Psicodélico: [LIVRO] Carlos Castañeda - Entre o real e o imaginário

sábado, 5 de novembro de 2011

[LIVRO] Carlos Castañeda - Entre o real e o imaginário




Índice :

Introdução

Capitulo 1 – O homem
Capitulo 2 – A obra
Capitulo 3 – A Critica ( no tempo dos lançamentos dos livros )
Capitulo 4 – Entrevistas & Reportagens
Capitulo 5 – Fatos Históricos
Capitulo 6 – Comparando Filosofias
Capitulo 7 – Conclusão

Introdução





Como devem saber encontrar qualquer coisa sobre castañeda, além dos livros, não é assim tão simples, no entanto existe mais do que se pensa registrado sobre ele e a maioria dessa informação é registro de época e não se perpetuou no tempo como as obras do Nagual o que contribui para sua fama de "homem misterioso".

O que apresento-lhes nesse artigo é a síntese dessas informações, recolhidas em messes de pesquisa. Com o intuito de evitar qualquer má interpretação, deixei apenas a parte da CONCLUSÂO para expressar minha opinião pessoal sobre todo o processo de leitura e pesquisa, todo o resto das informações foram filtradas e selecionadas nas mais diversas fontes e reproduzidas sem alteração.

Capitulo 1 – O homem





Segundo o próprio Castaneda, ele teria nascido no Brasil, em 1935, numa cidade do Vale do Paraíba, e passado a infância no município de Juqueri - atual Mairiporã, acidentalmente, no meio de uma família conhecida. Um parente - pelo lado paterno - era o famoso diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, presidente da ONU e embaixador em Washington por duas vezes. Seu pai, um professor de literatura, tinha apenas 17 anos, e sua mãe, 15. Após a morte de sua mãe, quando tinha 6 anos, sua criação ficou a cargo dos avós maternos, pequenos proprietários rurais de uma granja.

Posteriormente o jovem Castaneda foi enviado para um importante colégio de Buenos Aires, o Nicolas Avellaneda, onde permaneceu até os 15 anos estudando e onde provavelmente aprendeu o espanhol que mais tarde viria exercitar no México. Tornando-se um problema para a família pelo seu comportamento revoltoso, Oswaldo Aranha, seu tio famoso e patriarca da família, teria intercedido para que ele arrumasse um lar adotivo em Los Angeles, Califórnia, em 1951. Depois de se formar ma Hollywood High Scholll, tentou cursar Belas Artes em Milão, na Itália, mas abandonou o curso por falta de afinidade, voltando então para os EUA e matriculando-se no curso de Psicologia Social da UCLA, escolha que seria alterada posteriormente ao mudar o curso para antropologia
Em 1973, no auge de sua fama, a conhecida revista norte-americana TIME publicou uma extensa matéria de capa sobre o autor. Esta só foi conseguida depois de muita insistência junto aos agentes literários do autor que, inclusive, posou para fotos em ângulos parciais, o que sempre evitava a todo custo. A abrangente matéria notabilizou-se por publicar o resultado de uma suposta investigação envolvendo a biografia de Castaneda antes da fama, e tinha entre seus objetivos implícitos e explícitos, o propósito de retratá-lo como um mentiroso. A reportagem alega que Castaneda era peruano, nascido na andina cidade de Cajamarca, cuja origem remonta ao império Inca. A reportagem cita amigos da terra natal e mesmo uma irmã de Castaneda falando sobre traços da personalidade de Castaneda, como alguém dono de imaginação fértil e entregue ao vício do jogo. Segundo ela, Castaneda seria filho de um relojoeiro e teria nascido no ano de 1925. Aos 24 anos, em 1951, teria decidido imigrar para os EUA após a traumática morte da mãe. No livro de entrevistas Conversando com Carlos Castaneda, da jornalista Carmina Fort, Castaneda, décadas depois, lamenta a decisão da TIME de publicar estes dados, que teriam sido inseridos porque ela "precisava de uma história".
"Estas estatísticas não significam nada. Importante é o que nós somos não o que éramos" C. Castaneda.

Capitulo 2 – A Obra




Carlos Castaneda, pensando em ir para o curso de antropologia, buscava a publicação de um artigo para dar início à carreira acadêmica. Havia lido e escrito um pequeno ensaio sobre o livro de Aldous Huxley, As Portas da Percepção, que havia celebrizado no mundo ocidental os efeitos psicotrópicos da Mescalina, alcalóide alucinógeno presente em grandes quantidades no botão do cacto de peiote, que era usado de forma ritual por vários povos indígenas americanos. Pesquisou o tema das plantas medicinais em livros como o de Weston La Barre's, O ritual do peiote e partiu para o trabalho de campo. Foi então para o estado do Arizona, onde conheceu o índio brujo conhecido como Don Juan Matus. Este viria a ser seu guia, e é personagem central nos livros autobiográficos que escreveu. O encontro com o índio foi um episódio marcante, que é recontado várias vezes na sua obra. Numa estação rodoviária, indicado por um colega da faculdade, Castaneda aproximou-se e apresentou-se como especialista em peiote, convidando o índio a lhe conceder entrevista. Como não sabia virtualmente nada a respeito do cacto, segundo relata, Don Juan teria captado sua mentira e devolvido-a com um olhar. Este olhar foi bastante significativo, pois Castaneda, normalmente um homem falante e extrovertido, ficou sem ação e tímido ao ser persercutado. Nas explanações posteriores, diz que Don Juan o havia capturado com o olhar mostrando-lhe o Nagual, pois havia visto que Castaneda poderia ser o homem que ele procurava para lhe passar seu conhecimento. Depois de mais alguns encontros, Don Juan lhe anuncia sua decisão e decide levá-lo a experimentar as plantas medicinais que Castaneda tanto pedia.
Aos poucos o jovem ocidental e acadêmico foi sendo posto ao encontro de experiências cognitivas que desafiavam o poder de explicação de sua razão, sendo forçado finalmente a mudar toda a sua concepção de mundo em prol das novas explicações que o mestre lhe fornecia e que ia compreendendo, gradualmente. Como explica no sexto livro, O Presente da Águia, o sistema de interpretações e crenças que se dispôs a estudar terminou por engalfinhá-lo, ao se revelar tão ou mais complexo que o sistema "ocidental" de interpretações do mundo. Este é um ponto chave da obra, antes inédito na antropologia e uma das fontes das acusações difamadoras que foi recebendo aos poucos. Pela primeira vez um estudioso e intelectual ocidental admitia a inoperância das suas ferramentas teóricas para classificar o objeto de estudo. O jovem ocidental viu-se forçado a admitir sua fraqueza e sua vida desordenada e vazia e um indígena aparecia como um "caçador e um guerreiro", dono de um propósito inabalável e capaz de manipular e influenciar profundamente sua percepção e visão de mundo.

Livros
· A Erva do Diabo (The Teachings of Don Juan: A Yaqui Way of Knowledge - 1968)
· Uma Estranha Realidade (A Separate Reality: Further Conversations with Don Juan - 1971)
· Viagem a Ixtlan (Journey to Ixtlan: The Lessons of Don Juan - 1972)
· Magia: Uma Descrição do Mundo (Sorcery: A Description of the World - 1973)
· Relatos de Poder (Tales of Power - 1975)
· O Segundo Círculo do Poder (The Second Ring of Power - 1977)
· O Presente da Águia (The Eagle's Gift - 1981)
· O Fogo Interior (The Fire from Within - 1984)
· O Poder do Silêncio (The Power of Silence: Further Lessons of Don Juan - 1987)
· A Arte de Sonhar (The Art of Dreaming - 1993)
· Porta para o Infinito (Readers of Infinity: A Journal of Applied Hermeneutics - 1996)
· Passes Mágicos (Magical Passes: The Practical Wisdom of the Shamans of Ancient Mexico - 1998)
· O Lado Ativo do Infinito (The Active Side of Infinity - 1999)
· Roda do Tempo (The Wheel Of Time : The Shamans Of Mexico - 2000) - uma antologia de citações comentadas.

Resumo da obra e principais comentadores - por Miguel Duclós
Miguel@consciencia.org

"Os livros de Castaneda são autobiográficos, e por ter um conteúdo extraordinário, por muitos são considerados fantasiosos. São um relato de seu aprendizado com Don Juan Matus e de suas experiências de iniciação à feitiçaria, entendida como um conhecimento formado a partir da antiga cultura tolteca pré-colombiana. Juan Matus é um nome falso, porque nomes tem poder, e não devem ser manipulados em vão. Castaneda estava se formando em sua faculdade quando partiu em pesquisa de campo afim de levantar dados para sua tese de doutorado, cujo assunto era o uso de plantas medicinais entre os índios mexicanos. Preencheu muitas páginas com anotações e entrevistas nessa pesquisa. Então resolveu ir atrás de informações sobre alucinógenos usados em rituais, como o peiote, a erva do diabo (estramônio) e o cogumelo mexicano. O peiote já havia sido objeto de pesquisa ocidental acadêmica. Sintetizaram o seu agente químico, a mescalina. Aldous Huxley tomou essa droga e sua experiência serviu de base para o ensaio As Portas da percepção e Céu e Inferno.
Através de um conhecido de Castaneda, Bill, ele teve um primeiro encontro com Don Juan, numa estação de ônibus. Bill havia falado que aquele velho sabia do assunto mas era intratável e vivia bêbado. Castaneda foi logo pedindo informações sobre o peiote, dizendo que sabia muitas coisas sobre isso quando na verdade sabia pouco. Don Juan captou sua mentira e refletiu-a com um olhar. Esse olhar marcou Castaneda. Mais tarde Don Juan afirmou que lhe mostrou pela primeira vez a segunda atenção. Envergonhado, Castaneda se preparou durante seis meses e voltou, descobrindo a casa de Don Juan por meio dos habitantes do vilarejo. Don Juan, muito caricato, o recebeu, e desde o início usou de subterfúgios, armou situações e explorou o sentido figurado das frases. Ele era um yaqui de Sonora, nascido por volta de 1875, mas é meio mítico. Nunca entrou em algum contato com o público ocidental e seus ensinamentos envolviam uma sutil manipulação da realidade perceptível. Pouco se sabe de seu passado. Teria perdido o pai e mãe ainda jovem. Era muito forte. Trabalhou em uma fazenda, sendo explorado por um empregado, que ele chama de pequeno tirano, como escravo. Levou um tiro dos capangas e foi achado e curado pelo seu benfeitor, nagual Julian. Um de seus primeiros ensinamentos - conforme relata Castaneda em seu terceiro livro, Viagem a Ixtlan - é para se apagar a história pessoal. Pois você tem de alimentar a opinião dos outros com ela, com relatos. Assim deve uma obrigação, fica fixo. Se começar a não falar realmente o que você faz, fala Don Juan, ficará envolto numa áurea de mistério.
Ocorrem muitos desentendimentos entre o jovem estudante e o velho índio. Castaneda passa a impressão que é inepto e medroso. Mas essa é uma artimanha e uma forma humilde de passar sua mensagem. Para se livrar das amarras da realidade consensual e entrar na consciência e percepção mágica, adquirindo fluidez, o bruxo tem que preencher muitos requisitos e fazer muitas tarefas, até mergulhar no mistério da essência e adquirir a percepção extraordinária conhecida como ver. Há muitas coisas para se ver, como os ovos luminosos, a realidade última do ser humano. Essas revelações foram dadas aos poucos por Don Juan. Castaneda foi entrando profundamente até se ver engolido pelo sistema de crenças que se dispôs a estudar como antropólogo. Os dois primeiros livros, A erva do diabo- um caminho yaqui para o conhecimento (no título original Os ensinamentos de Don Juan) e Uma estranha realidade, lançados em 1968 e 1971, falam das experiências com alucinógenos. Mas Castaneda, que estava adquirindo prática na feitiçaria, retoma o início da aprendizagem de 1960, 1961 no terceiro livro, de 1973 - Viagem a Ixtlan. Don Juan no princípio se recusou a falar do peiote, e as experiências alucinógenas, de fato, não são a parte principal do pensamento do autor, como ficou disseminado. Cada capítulo em Viagem a Ixtlan funciona como uma martelada. O objetivo de Don Juan desde o princípio foi fazer o aprendiz parar o mundo. O mundo é o que é porque desde o início das nossas vidas somos obrigados a empregar um sistema de interpretações pela influência dos mais velhos em nós. Com um inventário de memórias e de ítens, e com um diálogo interno progressivamente mais complexo, nossa percepção se torna fixa e enxergamos o mundo da mesma forma todos os dias. Assim, parar o mundo é parar o modo como o Ego conduz subjetivamente nossa consciência. Don Juan bombardeou sucessivamente o Ego de Castaneda, realçando sua pequenez diante da eternidade e da vida. É preciso perder a importância própria para apreciar realmente o mundo ao redor. A vaidade faz com que nos ocupemos com nossos problemas como se fôssemos a coisa mais importante do mundo, e nós tratamos a realidade com uma mesquinharia tremenda. Assim, um bom exercício para se perder a importância própria é conversar em voz alta com as plantas.
De fato, se compararmos os acontecimentos ordinários com a morte, eles perderão a importância. Por isso a morte deve ser usada como uma conselheira. Devemos perguntar à ela, ensina Don Juan, se já chegou a hora de seu toque. Sem Castaneda falar nada, Don Juan viu nele o dia em que sua morte deu um aviso. Foi quando ele era criança e estava caçando um falcão albino. Don Juan também fez Castaneda ver uma sombra de relance. Era sua morte. Ela sempre está à nossa esquerda, a um braço de distância. No O Fogo Interior, livro que relata as experiências na segunda atenção, com a consciência em estado intensificado, Castaneda explica melhor. A morte é uma sombra negra na luminosidade da pessoa que chega a ficar do tamanho dessa e dar uma estocada na fenda que temos no ovo luminoso, debaixo do umbigo. A força rolante, uma força do universo martela nesse ponto sem cessar, até que a pressão se torna muito forte e o casulo se enrola, como um tatu-bola, e é levado para ser consumido.
Em 1961, Castaneda aprendeu a ser um caçador. Um caçador é humilde, fala pouco e caça o necessário. Não tem rotina, pois são elas que fazem o mundo parecer fixo e maçante. A rotina cria uma força, que enfraquece e molda os hábitos. Devemos romper com ela. Castaneda conseguiu romper com ela fazendo coisas como escrever noturnamente e comer apenas quando sentia fome. Don Juan passa a levar mais a sério e se dispor mais com Castaneda quando percebe augúrios ou presságios do espírito, indicando Castaneda como discípulo. Um feiticeiro sabe ler o mundo, e o Espírito dá sinais o tempo inteiro para quem sabe observar. Don Juan adverte que corvos não são simples corvos. Podem muito bem dar indicações importantes para as pessoas, como o sentido em que se deve prosseguir. Don Juan tinha uma ligação com corvos. Na verdade, adorava-os.
Um bruxo, ou guerreiro assume a responsabilidade por seus atos. Cumpre sua missão de forma impecável, e não se preocupa com as conseqüências. Uma maneira de ser impecável é seguir o caminho do guerreiro, que é um modo ético de se servir o Espírito. Um guerreiro é inacessível. toca o mundo sem exagero e não está disponível para o capricho das pessoas. Mas caça o poder, se mostrando para ele.
No breu absoluto da noite do deserto mexicano, Don Juan ensina à seu aprendiz o passo do poder. Fala para ele confiar no nosso seu poder pessoal, e usar de passo especial, levantando o joelho até o abdômen. Assim, pode-se correr à noite. É uma maneira de desenvolver seu propósito, sua intenção. Matreiramente, Don Juan observa que um velho como ele correr a noite no deserto seria suícidio, não fosse o passo de poder. E para incentivar Castaneda, dá pequenas voltas troteando em torno dele, dizendo que não sabe caminhar nestas condições, só correr. Sozinho na escuridão, Castaneda precisa seguir o pio de coruja de Don Juan para chegar até ele. Mas, depois de um tempo, o pio passa a ser imitado pelos entes da noite. Assim, Castaneda narra um primeiro contato marcante com os seres inorgânicos. Os seres inorgânicos são melhores explicados no último livro, A arte de sonhar. Sonhar significa sonhar com um propósito, consciente e controlando os sonhos. O primeiro portão do sonhar se atinge quando estamos conscientes de estarmos caindo no sono. Um exercício para treinar a atenção é olhar as mãos no sonho. Assim, você se lembra de uma ordem dada quando estava acordado. Olhando para um item e para sua mão, sucessivamente os sonhos não se alteram. É uma técnica um tanto rudimentar, mas de início, dá resultado. O segundo portão se atinge pulando de um sonho para outro, ou acordando de um sonho para outro sonho. A verdadeira tarefa do segundo portão é isolar e seguir um batedor. Um batedor é um ser de alguma parte do universo infinito que freqüenta os nossos sonhos, sem sabermos. Os seres inorgânicos mandam batedores para os nossos sonhos. Eles se destacam nos sonhos porque são objetos estranhos. Os seres inorgânicos podem se tornar aliados de um bruxo, conversar telepaticamente. Não são bons nem maus, mas aos olhos de quem não vê são apavorantes. Tem um poder muito grande. Castaneda relata diversas aparições desses seres enquanto estava acordado. Os bruxos antigos adoravam seus aliados. A nova linhagem os vê com mais distância. A nova linhagem surgiu com a reagrupamento de bruxos depois da conquista espanhola, que massacrou populações. Don Juan fazia parte dessa linhagem, cujo objetivo é alcançar a liberdade e o abstrato, atingir um estado explicado em O fogo interior como a terceira atenção, quando todos os lugares que o ponto de aglutinação do bruxo esteve são acendidos de uma só vez, e ele se torna o que realmente é, uma explosão de energia. Os bruxos dessa linhagem não são necessariamente índios. Há o relato de diversos brancos que participaram dela. Don Juan faz uma crítica ao poder mesquinho que a segunda atenção pode despertar. Alguns usam esse poder para se apegar às coisas do mundo, como o dinheiro ou fixar a atenção em outras pessoas até fazer-lhes mal. O homem tem um lado sombrio que é refletido também na segunda atenção.
Falando em voz alta sua intenção no sonho, pode-se seguir um aliado até o reino deles. O reino deles é descrito como tendo várias partes e três tipos de seres inorgânicos. É escuro e cheio de corredores. Castaneda fez diversas visitas para esse reino, até que caiu numa armadilha e ficou preso lá. Don Juan reuniu seu grupo e foi buscá-lo, com o corpo físico. Assim, Castaneda ficou livre para o terceiro portão. O terceiro portão é alcançado quando vemos a nós próprios dormindo. O guerreiro está preparado para esse momento, e em vez de acordar, como fariam a maioria das pessoas, passa a examinar o lugar que seu corpo está dormindo. Porque ele está no corpo energético. Através da prática do sonhar, chega-se ao corpo energético, ou corpo sonhador. Nesse portão o corpo sonhador move-se como a energia, rápida e diretamente. O quarto portão é alcançado quando se sonha o mesmo sonho junto com outra pessoa. Castaneda sonhou com um bruxo pré colombiano e voou nas asas do intento. O intento é a força que permeia tudo, perscrutando o ser e o tornando consciente. O intento é a potência do espírito. O bruxo desenvolve seu intento através da vontade. Com um propósito inflexível, se põe num nível maior que ele mesmo, mais louco do que poderia imaginar. Mas esse são os ensinamentos da segunda atenção. O bruxo de que falei é conhecido como o inquilino, ou o desafiador da morte. Pegando energia dos naguais da linha de Don Juan, consegue fechar sua fenda e escapar da morte. É um grande feiticeiro, poderosíssimo, o último da original linhagem tolteca vivo. Vive num espaço diferente, como em sonho. Castaneda se encontrou com ele e ficou dez dias na segunda atenção. A segunda atenção é o círculo extra de poder que o bruxo desenvolve. As pessoas tem um círculo de poder que é posto em funcionamento no momento em que nascem. Ele faz com que vejamos o mundo. O feiticeiro desenvolve um segundo círculo de poder, para perceber mais. É uma metáfora. A atenção é o resultado final da percepção. É o estado de vigília incessante. A primeira atenção é a do mundo ordinário, a segunda faz parte de uma coisa maior, como ver energia. A atenção do ser humano é divida pelo tonal e o nagual. O tonal é tudo o que podemos imaginar e consta na nossa mente e no nosso inventário. O nagual faz parte da atenção do ser consciente de sua luminosidade. Se tudo o que conhecermos for posto numa mesa, todos os itens, poderíamos supor que a mesa é o tonal. O universo à volta é nagual. O bruxo sai da segurança do tonal para encarar o inconcebível. Essa teoria é exposta no quarto livro, Porta para o Infinito. Para desenvolver a segunda atenção, é necessário não fazer. Fazer é o que torna o mundo do jeito que o enxergamos. Uma pedra só é uma pedra porque conhecemos o fazer necessário para isso. Não fazer seria tudo aquilo que nós não temos um valor cognitivo. É o corpo quem Não faz. É um método, conseguido por coisas estranhas à razão, que torna o mundo diferente. O mundo é uma sensação, e a realidade é uma interpretação. Não fazer é necessário para parar o mundo. Um ponto importante para se seguir adiante no aprendizado é conseguir parar o diálogo interno. O diálogo interno é mais uma coisa que mantém a percepção fixa, sendo necessário pará-lo e ficar apenas sentindo para romper com o esquema de direção e norteamento que a razão dá. Assim, pode-se entrar num transe e outras coisas.

Em um certo período, Castaneda teve de se preocupar com seu adversário valoroso,La Catalina. La Catalina era uma conhecida de don Juan, amistosa com ele. Mas ele falou que era sua inimiga para Castaneda enfrentá-la e usar tudo que tinha aprendido. Ela o atacou, se transformava em pássaro e usave de outros meios para apavorá-lo.
Depois que Castaneda se tornou realmente aprendiz de Don Juan, este deu plantas de poder para ele. Elas era necessária para Castaneda vencer sua razão. A razão nos faz encarar o mundo de forma rígida, não admitindo percepções extraordinárias. Para ficar mais fluído, Castaneda tomou essas plantas. Mascou peiote e viu um cachorro brilhando, seus fluídos internos. Don Juan interpretou como o Mescalito, divindade contida na planta de peiote. Mescalito ensinou uma canção à Castaneda. Sob a influência do mescalito e de Don juan, adquiriu a percepção de um corvo. Sentiu seu corpo se transformando em um, e voou com seus companheiros pássaros. Foi o inquilino que ensinou essa técnica para Don Juan, que a passou para Castaneda. Castaneda também usou a erva do diabo. Don Juan alerta que é uma planta perigosa e muito poderosa, cheia de caprichos. Faz-se um extrato da planta, e passa-se pelo corpo. Não pode passar na testa. Castaneda passou e entrou fundo na Segunda atenção. Com dois lagartos, um no ombro falando para ele, teve muitas visões. Fez uma pergunta acerca do mundo real e ela foi respondida.

