, embora há tempos seja usada em rituais no México e recreativamente em vários lugares. Todavia, está sendo banida em alguns países. Seria essa solução inteligente?

Recentemente, John Gray (London School of Economics) resumiu no “The Guardian” os argumentos contrários à criminalização das drogas. A guerra contra elas fracassou: os custos do uso de droga permanecem sem a legalização, assim como os infinitos custos da proibição.

Por outro lado, as drogas alucinógenas não podem ter benefícios. Poder-se-ia defender, por exemplo, a produção orgânica de cigarros. Não que eles não fariam mal, mas, realisticamente falando, podem, no uso moderado, gerar benefícios para os fumantes. O melhor é não fumar, mas nem tudo é (e nem deve ser) perfeito.

O LSD pode ser usado no tratamento de dores de cabeça crônicas e de demência senil. Pode ser usado em pacientes terminais e recreativamente. Ademais, a evolução científica poderá criar uma nova geração de alucinógenos sintéticos, mais seguros.

O grande problema quando se fala de drogas é o estigma. No caso dos alucinógenos, o uso recreativo é tradicionalmente visto como uma fraqueza, como algo que contradiz os princípios de uma sociedade organizada e sã.

Nada mais perigoso. Huxley afirmava: “Não quero conforto, quero Deus, quero poesia, quero perigo real, quero liberdade, quero bondade, quero pecado”.

Afora os argumentos econômicos (custos) e políticos (excesso de regulação da vida privada), a legalização do LSD se baseia numa prerrogativa moral, estabelecida por algo que defino como o “paradoxo da autonomia”: cada vez mais temos autonomia para saber que não a temos.

Isto é, saberemos nossas propensões genéticas aos vícios e, dessa forma, poderemos evitá-los. É falacioso afirmar que não temos autonomia diante das drogas. Não temos autonomia em geral, mas, guiados por uma ética da responsabilidade, podemos regular nossas vidas privadas, sem o Estado.

MARCOS FERNANDES G. DA SILVA, 48, economista da FGV, é autor de “Ética e Economia” e de “Formação Econômica do Brasil: Uma Reinterpretação Contemporânea” (ambos pela editora Campus)

Sem resultados, guerra às drogas deve continuar em xeque em 2012

Cresce movimento de especialistas por enfoque alternativo à repressão ao tráfico e ao consumo

O relatório global das Nações Unidas sobre entorpecentes não deixa dúvidas: o uso de drogas ilícitas continua muito elevado no mundo, apesar dos esforços para combater a demanda e, principalmente, o tráfico. A cada ano, 210 milhões de pessoas experimentam ou fazem uso regular de substâncias ilegais. Destas, 200 mil morrem em decorrência do uso, sem contar as vítimas da repressão às drogas. Só no México foram 60 mil desde 2006.


Ao que tudo indica, a guerra às drogas está caminhando para um melancólico final. Desde 1971, quando os Estados Unidos de Richard Nixon impulsionaram o enfrentamento aos entorpecentes ilícitos, nunca foi tão evidente que o combate direto a esse consumo fracassou. Ao menos é isso que defende parte dos especialistas e políticos que discutem a questão.

Efe

Policiais da República Dominicana prestes a incinerar mais de oito toneladas de drogas apreendidas

“Em 2011, ficou claro para todo mundo que não é mal intencionado nem moralista que o nosso sistema falhou e não tem futuro. A ideia de continuar endurecendo o combate às drogas só vai aumentar o nível de violência na sociedade”, constata o jornalista Denis Russo Burgierman, autor do livro recém-lançado “O fim da guerra” (Ed. Leya).

Para ele, um marco importante é o surgimento da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, que hoje é presida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e tem “basicamente todos os generais da guerra contra as drogas dos anos 1990, a época mais dura desse enfrentamento”, diz Russo. Integram o grupo César Gaviria, ex-presidente da Colômbia; Ernesto Zedillo, ex-presidente do México; o Secretário de Estado americano, George Shultz, e o presidente do Federal Reserve durante o governo Reagan, Paul Volcker, e o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan. Recentemente eles propuseram a Barack Obama repensar a legislação antidrogas. A reposta foi simplesmente “não”.