E Castaneda teve suas experiência com um fumo de cogumelo alucinógeno. Viu o guardião do outro mundo, uma aberração gigantesca. Quando estava entrando na segunda atenção, fixou-a num mosquito, e viu a aberração. Não quis mais fumar, e ficava desesperado quando Don Juan sugeria o uso. Igualmente desesperado ficava quando Don Genaro, um companheiro de Don Juan, lhe mostrava o não fazer. Don Genaro era extremamente potente, brincalhão e alegre. Tinha outros aprendizes, Pablito, Nestor e Benigno. Genaro mostrou as linhas de energia do mundo. Pulava para uma montanha a quilometros de distância. E quando Castaneda perguntava como isso era possível, a visão desaparecia. Tinha muitas danças de poder. O grupo todo de Don Juan tinha dezesseis pessoas, sendo que doze mulheres. Depois que Don Juan foi embora, Castaneda teve um período de interação com os outros aprendizes. Foi muito conflitante. Destacava-se Elena, a La Gorda, que o ajudou a se lembrar da sua segunda atenção e a organizar seu saber. Castaneda brigou com Soledad, suposta mãe de Pablito. Fez o seu duplo sair algumas vezes. Esses relatos estão no amedontrador livro O Segundo círculo do poder. No livro seguinte, O presente da Águia, depois de mais interações com os aprendizes, Castaneda conta que se lembrou da segunda atenção.
O seu aprendizado se divide em duas partes: uma de 1960 a 1965, quando deixou o aprendizado, outra de 1968 a 1973, quando Don Juan partiu do mundo. A última instrução direta de Don Juan para Castaneda foi para ele pular de um abismo, e entrar totalmente no lado esquerdo, ou segunda atenção. Castaneda pulou, e depois de uma série de visões, voltou a terra. Nunca mais viu Don Juan. Mas, se lembrando do lado esquerdo, são outros livros com ensinamentos mais profundos. Castaneda aprendeu o regulamento que fala da Águia. A Águia seria a fonte de tudo, responsável por uma realidade transcedente, que forma o mundo. O mundo é constituído de filamentos infinitos de energia, que exudam consciência e provém da Águia, pois emanam dela. É o poder que governa o destino de todos os seres vivos. O vidente olha a Águia e quatro relâmpagos revelam como ela é e o que está fazendo. A Águia está devorando a consciência de todas as criaturas mortas, pois consciência é o seu alimento. Como uma recicladora de matéria espiritual. A Águia é impiedosa, e com ela não se brinca. Ela concede um presente a cada uma nas criaturas vivas: o de perpetuar a consciência depois da morte. Para isso, a criatura tem que buscar a abertura. Para se guiar até essa abertura, a Águia criou o nagual. O nagual é uma criatura duplicada, que tem o poder de ser um conduto do espírito. Por causa disso, os seres que conduzem ao nagual (segunda atenção) são chamados de naguais. Os naguais tem quatro compartimentos de energia, enquanto as criaturas normais tem apenas dois. Don Juan e Castaneda são naguais. Só que Castaneda não é um nagual completo, pois tem só três compartimentos. Don Juan havia se enganado na interpretação de sua visão. Os outros quatro tipos de criaturas , nos homens, são: os homens de conhecimento, estudiosos. O segundo é o homem de ação. O terceiro é o organizador por trás dos bastidores, misterioso, o quarto é o mensageiro. Seu papel é viajar adiante do nagual e contar seu relato. Não funciona por si só. No grupo de Don Juan, Vicente é do primeiro tipo, Genaro do segundo, Silvio Manuel do terceiro. As mulheres , além das naguais, são de quatro tipos, ou quatro direções: norte, sul, leste e oeste, cada qual com características predominantes de essência e comportamento. As mulheres podem ser sonhadoras ou espreitadoras.
Na realidade transcendente das emanações da Águia, os videntes descobriram, ao ver um ovo luminoso, que a consciência é um brilho e pode ser usada como um elemento do ambiente. Pode se fundir na água e usá-la para viajar na segunda atenção. Nessa interpretação, o ovo luminoso também é constituído de emanações da Águia. É um casulo luminoso, e as emanações que estão dentro se alinham com as que estão fora. A percepção é o alinhamento, quando há a compatibilidade entre o ser e o exterior, se constrói o mundo. O mundo não é fixo, pois é infinito. Apenas uma ínfima parte das emanações são percebidas pelos humanos, reduzida ainda mais pela consciência cotidiana. Essa pequena parte é selecionada por um ponto no casulo: o ponto de aglutinação da percepção. Esse ponto seleciona uma parte das faixas que compõe o universo e fixa um mundo. São infinitas posições, mas uma, que a humanidade atualmente usa é a da razão. O ponto de aglutinação está fixo em um lugar na humanidade. Quando isso acontece, vêm o esquecimento de outras posições, e no caso, vem o esquecimento da condição do homem como criatura de pura energia, de luz, assim como o mundo. Para movê-lo, os bruxos desenvolveram três técnicas, a da espreita, a da consciência e a do sonho.
Espreitar consiste em controlar o comportamento. Quando se comporta de maneira fora do usual, o ponto de aglutinação se move um pouco. Dá para usar seu comportamento para um objetivo em mente, iludir as pessoas, etc. Espreitar possui várias técnicas sutis. A mestria da consciência e desenvolvida a partir de ver. É poderosa, consiste na elaboração de técnicas enquanto videntes. A outra mestria é a do intento.
O ponto máximo, a coroação do desenvolvimento da segunda atenção implica uma maneira alternativa de morrer. Um homem de conhecimento que manipulou seu ponto de aglutinação em muitos lugares pelo ovo luminoso e recapitulou sua vida pode passar pela Águia e ser iluminado pelo Fogo Interior. Castaneda fala que isso aconteceu com Don Juan. Todas as células de seu corpo se tornaram conscientes de si mesma, e todas as emanações contidas no interior do casulo são iluminadas. Passou então para outro plano de existência, outro mundo. Definitivamente. Quando se dorme, o ponto de aglutinação se move levemente para a esquerda, criando o sonho. Sonhar é usado para fixar a nova posição do ponto de aglutinação. O ponto crucial de toda a feitiçaria é mover o ponto de aglutinação. Castaneda diz também, que ele é a espinha atravessada na garganta da humanidade, que não sabe de sua existência. O caminho do guerreiro é um modo de fechar as os pontos de escape, e economizar energia, necessária para ver. Considerando o lado mágico da consciência, Castaneda fala que fez uma recapitulação completa de sua vida. Recapitulou todas as interações com todas as pessoas, minuciosamente. Assim , ficou livre para sonhar."

Capitulo 3 – As Criticas




De acordo com Robert J. Wallis em seu livro Shamans/Neo-Shamans: Contested Ecstasies, Alternative Archaeologies, and Contemporary Pagans:

"No início, com o apoio de qualificadas personalidades acadêmicas, e do departamento de antropologia da UCLA, o trabalho de Castaneda foi aclamado crìticamente. Os antropólogos americanos incluindo Edward Spicer (1969) e Leach de Edmund (1969), elogiaram Castaneda. ao lado de mais antropólogos alternativos, tais como Peter Furst, Barbara Myerhoff e Michael Harner.

A autenticidade de Don Juan foi aceita por seis anos, até Richard de Mille e Daniel Noel ambos publicarem suas exposições críticas da serie de livros em 1976 (De Mille produziu um volume editado posteriormente em 1980). A maioria dos antropólogos até então estavam convencidos da autenticidade, porém certamente tinham tido poucas razões a questionar - mas a análise meticulosa e detalhada de De Mille, desbancou a veracidade do trabalho de Castaneda.

Encobertos nos fatos antropológicos estavam discrepâncias enormes nos dados: os livros se contradiziam em detalhes de tempo, localização, seqüência e descrição dos eventos (Schultz em Clifton 1989:45). Existes pesquisas publicadas possivelmente para tudo que Carlos escreveu (ver especialmente Beals 1978), e pelo menos um encontro é plágio etnográfico: Ramon Medina, um xãma de Huichol, informante de Myerhoff (1974), demonstrou feitos acrobaticos super-humanos em uma cachoeira e, de acordo com Myerhoff, na presença de Castaneda (Fikes 1993). Então, em uma realidade separada, um amigo de D. Juan, D.Genaro, executou um pulo similar sobre uma cachoeira com a ajuda de poderes supernaturais . Além destas inconsistências, vários autores sugerem que os aspectos do deserto de Sonora descritos por Carlos são implausíveis, e, O "xamanismo Yaqui" divulgado por ele, não é Yaqui e sim uma síntese de xamanismos de todos os lugares. (ver Beals 1978)."

Assim logo em 1973, um artigo da revista TIME havia questionado ...

" em alguns locais o trabalho de Castaneda é admirado extravagantemente como uma revivificação de um modo de cognição que foi bastante negligenciado pelo Ocidente, soterrado pelo materialismo e pelo desespero de Pascal, desde a Renascença. Mike Murphy, fundador do Instituto Esalen diz: .O essencial das lições que Don Juan tem a ensinar são aquelas lições eternas, que foram ensinadas pelos grandes sábios da Índia e os mestres espirituais da modernidade.. O autor Alan Watts argumenta que os livros de Castaneda oferecem uma alternativa tanto para o judaico-cristianismo cheio de culpa quanto para os pontos de vista cego dos homens mecanicistas: .O estilo de Don Juan leva o homem para algo central e importante. Não nos separar da natureza nos põe de volta a uma posição de dignidade..
Mas estes reconhecimentos e analogias não validam, de forma alguma, a proclamação mais mundial da importância dos livros de Castaneda: a sutileza de que são a consideração antropológica, específica e confiável de um aspecto da cultura indígena do México como mostradas pela fala de uma pessoa, um xamã chamado Juan Matus. Esta prova depende da credibilidade de Don Juan como criatura e Castaneda como testemunha. Ainda que não haja corrobação, além dos escritos de Castaneda, de que Don Juan tenha feito o que ele disse que fez, e mesmo que tenha, afinal de contas, existido. "
Mas uma seria e analítica critica dos livros de Castaneda não apareceu até 1976, quando Richard de Mille publicou: Castaneda's Journey: The Power and the Allegory, em qual ele argumenta:
" Os erros lógicos ou cronológicos na narrativa constituem a melhor evidência de que os livros de Castaneda são trabalhos de ficção. Se ninguém descobriu estes erros antes, a maior razão deve-se que ninguém listou os eventos dos primeiros três livros em ordem. Uma vez que isso foi feito, os erros são evidentes.
Um dos maiores exemplos de erro, de acordo com de Mille, é a relação de Castaneda com a feiticeira chamada "La Catalina"
"Em outubro 1965 Carlos atravessou uma prova inesperada e perturbadora que o fez retirar-se com tristeza de seu aprendizado e evitou Don Juan por mais de dois anos. A prova era um confronto noturno com um inimigo poderoso que supostamente assumiu a forma corporal de D. Juan, porém, sem seu modo de andar e falar costumeiros ...
Curiosamente, quando Carlos pediu a D.Juan para explicar o que havia acontecido durante o "evento especial", a conversa ficou apenas nas especulações sobre a identidade de uma "pessoa feminina" (ênfase de Castaneda) quem quase havia arrebatado a alma de Carlos e assumido a forma de D.Juan. A senhora não foi nomeada, e o leitor foi deixado à maravilha da incorporação na batalha executada por "Uma Feiticeira amiga" chamada "La Catalina", que tinha sido mencionada momentaneamente em 23 novembro 1961, quatro anos antes.
Naquele tempo D. Juan havia dito que guardaria certas plantas para que Carlos as usasse, sobre as quais ele o diria um dia. O Pobre Carlos teve que esperar dez anos para aprender sobre estas plantas em "Tales of Power", porem "Carlos" em uma trilha paralela do tempo usou essas plantas com sucesso razoável no final de 1962, quando se encontrou com a mágica senhora por seis vezes em uma fileira, uma vez como um melro, uma vez como uma silhueta navegante, e quatro vezes cara a cara "em todo seu esplendor e malícia" como uma linda e jovem mulher. Reagindo aquele encontro, sentiu seus tímpanos estourando, sua garganta bloqueada,suas mãos congeladas, seus braços e pernas rígidos. O cabelo em seu corpo literalmente ficou no fim. Ele caiu ao chão, foi paralisado, começou a correr e perdeu sua capacidade de falar.
Aqui nós somos questionados a acreditar em um antropólogo de carne e osso o qual deleitou-se de um tumultuado affair supernatural com uma gloriosa feiticeira em 1962, e não recordou seu nome em 1965, não fez a conexão entre o ultimo encontro e os seis precedentes ao classifica-los através de suas notas de campo na segurança de seu apartamento, não colocou isto tudo junto quando nomeou seu primeiro livro, mas tirou da memória "como os se tivesse vivido a alguns instantes" em 22 de maio de 1968, em umas poucas paginas de seu segundo livro.
Mesmo se pudéssemos dar credito a essa descaracterizada amnésia, teríamos que esclarecer a falha de D.juan ao não nomear "la Catalina" em 1965. O enigma é facilmente resolvido mudando do real ao imaginário. A abrupta insatisfação no final de "The Teachings" não é um sintoma da fadiga de uma batalha etnográfica, porque nosso militante sobreviveu já a seis das tais batalhas com cores voando. É somente uma preparação para os novos episódios da serie, uma carta na manga, que nos deixe famintos por um outro livro.

Nessas exibições uma coisa é certa:. The Teachings of Don Juan and Journey to Ixtlan ambas não são reportes de fatos.

Alguns dos defensores de Castaneda afirmam que a mudança da percepção contribui para problemas de memória e que a existência real de D.juan é irrelevante. uma vez que o importante é a mensagem que ele transmitiu.

Castaneda subjuga repetidamente o conhecimento ocidental a critica nos primeiros três trabalhos, sob o argumento dele próprio e suas regras como estudante de antropologia seus seguidores reivindicam também estas criticas como argumentos contra a critica técnica.
Talvez Don Juan fosse um caractere completamente imaginário, porém Castaneda poderia ser compreendido como um iniciante da auto-critica consistente, não somente com a espiritualidade, mas também com muitos dos desenvolvimentos acadêmicos antropológicos que passam através da cultura deste período.
Dependendo da afinidade dos leitores, os valores podiam ser aceitados em sua totalidade, ou ser rejeitados. Parte do material podia ser considerado verdadeiro, alguns imaginários; e alguns dos eventos descreveram possibilidades provavelmente de serem reais naquele tempo, mas foram interpretados como alucinações."

Este ensaio foi escrito em 1974 pelo jornalista brasileiro Ibral Vitti. Feito com o impacto da recepção dos quatro primeiros livros (até Porta Para o Infinito) traz uma abordagem interessante, que busca sobretudo dimensionar a obra em sua verdadeira importância, diante do menosprezo da crítica oficial.


Ensaio sobre Carlos Castaneda
O que dizer de uma filosofia que oferece uma nova visão de Mundo? Uma filosofia que não tem nenhuma ligação com nada conhecido? Uma filosofia que se baseou na experiência dos feiticeiros indígenas da América mas que entendeu toda a complexidade do mundo moderno?


Esse é o desafio que os críticos brasileiros não souberam ou não quiseram aceitar. Pois a revelação de Don Juan e tão radicalmente nova que poucos tiveram a coragem de, publicamente, declarar seu amor por ela. Marília Pera, por exemplo, foi ridicularizada por usar alguns textos dos livros de Castaneda no seu show Feiticeira. A revista Veja divulgou uma entrevista de Castaneda, mais como "furo" de reportagem, por interesse comercial, do que por qualquer outra coisa.Assim mesmo o texto enquadra Castaneda como um autor tradicional (existe ate uma comparação com Borges).
Os livros de Castaneda não são literatura. Basta ler todos eles para se chegar a essa conclusão. É a divulgação de uma revelação espiritual, a primeira revelação espiritual da América. O problema dos críticos que a maioria deles não entendeu direito a revolução cultural que começou na década passada. Tem gente que ainda acha que rock e uma barulheira, que todos tomam drogas para se alienar, que as pessoas deixam crescer os cabelos por problemas freudianos elementares, e que tudo não passou de uma moda que o sistema tratou de aproveitar.
Esses preconceitos é que impedem as pessoas de entender uma mensagem tão profunda como e a revelação de Don Juan para todos nós. Tudo isso e muito revelador, pois quem não acredita na revolução (ou não sabe como localizá-la ) acaba lutando contra ela.

A mistificação, principal denúncia dos críticos a Carlos Castaneda é a coisa mais combatida por Don Juan, durante todo o ensinamento. A luta toda de Don Juan, segundo o relatório de Castaneda, e fazê-lo libertar-se dos equívocos que séculos de civilização cristalizaram na sua cabeça. Isso é que dá o carater de revelação, pois todas as revelações espirituais que conhecemos querem mudar a percepção das pessoas, querem mudar seu sistema de valores mudando a maneira de viver das pessoas.

Não foi em vão que Cristo disse para os seus discípulos: "Deixa tudo, Vem e segue-me". Cristo arrancava assim as pessoas de suas rotinas diárias e os iniciava nas coisas que essas rotinas adiam durante a vida toda. Levava-os para passear no deserto, atravessava os rios, ficar acordado à noite. Com isso Cristo fazia os discípulos mudarem a sua percepção de mundo, pois estavam sempre atentos, não sabiam o que iam comer, nem quando nem onde, seus pensamentos entravam em outra viagem, cheia de visões, de verdades, de premonições.
A filosofia oriental não age diferente. O guru esta sempre procurando despertar no seu discípulo uma nova percepção, pois a percepção normal está completamente embotada para a magia do universo. No fundo, a percepção normal é apenas o mais eficiente instrumento de poder. É através dela que um homem pode fazer o mesmo gesto até morrer, sem reclamar. É obstruindo a visão mágica do universo, que só vem através a atenção constante, que o poder escraviza os homens. E Cristo, Buda Maomé e outros foram exatamente contra essa dominação, que se faz dentro da cabeça de cada um.
O que o poder fez com Cristo por exemplo? Chamou-o de Deus e encerrou o assunto. E mandou queimar todos aqueles que quiseram provar que qualquer um poderia fazer o que ele fez, como curar doentes, passear pelas águas, desaparecer. A perseguição aos bruxos (que ainda não acabou) é apenas uma disputa de poder, ou melhor, e a guerra sistemática do poder contra a libertação do espírito. Pois se as pessoas conseguirem voar por cima dos telhados quem é que vai ficar trabalhando oito horas por dia?
Naturalmente, esse tipo de raciocínio não pode ser levado a sério pela mentalidade oficial, apesar do lado prático do poder se encarregar de limpar o terreno, o desprezo e a ironia são apenas formas sofisticadas de repressão muito eficiente na nossa época de extrema manipulação psicológica. Além disso, o poder prefere não se preocupar com coisas tão radicais como pessoas saírem voando per janela, pois confia exageradamente nas drogas permitidas, como a televisão, o automóvel, o álcool, etc. Todo esse enfoque ficou fora da cogitação dos críticos brasileiros tão preocupados com os modismos importados, sem se darem conta que os seus pretextos é que são modismos filosóficos vindos de fora. Pois, se não existissem preconceitos, todos aceitariam a idéia de que um desprezado índio yaqui , perdido num deserto, pudesse ter a clareza total sobre a vida do homem civilizado. E ainda mais: que propusesse uma forma de salvação individual e coletiva como única forma de romper com o círculo vicioso criado pela civilização nestes últimos milênios.

II
Mas que trata a revelação Don Juan exatamente? Trata da salvação do homem, como todas as outras revelações. Isto não quer dizer que ele "nasça perdido" por uma contingência natural, como quer a Igreja Católica com sua tese sobre o pecado original. Mas Don Juan admite que o homem nasça perdido por pertencer a civilização. E propõe a destruição da civilização de maneira original: destruindo a civilização dentro de nós. Isto é: não deixando que a percepção de mundo criado manipulado pela civilização, por milénios de opressão, siga mantendo nosso estado de espírito de impotência, vazio, dor, loucura.
Ele propõe que o homem lute por essa destruição, de maneira simples: não tendo medo da morte, rompendo as rotinas, sendo permanentemente atento a tudo e, principalmente, não perdendo o sentimento de ligação.com a terra. Propõe também o fim de toda obsessões. Algumas pessoas deixaram de ler o quarto livro, Porta para o Infinito, porque Don Juan aparece de terno. Esta é realmente sua maior lição. No momento em que Castaneda está totalmente convencido que ele é um índio, que se veste como índio e que jamais poderia viver na cidade, ou seja, quando a imagem de Don Juan vira um obsessão para ele, o bruxo aparece de terno para fazer Castaneda romper com ela. Para provar que "um homem de conhecimento" (aqui entramos no conceito específico de Don Juan) pode fazer o que quiser, desde que o faça com desprendimento, isto é , sem obsessão. Luís Carlos Maciel foi um dos jornalistas brasileiros que entenderam essa mensagem. Ele colocou na abertura do seu livro, Nova Consciência, a parte em que Don Juan explica a função do homem de conhecimento, que faz sua tarefa "impecavelmente" e quando a termina, se retira, sem remorsos nem dúvidas (fazer uma coisa impecavelmente é ter consciência da morte a cada momento e encarar cada instante da vida como "a última batalha sobre a terra").
E qual a tarefa de Castaneda ? É divulgar a revelação. Nota-se um crescente domínio da linguagem de livro para livro. Muita gente desistiu de ler Erva do Diabo, o primeiro livro, devido a, alguns defeitos, como a estruturação, a monotonia de algumas partes, em que Don Juan explica detalhadamente o uso das plantas. Aos poucos, conforme ia crescendo no conhecimento, Castaneda foi estruturando melhor os livros, sendo cada vez mais contundente. Uma Estranha Realidade ainda tem um pouco dos equívocos do primeiro livros, o que não acontece com Viagem a Ixtlan e Porta para o Infinito. Viagem a Ixtlan está recomendado para todos aqueles quem desistiram nos primeiros passos da viagem, pois seus primeiros capítulos são absolutamente objetivos, equivalendo, cada um, a uma martelada. E Porta para o Infinito consegue ser o melhor de todos os livros de Castaneda, não só pela excelente narrativa, como pela divulgação da parte mais assombrosa e radical da revelação.
É quando Don Juan revela que homem não se divide em corpo e alma ou espírito e matéria Ele propõe uma nova dualidade: o tonal e o nagual (pronúncia: naual) É preciso ter muito cuidado com definição de tonal e nagual, o mesmo cuidado que Don Juan teve ao explicar para Castaneda. Pode-se dizer que é através do nagual que o homem pode voar, se transformar em pássaro, enxergar as outras dimensões de universo. E que é através do tonal que o homem tem a percepção normal do universo, que se tornou obsessiva e anti-natural. Mas o tonal pode ser modificado para se chegar ao nagual sem ficar louco, sem entrar numa viagem sem fim.
III

Don Juan fala sempre em voltar. Isto é, viajar para outros mundos mas sem perder a noção deste mundo. Esse dado é muito importante, pois assim a revelação de Don Juan fica sendo uma resposta à altura que os jovens dos anos 60 procuravam. Fica sendo uma sistematização, um aprofundamento da revolução dos anos 60, quando a juventude partiu para uma profunda transformação dos valores. Essa transformação, através do rock, das drogas, era principalmente por uma nova percepção de mundo.
Mas as filosofias orientais não foram capazes de atender, de satisfazer totalmente aqueles que procuravam ir até o fim da revolução. Sintomaticamente, com Don Juan surge um método prático, ocidental, profundamente identificado com a nova mentalidade que está surgindo no Novo Mundo, para aprofundar essa revolução. Isto é: para que cada um siga seu destino mágico, que ninguém mais sofra com o sentimento de culpa, a vida dupla, o vazio, a monotonia, a loucura.
O "sonho" do anos 60 acabou quando os jovens viram que nada tinha mudado, pois a civilização estava intacta e, o que era pior, faturando em cima da revolução. Ao fazer essa constatação, John Lennon voltou para velhos clichês revolucionários, que abandonou logo depois para voltar ás raízes do rock e fazer outros tipos de procura. Ao bater a cabeça contra o muro, John Lennon se poderia recair no velho clichê da alienação. Esta é sua proposta na música Imagine: fazer as pessoas esquecerem que há países, guerras, fome, etc.
Mas não é isso que Don Juan propõe, é exatamente ao contrário: Ele quer que Castaneda, não se aliene e que abra os olhos para o universo. Não propõe a fuga do mundo. Ele quer que Castaneda enfrente o mundo com outros olhos, outras atividades. Ele quer que Castaneda faça com que a percepção imposta pelo poder desmorone a qualquer hora . Isto é: que não haja sonho mas abertura para outras realidades. Que não lamente nada (como faz Lennon em Imagine) e que seja mágico sempre. A contribuição mais importante de Don Juan para esta revolução é o uso consciente dos alucinógenos para romper com a visão normal de mundo, sem se viciar nos seus efeitos. Don Juam diz só os alucinógenos podem tirar o homem do seu marasmo sensorial, mas avisa que eles são só um impulso, que o mais importante é o seguir a coisas sem nenhuma ajuda exterior. Cada um deverá cumprir seu próprio destino. E esse destino, inevitavelmente, será belo, mágico, grandioso, pois um homem que luta pelo conhecimento não ficará fora da verdade do universo.
Esta é a primeira revelação exclusivamente americana: foi feita por um homem que nasceu no Brasil para outro que nasceu na América do Sul e fez sua formação cultural nos Estados Unidos. Foi ter nascido na América do Sul que inclinou Castaneda para o estudo das plantas alucinógenas e foi ter estudado numa universidade importante que lhe deu condições para sistematizar a iniciação de Don Juan, de uma maneira que pudesse ser assimilada pelas pessoas civilizadas. Durante todo o aprendizado, Castaneda faz todas as perguntas que qualquer civilizado comum faria.
A proposta de salvação feita por Don Juan à humanidade é a contribuição espiritual do povo que se formou na América: sem vínculos, debochado, sincero e diretamente ligado em todas as nossas fraquezas e na maneira eficiente de superá-las e encontrar a salvaçáo. É a proposta radical de um povo explorado. Don Juan diz que os feiticeiros índios saíram ganhando com a exploração européia pois se refugiaram no único lugar onde o homem branco jamais iria entrar: no nagual.
Se a revelação for encarada como uma religião (o termo é perigoso devido à experiência negativa das religiões) no seu verdadeiro sentido, de religar o homem ao universo, pode-se dizer que esta uma religião de batalha. Don Juan pede que as pessoas assumam a responsabilidade de viver num mundo maravilheso. Pois ele não recebeu a luz do alto, como nas outras revelações, mas conquistou-a duramente depois de muita experiência, vivendo como índio explorado pelos brancos. Quem ensinou os segredos para Don Juan não era ninguém especial, era um feiticeiro, um homem.
A saúde de Don Juan não permitirá que ele seja sacralizado. Como endeusar um cara que diz bosta, fresco, gosta de tudo, não reprime nem propõe repressões, é debochado, sabe músicas mexicanas vulgares, investe na bolsa de valores? Don Juan não propõe o desvendamento do mistério (quem somos, de onde viemos, para onde vamos), mas a utilização dos mistérios para a felicidade. Jamais fala em Deus, mas nos poderes que governam o mundo.
Don Juan não acena com a vida eterna mais com a felicidade nesta vida, através de uma vigilância contínua e de um conhecimento claro sobre as coisas. E mesmo que as pessoas não queiram se aprofundar nas plantas alucinógenas, elas poderão praticar, por exemplo, os exercícios de dominar os sonhos (viajando através deles), como perder a importância própria (praticamente e não através do falso sentimento de "humildade") e como conviver com sua morte. O medo da morte e o que levou o homem a construir o mundo de paranóia em que vivemos. Quanto mais a humanidade tentou se afastar de morte, isto é, quanto mais tentou ser imortal através da ciência, da repressão, da alienação, mais rodeado ficou dela, como provam os arsenais de guerra cultivados por todos os países do mundo.
A grande contribuição para o mundo ocidental é o método de Don Juan para cada um se libertar do complexo de culpa, do falado "pecado original" pregado pela Igreja católica, que e uma fonte cotidiana de dor e insatisfação. Dizendo que nada tem importância, Don Juan propõe uma forma eficiente de romper com o passado (todas as raças do mundo estão nas Américas, continentes sem vínculos com o passado, onde as coisas poderão surgir da realidade presente).
Dessa forma, ela aponta uma forma correta de todos renascerem. É a volta da inocência. Se cada um decide o que é importante (a tarefa do guerreiro), então o tudo está por ser feito. É o fim da transação mórbida com a morte, que é praticada por todas as religiões oficiais. A morte é uma coisa tão viva como escrever um livro e que está sempre a nossa esquerda, na distância de um braço. A qualquer momento ela poderá nos tocar. E pela primeira vez na história uma teoria diz que podemos ser perfeitos neste mundo, sem precisar morrer para alcançar esta perfeição
Um dos filósofos que mais se aproximam da revelação de Don Juan é Nietzsche. Ele se deu conta da importância de corpo para o conhecimento, concebeu a felicidade do homem através de uma filosofia além do bem e do mal, destacou a importância de se viver como um guerreiro, enfrentando a vida, não tendo limites de vôo e se relacionando de maneira aprofundada com a natureza. O problema de Nietzsche é que ele seguiu a tendência de um civilizado comum ao transformar todas essas iluminações em obsessões, dando importância exagerada aos seus sentimentos e ao desprezo pela civilização.
No fim, a filosofia de Nietzsche, que devia ser da saúde, fica também como uma coisa mórbida. Ficou muita pesada, obsessiva e irreal, apesar da dose de verdade contida nela. Irreal porque e impossível para nós viver como Zaratustra (mais um personagem literário de que uma pessoa real) mas é perfeitamente possível viver como um guerreiro. Além disso, Nietzsche não tinha a clareza de Don Juan, nem podia ter, pois era um civilizado, sem nenhum conhecimento das coisas misteriosas que os índios sabem e trouxeram até a nossa época.
VI

Estas são as razões que estão levando milhões de pessoas a comprarem os livros de Castaneda. É a vontade que todos tem de se encontrar, de se salvar e não a vontade que as pessoas tem de se alienar, de fugir da realidade, como pensam os críticos brasileiros. Estes é que estão com os olhos fechados para as coisas novas que estão surgindo no mundo. São estes é que estão procurando se alienar quando colocam ou procuram colocar as verdades simples numa prateleira, sem analisa-las, sem verificar suas causas. Essa alienação é um sentimento generalizado na imprensa, o medo do sistema pelas grandes transformações da humanidade, nessa época de transição social e cultural.

Pois estas pessoas não estão atentas a uma verdade: pela primeira vez na história da humanidade existe uma estrada real que poderá levar qualquer um à totalidade do ser. Se todos tomarem consciência que o verdadeiro par do ser humano não é o bem e o mal, espírito e matéria e sim o tonal e o nagual, a humanidade poderá finalmente partir para uma vida impecável (limpando o tonal) e fazendo viagens seguras ao nagual, aquela parte desconhecida do ser que não existe no céus mas na frente dos nossos olhos e dentro de nós.
Só dessa maneira, vivendo como um guerreiro, e chegando ao conhecimento através da totalidade do ser é que a humanidade poderá enfrentar os umbrais que se aproximam. É importante destacar aqui que Castaneda começou sua viagem através de um relacionamento com uma entidade da natureza (Mescalito, que existe dentro de peiote). Não seria essa a forma que a natureza encontrou de salvar o homem da auto-destruição? Não estaria a natureza ameaçada lembrando ao homem seu verdadeiro destino? Não seria essa a revelação que dá acesso ao poder para todas as pessoas?
Deve-se dizer, ainda, que Don Juan rompeu com todas as tradições. Ele recebeu o conhecimento da tradição indígena, mas não guardou para si ou para o seu discípulo. Permitiu que o segredo fosse divulgado. "O segredo era uma rotina como qualquer outra", diz ele.
Por enquanto, revelação está muito bem disfarçada de best-seller. O interessante é notar que a coisa mais explosiva que existe atualmente as livrarias, que são estes quatro livros, esteja tão relegada pela cultura oficial. Isso prova a importância da revelação, pois só as coisas verdadeiramente novas são desprezadas ou perseguidas. Felizmente, os livros de Castaneda são apenas desprezados, e não poderia ser de outra forma, pois o sistema teme cair no ridículo se queimar livros que ensinam a gente a voar.
Fatalmente surgirão os próximos livros de Castaneda. Pois pôde-se notar que ele não está a fim de deixar seu relatório incompleto (um guerreiro cumpre sua tarefa até o fim e depois se retira se remorsos nem dúvidas). Cada livro de Castaneda elucida todas as perguntas do anterior crescendo sempre em concentração de informações. ) Novas perguntas surgem a partir do fim do último livro, quando Castaneda e seu companheiro Pablito se atiram do Penhasco pois estará faltando o relatório da sua viagem ao nagual e a maneira como um civilizado vive como um guerreiro. Talvez este novo livro (ou novos livros) surjam daqui a dez anos ou mais, quando Castaneda tiver coisas realmente novas para contar.
Deve-se destacar a importância que essa revelação terá na vida e no pensamento da humanidade, principalmente das gerações mais novas, que já tiveram uma espécie de iniciação coletiva com o rock, as drogas e a volta ao oriente. Essa importância crescerá nos próximos anos à medida que for aumentando a coragem das gerações de 1950-60 em levar a sua revolução até o fim. Dentro de nós e o único lugar que ainda temos.

Capitulo 4 – Entrevistas & Reportagens




O bruxo, homem só e sem pátria


Após quinze anos de lições, o brasileiro, talvez peruano ou americano, aprendeu a não ter biografia nem raízes.

Desde que começou a relatar em livros seus encontros com Don Juan, que remontam a 1960, Carlos César Arana Castaneda transformou-se na mais invisível e impalpável personalidade literária da atualidade. Fragmentos incompletos de sua biografia apareceram nas duas únicas publicações a que concedeu entrevista, as revistas Time e Psychology Today, não se deixou fotografar nos últimos dez anos e não se preocupou em esclarecer algumas dúvidas cruciais. Assim, ele teria nascido no interior de São Paulo, no dia de natal de 1935, segundo disse ao Time. Mas, de acordo com a revista, o nascimento de deu dez anos antes numa cidade do Peru.
Comunicado desta descoberta, Castaneda reagiu de maneira impecável para um aprendiz de feiticeiro que aspira apagar sua identidade pessoal: "Estas estatísticas não significam nada. Importante o que nós somos, não o que éramos". Assim, com essa nacionalidade incerta e com uma idade que caminharia para os 40 ou 50 anos, embora certamente aparentasse menos, os únicos sinas da existência terrestre de Castaneda eram um Volkswagen e duas casas de sua propriedade, na Califórnia. No começo do ano passado, o estudante brasileiro Luiz André Kossobudzki, então bolsista de educação na Universidade da Califórnia (UCLA), encontrou-o num jantar beneficiente ao lado de personalidades literárias "normais", como Irving Stone e Irving Wallace. Quinze meses depois, no fim de março último, recebeu de Castaneda os negativos das fotos que o autor tirara no México, e que VEJA publica junto com esta entrevista exclusiva, à qual o entrevistado impôs a condição de que deveria ser publicada no Brasil antes de qualquer outro país. Kossobudzki recorda os seus encontros:
"Eu, minha mulher e mais quatro casais de bolsistas estrangeiros éramos talvez os únicos convidados ao jantar que não tínhamos os nomes gravados em alguma placa de honra. Tentamos, sem conseguir, um lugar na mesa de Castaneda, mas depois do jantar ele mesmo veio até nós. Disse-lhe logo que não acreditava ser ele brasileiro. Começamos a falar em inglês, mas logo depois ele se dirigiu até nós com lusitana fluência (inclusive sotaque) e afirmou ter nascido no interior do estado de São Paulo, numa cidade do vale do Paraíba, e que passara parte de sua infância em Juqueri. Combinamos então nos encontrar novamente para uma feijoada, mas Castaneda desapareceu por vários meses. Um telefonema do seu agente literário informou que ele ainda estava interessado em me ver. Finalmente, conversamos três vezes, uma na minha casa e outras duas no campus da UCLA, onde ele trabalha de catorze a dezoito horas diariamente, em suas pesquisas sobre ético-hermenêutica (estudos da interpretação perceptiva de diferentes grupos étnicos). Castaneda aparenta ter 35 anos, 1,70 metros de altura e uns 70 quilos. Fisicamente, passaria por caboclo mato-grossense ou mesmo nordestino".

*Não existe nenhum município paulista com esse nome. Juqueri, no entanto, é o nome de um estabelecimento para doentes mentais no município de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, que costuma ser confundido com o nome do hospital. Juquiri é o nome antigo do município de Mairiporã, também na Grande São Paulo.



Aprendendo a viver com a bruxaria



VEJA - Quando se lê sobre Don Juan, tem-se a impressão que ele é um homem pobre e com um vasto conhecimento da vida. O senhor poderia falar de sua surpresa ao encontrá-lo de terno em "Porta para o Infinito"?


CASTANEDA - Tremi de medo, pois estava acostumado a vê-lo somente em roupas de campo. Isto ocorreu na fase final dos ensinamentos e tinha uma razão de ser. Don Juan revelou-me que era proprietário de diversas ações na Bolsa de Valores, e tenho quase certeza que se ele fosse um homem tipicamente ocidental estaria vivendo em um apartamento de cobertura no centro de Nova York. Finalmente aprendi que as duas realidades poderiam ser dividas no que Don Juan denominava tonal (consciente) e nagual (que não se fala). Na realidade do consenso social, o bruxo, o homem de conhecimento, é um perfeito "tonal" - um homem do seu tempo, atual, que usa o mundo da melhor forma possível. Nós usamos história como uma forma de recapturar o mundo passado e planejar para o futuro. Para o bruxo, passado é passado e não existe história pessoal nem coletiva.



VEJA - O principal de seu encontro com Don Juan está escrito no livro "The teachings of Don Juan"(na versão brasileira, a Erva do Diabo"), mas em lugar nenhum existe menção de exatamente onde estiveram. Seria possível uma descrição mais detalhada do local?


CASTANEDA - Na fronteira entre os Estados da Califórnia (Estados Unidos) e Sonora (México) existe uma cidade chamada Nogales. Partindo de Nogales, a rodovia principal passa pela cidade de Hermosillo, capital de Sonora, pela cidade de Guayamas e finalmente cruza a Estácion de Vicam. A oeste da Estação de Vicam, em direção ao Pacífico, encontra-se a cidade de Vicam, habitada em sua maioria por índios yaquis. Vicam é o local onde pela primeira vez encontrei Don Juan. Perto de lá obtive os ensinamentos.



VEJA - Para não tirar a liberdade de Don Juan, até hoje o senhor não havia revelado este local. Como agora se sente livre en descrevê-lo com exatidão?


CASTANEDA - Porque agora ninguém conseguiria achar Don Juan; ele não está mais por lá, e Don Genaro também sumiu das montanhas do México Central (Sierra Madre Ocidental). Não existe jeito nenhum de encontrá-los. Don Juan me mostrou e ensinou tudo o que ele podia e por isso não há necessidade de que ele permaneça à minha disposição. Da mesma forma, você sabe que se quiser me encontrar é só ir até a UCLA, deixar um recado ou me procurar na biblioteca de pesquisas. Mas, se eu deixar de vir à UCLA, você não terá a miníma idéia de onde me encontrar. Como Don Juan, procuro viver como feiticeiro.



VEJA - Muitas pessoas, eu inclusive, encontram dificuldades em aceitar factualmente as descrições dos ensinamentos de Don Juan. O senhor se preocupa com o fato de as pessoas reagirem dessa forma?


CASTANEDA - Não, porque não dou ênfase na importância de minha pessoa. este é um ponto crucial dos ensinamentos que recebi de Don Juan. Raramente converso com alguém, e quando converso é face a face. Nada de gravadores ou fotografias, que trariam peso sobre a minha pessoa. Além de ferir uma das premissas básicas de feitiçaria e bruxaria, eu estaria tolhendo minha própria liberdade. Quando enfatizo a minha pessoa, estou me tachando a mim mesmo, estou colocando nas minhas costas um peso que vai além das minhas possibilidades de carregá-lo. Colocar tal peso nas costas é dar uma enorme importância à minha própria pessoa. Durante os ensinamentos, Don Juan fazia esboços na areia do deserto com o dedão do pé e preenchia os círculos com verbosidade. Ele dizia que "cargase a uno mismo" conduz a pessoa a um senso "importância personal" que combinados não permitem "acciones" por parte da pessoa. Quanto mais peso as pessoas acumulam, mais importantes elas se sentem, e menos ações elas executam.



VEJA - Por que então publicou seus livros?


CASTANEDA - Porque esta era a minha tarefa. O bruxo cumpre tarefas que são colocadas em lugar do peso sobre si mesmo e da importância pessoal. Meu trabalho não é feito de erudição, mas uma recoleção da vida que Don Juan colocou em seus ensinamentos. O bruxo cumpre as tarefas que lhe dão satisfação. Ele as cumpre sem esperar por reconhecimento da sociedade ou coisa que o valha, o que seria o "carregar-se a si mesmo" exercitado pelo erudito, com o objetivo de obter importância pessoal, o que não é meu caso. Por exemplo, se esta entrevista for tomada como um ato de bruxaria, ela se torna uma tarefa a ser cumprida.



VEJA - Esta entrevista, seu trabalho, sua obra, e mesmo o fato de trocarmos idéias por várias horas, tem um efeito que me parece ir além do simples cumprimento de tarefas. Elas lhe trazem satisfação, caso contrário não as faria. Além do mais, o senhor espera que sua mensagem, os ensinamentos de Don Juan, tenham um impacto sobre público. Não seria este o caso de cumprir tarefas e esperar pelo reconhecimento da sociedade?


CASTANEDA - Eu cumpro minhas tarefas tão fluidamente que elas não me afetam em termos de auto-importância, mas sim em termos de como vivo minha vida. Conheço dúzias de "professores" que se colocam numa torre de marfim de conhecimento: eles sabem tudo, e comandam o espetáculo para as galerias; quanto mais aclamados, ou quanto mais reconhecimento eles recebem, mais auto-importantes se sentem, mas esta mesma auto-importância se torna peso, a cruz a ser carregada, e eles como pessoas não são nada. O trabalho as afeta em termos de auto-importãncia, mas não em termos de vida pessoal. A mim o trabalho afeta em termos de vida pessoal, mas não de auto-importância. Don Juan me alertou e aconselhou que nunca me tornasse um pavão, "pavo real", que é o resultado à ênfase da importância pessoal. Quanto menos a pessoa pensa e "pseudo-age" em termos de auto-importância ela se torna mais completa. E quanto mais auto-importante se sente, mais incompleta se torna. O ser incompleto nasce da incessante procura por reconhecimento social.



VEJA - Mas se a pessoa age, não estaria automaticamente à procura de auto-reconhecimento?


CASTANEDA - Não, se estiver agindo como um bruxo. O bruxo vive a vida por si e para si e não para as galerias. Ele não se deixa influenciar pelas reações de consenso social, pois não age em termos de auto-importância. Ele sabe "parar o mundo", ou melhor, ele tem a capacidade de "não fazer".


O "mundo parado", por um passe de mágica.



VEJA - E que significa "fazer, "não fazer" e "parar o mundo"?


CASTANEDA - O objetivo final do bruxo é se tornar um "homem de conhecimento, mas antes ele tem que aprender a viver como um guerreiro-pirata. Ele tem que ser um impecável caçador à procura de coragem e disciplina. O guerreiro-pirata age por si mesmo, e assume a responsabilidade por suas ações. No processo de me tornar guerreiro-pirata eu encontrei poder pessoal, isto é, o poder da coragem e disciplina. Don Juan me ensinou a enxergar, ver o mundo ao invés de simplesmente olhar. Ele ensinou-me a interpretar o mundo não pelo que se apresenta na superfície, mas pela essência. Porém, antes poder enxergar e interpretar o mundo como um guerreiro-pirata, como um bruxo, tive que aprender como "não fazer", como "parar o mundo". Como você pode notar, é quase que uma taxinomia de tarefas. Para se ter o entendimento de "não fazer" é necessário explicar o significado de "fazer". "Fazer" é o consenso que torna o mundo existente. O mundo da nossa realidade é realidade porque estamos envolvidos no "fazer" dessa realidade. As pessoas nascem com uma auréola de força, poder, que se desenvolve e se entrelaça com o consenso dominante. As pessoas olham o mundo da forma como lhe foi ditada, com os olhos do consenso dominante. Por outro lado, "não fazer" é possível quando uma auréola extra de poder se desenvolve para formar a existência da realidade de um outro mundo. O guerreiro-pirata não escapa do "fazer" do mundo, mas luta dentro desta realidade, a realidade do consenso dominante. o que o auxilia na criação da auréola extra de poder. O ato de "não fazer" conduz ao "parar o mundo", que é o primeiro passo para "enxergar". O mundo da realidade ordinária, do dia-a-dia, nos parece do jeito que é por causa do consenso social. "Parar o mundo" significa interromper a corrente comum de interpretação do mundo, do consenso dominante, ou em outras palavras, parar o consenso é enxergar o mundo como bruxo, numa realidade não-ordinária. "Parar o mundo" é viver num espaço temporal mágico, enquanto que viver na realidade do consenso é viver num espaço temporal ordinário.



VEJA - Um bruxo é um pragmático, e o senhor mesmo se rotula assim. Qual seria a aplicação prática de "fazer", "não fazer" e "parar o mundo"?