Mas o sistema está em crise. Para o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) Pedro Abramovay, a população americana já dá sinais de que a descriminalização da maconha está bem perto de ser aprovada. Por enquanto, 14 estados aprovaram o uso medicinal da droga. “Por incrível que pareça, os EUA, que lideraram todo o processo de proibicionismo no mundo, têm agora a maior chance de romper com isso”. Abramovay, que seria o titular da Senad (Secretário de Políticas sobre Drogas) no governo Dilma Rousseff, foi demitido no início de 2011 após se pronunciar favoravelmente ao fim da prisão para pequenos traficantes.

Alternativas e experiências

A descriminalização, entretanto, não é sinônimo de solução do problema. Na Holanda, exemplo mundial de liberalização da compra de drogas, a questão da “porta dos fundos” é uma das falhas do sistema. “O que eles fizeram foi uma espécie de arranjo entre o Poder Executivo e o Judiciário. Para eles, o problema era o consumo de heroína e cocaína. Então, as drogas tidas como leves, como os cogumelos e a maconha, poderiam ser comercializadas sob determinadas regras. Só que nada estava previsto para quem vende para essas lojas. Na Holanda é proibido plantar ou importar as drogas. E daí entra a ‘porta dos fundos’, que virou uma contradição. A droga vem do tráfico”, ressalta o antropólogo Maurício Fiore, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Ainda assim, esse não é o principal problema do país no que diz respeito aos famosos “coffee shops”: atualmente os turistas são o maior incômodo dos holandeses. Alemães, franceses, ingleses, americanos e, claro, brasileiros, figuram entre os que lotam Amsterdã em busca de diversão e drogas.

O “turismo da canabis” irritava parte da população holandesa e, também, provocava resistência de países vizinhos, onde a droga não é liberada, que viam em Amsterdã uma porta a entrada de entorpecentes para a União Europeia. A solução encontrada foi aprovar uma nova lei que permite o consumo exclusivo para cidadãos do país. Em 2012 ela já será aplicada nas áreas de fronteira e em 2013 chega à capital.

Efe

Polícia da Guatemala apreende mais de 100 quilos de cocaína

A Espanha tentou resolver a questão do fornecimento da maconha ao permitir a existência de cooperativas de produtores e consumidores. Existem aproximadamente 200 associações não lucrativas com esse caráter em todo o país. “As cooperativas cresceram e se espalharam. Elas não poderiam ter lucro, ou seja, vender a maconha. É um modelo apresentado como alternativa”, observa Fiore.

Por outro lado, o pesquisador admite que essa é uma situação difícil de controlar: “A maconha é a droga mais consumida das ilegais, a demanda é muito grande. E sabemos como é difícil controlar uma ONG. Nós estamos em um mundo capitalista, nem todo mundo quer participar ou discutir. Boa parte quer comprar a droga e ir para casa. Além disso, só a maconha permite a produção caseira”.

Denis Russo concorda: “Muitas dessas organizações são responsáveis, mas muitas também são picaretas, porque num clima em que não há segurança jurídica, você abre espaço para todo tipo de gente”. Há pouco tempo, alegando que alguns dos cooperados estavam envolvidos com tráfico, a polícia espanhola fez uma verdadeira devassa nessas organizações.

O exemplo de Portugal

Vizinho da Espanha, Portugal é uma referência no que diz respeito a como lidar com o usuário. O país permite que cada pessoa carregue uma quantidade suficiente para 10 dias de consumo de qualquer droga – no caso da maconha, inferior a 25 gramas; para a cocaína, 2 gramas de cocaína; e 1 grama de heroína ou anfetaminas. Caso seja abordado pelas autoridades, o usuário passará pela análise de uma junta civil que julgará se ele é ou não dependente e, se necessário, será encaminhado para o tratamento do vício.

“Esse modelo é muito melhor que o do Brasil porque os resultados dele são muito positivos. Depois da instalação desse modelo o consumo diminuiu entre os jovens. Também houve uma redução brutal de mortes relacionadas ao uso de drogas. Isso porque quando você reduz a presença do sistema penal, o sistema de saúde consegue lidar melhor com o assunto”, afirma Abramovay.