CASTANEDA - Você fuma desbragadamente, como um desesperado. Eu fumava como você, e cheguei a fumar quatro maços de cigarros por dia, até que Don Juan sugeriu que eu usasse a minha compulsão para parar de fumar. Eu deveria ficar envolvido no "não fazer" de fumar. Para isso eu teria que observar o fazer de fumar. Comecei então a observar o "fazer" de levantar pela manhã e procurar imediatamente meus cigarros, o "fazer" de colocá-los no bolso, o "fazer" de apalpar o bolso da minha camisa com minha mão esquerda para ter certeza de que os cigarros lá estavam. O lugar do cigarro, o fumar de dois deles no caminho da universidade, e assim por diante, constituíam o meu "fazer" de fumar. Como eu, você pode observar o que constitui o seu "fazer" de fumar. Uma medida sistemática de fazer leva a pessoa a não executar os detalhes do ato de fumar. Para "parar o mundo" de fumar a pessoa tem que aprender a compulsivamente dizer não para o "fazer" de fumar. Este exemplo é grosseiramente uma aplicação dos ensinamentos, pois eu parei de fumar logo nos primeiros contatos com Don Juan, mas somente consegui "parar o mundo" da realidade ordinária depois de dez anos. A partir deste ponto Don Juan deixou de usar plantas alucinógenas como parte dos ensinamentos.


Guias para se acabar com o bom senso



VEJA - O senhor não fuma, não bebe e evita até café. Como então vê o uso de drogas como parte dos ensinamentos de Don Juan?


CASTANEDA - Don Juan usou psicotrópicos e plantas alucinógenas como um auxílio aos ensinamentos. Uma vez atingido o objetivo, estes veículos se tornaram desnecessários. As drogas são maléficas para o corpo, e não tem nenhum defeito além de uma certa qualidade que o bruxo necessita.



VEJA - De que modo as drogas serviam de instrumento auxiliar aos ensinamentos de Don Juan?


CASTANEDA - O mundo como nós o vemos é apenas uma descrição, e cada item da descrição é uma unidade, o que eu chamo de "gloss" (aparência externa") Uma árvore é um gloss, um quarto ou uma sala são glosses. Nós colocamos significado ao gloss-quarto como sento a reunião de pequenos glosses - cama, cadeira, camiseira, armário. A realidade do consenso é formada por uma corrente infinita de glosses, os quais, por sua vez são formados e interligados por pequenos glosses. Esta corrente forma, na nossa realidade, um sentido comum, isto é, esta corrente de glosses tem que fluir em uma direção pré-concebida que nós chamamos com senso ou sentido comum. Para quebrar ou interromper a corrente, o bruxo usa drogas que criam um espaço vazio na corrente, implantando uma nova direção, a direção do sentido comum ou do bom senso da realidade não ordinária (realidade da bruxaria). Sentido comum e bom senso estão diretamente ligados ao nosso corpo. Com o uso de drogas, há uma interrupção no bom senso e abertura de uma nova direção, e essa nova direção só pode ser encontrada com um guia (bruxo), pois de outra forma o uso de tais drogas é sem valor. O homem geralmente tem a idéia de gozar a vida através dos vícios. Um viciado é uma criança profissional. Interromper a corrente de glosses, parar o mundo, com o uso de drogas só pelo prazer de interromper, só pode causar dano, além de ser uma brincadeira cujo preço é caro. Uma vez que o corpo aprendeu a interromper a corrente, não há mais necessidade de auxílio para tal interrupção. A pessoa interrompe pela própria vontade.



Uma estranha psicoterapia: sentir-se morto



VEJA - Acha que o processo de interrupção voluntária da corrente do "bom senso" seria eficaz se aplicado à psicoterapia?


CASTANEDA - O sucesso de Don Juan como psicoterapeuta é impressionante. Ele me fez cônscio de que era uma criança profissional, que eu estava colocando muito peso sobre mim mesmo, enfatizando minha importância de pessoal, e não transformando em ações minhas fantasias. Ele me ensinou a viver para o agora, a encarar a minha morte como um fato inevitável e existente em minha vida. O conceito de morte deve ser encarado como uma realidade. Don Juan me ensinou que, se eu me considerasse como morto, nenhuma das minhas ações teria importância pessoal, e com isso eu poderia mudar, ou mudanças poderiam ser feitas e tarefas serem cumpridas. O fato inevitável de morte é muito mórbido para o homem ocidental, e em conseqüência o Ocidente procura interação social com o objetivo de ajustamento ao "bom senso".



VEJA - Seria correto dizer que a pessoa, em nossa realidade rotulada de psicótica, para Don Juan seria apenas a pessoa que acidentalmente interrompeu a corrente do "bom senso" e não conseguiu fazer esta corrente?


CASTANEDA - Correto. O bruxo quebra a corrente do bom senso por vontade própria. não é uma coisa acidental. Nas primeiras experiências tenho quase certeza que sem um guia teria perdido o contato com a realidade do consenso; em outras palavras, eu não seria capaz de encontrar o caminho de volta a essa realidade. O guia orienta o aprendiz a sair da realidade do consenso e a entrar na estranha realidade da bruxaria, bem como sair daquela estranha realidade e voltar a realidade do consenso. Este exercício é repetido até que o aprendiz adquira o domínio da sua própria vontade. Para o psicótico, o exercício sobre a direção de um psicólogo clínico ou de um psiquiatra resume-se a retornar à realidade do consenso, e a permanecer conformado. O bruxo, além de guia, é o modelo de "homem do conhecimento". Para Don Juan, qualquer mudança somente é possível se a pessoa praticar seus próprio ensinamentos. Novamente a filosofia "eu faço o que eu digo" prevalece.



VEJA - "Porta para o Infinito" menciona o uso de sonhos como um exercício no domínio e controle da própria vontade. Seria este controle da mesma natureza do domínio da própria vontade ao que o senhor acaba de se referir?


CASTANEDA - Eu menciono neste livro os diversos exercícios para controle dos sonhos, ou seja, para que a pessoa possa colocar os sonhos a seu serviço e sonhar produtivamente. Este sonhos requerem o mesmo domínio da vontade que é necessário para sair e voltar à realidade ordinária. Sonhos para um bruxo não são simbólicos, mas frutos do controle que adquire através dos ensinamentos. Ele dorme sonhando sonhos produtivos, como que uma continuação do dia a dia, ao invés de sonhar sonhos ordinários comuns, e sem controle. Aos poucos, uma pessoa consegue se disciplinar, a ponto de, sonhando, ser capaz de ver a sua própria imagem dormindo a sonhar. O caso extremo deste controle pode ser exemplificado pelo que Don Genaro afirma ser capaz - materialização de uma duplicada da sua própria pessoa. Com o controle dos sonhos a pessoa pode aumentar a sua capacidade de ação. Todas essas realidades não exploráveis da realidade do consenso formam um todo - o "homem de conhecimento".



VEJA - O senhor acha que nós exploramos e usamos apenas parcialmente o nosso potencial por razões inerentes à nossa educação formal?


CASTANEDA - A educação formal e informal do homem ocidental não dá margem a nada estranho ou diferente do consenso social. O que é fora da norma do nosso bom senso é considerado anormalidade. Também falta ênfase na noção de responsabilidade para consigo mesmo: não falamos suficientemente da responsabilidade para as nossas crianças,e por esta razão poucos deixam de ser crianças, e vivem a vida como crianças-profissionais. Explicando melhor: a criança profissional é a pessoa que precisa de carinho e é recompensada por meio de atenção dispensada a sua pessoa. Ela é auto.importante, um eterno infant terible. Queria deixar de uma vez por todas de ser criança, mas eu era muito querido por mim mesmo, e sempre tinha uma desculpa para que continuasse alimentando minha auto-importância. Não fazia nada, não produzia nada, ações eram abafadas pelos meus planos e decisões, e pelo meu senso de importância pessoal. Até que aprendi com Don Juan a deixar de ser criança profissional e me tornei guerreiro-pirata.. Ficar sentado, esperando que me dessem tudo ou sonhando acordado com a glória da minha auto-importância, não me trouxe nada. Eu tive que ir procurar coragem e disciplina.



De criança profissional a guerreiro-pirata



VEJA - O senhor vive como um bruxo, isto é, uma vida de anonimato, enquanto o seu trabalho é público e de muito sucesso. Qual é a satisfação pessoal que resulta deste aparente antagonismo entre autor e pessoa?


CASTANEDA - Minha satisfação vem de escrever impecavelmente e de apresentar minha pessoa à luz da verdade. Eu realmente não vejo antagonismo, pois minha vida pessoal é um reflexo da minha obra. Novamente afirmo que faço aquilo que digo, pratico aquilo que prego. E uma vez que sou honesto comigo mesmo, não me importa o que e como a galeria pensa ou reage. Desta forma, sou livre dos altos e baixos. Veja o exemplo de Tinothy Leary, o guru do ácido lisérgico. Ele é um exemplo típico de excesso de auto-importância. Lá pelas tantas o peso se tornou demasiado e ele teve que pagar o preço extremo. Muitos são os escritores que pregam mas não seguem a própria pregação, muitas são as pessoas que promovem um corpo forte e uma mente sadia, mas acabam destruindo gradativamente o próprio corpo e mente. Don Juan era o modelo que fazia e praticava tudo aquilo que era colocado como tarefa para mim, durante todos os anos da aprendizagem.



VEJA - O senhor mencionou o modelo de Don Juan, mas foi também exposto a um outro modelo: o consenso social. Como alia esses modelos em sua vida?


CASTANEDA - O modelo de Don Juan me deu os parâmetros de uma realidade diferente da do consenso social. Outro modelo me conduzia ao eterno enfant terrible. Ao longo dos ensinamentos, abandonei este último. Um modelo me conduzia à criança profissional, e outro ao verdadeiro guerreiro-pirata. Quando a pessoa tira o senso de auto-importância o senso de auto-importância do seu caminho e toma a consciência de que o homem que puxa a corda e trama os pauzinhos é tão humano quanto eu ou você, ela pode atingir aquilo que quiser. A pessoa pode ser ultra-inteligente e cheia de recursos, mas se somente espera que as coias lhe venham às mãos, quando não é atendida pelo mundo cai num estado de ódio, remorso e medo. O guerreiro-pirata não tem medo, ele não espera que as coisas venham até ele. Ele age, cumpre suas tarefas, e ao mesmo tempo não se preocupa com as conseqüências.



Notas

1- Em uma entrevista mais recente, concedida a Carmina Fort, Castaneda relata que Don Juan, para fazê-lo parar de fumar, certa vez levou ao deserto, avisando que iam passar lá vários dias. Castaneda fez um estoque de cigarros, com várias caixas embrulhadas. Enquanto dormiam, os cigarros sumiram. Castaneda, desesperado, procurava uma explicação. Don Juan disse que talvez tivesse sido os lobos. Rondaram as habitações próximas mas não acharam nada para Castaneda fumar. Esse acontecimento foi decisivo para ele largar o mau-hábito (nota do redator)


Chile and Argentina, Fevereiro de 1997
por Daniel Trujillo Rivas


No número correspondente a janeiro/fevereiro de 1998 da revista Utne Reader, se fala do artigo "O Mundo dos Sonhos Conscientes" por Michael Brennan, que contém trechos desta e de outra entrevista feita a Carlos Castaneda.


P: Senhor Castaneda, durante anos você permaneceu no mais absoluto anonimato. O que o levou a abandonar essa condição para se dedicar hoje a difundir publicamente os ensinamentos que, junto a suas companheiras atuais, recebeu do nagual Juan Matus?

R. O que nos obriga a difundir as idéias de Don Juan Matus é a necessidade impostergável de esclarecer o que ele nos ensinou. Eu e suas outras três estudantes chegamos à unânime conclusão de que o mundo que Don Juan Matus nos apresentou está ao alcance dos meios perceptivos de todos os seres humanos. Considerávamos, entre nós, qual seria o caminho mais adequado. Permanecer no anonimato como Don Juan nos propôs? Isto não encontrava entre nós um eco prazeroso. O outro caminho disponível era o de difundir as idéias de Don Juan: um caminho imensamente mais perigoso e esgotante, mas o único que, acreditamos, possuía a dignidade como a que Don Juan envolveu em seus ensinamentos.


P. Considerando que você diz que os atos de um guerreiro são imprevisíveis, e de fato, assim o temos comprovado durante três décadas, podemos esperar que essa sua etapa pública se prolongue no tempo? Até quando?

R: Não há uma maneira de estabelecer um critério temporal para nós. Vivemos de acordo com as premissas propostas por Don Juan e jamais nos desviamos delas. Don Juan Matus nos deu o formidável exemplo de um homem que vivia como ele o descrevia. O exemplo de um homem monolítico que não tem duas caras. E digo que é um exemplo terrível porque é o mais difícil de imitar; ser monolítico e ao mesmo tempo ter a flexibilidade para encarar seja o que for; esta era a maneira de viver de Don Juan.

Dentro dessas premissas, o que se poder ser é um condutor impecável. Não somos o jogador desta partida de xadrez cósmico, somos simplesmente uma peça de xadrez. Quem decide tudo é uma força impessoal consciente que os bruxos chamam de Intento ou o Espírito.


P: Segundo se pode comprovar, a Antropologia ortodoxa, assim como os alegados defensores do patrimônio cultural pré-colombiano da América, não dá credibilidade a sua obra. Permanece a crença de que sua obra é puramente o fruto de seu talento literário, por certo, excepcional; ainda que outros setores o acusem de um comportamento duplo, porque, supostamente, seu estilo de vida e suas atividades são contrários ao que a maioria espera de um shamã. Como pode esclarecer estas suspeitas?

R. O sistema cognitivo do homem ocidental nos força a apoiar-nos em idéias pré- concebidas. Baseamos nosso julgamento em algo que é sempre, "a priori", por exemplo a idéia do que é "ortodoxo". O que é antropologia ortodoxa? Aquela que é ensinada em palestras universitárias? Qual é o comportamento de um shamã? Usar plumas e lançar para os espíritos?

Durante 30 anos as pessoas acusavam CC de criar um personagem literário, simplesmente porque aquilo que relato para eles não coincide com o "a priori antropológico" as idéias estabelecidas em salões de conferência ou em trabalho de campo antropológico. Entretanto, o que DON JUAN apresentou para mim poder ser aplicado apenas a uma situação que requer ação total e, sob tais circunstâncias, muito pouco ou quase nada dos acontecimentos pré-concebidos.

Nunca fui capaz de tirar conclusões sobre shamanismo, porque para fazer isto é necessário ser membro ativo do mundo dos shamãs. Para um cientista social, por exemplo, um sociólogo, é muito fácil chegar a uma conclusão sociológica sobre qualquer assunto relacionado ao mundo ocidental porque o sociólogo é um membro ativo do mundo ocidental. Mas como pode um antropólogo, que passa quando muito dois anos estudando outras cultura, chegar à conclusões confiáveis sobre elas? É necessário o tempo de uma vida para se tornar membro de um mundo cultural. Tenho trabalhado por mais de 30 anos no mundo cognitivo dos shamãs do México Antigo e, sinceramente, não acredito Ter me tornado um membro, o que me permitiria chegar a conclusões ou até mesmo propô-las.

Tenho discutido isto com pessoas de diferentes áreas e elas sempre parecem entender e concordar com as premissas, as quais estou apresentado. Mas então voltam atrás e esquecem tudo que concordaram e continuam a sustentar os princípios acadêmicos "ortodoxos" sem considerar a possibilidade de um erro absurdo nas suas conclusões. Nosso sistemas cognitivo parece ser impenetrável.


P. Qual é seu objetivo de não permitir que sua pessoa seja fotografada, tendo sua voz gravada ou tornar a sua biografia conhecida? Poderia isto afetar o que você já adquiriu no seu trabalho espiritual e de que forma? Você não acha que isto poderia ser útil para alguns sinceros buscadores da verdade saber quem você realmente é como forma de corroborar que é realmente possível seguir o caminho que você proclama?

R. Em relação à fotografia e dados pessoas as outras três discípulas de DON JUAN seguem as instruções. Para um shamã como DON JUAN a idéia principal que está por trás de não fornecer dados pessoais é muito simples. É imperativo deixar de lado o que ele chama de "história pessoal". Fugir do "eu" é algo extremamente irritante e difícil. O que os shamãs como DON JUAN buscam é um estado de fluidez onde "eu" pessoal não conta. Ele acreditava que uma ausência de fotografias e dados biográficos afetam a qualquer pessoa que entra neste campo de ação numa forma positiva apesar de sub-humana. Estamos acostumados a usar fotografias, gravações e dados biográficos, todos os quais emergem da idéia da importância pessoal. DON JUAN dizia que é melhor não saber nada, desta forma ao invés de encontrar uma pessoa, encontramos uma idéia que pode ser sustentada; o oposto do que acontece no mundo cotidiano onde nos deparamos apenas com pessoas que tem inúmeros problemas psicológicos, mas sem idéias, todas estas pessoas cheias até o topo de "eu, "eu", "eu".


P. Como devem seus seguidores interpretar a publicidade e a infraestrutura comercial, fora seu trabalho literário, que cerca o conhecimento que você e suas companheiras disseminam? Qual é sua real relação com a Cleargreen e as outras companhias (Laugan Productions, Toltec Artists)? Estou falando de um elo comercial.

R. Neste ponto do meu trabalho eu precisava de alguém capaz de me representar no que diz respeito a disseminar as idéias de Juan Matus. Cleargreen é uma corporação que tem grande afinidade com nosso trabalho, como tem Laugan Productions e os Toltec Artists. A idéia de disseminar os ensinamentos de DON JUAN no mundo moderno implica na utilização de mídia comercial e artística que não estão ao meu alcance individual. Como corporações que tem afinidade com as idéias de DON JUAN, a Cleargreen Incorporated, Laugan Productions e Toltec Artists, são capazes de providencias os meios de disseminar o que quero disseminar.

Sempre há uma tendência para corporações impessoais a dominar e transformar tudo que lhes é apresentado e adaptá-lo à sua própria ideologia. Se não fosse pelo sincero interesse da Cleargreen, Laugan Production e Toltec Artist, tudo que DON JUAN transmitiu já teria sido deformado em outra coisa.


P. Há um grande número de pessoas que, de um jeito ou de outro, se "penduram" em você para obter notoriedade pública. Qual a sua opinião nos atos de Victor Sanchez, que interpretou e reorganizou seus ensinamentos para elaborar sua teoria pessoal? E pelas afirmações do Ken Eagle Feather que diz ser o escolhido para ser discípulo de DON JUAN, e que Don Juan voltou somente para ele?

R. De fato há muitas pessoas que se (auto intitulam) dizem ser meus alunos, pessoas que jamais conheci e quem, posso garantir, Don Juan nunca conheceu. Don Juan Matus estava exclusivamente interessado em perpetuar sua linhagem de shamãs. Ele tinha quatro discípulos que permanecem até agora. Tinha outros que partiram com ele. Don Juan não estava interessado em ensinar seus conhecimentos, ele o ensinou a seus discípulos afim de continuar sua linhagem. Devido ao fato que não podem continuar a linhagem de DON JUAN, seus quatro discípulos foram forçados a disseminar suas idéias.

O conceito de professor que ensina seus conhecimentos faz parte de nosso sistema cognitivo mas não faz parte do sistema cognitivo dos shamãs do México Antigo. Ensinar era absurdo para eles. Transmitir seus conhecimentos para aqueles que iriam perpetuar sua linhagem era uma questão diferente.

O fato que existem vários indivíduos que insistem em usar meu nome ou o nome de DON JUAN é simplesmente uma manobra fácil de beneficiar-se sem grandes esforços. much effort.


P. Consideremos o significado da palavra "espiritualidade" como sendo um estado de consciência na qual os seres humanos são totalmente capazes de controlar os potenciais das espécies, adquirindo por transcender a simples condição animal através do treino duro psíquico, moral e intelectual. Você concorda com esta afirmação? Como se integra o mundo de DON JUAN neste contexto?

R. Para DON JUAN Matus, um shamã extremamente sóbrio e pragmático, "espiritualidade" era uma idéia vazia, uma afirmação sem base a qual acreditamos ser bonita porque está embutida de conceitos literários e expressões poéticas, mas não vai além disso.

Shamãs como DON JUAN são essencialmente práticos. Para eles somente existe um universo predatório no qual a inteligência ou a consciência é produto dos desafios da vida e da morte. Ele se considera um navegador do infinito e disse que para navegar no infinito como um shamã faz, precisamos de um pragmatismo ilimitado, uma sobriedade sem fronteiras e músculos de aço.

Diante de tudo isso, DON JUAN acreditava que "espiritualidade" é simplesmente uma descrição de alguma coisa impossível de se realizar dentro do modelo de mundo da vida cotidiana e não é uma caminho real de ação.


P: Você assinalou que sua atividade literária se deve às instruções de Don Juan, o mesmo que a de Taisha Abelar e Florinda Donner-Grau. Com que objetivo?

R: O objetivo de escrever os livros foi dado por Don Juan. Ele assegurava que se alguém não é escritor, ainda pode escrever, mas o escrever se transforma de uma ação literária em una ação shamanística. Quem decide o tema e o desenvolvimento de um livro não é a mente do escritor, mas uma força que os shamãs consideram como a base do universo e a que chamam de intento. É o intento quem decide a produção de um shamã, seja literária ou outra qualquer.

De acordo com Don Juan, um praticante de shamanismo tem o dever, a obrigação de saturar se com toda a informação disponível. O trabalho de um shamã é o de se informar de uma maneira plena de tudo o que for relacionado com o tópico de seu interesse. O ato shamanístico consiste em abandonar todo interesse de dirigir o curso que tal informação tome. "Quem estabelece as idéias que nascem de tal fonte de informação não é o shamã - dizia Don Juan -, mas o Intento. O shamã é simplesmente um condutor impecável". O escrever era para Don Juan um desafio shamanístico, não uma tarefa literária.


P: Se me permite a seguinte afirmação, sua obra introduz conceitos estreitamente relacionados com as doutrinas filosóficas orientais, mas resulta contraditória com o que se conhece da cultura indígena mexicana. Onde se encontram as semelhanças e diferenças entre uma e outra?

R: Não tenho a menor idéia. Não sou erudito nem em um ou outro. Meu trabalho consiste de uma informação fenomenológica do mundo cognitivo ao qual me introduziu Don Juan Matus. Do ponto de vista da fenomenologia como método filosófico, não é possível chegar a afirmações relacionadas com o fenômeno em sua essência. O mundo de Don Juan Matus é tão vasto, misterioso e contraditório que não se presta a um exercício de exposição linear; o melhor que podemos fazer é descrevê-lo e ainda assim fazendo um esforço extremo.


P: Assumindo que os ensinamentos de Don Juan passou a fazer parte da literatura ocultista, qual sua opinião sobre estes outros ensinamentos, por exemplo, as filosofias massônica, Rosacruz, o Hermetismo, e disciplinas tais como a Cabala, o Tarot e a Astrologia, comparando-as com o nagualismo? Alguma vez manteve ou mantém contato com alguma dessas vertentes ou com seus seguidores?

R: De novo não tenho nem a menor idéia de quais são as premissas, os pontos de vista, nem os temas de tais disciplinas. Don Juan nos apresentou o problema de navegar no desconhecido e isto nos toma todo o esforço disponível.


P: Alguns dos conceitos de sua obra, como o ponto de aglutinação, as emanações de energia que compõem o universo, o mundo dos seres inorgânicos, o Intento, a Espreita e o sonhar, tem uma contrapartida no conhecimento ocidental? Por exemplo, há quem vê o homem como ovo luminoso como uma expressão da aura.

R: Não, nada do que Don Juan nos ensinou parece ter uma contrapartida no conhecimento ocidental, que eu saiba.

Uma vez, quando Don Juan ainda estava presente, passei um ano inteiro em busca de gurus, mestres e sábios que me dessem um indício do que estavam fazendo. Queria saber se havia algo no mundo de então que fosse parecido ao que Don Juan dizia e fazia.

Meus recursos eram muito limitados e só me levaram a conhecer os mestres estabelecidos que tinham milhares de seguidores, e desgraçadamente não pude encontrar nada parecido.


P: Concentrando-nos agora especificamente em sua obra, seus leitores encontram diferentes Carlos Castaneda. Primeiro, a um acadêmico ocidental algo inepto e permanentemente desconcertado diante do poder de índios anciãos, como Don Juan e Don Genaro (principalmente nos livros A Erva do Diabo, Uma Estranha Realidade, Viagem a Ixtlan, Relatos de Poder e O Segundo Anel de Poder.) Logo depois encontramos um aprendiz versado em shamanismo ( em O Presente da Águia, O Fogo Interior, O Poder do Silêncio e, especialmente, em A Arte de Sonhar.) Se está de acordo com esta apreciação, quando e como desapareceu um para deixar surgir o outro?

R: Não me considero nem shamã, nem mestre, nem estudante avançado de shamanismo, nem tampouco me considero um antropólogo ou cientista social do mundo ocidental. Minhas apresentações tem sido descrições de um fenômeno impossível de discernir sob as condições do conhecimento linear do mundo ocidental. Jamais pude dar ao que me ensinava Don Juan uma explicação de causa e efeito ou tive a possibilidade de predizer o que ele iria dizer ou o que iria se passar. Sob tais condições, se ele passou de um estado a outro é subjetivo e não algo elaborado ou produto de premeditação ou sabedoria.


P: Em sua obra é possível encontrar episódios francamente incríveis para a mentalidade ocidental. Como poderia alguém não iniciado comprovar que são verdadeiras essas "realidades à parte" que você descreve?

R: Se pode comprovar de uma maneira muito simples. Utilizando o corpo inteiro ao invés do intelecto. Ao mundo de Don Juan não se pode entrar intelectualmente como um diletante na posse de um conhecimento rápido e passageiro, nem tampouco se pode comprovar nada. A única coisa que se pode fazer é chegar a um estado de consciência intensificada que nos permita perceber o mundo que nos rodeia de una maneira mais ampla. Em outras palavras, a meta do shamanismo de Don Juan é romper os parâmetros da percepção histórica e cotidiana, e começar a perceber o desconhecido. A partir daí, ele chamará a si mesmo de navegante do Infinito. Ele sustentava que mais além dos parâmetros da percepção diária, está o Infinio Chegar a isso era a meta de sua vida, e posto que ele era um shamã extraordinário, induziu em nós quatro esse desejo. Forçou-nos a transcender o intelecto e a encarnar o conceito da ruptura dos parâmetros da percepção histórica.


P: Você sustenta que a característica básica dos seres humanos é sua condição de "percebedores de energia". Assinala o movimento do ponto de aglutinação como um imperativo para perceber energia diretamente. Para que pode servir isso a um homem do século XXI? Como ajuda a consecução desta meta na superação espiritual, segundo o conceito antes definido?

R: Os shamãs como Don Juan sustentam que todos os seres humanos possuem a capacidade de perceber energia diretamente a medida em que ela flui no universo. Consideram que o ponto de aglutinação, como eles o chamam, é um ponto que existe no campo de energia total do homem. Em outras palavras, quando um shamã percebe um homem como energia que flui no universo, "vê" uma bola luminosa. Nessa bola luminosa o shamã pode "ver" um ponto de grande brilho que está situado na altura das omoplatas e à distância de mais ou menos um metro atrás deles. Os shamãs sustentam que ali é onde se realiza a percepção, que a energia que flue no universo se transforma em dados sensoriais e que esses dados sensoriais são logo interpretados para dar como resultado o mundo da vida cotidiana. Os shamãs mantém que se nos ensinam a interpretar, também nos ensinam a perceber.

O valor pragmático de perceber a energia diretamente a medida em que flui no universo para o homem do século XXI ou do século I é o mesmo. Vai lhe permitir ampliar os limites de sua percepção e utilizá-lo dentro de seu meio ambiente. Don Juan dizia que seria extraordinário "ver" diretamente a maravilha de ordem e de caos do universo

Trechos de uma entrevista com
Florinda Donner-Grau, Taisha Abelar e Carol Tiggs
por Concha Labarta
Traduzido do Espanhol. Publicada inicialmente naMas Alla,em 1 de Abril de 1997, Espanha
Todas respostas foram dadas por Carol Tiggs, Taisha Abelar e Florinda Donner-Grau.

Pergunta: Assim como Carlos Castaneda, vocês foram alunas de dom Juan Matus e seus colegas xamãs. Entretanto, permaneceram no anonimato por vários anos, e só recentemente decidiram falar sobre seu aprendizado com don Juan. Por que o longo silêncio e a mudança de atitude?

Resposta: Antes de mais nada gostaríamos de esclarecer que cada uma de nós encontrou o homem que Carlos Castaneda chama de nagual don Juan Matus sob um nome diferente: Melchior, Yaoquizque, John Michael, Abelar e Mariano Aureliano. Para evitar confusão, sempre o chamamos de velho nagual; não velho em relação a idade, mas sim no sentido de respeitabilidade e acima de tudo para diferencia-lo do novo nagual, Carlos Castaneda.

Discutir nosso aprendizado com o velho nagual não era de forma alguma parte da tarefa a qual planejou para nós. Por isso ficamos em completo anonimato.
A volta de Carol Tiggs em 1985 marcou uma mudança total em nossas metas e aspirações. Ela estava tradicionalmente encarregada de nos guiar através de algo que, para o homem moderno, poderia ser traduzido como espaço e tempo, mas que, para os xamãs do antigo México, significava consciência. Eles concebiam uma jornada através de algo que denominavam o mar escuro da consciência.

Tradicionalmente, o papel de Carol era guiar-nos na consecução dessa travessia. Quando ela retornou, transformou automaticamente a meta de nossa jornada particular em algo de alcance mais amplo. Eis por que decidimos sair do nosso anonimato e ensinar os passes mágicos dos xamãs do antigo México.

P: Os ensinamentos que vocês receberam de don Juan foram similares àqueles narrados por Castaneda? Se não foram, quais foram as diferenças? Como vocês descreveriam don Juan e suas companheiras e companheiros ?

R: Os ensinamentos que recebemos não foram em absoluto similares aos recebidos por Castaneda pela simples razão de que somos mulheres. Nós temos órgãos que os homens não tem: os ovários e o útero, Órgãos de tremenda importância. As instruções que o velho nagual nos passou consistiu de ação pura. Quanto à descrição dos integrantes masculinos e femininos do grupo de don Juan, tudo que podemos dizer neste momento de nossa vidas é que eles foram seres excepcionais. Falar deles como seres do mundo cotidiano seria insano para nós neste momento.

O mínimo que podemos dizer deles, eram dezesseis incluindo o velho nagual, é que se encontravam num estado de extraordinária vitalidade e juventude. Todos eram velhos, mas simultaneamente não o eram. Quando, sem ser movidas pela curiosidade ou pelo espanto, perguntamos ao velho nagual a razão do seu exuberante vigor, ele nos respondeu que o que os rejuvenescia a cada passa do caminho era sua ligação com o Infinito.

P: Enquanto várias tendências modernas sociológicas e psicológicas proclamam o fim do distanciamento entre o masculino e o feminino, lemos em seus livros que há notáveis diferenças entre homens e mulheres no modo pelo qual cada um dos sexos obtém acesso ao conhecimento. Poderiam explicar isso? De que forma vocês e suas experiências como companheiras femininas diferentes daqueles de Carlos Castaneda?

R: A diferença entre feiticeiros homens e mulheres na linhagem do velho nagual é a coisa mais simples do mundo. . Como todas as mulheres do mundo temos um útero. Temos órgãos diferentes dos existentes nos homens: o útero e os ovários, os quais, segundo os feiticeiros, nos facilitam a entrada em áreas exóticas da consciência. Os feiticeiros dizem que há uma força colossal no universo; uma força constante, perene, que oscila mas não muda à qual chamam de consciência ou o mar escuro da consciência e asseguram que todos os seres vivos estão ligados a ela. Eles chamam esse ponto de ligação de ponto de aglutinação, e sustentam que, devido a presença do útero em seu corpo, as mulheres tem facilidade em deslocar o ponto de aglutinação para uma nova posição.

Os feiticeiros acreditam que o ponto de aglutinação de qualquer ser humano está situado no mesmo lugar, 90cm atrás das omoplatas. Quando vêem os seres humanos como energia, os feiticeiros percebem este ponto como um conglomerado de campos de energia na forma de um ovo luminoso.

Feiticeiros dizem que desde que os órgãos sexuais masculinos são externos ao corpo, homens não tem a mesma facilidade. Portanto, seria absurdo para os feiticeiros tentar apagar ou encobrir essas diferenças energéticas. Quanto ao comportamento dos feiticeiros masculinos e femininos na ordem social, ocorre quase o mesmo. A diferença energética leva os praticantes de cada sexo a comportar-se de modos diversos. No caso dos feiticeiros, essas diferenças são complementares. A grande facilidade das feiticeiras em deslocar o ponto de aglutinação serve como base para as ações dos feiticeiros, as quais são caracterizadas por uma maior resistência e um propósito mais firme.

P: Lemos também nos seus livros que Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar representam cada uma categorias diferentes no mundo xamânico. Uma é uma sonhadora e a outra, uma espreitadora São termos atraentes e exóticos mas muitas pessoas os usam de forma indiscriminada e interpretam a seu modo. Qual é o significado real de tal classificação? Quando se trata de ação, quais as implicações para Florinda Donner-Grau ser sonhadora e para Taisha ser uma espreitadora?

R: Como na questão anterior, mais uma vez, a diferença é simples porque é ditada por cada uma de nossas energias.

Florinda Donner-Grau é uma sonhadora porque desloca o ponto de aglutinação com enorme facilidade. Segundo os feiticeiros, quando se desloca o ponto de aglutinação, que é nosso ponto de ligação com o mar escuro da consciência, um novo aglomerado de campos energéticos é reunido , um conglomerado similar ao habitual, mas diferente o bastante para garantir a percepção de um outro mundo que não é o cotidiano.

O dom de Taisha Abelar como espreitadora é sua facilidade de fixar o ponto de aglutinação na nova posição para onde ele foi deslocado. Sem esta facilidade a percepção de outro mundo é muito fugaz, algo comparável ao efeito produzido por certas drogas alucinógenas: uma profusão de imagens sem pé nem cabeça. Os feiticeiros pensam que as drogas alucinógenas deslocam o ponto de aglutinação apenas de modo muito caótico e breve.

P: Em seus livros recentes, Sonhos Lúcidos e A Travessia das Feiticeiras , vocês falam sobre experiências pessoais que são difíceis de aceitar. Acessar outros mundos , viajar pelo desconhecido, contatar seres inorgânicos são experiências que desafiam a razão. Fica-se tentado a descrer por completo de tais relatos, ou de considerá-las seres que estão além do bem e do mal, invulneráveis à doença, a idade ou à morte. Qual é a realidade cotidiana de uma feiticeira? E como a vida no tempo cronológico se adequa à vida no tempo mágico?

R: Essa questão é muito abstrata e extravagante., Srta. Labarta, Por favor perdoe a nossa franqueza. Não somos seres intelectuais e não somos de nenhuma forma capazes de participar em exercícios nos quais o intelecto utiliza palavras que na realidade não tem significado. Nenhuma de nós, em hipótese alguma, esta além do bem e do mal, da doença ou da idade.

O que aconteceu conosco foi que fomos convencidas pelo velho nagual de que há duas categorias de seres humanos. A grande maioria de nós são seres que os feiticeiros denominam ( pejorativamente, poderíamos acrescentar) "os imortais". A outra categoria é a dos seres que vão morrer.

O velho nagual nos contou que , como seres imortais, nunca tomamos a morte como ponto de referência, e assim nos damos ao inconcebível luxo de viver nossas vidas envolvidas em palavras, descrições, acordos e desacordos.
A outra categoria é a dos feiticeiros, que nunca podem, sob qualquer circunstância, dar-se ao luxo de fazer asserções intelectuais. Se somos algo, somos seres sem nenhuma importância. E se temos algo, é nossa convicção de que somos seres que estão caminhando para a morte e que um dia teremos que encarar o Infinito. Nossa preparação é a coisa mais simples do mundo: nos preparamos 24 horas por dia para encarar esse encontro com o Infinito.
O velho nagual conseguiu apagar em nós nossa confusa idéia de imortalidade e nossa indiferença a vida, e nos convenceu de que, como seres que estamos caminhando para a morte, podemos ampliar nossas opções de vida. Para os feiticeiros, os humanos são seres mágicos, capazes de atos e realizações estupendas uma vez que se livrem das ideologias que os tornam seres comuns.

O que narramos são na verdade descrições fenomenológicas de feitos de percepção acessíveis a todos nós, especialmente mulheres, feitos ignorados em virtude do nosso hábito de auto-reflexão. Os feiticeiros afirmam que a única coisa que existe para nós seres humanos é Eu, Eu, e somente EU. Sob tais condições o único possível é o que se refere a MIM.. E por definição qualquer coisa que me diga respeito, o 'Eu 'pessoal , só pode conduzir à raiva e ao ressentimento.

P: A presença física de um mestre talvez não seja indispensável mas, em qualquer caso, é de grande ajuda. Vocês receberam instruções diretas de don Juan e de seus colegas para guia-las na feitiçaria. Vocês pensam realmente que esse mundo é acessível a maioria das pessoas, mesmo quando elas não têm um mestre particular?

R: De certo modo, a insistência em ter um mestre é uma aberração. A idéia do velho nagual era a de que ele nos estava ajudando a romper a dominação do Eu. Com suas piadas e seu aterrorizante senso de humor ele conseguiu nos fazer rir de nos mesmas. Neste sentido acreditamos piamente que a mudança é possível para todos, uma mudança similar à nossa, por exemplo, através da prática de Tensegridade, sem a necessidade de um mestre particular e pessoal.

O velho nagual não estava interessado em transmitir seu conhecimento. Ele nunca foi um mestre ou guru, e não poderia ter se importado menos em ser um. Estava interessado em perpetuar sua linhagem. Se ele nos guiou pessoalmente, foi para inculcar em nós todas as premissas da feitiçaria que nos permitiria continuar sua linhagem. Ele esperava que, algum dia, chegaria a nossa vez de fazer o mesmo.

Circunstâncias fora de nosso alcance, ou do dele, conspiraram contra a continuidade de sua linhagem. Em vista do fato de que não podemos arcar com a função tradicional de dar continuidade a uma linhagem de feitiçaria, desejamos tornar esse conhecimento acessível. Uma vez que os praticantes de Tensegridade não são convocados a perpetuar qualquer linhagem do gênero, os praticantes tem a possibilidade de realizar o que realizamos, mas numa trilha diferente.

P: A possibilidade de uma forma alternativa de morte é um dos pontos mais polêmicos dos ensinamentos de don Juan Matus. De acordo com o que vocês falaram, ele e seu grupo atingiram essa forma alternativa de morte. Qual é sua interpretação do desaparecimento deles, quando se transformaram em consciência?

R: Isto pode parecer uma pergunta simples, mas é muito difícil responder. Somos praticantes dos ensinamentos do velho nagual. Nos parece que, através de sua pergunta, você esta pedindo uma justificativa psicológica, uma explicação equivalente à explicação da ciência moderna.
Infelizmente não podemos dar uma explicação fora do que somos. O velho nagual e suas companheiras tiveram uma morte alternativa, que é possível para qualquer um, desde que se tenha a disciplina necessária.

Tudo que podemos dizer é que o velho nagual e seu grupo levaram suas vidas profissionalmente, o que significa que eram responsáveis por todos os seus atos, ate mesmo os mais pequenos, por que eram extremamente conscientes de tudo que faziam. Sob tais condições, morrer uma morte alternativa não é uma possibilidade tão distante.

P: Vocês estão prontas para encarar o salto final? O que esperam desse universo, o qual vocês entendem como impessoal, frio e predatório?
R: O que esperamos é uma luta infindável e a possibilidade de testemunhar o infinito, seja por um segundo ou por cinco bilhões de anos.

P: Alguns leitores de Castaneda criticaram-no pela ausência de uma maior presença espiritual em seus livros, por nunca ter usado palavras como "amor". O mundo de um guerreiro realmente é assim frio? Vocês sentem emoções humanas? Ou dão um significado diferente a elas?

R: Sim, nós lhe damos um significado diferente, e não usamos palavras como "amor" ou "espiritualidade" porque o velho nagual nos convenceu de que são conceitos vazios. Não o amor ou a espiritualidade por si próprios, mas o uso dessas palavras. Eis sua linha de argumentação.: se realmente nos consideramos seres imortais que podemos dar-nos ao luxo de viver entre contradições enormes e um egoísmo infindável, se tudo que conta para nós é a satisfação imediata, como poderíamos fazer do amor ou da espiritualidade algo autêntico? O velho nagual nos disse que a cada vez que somos confrontados com tais contradições nós a resolvemos dizendo que , como seres humanos, somos fracos.

Segundo ele, como regra geral, nós, humanos, nunca fomos ensinados a amar. Fomos ensinados apenas a sentir emoções gratificantes, pertinentes apenas ao Eu pessoal. O infinito é sublime e sem piedade, ele disse , e não há lugar para conceitos falaciosos, não importa quão agradáveis eles nos possam parecer.

P: Parece que a chave para expandirmos nossas capacidades de percepção reside na quantidade de energia que temos à nossa disposição, e que a condição energética do homem moderno é muito pobre. Qual seria a premissa essencial para armazenar energia? Isso é possível para alguém que tem que cuidar de uma família, trabalhar todo o dia e participar plenamente de uma vida social? E sobre o celibato como meio de economizar energia, um dos pontos mais controversos da seus livros?

R: O velho nagual nos disse que o celibato é recomendado para a maioria de nós. Não por razões morais, mas porque não temos energia suficiente. Ele nos fez ver como a maioria de nós foi concebido no meio de um relação marital monótona. Como um feiticeiro pragmático, ele afirmava que a concepção é algo de suprema importância. Ele dizia que se a mãe não foi capaz de ter um orgasmo durante o momento da concepção, o resultado era o que chamava de "transa chata". Não há energia nessas condições. O velho nagual recomendava o celibato para os que foram concebidos sob tais circunstâncias.

Uma outra coisa que ele recomendava como meio de estocar energia era a dissolução dos padrões de comportamento que levam ao caos, tais como a incessante preocupação com o namoro romântico, a defesa do self na vida cotidiana, as rotinas em excesso e sobretudo a tremenda insistência nas preocupações do self.

Se essas sugestões são implementadas, qualquer um de nós pode ter a energia necessária para usar o tempo , o espaço e a convivência social de maneira mais inteligente.

P: Os passes mágicos da Tensegridade , aos quais vocês atribuem grande importância, são sua contribuição mais recente para os interessados no mundo de don Juan. O que a Tensegridade pode trazer aos seus praticantes? Ela pode ser relacionada a outras modalidade físicas ou tem suas características próprias?

R: O que a Tensegridade traz àqueles que a praticam é energia. A diferença entre Tensegridade e os outros sistemas de exercícios físicos é que o intento da Tensegridade é algo ditado pelos xamãs do antigo México. O intento é a liberação do ser que esta caminhando para a morte.


CASTANEDA - Mágica ou Realidade
Matéria de Capa da Revista Time de 5 de março de 1973.
Fonte: http://www.erowid.org/library/review...staneda1.shtml
Tradução de Miguel Duclós

A fronteira do México é um grande divisor. Abaixo dela, o amontoado de estruturas da .racionalidade. ocidental hesita e afunda. O modelo familiar de sociedade . proprietário e camponês, padre e político, aparece por sobre um estranho chão - o México oculto, com seus brujos e carismáticos, seus feiticeiros e videntes. Alguns de seus costumes datam de 2000 a 3000 anos, como o uso do peiote, o cogumelo e o culto da glória da manhã dos antigos toltecas e astecas. Quatro séculos de repressão católica em nome da fé e da razão reduziram estes antigos costumes a uma subcultura, ridicularizada e perseguida. Mesmo num país de 53 milhões de habitantes, onde muitos mercados nas cidadezinhas tem vendedores de ervas medicinais, botões de peiote e beija-flores secos, o mundo dos feiticeiros ainda persiste. Seus cultos tem sido alvo de interesse de antropólogos há tempos. Mas cinco anos atrás, dificilmente alguém poderia adivinhar que uma tese de mestrado neste assunto recôndito, publicado na conservadora editora da Universidade da Califórnia, pudesse se tornar um dos livros mais vendidos do início dos anos 70.

VELHO YAQUI. O livro era Os ensinamentos de Don Juan: O caminho Yaqui de conhecimento (1968) (1). Suas seqüências Uma Estranha Realidade (2) e o atual Viagem a Ixtlan (1972) fizeram os EUA cultuar a figura de seu autor e seu tema: um antropólogo chamado Carlos Castaneda e um misterioso velho yaqui de Sonora chamado Don Juan Matus. Os livros de Castaneda são essencialmente histórias de como um ocidental racionalista é iniciado na prática da feitiçaria indígena. Eles cobrem um espaço de dez anos, durante os quais, sob a estranha, exigente e às vezes cômica tutelagem de Don Juan, um jovem acadêmico é obrigado a introduzir-se e compreender o que chama de a .estranha realidade. do mundo dos feiticeiros. O aprendizado da iluminação é um tema comum entre as leituras favoritas dos jovens americanos de hoje (por exemplo, Herman Hesse com seu romance Sidarta). A diferença é que Castaneda não apresenta seu ciclo de Don Juan como ficção, mas como um documentário sem embelezamentos.

O malicioso e musculoso bruxo velho e seu aluno acadêmico certinho encontraram primeiramente audiência nos jovens da contra-cultura, dos quais muitos ficaram intrigados pelos relatos das experiências com plantas alucinógenas (ou psicotrópicas). Erva-do-diabo, cogumelos mágicos, peiote. Os Ensinamentos venderam mais de 300 mil cópias de capa mole e está sendo vendido atualmente numa taxa de 16 mil cópias por semana. Mas os livros de Castaneda não são propaganda de drogas, e agora a classe-média pseudo-intelectual começou a abordá-lo. Ixtlan é um best-seller de capa dura, e suas vendas com capa mole (3), de acordo com o editor Ned Brown, irão fazer seu autor milionário.