A lei foi elaborada por uma comissão de notáveis nomeada pelo governo português em 2001. “O que eles fizeram foi juntar uma comissão de especialistas, estudar a sério iniciativas do mundo inteiro e criar um sistema coerente, inteligente, racional, do século XXI, feito a partir de coisas que funcionem. Algo fundamental em Portugal foi tirar a questão do âmbito da Justiça e passar para a Saúde, uma mudança brutal. Isso muda tudo, pois a Justiça é cega, tem que tratar todo mundo igual, e Saúde é o contrário disso: cada doença tem um remédio”, aponta Denis Russo.

O jornalista ressalta que, há uma década, as drogas eram o maior problema de Portugal. “Havia uma histeria muito parecida com a que o crack está provocando no Brasil, e hoje não consta na lista dos dez maiores problemas do país. Acabou de ter campanha eleitoral em Portugal e ninguém nem falou nesse assunto”, completa.

Além disso, a Suprema Corte portuguesa, assim como na Espanha, na Colômbia e na Argentina, considera a criminalização do porte como inconstitucional. Isso porque, segundo o direito penal, a auto-lesão não é passível de punição. “Nesse caso, a única vítima é aquela que consome a droga e o Estado não pode invadir a liberdade individual”, afirma Abramovay.

Maurício Fiore utiliza esse argumento para questionar a chamada guerra às drogas: “Ainda que suponhamos que o Estado possa interferir na liberdade individual – o que eu discordo –, vale mais a pena o custo dessa droga ou você tratar a pessoa para não a consumir? Que guerra é essa? Vamos impedir alguém de cheirar? É irracional. É uma razão entorpecida. Parece que estamos enxugando o gelo”.

Experiência portuguesa pode melhorar combate ao crack no Brasil, dizem especialistas

Foco deve ser o tratamento dos dependentes; analistas criticam operação na Cracolândia

No final dos anos 1990, quando o consumo de heroína ocupava as ruas de Portugal, o país decidiu tomar uma medida radical e polêmica: descriminalizou o consumo de toda e qualquer droga. O foco da ação do Poder Público deixou de ser a repressão policial ao consumo de entorpecentes, para privilegiar o tratamento de saúde e a assistência social aos usuários.


Hoje, o país é elogiado pelas estatísticas que apontam queda no uso de drogas. Para alguns analistas do fenômeno, a política portuguesa deveria servir de referência para o Brasil, por exemplo, na luta contra o crack, - em contraposição à repressão policial aos usuários da região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo.

Efe (06/01/2012)

Política de criminalização do usuário de crack no Brasil é criticada por especialistas portugueses

Mesmo que se resista à descriminalização, como é a posição oficial brasileira, os especialistas defendem que o importante é que a prisão não seja o recurso para tratar o consumidor. A forma, qualquer que ela seja, deve evitar a estigmatização do usuário, disse ao Opera Mundi João Goulão, presidente do IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência). O órgão, que fica sob a alçada do Ministério da Saúde, é o equivalente português da Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), do Brasil, subordinada ao Ministério da Justiça.

“Penso que a descriminalização não é condição sine qua non para a dissuasão. O que me parece essencial é que o contato do usuário com o sistema (penal ou outro) seja acompanhado por um olhar de profissionais da área da saúde e de apoio social, tendo em vista encontrar respostas para além da mera reclusão, que habitualmente não tem outros resultados que não sejam os do aumento da exclusão e estigmatização”, afirma Goulão.

Com a mudança da lei, em 2000, em vez de enfrentar um processo criminal, os flagrados com drogas para consumo próprio (a quantidade máxima é a necessária para até 10 dias) em Portugal respondem a um processo administrativo nas Comissões de Dissuasão de Toxicodependência.

Combate à estigmatização

As punições, quando ocorrem, são administrativas – não vão para a ficha criminal – e envolvem, por exemplo, impedimento de que o dependente exerça algumas profissões ou frequente determinados locais. Mas a maioria dos processos é suspensa. Assim, em 2010, 62% das decisões das comissões foram pela a suspensão dos processos de não-dependentes, 20% pela suspensão de processos de dependentes que se comprometeram com tratamento e 14% resultaram em punição.

A preocupação em evitar o estigma modela também o modo de operação. O consumidor pode pedir que as cartas sobre o processo não sejam enviadas para sua casa e o “julgamento” é feito em uma sala informal, sem colocá-lo na situação de réu, descreve Gleen Greenwald, constitucionalista norte-americano que escreveu um relatório sobre o modelo português para o Instituto Cato, publicado em 2009.



“A esfera dos procedimentos operativos que acompanha a descriminalização traduz-se numa ferramenta conceitual importante à diminuição da repressão do consumidor e reparadora no sentido de serem propostas novas abordagens ao consumidor/toxicodependente, considerando-se a hipótese de conduzi-lo para tratamento sem estigmatização ou punição”, defende Lúcia Dias, mestre em toxicodependência e patologias psicossociais e autora do livro Drogas em Portugal.

O que não significa que não haja repressão a quem trafica. Em 2010, a maioria (58%) dos presumíveis infratores detidos pela polícia é traficante-consumidor. Dos processos envolvendo indivíduos que acabaram considerados traficantes, 87% terminaram em condenação.

Reconstrução social

“Claro que há discriminação”, relatou Margarida Marques, de 57 anos, ex-dependente que hoje atua em uma associação de apoio aos usuários de drogas em Portugal. “Mas não foi isso que me levou a deixar o vício. O que me levou a procurar ajuda foi minha degradação em todos os níveis (fisico, social e espiritual)”. Atribuindo sua recuperação à religião e contrária às políticas de substituição de drogas, ela defende entretanto o apoio terapêutico do Estado ao dependente.

Para além da saúde, o modelo português investe na reconstrução da estrutura social do indivíduo buscando detectar que tipo de problemas individuais podem estar relacionados com o uso de drogas. Foram identificados 1.323 indivíduos com necessidades de apoio habitacional, sendo um terço deles solucionados -- percentual considerado baixo pelo IDT. Houve também atendimento de 43% dos 4.719 casos com necessidades de emprego, 26% dos 2.280 de formação profissional e 44% dos 1.965 de educação.

O trabalho de reinserção, afirmou Goulão, pode ser aplicado mesmo a populações problemáticas como as de consumidores de crack da Cracolândia. “É possível sempre. Claro que não conseguimos com todas as pessoas um sucesso pleno que teria como corolário: habitação, emprego etc., mas é sempre possível ajudar as pessoas mais desorganizadas a fazerem alguns progressos: nos hábitos de higiene, na aproximação com a família, na (re)aprendizagem da vida em grupo, a saberem onde acaba o seu espaço e começa o do ‘outro’”, explicou o presidente do IDT.

“Temos clubes de emprego onde se ensina a procurar anúncios nos jornais, a fazer um currículo, treinam-se as respostas a uma entrevista. Qualquer pequeno progresso é sentido por estas pessoas como um enorme ganho”, contou Goulão.

Referência

Em um artigo que analisa a intervenção planejada pelo Governo Federal em relação ao crack, a cientista política e fundadora do Instituto Igarapé, Ilona Szabo, traça um paralelo entre a crise da heroína na Europa e a de crack no Brasil. Ela sustenta que a saída de Portugal e outros países europeus foi sábia ao retirar “sanções criminais dos usuários como forma de abrir um canal direto para prestar assistência médica e social.”

“O modelo português é um primeiro passo para o Brasil, porque está bem estruturado e documentado”, diz Ilona, que também faz parte do secretariado da Comissão Global e Latino Americana de Políticas sobre Drogas. Nos relatórios do ano passado das comissões, o modelo punitivo em relação às drogas foi declarado falido e a guerra, perdida.

Para o grupo, do qual fazem parte figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Kofi Annan, métodos alternativos como o de Portugal deram melhores resultados do que a “Guerra às Drogas”. O texto global defende “a legalização e a regulamentação da maconha, o fim da criminalização dos usuários de todas as drogas, o investimento de recursos em pesquisa científica e o uso da repressão com ênfase nas estruturas criminosas e não nos cultivadores, mulas humanas e vendedores de pequenas quantidades de droga”.

Mesmo para o crack?