Para dezenas de milhares de leitores, o primeiro encontro de Castaneda com Juan Matus, que aconteceu num empoeirado ônibus do Arizona, é um evento literário mais conhecido do que o encontro de Dante e Beatrice perto de Arno. Porque os ensinamentos de Don Juan foram impressos no exato momento em que, mais do que nunca, os americanos estão dispostos a levar em conta abordagens .não racionais. da realidade. Esta nova abertura de mente se mostra em vários níveis, dos experimentos de ESP financiados indiretamente pelo governo dos EUA até a multidão chorosa de 13 anos da Califórnia tornando-se exultante com a chegada de um guru infantil num jato fretado de Bombay. O acupunturista agora divide os holofotes com Marcus Welby, M.D, e suas agulhas parecem funcionar, sem que ninguém saiba por quê. Entretanto, a fama crescente de Castaneda trouxe também dúvidas crescentes. Don Juan não tem outra testemunha verificável, e Juan Matus é um nome tão comum entre os índios yaquis quanto John Smith é mais adiante, no norte. Castaneda é real? Se sim, ele inventou Don Juan? Ou Castaneda apenas está colocando-o no mundo real?

Dentre essas possibilidades, uma coisa é certa: não há dúvida que Castaneda, ou um homem sob este nome, existe: ele está vivo e bem em Los Angeles. É um falante antropólogo de olhos castanhos, rodeado de provas concretas de existência como uma caminhonete Volkswagen, um cartão de crédito, um apartamento em Westwood e uma casa de praia. Sua celebridade também é concreta. Ela o dificulta a dar aulas e palestras, especialmente depois de um incidente ano passado no campus de Irvine da Universidade de Califórnia, quando um professor chamado John Wallace conseguiu uma cópia de xerox do manuscrito de Viagem a Ixtlan , colocou junto com algumas anotações de um seminário sobre xamanismo que Castaneda dava, e vendeu o resultado para a revista Penthouse. Isso enfureceu Castaneda a tal ponto que ele tornou-se relutante em se comprometer a proferir qualquer tipo de palestra no futuro. No momento ele vive em Los Angeles .tão inacessível quanto possível., recuperando as forças de tempos em tempos no lugar que Don Juan chamou de .ponto de poder., no topo de uma montanha próxima ao norte de Malibu, que é uma cadeia de montanhas mirando o Pacífico. Muito se distancia das ofertas para filmar: .Eu não quero ver Antonny Quinn como Don Juan., disse com aspereza. Qualquer um que tente sondar a vida de Castaneda encontra um labirinto de contradições. Mas, para os admiradores de Castaneda, isto pouco importa. .Veja desta forma., disse um, .ou Castaneda está dizendo a verdade documental acerca de si e de don Juan, e neste caso é um grande antropólogo, ou é uma verdade fantasiosa, e neste caso ele é um grande romancista. De uma forma ou de outra, Castaneda vence..

De fato, apesar de o homem ser um enigma embrulhado em um mistério embrulhado em uma tortilla¸o trabalho é maravilhosamente lúcido. O relato de Castaneda desdobra-se com poder narrativo sem igual em outros estudos antropológicos. Seu terreno ornado de cactos organ pipe, desde as deslumbrantes montanhas do deserto mexicano até o interior bagunçado da cabana de Don Juan parece perfeitamente real. É um mundo profundamente articulado em detalhes, como o país Yoknapatawpha de Faulkner. Em todos os livros, mas especialmente em Viagem a Ixtlan, Castaneda faz o leitor experimentar a pressão de ventos misteriosos e o farfalhar de folhas no crepúsculo, a atenção especial do caçador para o som e o cheiro a crueza extrema da vida indígena, o cheiro cru da tequila, o odioso e fibroso gosto do peiote, a poeira no carro e o alteamento do vôo do corvo. É um ambiente admiravelmente concreto, denso e com sentido animista.

A educação de um feiticeiro, como Castaneda descreve, é árdua. Através de Don Juan ela destrói necessariamente a interpretação do mundo dos antropólogos; do que pode e não pode ser chamado .real.. Os Ensinamentos descrevem os primeiros passos deste processo, que envolvem drogas naturais. Uma é a Lophophora williamsii, o cacto de peiote que, como promete Don Juan, revela a entidade chamada Mescalito, um poderoso mestre que ensina a você o .modo correto de viver.. Outra é a Erva do Diabo, que Don Juan trata como uma presença feminina implacável. A terceira é o humito¸ o .fuminho., preparado com restos do cogumelo Psilocybe, secos e envelhecidos por um ano e então misturados com cinco outras plantas, incluindo sálvia. Ele é fumado com um cachimbo ritual e usado para adivinhações.

Estas drogas, Don Juan insiste, dão acesso ao .poder. de forças impessoais na amplitude do mundo que um .homem de conhecimento. . seu termo para feiticeiro . deve aprender a usar. Preparadas e administradas por Don Juan, estas drogas levam Castaneda a confrontos cada vez mais empolgantes ou apavorantes. Após mastigar botões de peiote, Castaneda tem encontros sucessivos com Mescalito como um cão preto, uma coluna, uma luz cantante ou uma espécie de grilo com a cabeça enrugada. Ele ouve impressionantes ruídos, impossíveis de se interpretar, oriundos das imóveis cadeias de montanhas de lava. Após fumar o humito e convesar com um coiote bilíngüe, ele vê o .guardião do outro mundo. aparecer na sua presença como um mosquito de cem pés com crista espetada e mandíbulas salivantes. Após esfregar seu corpo num ungüento feito com datura, o apavorado antropólogo sente várias sensações de estar voando.

Através de tudo isso, Castaneda raramente tem alguma idéia do que está acontecendo. Ele não pode ter certeza do que isto significa e mesmo se tudo isto .realmente. aconteceu, afinal de contas. Esta interpretação teve de ser fornecida por Don Juan.

Por que, então, numa época cheia de descrições de viagens, boas e ruins, as descrições de Castaneda são mais importantes do que as outras? Primeiro, porque elas são aparentemente conduzidas por um sistema - embora ele não tenha percebido isso quando ocorriam . imposto sacerdotalmente e com rigorosa disciplina pelo seu guia índio. Segundo, porque Castaneda manteve notas extensas e extraordinariamente vívidas. Um exemplo de descrição do efeito do peiote: .Em questão de instantes, um túnel formou-se ao redor de mim, muito baixo e estreito, duro e estranhamente frio. Sentia-se o seu toque como um muro de alumínio sólido... Lembro-me de ter que rastejar ao redor de uma espécie de ponto redondo onde o túnel acabava. Quando finalmente cheguei, se cheguei, havia esquecido tudo acerca do cachorro, Don Juan, e de mim mesmo.. Talvez o mais importante, Castaneda permanece sempre um racionalista tradicional. Seu único alívio são as perguntas: um constante, e às vezes infrutífero, esforço de manter um diálogo socrático com Don Juan.
.Eu voei como um pássaro?. .Você sempre me pergunta questões que eu não posso responder... O que você quer saber não faz sentido. Pássaros voam como pássaros e um homem que tenha fumado erva do diabo também.. .Então eu não voei realmente, Don Juan, eu voei na minha imaginação. Onde estava meu corpo?.. E por aí vai.

De acordo com ele, a primeira fase do aprendizado vai de 1961 até 1965 quando, assustado por estar perdendo seu senso de realidade . e possuindo então milhares de páginas de anotações . se afastou de Don Juan. Em 1968, quando os Ensinamentos apareceram, voltou a descer ao México para dar ao velho uma cópia. Um segundo ciclo de instruções então começou. Castaneda percebeu gradualmente que o uso de plantas psicotrópicas para Don Juan não era um fim em si mesmo, e que o caminho do feiticeiro poderia ser trilhado sem drogas.

Mas isto requer um perfeito aguçamento da vontade. Don Juan insiste que um homem de conhecimento só pode transformar-se a partir de um .guerreiro. . não literalmente um soldado profissional, mas um homem inteiramente ligado no seu ambiente, ágil, descarregado de sentimentos ou de .história pessoal.. Um guerreiro sabe que cada ato pode ser o último. E está sozinho. A morte é a base de sua vida, e sob sua presença constante ele age sempre .impecavelmente.. Este estoicismo existencialista é a idéia central dos livros. O objetivo do guerreiro é o de se tornar um .homem de conhecimento., e então entrar no clube seleto dos feiticeiros, isto é, .ver.. .Ver., no sistema de Don Juan, significa sentir o mundo diretamente, agarrando-se à sua essência, sem interpretá-lo. O segundo livro de Castaneda, Uma Estranha Realidade, descreve os esforços de Don Juan para induzi-lo a .ver. com a ajuda do fumo de cogumelo. Viagem a Ixtlan¸ apesar de recontar muitas experiências no deserto anteriores à sua introdução ao peiote, datura e o cogumelo, lida com o segundo estágio: .ver. sem as drogas.

A dificuldade, diz Castaneda, .está em aprender a perceber com todo seu corpo, e não apenas com seus olhos e a razão. O mundo se torna uma correnteza de eventos tremendamente rápidos e únicos. Então você deve preparar seu corpo para fazê-lo um bom receptor; o corpo é consciente, e deve ser tratado impecavelmente.. Mais fácil dizer do que fazer. Parte do treino exige uma sintonia concentra, detalhada, e mesmo religiosa, com o sentido do deserto, com seus animais e pássaros, sons e sombras, com as mudanças de seus ventos, e os locais onde um xamã pode confrontar suas entidades espirituais: pontos de poder, buracos ou abrigos. Quando Castaneda descreve seu aprendizado como caçador e colhedor de plantas, aprendendo sobre as propriedades das ervas e as ciladas para coelhos, a narrativa é absorvente. Don Juan e o deserto o tornam apto, esporadicamente e sem drogas, a .ver. ou, nas palavras de um yaqui, .parar o mundo.. Mas tal estado de interpretação da experiência livre confunde a descrição mesmo para aqueles que acreditam que Castaneda fala sinceramente.

SÁBIOS. Nem todo mundo pode, faz ou quer. Mas em alguns locais o trabalho de Castaneda é admirado extravagantemente como uma revivificação de um modo de cognição que foi bastante negligenciado pelo Ocidente, soterrado pelo materialismo e pelo desespero de Pascal, desde a Renascença. Mike Murphy, fundador do Instituto Esalen diz: .O essencial das lições que Don Juan tem a ensinar são aquelas lições eternas, que foram ensinadas pelos grandes sábios da Índia e os mestres espirituais da modernidade.. O autor Alan Watts argumenta que os livros de Castaneda oferecem uma alternativa tanto para o judaico-cristianismo cheio de culpa quanto para os pontos de vista cego dos homens mecanicistas: .O estilo de Don Juan leva o homem para algo central e importante. Não nos separar da natureza nos põe de volta a uma posição de dignidade..

Mas estes reconhecimentos e analogias não validam, de forma alguma, a proclamação mais mundial da importância dos livros de Castaneda: a sutileza de que são a consideração antropológica, específica e confiável de um aspecto da cultura indígena do México como mostradas pela fala de uma pessoa, um xamã chamado Juan Matus. Esta prova depende da credibilidade de Don Juan como criatura e Castaneda como testemunha. Ainda que não haja corrobação, além dos escritos de Castaneda, de que Don Juan tenha feito o que ele disse que fez, e mesmo que tenha, afinal de contas, existido.
Desde que os Ensinamentos apareceram, candidatos a discípulos e turistas da contracultura têm viajado para o México atrás do velho homem. Alguém poderia esperar a Primeira Convenção dos Procuradores de Don Juan no QG do Bar dos Brujos do Hotel Mescalito. Jovens mexicanos estão animados com o fato de que os livros de Castaneda sequer podem ser lançados lá em tradução espanhola. Um estudante mexicano que está procurando por conta própria Don Juan disse: .Se os livros forem lançados, a busca por ele pode se tornar facilmente o estouro de uma corrida para o ouro..

Castaneda afirma que seu mestre nasceu em 1891 e sofreu com a dispersão dos yaquis por todo o México desde a década de 1890 até a revolução de 1910. Seus pais foram mortos por soldados. Ele então se tornou nômade. Isto ajuda a explicar porque os elementos da feitiçaria de Don Juan são combinações de crenças xamanísticas de diferentes culturas. Alguns deles não são, de forma alguma, representativos da cultura yaqui. Muitas tribos indígenas, como os huichols, usam o peiote ritualmente, tanto ao norte quanto ao sul da fronteira . algumas numa mistura sincrética do Cristianismo e do xamanismo. Mas os yaquis não são usuários de peiote.

Don Juan, portanto, pode se tornar difícil de encontrar, porque sabiamente se afasta de seus admiradores inconvenientes. Ou talvez seja um índio mestiço, uma colagem de outros. Ou pode ser um xamã puramente fictício criado por Castaneda.

As opiniões divergem larga e apaixonadamente, mesmo entre os admiradores mais profundos dos escritos de Castaneda. .É possível que todos esses livros sejam não-fictícios?., pergunta o romancista Joyce Carol Oates candidamente. .Eles me parecem excelentes trabalhos de arte num tema parecido com o de Hesse, da iniciação de um jovem em .outros modos. de realidade. Eles são admiravelmente construídos. O personagem de Don Juan é inesquecível. Existe uma motivação novelística, crescente, repleta de suspense, e uma gradual revelação do personagem..

GULLIVER. É verdade, a leitura dos livros de Castaneda é como um Bildungsroman altamente orquestrado. Mas os antropólogos se preocupam menos com a excelência literária do que com a ilusão do xamanismo, assim como com a sua aparente desconexão com os yaquis. .Eu acredito basicamente que o trabalho tem um alto grau de imaginação., diz Jesus Ochoa, chefe do museu de etnografia do Museu Nacional de Antropologia do México. O Dr. Francis Hsu da Universidade do Noroeste repreende: .Castaneda é uma nova moda. Eu gostei dos livros da mesma maneira que das viagens de Gulliver.. Mas os colegas veteranos de Castaneda na UCLA, que deram o PHD por Ixtlan ao seu antigo estudante, discordam: Castaneda, como um professor colocou, é um .gênio nato., para o qual a rotina oficial e o lenga-lenga burocrático são desconsiderados; sua confiabilidade como testemunha não é posta em questão.

De qualquer forma, no mínimo é óbvio que .Don Juan Matus. é um pseudônimo usado para proteger a privacidade de seu professor. A necessidade de ser inacessível e esquivo é um tema central dos livros. Mais de uma vez Don Juan encoraja Castaneda a segui-lo e livrar-se não apenas das rotinas diárias, com sua percepção estúpida, mas também do próprio passado. .Ninguém sabe minha experiência pessoal., explica o velho homem em Ixtlan. .Ninguém sabe quem eu sou ou o que faço. Não apenas eu... ou nós tomamos tudo como certo e real, ou não. Se seguirmos o primeiro caminho, nos entediamos até a morte conosco mesmos e com o mundo. Se seguirmos o segundo e apagarmos a história pessoal, criamos uma névoa em torno de nós, um estado muito misterioso e excitante..

Desafortunadamente para qualquer um que esteja ansioso para ter garantias acerca da vida de Castaneda, o aprendiz de Don Juan tomou a lição muito cuidadosamente. Depois que os Ensinamentos tornaram-se um bestseller underground, muito se supôs que seu autor era o El Freako da Academia do Ácido, adornado com peles e olhos de pebolim, e com seu cérebro sendo um labirinto corroído iluminado por misteriosos alcalóides, viajando sobre o deserto com um corvo em sua cabeça. Mas Castaneda significa bosque de castanhas, e o homem se parece pouco com uma castanha: um robusto e cortês latino-americano, de 1.65 de altura e 68kg e aparentemente encorpado por vitaminas. O cabelo escuro e crespo é cortado curto, e os olhos brilham umedecidos e atenciosos. No vestuário, Castaneda é tradicional a ponto de passar desapercebido, cobrindo-se ou com paletós de negócios escuros ou com calças Lee esportiva do tipo Trevino. Seu adorno são as palavras, que escorrem dele num fluxo incessante, auto-irônico e fascinante. .Oh, eu sou um mentiroso!., ele gargalha, abrindo suas mãos calosas e curtas. .Oh, como eu gosto de espalhar besteira por aí!..

NÉVOA. Castaneda diz que não fuma e não bebe destilados; não usa maconha; e mesmo café o desagrada. Diz que não usa mais peiote, e sua a única experiência com drogas foi aquela com Don Juan. Seu encontro com a cultura do ácido foi improdutivo. Convidado em 1964 para uma festa em East Village em que estavam presentes luminares como Timothy Leary, ele simplesmente achou o papo absurdo: .Havia crianças entregues a revelações incoerentes. Um feiticeiro toma alucinógenos por uma razão distinta da cabeça, e após chegar onde queria, ele para de tomá-los..

A apresentação de si mesmo de Castaneda como Sr. Certinho, deve-se notar, não podia ser melhor planejada para contrariar aqueles que buscam saber sua história pessoal. O que, de fato, está por trás de tudo? O Castaneda .histórico., antropólogo e aprendiz de xamã, começa quando ele encontra Don Juan em 1960; os livros e sua carreira bem documentada na UCLA contam na sua vida a partir essa data. Antes disso, a névoa.

Estando durante muitas horas com Castaneda em algumas semanas, a correspondente da TIME, Sandra Burton, o achou atraente, solícito e convincente . até um certo ponto . mas bastante firme em avisar que ao falar de sua vida pré-Don Juan, poderia trocar nomes, lugares e datas sem, entretanto, alterar a verdade emocional sobre sua vida. .Eu não menti nem inventei., disse a ela. .Inventar seria voltar atrás e não dizer nada ou dar as certezas que todos buscam.. À medida que a conversa prosseguia, Castaneda mostrou várias versões de sua vida, que continuaram mudando quando Burton mostrou a ele o fato de que muitas de suas informações não batiam, emocionalmente ou de qualquer outra forma.

De acordo com ele, Castaneda não é seu nome original. Ele nasceu anonimamente, disse, numa .bastante conhecida. família de São Paulo, no dia de Natal, em 1935. Seu pai, que depois se tornou um professor de literatura, tinha 17 anos, e sua mãe 15. Como seus pais eram tão imaturos, o pequeno Carlos foi encaixado para ser criado pelos avós maternos numa granja de galinhas no interior do Brasil.

Quando Carlos tinha seis anos, a história continua, seus pais tomaram a criança de volta, e o trataram com uma afetuosidade cheia de culpa.. .Foi um ano infernal., ele diz sem rodeios, .porque eu estava vivendo com duas crianças.. Mas um ano depois sua mãe morreu. O diagnóstico médico foi de pneumonia, mas os Castanedas eram indolentes, uma condição de indolência adormecida, que ele acredita ser a doença cultural do Ocidente. Ele fala de uma lembrança emocionante: .Ela era morosa, muito bonita e insatisfeita, um ornamento. Meu desespero era que eu queria fazer alguma coisa por ela, mas como ela podia me ouvir? Eu tinha apenas seis anos...

Castaneda foi então deixado com seu pai, uma figura imprecisa que ele cita nos livros com um misto de ternura e piedade disfarçando o desprezo. A fraqueza de vontade de seu pai é o contrário da .impecabilidade. de seu pai adotivo, Don Juan. Castaneda descreve os esforços do seu pai de tornar-se um escritor como uma farsa de indecisão. Mas acrescenta: .Eu sou meu pai. Antes de encontrar Don Juan, passaria anos apontando meus lápis, e então pegaria uma dor de cabeça cada vez que sentasse para escrever. Don Juan me ensinou que isso é estúpido. Se você quer fazer uma coisa, faça impecavelmente. Isto é tudo que importa...

Castaneda foi posto numa .muito apropriada. escola de Buenos Aires, Nicolas Avellaneda. Ele conta que permaneceu lá até fazer 15 anos, aprendendo o espanhol (ele também fala italiano e português) com o qual posteriormente entrevistaria Don Juan. Mas ele tornou-se tão incontrolável que um tio, o patriarca da família, o colocou numa família adotiva em Los Angeles. Em 1951 mudou-se para os EUA e se alistou no segundo grau de Hollywood. Formando-se cerca de dois anos depois, tentou cursar escultura na Academia de Belas Artes de Milão, mas .Eu não tinha a sensibilidade ou abertura de espírito para me tornar um grande artista.. Deprimido, em crise, ele voltou para Los Angeles e começou um curso de psicologia social na UCLA, se transferindo depois para o curso de antropologia. Ele diz: .Eu realmente lancei minha vida através da janela. Disse a mim mesmo: se algo deve funcionar, deve ser algo novo.. Em 1959 mudou seu nome oficialmente para Castaneda.
BIOGRAFIA. Esta é a autobiografia de Castaneda. Ela cria uma consistência elegante . o impetuoso jovem mudando de seu pano de fundo acadêmico numa cultura européia exausta e provinciana para a revitalização através de um xamã; o gesto de abandonar o passado para desembaraçar-se de lembranças debilitantes. Infelizmente, nada disso é verdade.

Entre 1955 e 1959 Castaneda estava cadastrado, com esse nome, com uma especialização pré-psicologia no Colégio da Cidade de Los Angeles. Seus estudos nas artes liberais incluem, em seus primeiros dois anos, dois cursos em escrita criativa e um em jornalismo. Vernon King, seu professor em psicologia criativa no CCLA, ainda tem uma cópia dos Ensinamentos com a dedicatória .Para um grande professor, Vernon King, de um de seus estudantes, Carlos Castaneda..

Mais do que isso, registros de imigração mostram que Carlos Cesar Arana Castaneda realmente entrou nos EUA, em São Francisco, no ano que diz que entrou, em 1951. Este Castaneda também tinha 1.65m e pesava 64 kilos e veio da América Latina. Mas ele era peruano, nascido no dia de natal, em 1925, na antiga cidade inca de Cajamarca, o que faz com que ele tenha 48 anos, e não 38, neste ano. Seu pai não era um acadêmico, mas um ourives e relojoeiro chamado Cesar Arana Burungaray. Sua mãe, Susana Castaneda Navoa, morreu quando Carlos tinha 24, e não seis anos. Seu filho passou três anos no ensino médio na escola local e então se mudou para Lima em 1948, quando se formou no Colegio Nacional de Nuestra Senora de Guadalupe. Então estudou escultura e pintura não em Milão, mas na Escola de Belas Artes de Peru. Um de seus colegas ali, Jose Bracamonte, se lembra do seu amigo Carlos como alguém esperto e cheio de recursos, que vivia basicamente de jogos de azar (cartas, jóquei, dados) e guardava com obsessão o desejo de mudar-se para os EUA. .Nós todos gostávamos de Carlos., lembra Brecamonte, .ele era brilhante, imaginativo, animado . um grande mentiroso e um verdadeiro amigo..
IRMÃ. Castaneda escrevia para casa esporadicamente, pelo menos até 1969, o ano em que Don Juan veio à tona. Sua prima Lucy Chavez, que foi criada com ele .como uma irmã., ainda guarda suas cartas. Elas indicam que ele lutou no exército norte-americano, e o deixou após sofrer um ferimento leve ou .choque nervoso.. Lucy não tem certeza sobre isso. ( O Departamento de Defesa, entretanto, não tem nenhum registro do serviço de Carlos Arana Castaneda).