“Quanto mais perigosa a droga, mais sentido faz descriminalizar”, disse Glen Greenwald, que vive atualmente no Rio de Janeiro para apresentar as pesquisas que tem feito sobre o modelo português. Para ele, as realidades sociais e culturais dos dois países são bastante semelhantes – com pobreza, catolicismo, conservadorismo e poucos recursos por parte do governo – o que aponta que a política seria eficaz aqui como lá. “É mais eficaz tratar vício em droga como um problema de saúde do que um problema criminal. Isso é tão verdade no Brasil quanto é em Portugal".

Efe (06/01/2012)

Ação na Cracolândia enaltece "uma cultura de que o filho feio a gente esconde", diz especialista

“É um mecanismo de limpeza social (que está sendo feito em São Paulo)”, opinou Ilona Szabo, "uma opção fácil de tornar invisível o problema das drogas e não de resolvê-lo. É cruel, uma cultura de que o filho feio a gente esconde”.

Familiarizada com modelos internacionais de combate e tratamento de drogas, Ilona se diz incapaz de antever o resultado da política adotada no Brasil em função da falta de transparência sobre o tratamento que será dado aos usuários de drogas em termos de saúde e assistência social. “Meu medo é que nada disso exista e se esteja apenas levando essas pessoas para algum lugar e dopando. Sem plano e cuidado com reinserção o problema vai voltar e maior.”

A responsabilização dos profissionais da saúde e da assistência social quanto às ações adotadas com os usuários é um dos pontos fortes destacados por Ilona no modelo português.

Diferente das alternativas que deixam nas mãos dos policiais a definição de quem vai ou não para a delegacia por não preverem quantidade e nem terem protocolos de saúde definidos, nesse caso há um profissional que assina o cadastro, cujas informações são protegidas. “Uma comissão de profissionais é responsável pela vida de outra pessoa e assina isso, e os dados são recolhidos pelo assistente social, não pela polícia. O usuário sai do número e vira uma pessoa”.

É um mecanismo mais custoso e trabalhoso, mas visto por ela como mais eficaz. “A política que estamos empregando hoje é enxugar gelo e dar tiro no pé. Estamos muito atrasados e somos preconceituosos em relação ao tema. Aqui bandido bom é bandido morto, mas se não entendermos que a sociedade tem de cuidar de todos os cidadãos, todos somos afetados. Não preciso consumir para ser afetado”.

De baixo para cima

O modelo português começou de forma clandestina, diz o pesquisador Jorge Barbosa em seu artigo“A emergência da redução de danos em Portugal: da clandestinidade à legitimação política”. Nos anos 1980, os técnicos desenvolviam ações pontuais ligadas à saúde porque percebiam, no dia a dia, que faltava apoio nessa área. Foi na crise da heroína e com a explosão de casos de Aids no país que o tratamento se institucionalizou. Um dos primeiros programas foi o do bairro social do Casal Ventoso, em Lisboa. Segundo Barbosa, o projeto encontrou pontos de contato com a população usuária de droga, unidades móveis que faziam programas de substituição da heroína e feitos planos integrados de prevenção às drogas entre governo e sociedade civil.

No Porto, outro programa parecido foi desenvolvido em meio ao sentimento de insegurança e exclusão social gerado pelo consumo de drogas nas ruas. Para se aproximar dos usuários, foram colocadas equipes de rua, gabinetes de apoio, centro de acolhimento, programas de troca de seringas e de substituição de droga e rastreio de doenças infecciosas.

A consolidação de programas de trocas de seringa, estima Barbosa, evitou aproximadamente 6.000 infecções cada 10.000 utilizadores de drogas injetáveis, entre 1993 e 2001. Uma economia de 400 milhões de euros em recursos públicos, calcula.

Com o aumento dos casos de Aids e da criminalidade por conta do consumo de drogas, ocorreu o que Barbosa chama de “cientificação” do debate sobre políticas alternativas em relação ao consumo de drogas, em que o governo chama os especialistas a contribuírem para a busca de soluções. Discutiu-se até legalização e criou-se uma proposta de descriminalização, que virou lei após a análise de uma comissão de estudos em 1999. Tudo isso, não sem críticas de que a política era de resignação perante as drogas ou de medicalização do que era visto como um problema de segurança.

Para Barbosa, o país ainda precisa fazer mais, diversificar a atuação e se adaptar às práticas de consumo para reduzir o problema. Ele critica o fato de não haver prescrição de heroína sob controle médico, troca de seringas nas prisões ou criação de salas de injeção assistida. Para Lúcia Dias, a principal dificuldade do atual modelo é conseguir definir as quantidades-limite que diferenciam um consumidor de um traficante. “É muito difícil precisar e especificar esses valores”.

Sem utopia

Sinais de aumento no consumo de drogas entre populações escolares e de um recrudescimento do fenômeno da cocaína mostram que a estratégia portuguesa, se bem sucedida, não é de todo capaz de zerar o problema do consumo de entorpecentes – assim como parece acontecer com a guerra às drogas.

Para Ilona Szabo, que foi também co-roteirista do documentário Quebrando o Tabu, em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso faz um périplo atrás de soluções de redução de dano em relação às drogas, o Brasil precisa ir além do modelo português. O segundo passo é a regulação da maconha. “Como queremos continuar em um modelo burro de proibir drogas conhecidas? O que é proibido não pode ser regulado, precismos experimentar um modelo pragmático”.

Futuro da guerra às drogas divide autoridades em debate do Google

Programa teve participação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de Julian Assange


Um grande debate promovido pelo Google, com transmissão ao vivo pelo Youtube, mobilizou nesta terça-feira (13/03) os grupos contrários e os defensores da chamada “Guerra às Drogas”, política de repressão à produção, comercialização e consumo de substâncias entorpecentes como maconha, cocaína e heroína. Entre os debatedores estiveram ex-presidentes, como o brasileiro Fernando Henrique Cardoso e o mexicano Vicente Fox, pesquisadores, personalidades e autoridades internacionais.

Em mais de duas horas de discussão, foram colocados na mesa os principais argumentos pró e contra a descriminalização das drogas, como alternativa à política de repressão intensificada nos anos 1970, em uma iniciativa do então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon, e que hoje é apontada como um fracasso por diversos governos e especialistas.

“Todas as opções devem ser consideradas”, disse o atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, no depoimento que abriu as discussões. Ele voltou a defender uma discussão global sobre o papel da política antidrogas. “É hora de sermos criativos e termos a mente aberta”, disse. Desde os anos 1990, a Colômbia tem sido o principal laboratório da guerra promovida pelos EUA contra os produtores de cocaína.

Santos evitou criticar o chamado “Plano Colômbia”, por meio do qual o governo norte-americano despejou bilhões de dólares no combate aos cartéis locais, e disse que nos últimos anos o país conseguiu bons resultados na redução dos índices de violência. No entanto, o presidente colombiano ressaltou o alto preço pago em vidas humanas nessa conflito. “Perdemos nossos melhores juizes, nossos melhores políticos, nossos melhores jornalistas, os melhores policiais nessa luta contra as drogas”, repetiu.

Reprodução

Debate teve participação de personalidades de diversos países, incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

No geral, o tom do debate foi de contemporização. De um lado, o grupo pró-repressão buscava evitar o uso do termo “guerra às drogas”, que implicaria em uma conotação negativa a uma política ampla de controle do uso de entorpecentes que não se restringiria ao uso da força policial ou militar. De outro, os apoiadores da descrminalização tentavam esclarecer que não defendem a legalização simples e imediata de todas as drogas, mas sua regulamentação, de modo a acabar com a violência causada pela repressão ao tráfico.

Em uma breve declaração, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a defender que o debate sobre a descriminalização é a melhor saída para o problema das drogas, e que o usuário deve ser encarado sob a ótica da saúde pública, e não da polícia.

Antonio Maria Costa, subsecretário-geral da ONU e diretor da agência das Nações Unidas sobre drogas e criminalidade, argumentou que a pauta da legalização é incentivada e patrocinada por grandes corporações, em especial, laboratórios farmacêuticos interessados em um novo mercado. “O 1% ataca de novo”, disse Costa. “(A legalização das drogas) é a privatização dos lucros e a socialização dos custos com saúde pública”.

Também contrário à descriminalização, o ex-procurador e ex-governador de Nova York, Elliot Splitzer, disse que acabar com a repressão seria uma “saída fácil” para um problema complexo e não resolveria a questão, já que o mercado negro continuaria a procurar outras substâncias mais fortes não-regulamentadas para atrair os usuários, o que não eliminaria a violência.