Quando a TIME confrontou Castaneda com estes detalhes como o período e a transposição da morte de sua mãe, Castaneda ficou opaco. .Os sentimentos de alguém sobre sua mãe., declarou, .não dependem da biologia ou do tempo. Parentesco como sistema não tem nada a ver com sentimentos.. A prima Lucy lembra quando a mãe de Castaneda morreu, ele ficou estupefato. Recusou-se a comparecer no funeral, trancando-se num quarto por três dias sem comer. E quando saiu anunciou que estava saindo de casa. Apesar disso a explicação de Castaneda sobre suas mentiras é ao mesmo tempo perfeita e totalmente esquiva: .Me pede para confirmar minha vida dando-me minhas estatísticas., diz, .é como usar ciência para validar feitiçaria. Rouba do mundo sua mágica e faz a todos nós nos afastarmos do ponto.. Em resumo, a programação de Castaneda pretende um absoluto controle sobre sua identidade.
Muito bem. Mas onde uma licença poética, a .auto-representação artística. que o programa de Castaneda pretende, termina? Enquanto os livros vendem-se aos montes, a resistência aumenta. Três paródias de Castaneda apareceram nas revistas de Nova York, e depois papers indicando que a crítica prepara-se para taxar Don Juan como uma espécie de Ossian antropológico, aquele lendário poeta gaélico do terceiro século cujos trabalhos James Macpherson fraudou no século XVIII para os leitores britânicos.
Os fãs de Castaneda não devem assustar-se, no entanto. Uma estranha justifica pode ser dada afirmando-se que os livros sobre Don Juan estão num nível diferente de honestidade do que o passado pré-Don Juan de Castaneda. Por exemplo, qual é o motivo de um erudito acadêmico trazê-lo à tona? Os Ensinamentos foram submetidos a uma editora universitária e surpreendentemente projetou-se para o sucesso de vendas. Além disso, ganhar um grau acadêmico da UCLA não é algo tão difícil para que um candidato empregue uma confabulação tão vasta apenas para evitar a pesquisa. Uma pequena fraude, talvez, mas não um sistema inteiro à maneira dos Ensinamentos, escrito por um estudante desconhecido, a princípio, sem esperanças de sucesso comercial.

Porque esta era a situação de Castaneda no verão de 1960: um jovem estudante peruano com ambições limitadas. Não há motivos para dúvidas de seu testemunho de como seu trabalho começou. .Eu queria entrar na graduação e fazer um bom trabalho para ser um acadêmico e sabia que se tivesse oportunidade de publicar um paper pequeno precocemente, eu o faria.. Um de seus professores na UCLA, Clement Meighan, o influenciou a interessar por xamanismo. Castaneda decidiu que o campo mais fácil seria etnobotânica, a classificação das plantas psicotrópicas usadas pelos feiticeiros. Então apareceu Don Juan.

As visitas para o sudoeste e o deserto Mexicano gradualmente se tornaram a espinha dorsal da vida de Castaneda. Impressionado com seu trabalho, o grupo da UCLA encorajou-o. O professor Meighan lembra: .Carlos era o tipo de estudante que um professor espera.. O professor de sociologia Harold Garfinkel, um dos pais da etnometodologia, deu a Castaneda estímulos constantes e duras críticas. Depois da primeira experiência com peiote (Agosto de 1961), Castaneda apresentou a ele uma longa .análise. de suas visões. .Garfinkel disse: `Não explique para mim. Você não é ninguém. Apenas me fale diretamente e em detalhes o jeito que aconteceu`. A riqueza de detalhes era tudo na parceria. O perplexo estudante passou anos revisando sua tese, vivendo de trabalhos estranhos como motorista de táxi e garoto de entregas, e mandou para ele novamente. Garfinkel continuou sem se impressionar. .Ele não gostou do meu esforço para explicar o comportamento de Don Juan psicologicamente. .Você quer ser o queridinho em Esalen?., perguntou.. Castaneda reescreveu a tese pela terceira vez.

Assim como as várias versões da vida de Castaneda, os livros eram um convite para a consideração de visões contraditórias da verdade. No centro de seus livros e do método de Don Juan estava, é claro, a hipótese de que a realidade não é algo absoluto. Ela vem para cada um de nós culturalmente determinada, altamente pré-concebida. .O mundo se torna coerente pela nossa descrição dele., argumenta Castaneda, repetindo Don Juan. .Desde o momento do nascimento, o mundo está sendo descrito para nós. O que nós vemos é apenas uma descrição..

MULTIUNIVERSO. Em resumo, o que o homem toma como realidade, assim como suas noções das possibilidades racionais do mundo, é determinado pelo consenso, por um contrato social que varia de cultura para cultura. Através da história, a coisas tem sido dura para qualquer pessoa que questionar sua larga reprodução, especialmente se, como Castaneda, tenta persuadir os outros a aceitar sua própria visão.

Antropologia, por sua natureza, lida com diferentes visões, e, portanto, com realidades literalmente diferentes, em diferentes culturas. Como nota Edmund Carpenter, colega de Castaneda no Colégio Adelphi nota, .Nativos tem muitas realidades diferentes. Eles acreditam num multiuniverso, ou biuniverso, mas não num universo como nós acreditamos..Ainda que esse relativismo erudito seja indigesto para muitas pessoas que gostam de assegurar-se que existe apenas um mundo e que a .validade. de interpretação de uma cultura deve ser medida apenas contra essa norma. Qualquer mito, eles diriam, pode convenientemente ser visto como uma forma embrionária do que o Ocidente chama de história linear, uma dança da chuva é apenas um meio .ineficiente. de fazer o que um semeador de nuvens faz bem.

Os livros de Castaneda insistem em uma outra forma. Ele é eloqüente e convincente em explicar como é inútil explicar ou julgar outra cultura nos termos das categorias particulares de sua própria. .Suponhamos que haja um antropólogo Navajo., ele diz, .Seria muito interessante convidá-lo a estudar-nos. Ele poderia perguntar questões extraordinárias, como .quantos no seu grupo de parentesco foram enfeitiçados?. Esta é uma questão tremendamente importante nos termos dos Navajos. E é claro, você diria `Eu não sei` e pensaria `que questão idiota`. Enquanto isso, o Navajo está pensando `Meu deus, que ser rastejante! Rastejante e primitivo!...

Inverta os papéis, argumenta Castaneda e você tem o típico antropólogo ocidental no trabalho de campo. .é infernal a quantidade de trabalho., ele diz, referindo-se aos anos passados junto com Don Juan. .O que Don Juan fez comigo foi simples assim: ele estava fazendo seu grupo de feiticeiros disponível, preparando os passos necessários.. O Professor Michael Harne da Nova Escola de Pesquisa Social, amigo de Castaneda e uma autoridade em xamanismo, explica: .A maior parte dos antropólogos apenas fornece os resultados. Ao invés de sintetizar as entrevistas, Castaneda nos leva através do processo..

Não são esses anos de estudos, mas sim a natureza da revelação que ele oferece que deixou Castaneda em apuro com os racionalistas. Para entrar no consenso sobre a realidade de outro homem, o seu próprio deve cair, e como ninguém pode abandonar facilmente sua própria descrição habitual, ela deve forçosamente ser quebrada. Os precedentes históricos, mesmo no Ocidente, são abundantes. Mesmo desde o mistério das religiões de êxtase da Grécia, nossa cultura tem sido continuamente desafiada pelo desejo de escapar de suas próprias propriedades dominantes: o linear, o categórico, o fixo.

O que quer que Castaneda seja - uma figura central na evolução da antropologia, como pensam alguns líderes acadêmicos ou apenas um novelista brilhante com conhecimento único do deserto e da sabedoria indígena, seus trabalhos devem ser considerados. E eles continuam. Neste momento, ele está terminando o quarto e último volume da série de Don Juan, Contos de Poder
(4), programado para lançamento no próximo ano.

.PONTO DO PODER.. Ele pode apresentar, mais claramente do que nos primeiros três livros, o objetivo final dos dolorosos ensinamentos de Don Juan: um uso especial do antigo desejo de conhecer, apaziguar e, se possível, usar as misteriosas forças do universo. Neste propósito, a divisão do átomo, o pecado de Prometeu e a busca de Castaneda pelo .ponto do poder. perto de Los Angeles, tudo pode ser remotamente ligado. Um bom exemplo da mágica de Don Juan nos livros (fazendo Carlos acreditar que seu carro havia sumido, naquele momento) soa como a trapaça da corda do faquir que os gurus pensam ser estúpida. De todo modo, também, os livros comunicam um sentido primordial de um poder percorrendo o mundo, arrumando nossas percepções da realidade assim como fios de ferro sob um grande campo magnético.
O poder de um feiticeiro, Castaneda insiste, é .inimaginável., mas a extensão que um aprendiz de feiticeiro pode esperar usar é determinada, entre outras coisas, pelo seu grau de compromisso. O uso total do poder só pode ser conseguido com a ajuda de um .aliado., uma entidade espiritual que anexa-se ao aprendiz como um guia . de uma maneira perigosa. O aliado desafia o aprendiz quando este aprende a .ver., como Castaneda fez nos primeiros livros. O aprendiz pode se esquivar desta batalha. Porque se ele brigar com o aliado . como Jacó com o anjo . e perder, ele vai, nos termos ligeiramente obscuros de Don Juan, ser .sugado.. Mas se ganhar, seu prêmio será o .verdadeiro poder de entrar finalmente no mundo dos feiticeiros, quando todas as interpretações cessam..

Castaneda alega ter se esquivado até agora sua batalha final com um aliado. Ele admite enfrentar um conflito interno nesse assunto. Diz que às vezes se sente fortemente puxado para longe do mundo dos feiticeiros e de volta com o mundo ordinário. Ele tem uma desejo real de ser reconhecido como escritor e antropólogo, e usar seu recém adquirido poder da fama em publicar um livro atrás do outro para lançar luzes comunicáveis sobre outras realidades para os leitores famintos.

ÁPICE. Mais do que isso, como as maiores partes dos que experimentaram realidades diferentes e voltaram, ele parece ter problemas em voltar. De acordo com os livros, Don Juan o ensinou a abandonar os horários regulares . para trabalho e diversão . e mesmo em seu apartamento em Los Angeles ele como e dorme quando dá na telha, ou foge para o deserto. Mas seu trabalho de escritor é freqüente e ocupa cerca de 18 horas por dia. Ele tem grande habilidade em evitar o público. Ninguém pode saber onde encontrá-lo a uma determinada hora do dia, ou do ano. .Carlos irá ligar para você de uma cabine telefônica., diz Michael Korda, seu editor na Simon & Schuster .e dizer que está em Los Angeles. E então o operador vai cortar a ligação para cobrar mais, e ele se move e está em Yuma.. Seus poucos amigos próximos não dão um basta à sua inconstância porque são assistentes, mas em parte porque sua própria experiência é misteriosa e eles não sabem explicá-la. Ele teve uma namorada mas nem mesmo seus amigos sabem seu sobrenome. Ele evita fotógrafos como a anunciadores de um desastre. .Eu vivo com este fluxo de pessoas muito estranhas que estão esperando uma palavra de mim. Elas esperam algo que eu não posso dar de forma alguma. Eu tive uma classe de alunos em Irvine que era bastante cheia, e parecia que eles estavam apenas esperando que eu explodisse..

Em outros momentos ele parece decidido em se tornar um verdadeiro feiticeiro ou ser derrotado. .O poder cuida de você., diz, .e você não sabe como. Agora eu estou na borda, e mudei todo minha forma. Escrever para ganhar o PhD foi meu feito, minha feitiçaria e agora estou no ápice de um círculo que inclui notoriedade. Mas esta é a última coisa que eu vou escrever sobre Don Juan. Agora eu me tornarei um feiticeiro de verdade. Apenas minha morte pode impedir isto.. É uma função romântica, esta gesticulação antropológica através de uma toca de entidades que, em outro tempo, poderiam serem chamadas de demônios. Será que Castaneda se tornará o Doutor Fausto de Malibu, atendido por um Mefistófeles de sombreiro? Fique ligado no próximo episódio. Enquanto isto, seus livros tornaram difícil para os leitores usar o termo primitivo com um ar condescendente de novo.

Notas

(1)No Brasil A Erva do Diabo. (N do T)
(2) Talvez Uma Outra Realidade ou Uma Realidade Diferente sejam soluções mais adequadas para o título.(N do T)
(3) Nos Estados Unidos, a publicação do livro por vezes se divide em paperback e hardback. (N do T)
(4) No Brasil, Porta Para o Infinito.(N do T)

Os Astecas

O controle político do populoso e fértil vale do México ficou confuso após 1100. Gradualmente, os astecas, uma tribo do norte, assumiram o poder depois de 1200. Os astecas eram um povo indígena da América do Norte, pertencente ao grupo Nahua. Os astecas também podem ser chamados de Mexicas (daí México). Migraram para o vale do México (ou Anahuac) no princípio do século XIII e assentaram-se, inicialmente, na maior ilha do lago Texcoco (depois todo drenado pelos espanhóis), seguindo instruções de seus deuses para se fixarem onde vissem uma águia pousada em um cacto, devorando uma cobra. A partir essa base formaram uma aliança com duas outras cidades -- Texcoco e Tlacopán -- contra Atzcapotzalco, derrotaram-no e continuaram a conquistar outras cidades do vale durante o século XV, quando controlavam todo o centro do México como um império tributário ou confederação. No princípio do século XVI, seus domínios se estendiam de costa a costa, tendo ao norte os desertos e ao sul do território Maia.

Os astecas, que atingiram alto grau de sofisticação tecnológica e cultural, eram governados por uma monarquia eletiva, e organizavam-se em diversas classes sociais, tais como(nobres, sacerdotes, guerreiros, comerciantes e escravos), além de possuírem uma escrita pictográfica e dois calendários (astronômico e litúrgico).

Ao estudar-se a cultura asteca, deve-se prestar especial atenção a três aspectos: a religião, que demandava sacrifícios humanos em larga escala, particularmente ao deus da guerra, Huitzilopochtli; a tecnologia avançada, como a utilização eficiente das chinampas (ilhas artificiais construídas no lago, com canais divisórios) e a vasta rede de comércio e sistema de administração tributária.

Apesar de sacrifícios humanos serem uma prática constante e muito antiga na Mesoamérica, os astecas se destacaram por fazer deles um pilar de sua sociedade e religião. Segundo Mitos astecas,sangue humano era necessário ao sol, como alimento, para que o astro pudesse nascer a cada dia. Sacrifícios humanos eram realizados em grande escala; algumas centenas em um dia só não eram incomuns. Os corações eram arrancados de vítimas vivas, e levantados ao céu em honra aos deuses. Os sacrifícios eram conduzidos do alto de pirâmides para estar perto dos deuses e o sangue escorria pelos degraus. Apesar da economia asteca estar baseada primordialmente no milho, as pessoas acreditavam que as colheitas dependiam de provisão regular de sangue por meio dos sacrifícios.

Durante os tempos de paz, "guerras" eram realizadas como campeonatos de coragem e de habilidades de guerreiros, e com o intuito de capturar mais vítimas. Eles lutavam com clavas de madeira para mutilar e atordoar, e não matar. Quando lutavam para matar, colocava-se nas clavas uma lâmina de obsidiana.

Sua civilização teve um fim abrupto com a chegada dos espanhóis no começo do século XVI. Tornaram-se aliados de Cortés em 1519. O governante asteca Moctezuma II considerou o conquistador espanhól a personificação do deus Quetzalcóatl, e não soube avaliar o perigo que seu reino corria. Ele recebeu Cortés amigavelmente, mas posteriormente o tlatoani foi tomado como refém. Em 1520 houve uma revolta asteca e Moctezuma II foi assassinado. Seu sucessor, Cuauhtémoc, o último governante asteca, resistiu aos invasores, mas em 1521 Cortés sitiou Tenochtitlán e subjugou o império. Muitos povos não-astecas, submetidos à Confederação, se uniram aos conquistadores contra os Astecas.

Sacrifícios humanos:

o Dedicado a Huitzilopochtli ou Tezcatlipoca: o sacrificado era colocado em uma pedra por quatro sacerdotes, e um quinto sacerdote extraía, com uma faca, o coração do guerreiro vivo para alimentar seu deus; o Dedicado a Tlatoc: anualmente eram sacrificados crianças no cume da montanha. Acreditava-se que quanto mais as crianças chorassem, mais chuva o deus proveria;

Os nobres

A sociedade asteca era rigidamente dividida. O grupo social dos pipiltin (nobreza) era formada pela família real, sacerdotes, chefes de grupos guerreiros - como os Jaguares e as Águias - e chefes dos calpulli. Podiam participar também alguns plebeus (macehualtin) que tivessem realizado algum ato extraordinário. Tomar chocolate quente era um privilégio da nobreza. O resto da população era constituída de lavradores e artesãos. Havia, também, escravos (tlacotin).

A religião

A religião asteca era politeísta, e havia centenas de deuses. Os principais eram vinculados ao ciclo solar e à atividade agrícola. O deus mais venerado era Quetzalcóatl, a serpente emplumada. Os sacerdotes eram um poderoso grupo social, encarregado de orientar a educação dos nobres, fazer previsões e dirigir as cerimônias rituais. A religiosidade asteca incluía a prática de sacrifícios. O derramamento de sangue e a oferenda do coração de animais e de seres humanos eram ritos imprescindíveis para satisfazer os deuses.


História do México

Pré-história

Apesar de haver alguns indícios arqueológicos que sugerem a ocupação humana do México desde há mais de 20 000 anos, a primeira prova sólida desta ocupação tem origem em dois locais de caça no norte da Bacia do México. Segundo as evidências encontradas, estes caçadores-recolectores alimentavam-se de mamutes e outros animais. Os antigos mexicanos começaram a cultura selectiva de plantas de milho cerca de 8 000 a.C. Há evidências de uma explosão na quantidade de trabalhos em cerâmica cerca de 2300 a.C. e do início da agricultura intensiva entre 1800 e 1500 a.C.
Civilizações pré-colombianas

Entre 1800 e 300 a.C., começaram a formar-se culturas complexas. Algumas evoluíram para avançadas civilizações mesoamericanas pré-colombianas tais como: olmeca, teotihuacan, maia, zapoteca, mixteca, huasteca, purepecha, tolteca, e mexica (ou asteca), as quais floresceram durante cerca de 4000 anos até ao primeiro contacto com Europeus.
Atribuem-se a estas civilizações indígenas várias criações e invenções: templos-pirâmide, cidades, a matemática (sendo o primeiro povo do mundo a usar o zero), astronomia, medicina, escrita, calendários precisos, belas artes, agricultura intensiva, engenharia, um ábaco, teologia complexa, o chocolate e a roda.

Inscrições antigas em rochas e paredes rochosas por todo o norte do México (especialmente no estado de Nuevo León) demonstram desde muito cedo uma propensão para contar no México. Estas marcas de contagem muito antigas estavam associadas a acontecimentos astronómicos e sublinham a influência que as actividades astronómicas tinham sobre os nativos mexicanos, mesmo antes do desenvolvimento de civilizações. De facto, todas as civilizações mexicanas mais tardias construiriam cuidadosamente as suas cidades e centros cerimoniais de acordo com acontecimentos astronómicos específicos.
Em alturas diferentes, houve três cidades mexicanas que eventualmente se tornaram nas maiores cidades do mundo: Teotihuacan, Tenochtitlan e Cholula. Estas cidades - entre várias outras - foram centros florescentes de comércio, idéias, cerimônias e teologia. Por outro lado, espalharam a sua influência a culturas vizinhas.

Ainda que muitas cidades-estado, reinos e impérios competiram uns com os outros por poder e prestígio, pode-se dizer que o México teve quatro civilizações principais e unificadoras: a olmeca, teotihuacan, a tolteca e a mexica. Estas quatro civilizações estenderam a sua influência por todo o México - e para além deste - como nenhuma outra. Consolidaram poder e influenciaram o comércio, arte, política, tecnologia e teologia. Outras potências regionais fizeram alianças políticas e económicas com estas quatro civilizações ao longo de 4000 anos. Muitas foram as que entraram em guerra com elas. Mas todas elas se viram dentro destas quatro esferas de influência.

A civilização olmeca

A primeira civilização do México foi a olmeca. Esta civilização estabeleceu as fundações culturais que seriam seguidas por todas as civilizações indígenas que se lhe sucederam no México. A civilização olmeca começou com a produção de cerâmica em grande escala, cerca de 2300 a.C. Entre 1800 a.C. e 1500 a.C., os olmecas consolidaram o poder em várias chefias que estabeleceram a sua capital num local hoje conhecido como San Lorenzo, perto da costa no sudeste de Veracruz. A influência olmeca estendeu-se por todo o México, à América Central e ao longo do Golfo do México. Dirigiram o pensamento de muitos povos na direcção de um novo modo de governo, templos-pirâmide, escrita, astronomia, arte, matemática, economia e religião. Os seus êxitos preparariam o caminho para a grandeza tardia da civilização maia no oriente, e das civilizações do México central e ocidental.

A civilização de Teotihuacan

O declínio dos olmecas resultou num vazio de poder no México. Deste vazio emergiu Teotihuacan, inicialmente colonizada em 300 a.C. Em 150, Teotihuacan já era a primeira verdadeira metrópole do que agora se designa por América do Norte. Teotihuacan estabeleceu uma nova ordem política e económica nunca antes vista no México. A sua influência estendia-se por todo o México até à América Central, fundando novas dinastias nas cidades Maias de Tikal, Copán e Kaminaljuyú. A influência de Teotihuacan sobre a civilização maia não pode ser subestimada: transformou o poder político, manifestações artísticas e a natureza da economia. Na cidade de Teotihuacan propriamente dita vivia uma população cosmopolita. A maioria das etnias regionais do México encontravam-se representadas na cidade, como os zapotecas provenientes da região de Oaxaca. Viviam em comunidades de apartamentos onde desenvolviam os seus misteres e contribuíam para o poder económico e cultural da cidade. A sua influência económica fazia-se sentir também em zonas do norte do México. Tratava-se de uma cidade cuja arquitectura monumental reflectia uma nova era na civilização mexicana, entrando em declínio político cerca do ano 650 a.C. mas com uma influência cultural duradoura durante a maior parte de um milénio até cerca do ano 950.

A civilização maia

Contemporânea da grandeza de Teotihuacan foi a grandeza da civilização maia. No período entre 250 e 650 assistiu-se a várias conquistas civilizacionais dos maias. Apesar de as muitas cidades-estado maias nunca terem atingido uma união política da mesma ordem de grandeza da conseguida pelas civilizações do México central, elas exerceram uma tremenda influência intelectual sobre o México e América Central. Algumas das cidades mais elaboradas do continente foram construídas pelos maias, com inovações nos campos da matemática, astronomia e escrita que viriam a constituir o ponto mais alto dos feitos científicos do México antigo.