O general Barry McCaffrey, que foi chefe da política nacional antidrogas do governo Bill Clinton, discordou da tese de que a “Guerra às Drogas” tenha sido um fracasso total. Segundo McCaffrey, os Estados Unidos teriam reduzido o consumo de drogas em um terço nos últimos 30 anos.

O escritor e ativista Misha Glenny, por sua vez, contestou os dados apresentados por McCaffrey, ressaltando que os EUA continuam sendo o maior mercado consumidor de drogas ilícitas do mundo e prendem anualmente 1,6 milhão de pessoas, a maioria negras, sob a acusação de crimes não-violentos relacionados a drogas, em grande parte usuários.

“Vamos ter de esperar mais cem anos para admitir que perdemos essa Guerra?”, questionou Bernard Kouchner atual ministro das Relações Exteriores da França e co-fundador da ONG Médicos Sem Fronteiras. Kouchner defendeu o controle governamental da produção e comercialização das drogas, tal como é feito com o álcool e o tabaco.

O fundador do Wikileaks, Julian Assage, argumentou que a proibição do uso de drogas viola a liberdade de os indivíduos decidirem o que fazer com seu próprio corpo e apenas beneficia uma rede de interesses de grandes corporações que lucram com a repressão, a violência e a lavagem de dinheiro.

“Todos eles evitaram o termo “Guerra às Drogas” porque eles sabem que não podem defende-la. Depois de 40 anos, nenhuma pessoa em sã consciência pode”, disse o advogado de direitos humanos, Geoffrey Robertson, que rivalizou com Elliot Splitzer na defesa de cada lado. Splitzer, por sua vez insistiu em corroborar a tese de que a desciminalização das drogas inevitavelmente levará a um aumento do consumo, com consequências imprevisíveis.

Antes e durante o debate, os espectadores puderam votar em uma enquete na internet sobre a questão. No início do programa, 60% dos votantes eram a favor do fim da guerra às drogas, 15% defendiam sua manutenção e 25% não sabiam. Ao término dos debates, o número de pessoas a favor da descriminalização, subiu para 65% (+5 p.p.), enquanto 29,6% (+15 p.p.) passaram a ser a favor da repressão da venda e consumo de drogas atualmente ilícitas e (5,6%) não souberam responder.

sábado, 10 de março de 2012

[Download Livro] Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley


Ainda vai ser proibido proibir o que não se pode proibir


Recentemente houve a polêmica publicação de um adendo à “Controlled Substances Act“, lei dos Estados Unidos que define quais substâncias são ilegais no país, e consequentemente influenciam o status destas substâncias em todo o mundo. Neste adendo, pelo que se tem notícias pela primeira vez, substâncias foram classificadas como ilegais baseadas em seu mecanismo de ação farmacológico. No texto do adendo consta que “agonistas canabimiméticos” ficam sendo proibidos… hein? Alto lá! Além de serem encontrados em plantas, como por exemplo na maconha ou haxixe, os agonistas canabinóides também estão presentes em diversos tipos de animais, e inclusive no nosso próprio organismo.

video com legendas em português e inglês, basta clicar play e depois no “CC”

Hoje algumas plantas são proibidas, o que me parece estranho visto que elas são parte da própria natureza. Mas alguém já pensou em proibir animais? Por exemplo, o baiacu é um peixe altamente venenoso que existe em abundância no litoral brasileiro. Não há dúvida de que traz risco, pois porta uma toxina altamente potente e mortal em seus órgãos interno. Mas ainda assim, algumas pessoas fazem uso de baiacu, e se deliciam com isto. Já imaginou proibir o baiacu porque ele potencialmente faz mal? Como se executa uma lei desse tipo?

Faz sentido que este belo baiacu seja "proibido", já que produz uma toxina mortal? Dica com importância de saúde pública, como limpar um baiacu, clique na foto.

Sim, no meu, no seu e no nosso organismo existem pelo menos 5 agonistas canabinóides. No cérebro, por exemplo, os agonistas canabinóides endógenos (endocanabinóides) são responsáveis por diversas funções importantíssimas para nossa saúde, incluindo regulação de temperatura, controle de processos inflamatórios, indução de fome, manutenção de humor, entre outras. Além do que agonistas canabinóides são responsáveis pelos efeitos terapêuticos, já reconhecidos em algumas preparações, como o Bedrocan, maconha medicinal vendida em farmácias da Holanda, e o extrato padronizado Sativex, comercializado em diversos países da Europa e no Canadá.

Com uma leitura mais atenta, percebe-se que a intenção do documento é estender a proibição a certas substâncias sintéticas com classe química definida. Ah tá… (muito embora, eu continue achando estranho pois o Marinol, um THC sintético, é liberado para uso terapêutico pelo FDA dos Estados Unidos já faz mais de 20 anos).

Esta manobra de proibição de agonistas canabinóides sintéticos é muito provavelmente uma reação ao recente aumento da venda de uma nova droga de rua chamada de “Spice” em terras estrangeiras, e que se descobriu, inclui (mas não se restringe a) canabinóides sintéticos. (Para saber mais)

O que pouco se comenta, no entanto, é que o aumento na variedade de substâncias sintéticas da classe canabinóide é uma consequência direta da proibição dos derivados naturais da Cannabis, que sempre foram os “preferidos” pelos usuários. Ou seja, é a mesma estratégia de proibição sendo utilizada para remediar os efeitos colaterais dela mesma. Não lhe parece um equívoco?

Se seguirmos nesta toada, proibindo ponto a ponto cada substância que se invente dentro de uma classe farmacológica, o desperdício de tempo e recursos, será imenso, pois é inevitável que novas substâncias sejam criadas de tempos em tempos, dada a vasta criatividade humana, em especial quando estimulada pelo alto preço dos miligramas destas substâncias ilícitas. É inevitável que um dia alguém se canse e queira de uma vez “proibir tudo o que é canabinóide“.

Curiosamente, o sistema endocanabinóide está intrinsecamente ligado à capacidade adaptativa dos organismos; e nunca antes na história da humanidade uma mudança radical de comportamento foi tão necessária! Aos que continuam achando que os canabinóides são os vilões da história, e que apóiam a estratégia de “proibições seriais”, já aviso que a estratégia é um saco sem fundo. Melhor então partir para uma abordagem tecnológica e usar a engenharia genética para fabricar uma nova geração de bebês que não possuam os receptores canabinóides (onde as moléculas da maconha se ligam para agir) no corpo. Ih, melhor não dar idéia… isto já é possível em animais menores, como roedores, e se o nosso futuro for tão catastrófico e artificial como o do Admirável Mundo Novo de Huxley (livro em pdf), isto ainda pode acontecer.

Aproveite para comer buchada de bode, ela pode ser proibida num futuro próximo! (intestinos de bode, porco e outros mamíferos de corte naturalmente contém endocanabinóides)

Considero um grande erro tirar o fator humano da jogada, e considerar que as substâncias são simplesmente “boas” ou “más”. Afinal, é uma pessoa, em um determinado contexto econômico e social, em um determinado momento, que faz uso de uma substância. E não é só o que a substância faz na pessoa, mas principalmente o que a pessoa faz com a substância… Grandes obras culturais da humanidade foram criadas com estímulo dos psicoativos; dizem algumas teorias que até as religiões são invenções psicodélicas… Então porque nos últimos 50 anos há tanta perseguição e tanto medo da psicoatividade?

Como dizia o Robertão, parece que “tudo que eu gosto é proibido, imoral ou engorda“. Ou seja, talvez a idéia velada seja proibir tudo o que incomoda, perturba, tira do senso comum; usando as substâncias (que são tangíveis) para classificar e recriminar ideologias e atitudes (intangíveis), como uma espécie de censura farmacológica. Neste caso, porque não ir direto ao ponto e declarar que é “proibido utilizar, cultivar, vender ou difundir qualquer substância, artefato ou prática que gere prazer, alteração de estado emocional ou mental, e que induza o indivíduo a pensar ou se comportar de maneira diferente do grupo de indivíduos de maior poder político em uma determinada sociedade“.

Afinal, não é esse o resultado final da estratégia vigente?