A civilização tolteca

Tal como Teotihuacan, também a civilização tolteca emergiu de um vazio de poder, tendo tomado as rédeas do poder político no México a partir do ano 700. Muitos dos povos toltecas eram oriundos dos desertos do norte, muitas vezes designados por chichimecas na língua nahuatl. Estes povos fundiram a sua orgulhosa cultura do deserto com a poderosa cultura civilizada de Teotihuacan. Esta nova cultura daria origem a um novo império no México. O império tolteca estender-se-ia até à América Central, a sul e a norte até à cultura anasazi, no sudoeste dos Estados Unidos da América. Os toltecas estabeleceram uma próspera rota de comércio de turquesa com a civilização setentrional de Pueblo Bonito, no que hoje é o Novo México. Os comerciantes toltecas trocavam penas de aves apreciadas com Pueblo Bonito, enquanto faziam circular pelos seus vizinhos mais próximos todos os melhores produtos que o México podia oferecer. Na área maia de Chichén Itzá, a civilização tolteca expandiu-se e os maias foram mais uma vez fortemente influenciados pelos povos do centro do México. O sistema político dos toltecas era tão influente, que todas as importantes dinastias maias reclamariam mais tarde ter ascendência tolteca. De facto, seria esta apreciada linhagem tolteca a preparar o caminho para a última grande civilização indígena do México.

A civilização mexica (asteca)

Com o declínio da civilização tolteca ocorreu a fragmentação política no Vale do México. Neste novo jogo político de sucessão ao trono tolteca apareceram os mexica. Tratavam-se, também eles, de um orgulhoso povo do deserto, um de entre sete grupos que antes se auto-denominavam asteca, tendo mudado o seu nome após anos de migração. Uma vez que não eram originários do Vale do México, foram inicialmente vistos como rudes e pouco refinados perante os olhos da civilização Nahua. Através de astuciosas manobras políticas e ferozes capacidades de luta, conseguiram um verdadeiro feito: tornaram-se governantes do México liderando a Tripla Aliança(que incluía duas outras cidades astecas, Texcoco e Tlacopan).

Em 1400 os mexicas governavam grande parte do México central (enquanto os yaquis, coras e apaches controlavam áreas consideráveis dos desertos do norte), tendo subjugado a maioria dos outros estados regionais na década de 1470. No seu auge, 100 000 mexica presidiam a um rico império que contava com cerca de 10 milhões de pessoas (quase metade dos 24 milhões que então habitavam o México). O nome moderno México tem a sua origem no nome do grupo dominante da Tripla Aliança Asteca, os Mexicas.
O termo asteca é um não nome, sendo uma invenção de um inglês (Lord Kinsborough) e de um euro-americano de nome William Prescott. Os verdadeiros nomes utilizados pelos indígenas eram nahua ou mexica. Nem mesmo os espanhóis lhes chamavam astecas. (Ainda que asteca não fosse usado pelos mexicas, é derivado da sua língua, o nahuatl, referindo-se à sua terra natal no norte, Aztlan).

Entre os mexicas (um dos grupos astecas), a educação era obrigatória para os homens, independentemente da sua classe social. Existiam dois tipos de escolas: as telpochcalli (para estudos práticos e miltares) e as calmecac (para estudos avançados de escrita, astronomia, estadismo, teologia, etc). ra A sua capital, Tenochtitlan, estava situada na zona da moderna Cidade do México. Em 1519 a capital dos mexicas era a maior cidade da América com uma população que rondava os 100 000 habitantes (em jeito de comparação, em 1519 Londres tinha 80 000 habitantes e Paris tinha 250 000).

Os mexicas deixaram uma marca profunda e duradoura na cultura mexicana perceptível ainda hoje. Muito do que é considerado como cultura mexicana deriva desta civilização mexica: topónimos, gastronomia, arte, vestuário, simbologia e mesmo a identidade mexicana que a ela foi buscar o nome.
Durante grande parte da sua história, a maioria da população mexicana teve um modo de vida urbano: cidades, vilas e aldeias. Apenas uma fracção da população era tribal e nómada. A maioria das pessoas vivia em povoamentos permanentes, baseados na agricultura e identificados com uma cultura urbana, em oposição a uma cultura tribal. O méxico é desde há muito uma terra urbana, facto graficamente reflectido nos escritos dos espanhóis que os encontraram.

Conquista espanhola

Em 1519, as civilizações nativas do México foram invadidas pela Espanha, e dois anos mais tarde em 1521, a capital dos astecas, Tenochtitlan, foi conquistada por uma aliança entre espanhóis e tlaxcaltecas (os inimigos principais dos astecas). Francisco Hernandez de Córdoba, descobridor do Iucatão, explorou as costa do sul do México em 1517, seguido por Juan de Grijalva em 1518. O mais importante dos conquistadores foi Hernan Cortés, que entrou no país em 1519, a partir de uma vila nativa costeira que ele rebaptizou de Puerto de la Villa Rica de Vera Cruz (hoje a cidade de Veracruz). Contrariamente ao que geralmente se pensa, a Espanha não conquistou a totalidade do México em 1521 e passariam ainda dois séculos antes que tal sucedesse, havendo durante esse período rebeliões, ataques e guerras continuadas por parte de outros povos nativos contra os espanhóis.

Os astecas, a potência dominante no país, acreditavam (de acordo com mitos antigos) na tradição do regresso de Quetzalcóatl num ano Ce-Acatl. O calendário Pré-Colombiano era dividido em ciclos ou períodos de 52 anos. Cada 52º ano era um ano Ce-Acatl sendo 1519 um desses anos. Os astecas acreditavam que os conquistadores espanhóis eram enviados dos deuses (de acordo com os estudiosos ortodoxos), tendo oferecido pouca resistência aos seus avanços. (Ironicamente, Cortés não menciona este episódio nas suas cartas ao Rei Carlos V de Espanha.)

Os estudiosos modernos começam a questionar esta forma de interpretar o que se passou. Reputados estudiosos dos astecas, como Ross Hassig da Universidade de Oklahoma, demonstraram que Quetzalcóatl era na realidade uma ordem religiosa de sacerdotes durante a anterior era tolteca. Esta ordem, sob tutela do seu líder Ce Acatl Topiltzin Quetzalcoatl é famosa pelo seu exílio na zona oriental do México (no que é hoje o Iucatão). Os astecas poderão ter pensado que os espanhóis eram possivelmente da linhagem da Ordem de Quetzalcoatl e como tal merecedores tratamento diplomático.

Para aumentar ainda mais a confusão sobre este assunto, existe o facto de a língua nahuatl dos astecas estar repleta de termos para humildade e polidez, especialmente para convidados. Os embaixadores estrangeiros eram sempre tratados com reverência e convidados para a capital Tenochtitlan, onde experimentavam todos os aspectos da alta diplomacia esperada entre nações. Acabariam por se opor aos espanhóis, depois de se ter tornado evidente que estes não pertenciam à linhagem dos sacerdotes de Quetzalcóatl e que tão pouco eram deuses.

Após uma importante batalha em 1519, na qual as forças espanholas foram derrotadas e obrigadas a bater em retirada, os espanhóis reagruparam-se fora do Vale do México. Passados oito meses estavam de regresso, tendo ao seu lado um contingente ainda maior de nativos seus aliados. Por esta altura a varíola, trazida pelos espanhóis, havia dizimado a população asteca, reduzindo drasticamente a capacidade de combate das forças astecas. A capital Tenochtitlan foi sitiada, tendo este facto conduzido à derrota total dos astecas em 1521. Apesar das suas armas de metal, cavalos, canhões e milhares aliados indígenas, os espanhóis levaram sete meses inteiros para conseguir a capitulação dos astecas. Tratou-se de um dos mais longos cercos continuados da história mundial.

Foram três os principais factores contribuintes para a vitória espanhola. Em primeiro lugar, os espanhóis possuíam tecnologia militar superior, incluindo armas de fogo, bestas, armas de ferro e aço e cavalos. Outros aliados dos espanhóis foram as várias doenças do Velho Mundo que haviam levado com eles (principalmente a varíola), para as quais os nativos não tinham qualquer imunidade e que acabariam por tornar-se pandémicas, dizimando uma grande parte da população nativa. Por último, os espanhóis conseguiram fazer seus aliados vários povos sob o domínio do Império Asteca que viam os espanhóis como o meio de se libertarem do poder asteca, destacando-se de entre eles os tlaxcaltecas.



Astecas: uma República confundida com TeocraciaFonte:www.klepsidra.netDanilo José Figueiredo danilo@klepsidra.net 3º Ano - História/USP

1 – Introdução:

Este é o quarto texto que escrevo para Klepsidra, a exemplo de seus predecessores, ele também se remete a familiarizar o leitor – seja ele leigo ou iniciado, mas principalmente os leigos – com um panorama geral de uma civilização, desta vez, a escolhida é talvez a mais brilhante civilização da Mesoamérica: a civilização Asteca.

Durante este trabalho, além de explicar as origens, talvez míticas, deste povo, bem como seus precedentes, seu desenvolvimento, apogeu e finalmente sua queda perante os invasores Espanhóis, pretendo mostrar que a idéia sustentada por muitos de que os Astecas constituíam uma Teocracia, tal qual a dos Incas, está no mínimo equivocada e se relaciona com a idéia preconceituosa que nos é incutida ao longo de nossas vidas de que povos indígenas só podem ser atrasados, sendo assim, um grande país indígena não poderia ter outra forma de governo senão uma que justificasse o poder do governante como sendo uma dádiva dos deuses. Pictografia Asteca
Tentarei provar, em minha modesta condição de graduando de História – e apaixonado pela história de povos antigos e medievais, tais como Fenícios, Persas, Gregos, Chineses, Romanos, Árabes, Francos, Vikings, Mongóis e, porque não, Incas, Astecas e Maias – que o verdadeiro sistema de governo dos Astecas era uma espécie de República muito semelhante, inclusive, à República Romana.

2 – Geografia, Clima e Arqueologia:

Mapa da máxima extensão do Império Asteca

O México atual não corresponde exatamente ao que foi o Império Asteca (mesmo em se tratando de uma República, como explicarei mais adiante, o termo Império não é errado) em suas dimensões máximas, mas diferentemente do que ocorreu em relação ao Tawantinsuyu (Império Inca) e o atual Peru, o México atual é maior do que o Império Asteca jamais foi. Para começar, os Astecas jamais dominaram a península de Yucatán, nem tão pouco a península da Califórnia. Além disso, no próprio núcleo do México, na época Asteca, existiam certos "clarões" no Império, ou seja, áreas livres do Império incrustadas em seu coração, como era o caso de Tlaxcala.

A região sofria freqüentes abalos sísmicos e erupções vulcânicas, tendo vulcões de mais de cinco mil metros de altura. Ao norte, à medida que se aproxima do deserto do Arizona, o clima se torna quente e seco, ao sul, já na zona tropical, surgem florestas densas e com fauna e flora ricas.
Além de tudo isso, a região ainda é cortada pelas Sierras Madres oriental e ocidental o que faz com que a altitude média do país esteja entre 3000 e 4000 metros acima do nível do mar. Tamanhas altitudes provocam períodos de frio intenso e estiagem no inverno e final do outono, sendo assim, nada mais natural que as principais cidades pré-colombianas tenham se desenvolvido nas margens de lagos ou arroios.

No que se refere a minérios, o México é muito rico em prata, sendo atualmente um dos maiores produtores mundiais do minério, e chumbo, além de ter (especialmente na época referida) boas reservas de ouro, estanho, cobre e pedras preciosas.

Este mapa mostra o México atual

Nas florestas Mexicanas, as espécies que mais chamaram a atenção dos conquistadores Espanhóis foram os papagaios e os jaguares, porém também existiam na região outros animais como águias, coiotes, beija-flores, uma espécie de cachorro sem pelos, entre outros animais exóticos. Alguns achados arqueológicos têm ajudado muito os pesquisadores a aprenderem mais sobre a história da Mesoamérica, é o caso dos crânios de cristal, de estelas encontradas com inscrições hieroglíficas, calendários e tudo o que resistiu a ação do tempo, dos saques Espanhóis e às fogueiras dos missionários Europeus. Acredita-se que na própria Cidade do México, que foi edificada sobre as ruínas de Tenochtitlán, existam diversos "tesouros" soterrados. Uma simples escavação para a realização de uma obra no centro velho da cidade provou que os achados podem ser abundantes, foram encontradas várias peças totalmente desconhecidas, como o

3 – A Mesoamérica antes dos Astecas:

Os Astecas, também ditos Mexicas, só chegaram a região conhecida como Mesoamérica no ano de 1325 d.C., porém, antes disso a região já era habitada há muito tempo por povos muito avançados, aos quais os Astecas deveram muito de sua cultura e que talvez, como veremos, tenham sido seus "progenitores".

3.1 – O que é a Mesoamérica:

Achei melhor escrever este item para esclarecer um termo que pode causar dúvidas. A expressão Mesoamérica é empregada com freqüência não com conotação geográfica, mas sim histórica e antropológica, sendo que designa uma região das atuais América Central e do Norte, onde se desenvolveram culturas indígenas avançadíssimas, só igualadas pelas culturas indígenas Andinas, na América do Sul.

A Mesoamérica engloba o México, a Guatemala, Honduras e El Salvador, além de talvez algumas partes de outros países da América Central.

3.2 – O advento Olmeca:

É comum se falar em presença humana na América desde 35000 a.C., no entanto, na Mesoamérica, os primeiros testemunhos de ocupação datam de cerca de 20000 a.C.. Já os fósseis humanos mais antigos encontrados, não são de antes do que 9000 a.C.. É provável que por essa época o homem Mesoamericano estivesse começando a se sedentarizar, processo que só se efetivaria por volta de 5000 a.C., com a descoberta da agricultura (plantio do milho, feijão, abóbora e pimenta malagueta). Porém, para um povo se desenvolver e se tornar uma civilização é preciso um pouco mais do que apenas a agricultura. É preciso pelo menos a existência de uma cerâmica, o que só foi aparecer por volta de 2300 a.C. Mais ou menos em 1300 a.C., numa região conhecida como Olman (Terra da Borracha), próxima ao golfo do México, ao sul de Veracruz, uma civilização que se tornaria um marco na História pré-colombiana: os Olmecas. Este povo se disseminou por várias "cidades" (o termo não é muito correto, uma vez que elas eram apenas centros cerimoniais construídos para serem residências de sacerdotes e nobres, além de acolherem os cultos ao deus-jaguar) construindo grandes edifícios em pedras, tais como templos e túmulos, além de trabalhar o barro com maestria. Os Olmecas se tornaram gênios da escultura, criando máscaras, sarcófagos, estelas, as famosas cabeças de basalto da Mesoamérica, além de estatuetas de jade, argila, quartzo, obsidiana, serpentina e cristal de rocha. Os Olmecas desenvolveram intensa atividade religiosa e mercantil, sendo assim, suas caravanas de comércio serviram para disseminar por várias regiões não só seus produtos e conhecimentos, tais como o cultivo do algodão para a confecção de roupas, mas também sua religião, que lançou bases para o culto futuro do deus da água. Por volta de 600 a.C., a influência Olmeca já era sentida nas proximidades do que viria a ser Tenochtitlán. Porém, à medida que outros povos se desenvolviam, os Olmecas começaram a entrar em decadência e no século II ou III já não mais eram conhecidos, talvez tenham sido destruídos em batalha, talvez tenham migrado para outras regiões, o fato é que desapareceram do contexto da Mesoamérica, mas deixaram seu legado para as civilizações clássicas da região.

Cabeça colossal Olmeca esculpida em pedra Divindade Olmeca

3.3 – Maias, o expoente da cultura:

Cerâmica Maia Não sou muito favorável a este tipo de comparação, mas apenas para um efeito de explicação, pode-se comparar as três maiores civilizações pré-colombianas a três grandes povos da Antigüidade do Velho Mundo; sendo assim, os Incas por sua forma de governo e por sua religião, se assemelhariam aos Egípcios, já os Astecas, por sua expansão militar realizada sob a forma da imposição de tributos e formação de colônias, se assemelhariam aos Romanos (tal comparação se aplica ainda mais corretamente se observarmos o sistema de governo Asteca, semelhante ao da Roma Republicana), por fim, os Maias, por seus impressionantes legados culturais (que influenciaram todos os povos Mesoamericanos e cujas especulações de alguns dizem que podem ter chegado até os Andes) e por sua organização populacional (ao que parece os Maias podem nunca ter formado um único país, suas cidades parecem terem sido autônomas umas das outras e talvez apenas divididas em blocos de influência de uma ou outra cidade), certamente uma comparação com a Grécia Clássica não é de todo incorreta.

Os Maias foram um povo tão impressionante que não me aterei a relata-los muito bem neste item, isso porque numa futura edição de Klepsidra, nesta mesma sessão, haverá um texto exclusivamente sobre eles.

3.4 – Teotihuacán, a metrópole dos deuses:

Por volta do início do século V, começou a ser construída a mais impressionante cidade Mesoamericana anterior a Tenochtitlán: a cidade de Teotihuacán.

Localizada nas margens do atual rio San Juan, esta cidade parece ter se expandido muito e formado um verdadeiro Império, sob o qual estavam submetidas vastas áreas, desde o planalto Mexicano, até a zona conhecida como Monte Albán. O que impressiona em Teotihuacán, no entanto, são três fatores principais: as duas grandes pirâmides (a do Sol e a da Lua, sendo a primeira, uma das maiores, senão a maior, da Mesoamérica), a difusão da fé (culto a Tlaloc, o deus da chuva e da água) e da cultura da cidade por praticamente toda a Mesoamérica e, por fim, o fato de mesmo após seu declínio, por volta do final do século VII, Teotihuacán continuou a ser um importante centro de peregrinações, sendo que até mesmo os governantes Astecas realizavam peregrinações anuais a tal cidade.

O Templo do Sol

Teotihuacán foi, de fato, uma das civilizações clássicas do México pré-colombiano, porém, não sabemos tanto sobre ela devido ao fato de ter se esgotado (pelo menos como Império) cerca de oitocentos anos antes da chegada dos Espanhóis. Contudo, é muito possível que a desintegração do Império tenha ocorrido devido a uma revolta acontecida na própria cidade (que chegou, no seu apogeu a ter cerca de 150 mil habitantes), pois existem fortes indícios de um grande incêndio, no entanto, as chamas atingiram apenas os palácios e edificações governamentais, o que leva a crer que os habitantes, revoltados, tenham ateado fogo aos prédios daqueles que os oprimiam.

3.5 – Toltecas, o poder militar da Mesoamérica:

Por volta do início do século IX, todas as civilizações clássicas haviam declinado ou estavam em declínio, sendo seus Impérios dilacerados em cidades autônomas e pequenas regiões sob a influência de algumas dessas cidades. A desintegração de poderes tão impressionantes acabou repercutindo notícias por vastíssimas regiões (é provável que até mesmo tribos dos EUA tenham ficado sabendo de tais desintegrações), o que atraiu a cobiça de povos não Mexicanos. Sendo assim, entravam em cena, pela primeira vez na história da Mesoamérica, os povos ditos Chichimeca, ou bárbaros, muitos dos quais de língua Nahuatl, uma língua muito diferente do Maia, por exemplo.

Ruínas de Monte Albán em Oaxaca (Civilização Zapoteca) Os primeiros Chichimeca a chegarem no México foram os Toltecas, que fundaram sua cidade em 856. A esta cidade, deram o nome de Tula. Contudo, os Toltecas não conseguiram impor seu domínio sobre o vale do México desde o princípio, uma vez que acabaram submetidos pela elite sacerdotal decadente de Teotihuacán. De certo a cultura Tolteca, extremamente militarizada e com uma religião astral, diferia em muito da cultura de Teotihuacán, já que esta estava centrada nos ritos e cultos de Tlaloc e Quetzalcoatl, o deus do vento, a serpente de plumas.

Na mitologia Tolteca, o período em que estiveram sob o domínio de Teotihuacán ficou conhecido como o longo reinado de Quetzalcoatl, que, devido à cultura oral dos Toltecas, acabou por se converter de divindade em realidade. Quetzalcoatl era tido pelos Toltecas como um homem-deus muito justo, mas que os proibia de realizarem seus sacrifícios.

As levas migratórias Toltecas continuaram mesmo após a fundação de Tula, e muitos desses recém chegados convergiram para a cidade, o que a fez crescer muito e se tornar poderosa. Tão poderosa que, segundo as lendas Toltecas, em 999, Tezcatlipoca, o deus-feiticeiro dos Toltecas (representado pela constelação da Ursa Maior) teria se materializado e guerreado contra Quetzalcoatl. Devido a seus feitiços poderosos e ao apoio de seu povo, Tezcatlipoca venceu Quetzalcoatl, o que na realidade simboliza a vitória de Tula sobre a aristocracia sacerdotal de Teotihuacán (que já não era a mesma do período clássico, não pensem que foi esta derrota que fez a cidade entrar em declínio, pois nesta época ela já não possuía um Império há mais de cem anos).

As lendas Toltecas dizem que ao ser derrotado, Quetzalcoatl teria abandonado a região, com destino a Tlillan Tlapallan (o país vermelho e preto), que se localizaria além do oceano oriental (o oceano Atlântico). Entretanto, o soberano divino havia prometido regressar para retomar o trono que lhe fora usurpado, lenda que se transformou na crença do retorno da divindade, reparem que tal crença jamais desapareceu e posteriormente foi incorporada pelos Astecas, sendo assim, acabou se tornando de suma importância quando da chegada dos Espanhóis, mas falaremos sobre isso bem posteriormente.

Com a vitória de Tula sobre Teotihuacán, iniciou-se um novo período no México, o período conhecido como período Tolteca. Graças à hegemonia de Tezcatlipoca, promovido a principal divindade, os sacrifícios passaram a ser realizados diariamente, mas Quetzalcoatl continuou a ser cultuado (em menor grau do que antes, e agora sob a representação do planeta Vênus).
A partir de Tula, os Toltecas se expandiram e iniciaram a formação de um Império. As características deste, no entanto eram bem diferentes das do anterior Império de Teotihuacán, uma vez que aquele havia sido dominado por uma oligarquia sacerdotal, enquanto neste, talvez devido às tradições militares, começa a existir a figura do Rei.

De um ponto de vista cultural, os Toltecas também revolucionaram as regiões que submeteram, é interessante notar que antes deles, os templos eram lugares de culto reservados aos sacerdotes, porém, depois transformaram-se em grandes construções, nas quais o povo se reunia para assistir aos "shows" de sacrifícios e para prestar homenagem aos deuses celestes.

Observatório de Chichén-Itzá, Yucatán, México Apesar de terem dominado uma região muito maior do que aquela que posteriormente seria dominada pelos Astecas (eles se estendiam de costa a costa no vale do México e de norte a sul, desde a zona dos Otomi até a península de Yucatán), os Toltecas não resistiram às freqüentes invasões de povos Chichimecas e, em 1168, Tula foi cercada, sitiada e destruída, pondo um fim à unidade Imperial daquele povo. Apesar da queda de Tula, o povo Tolteca continuou existindo e mesmo governando, pois as cidades Maias da península de Yucatán, outrora dominadas pelo Império, se tornaram novamente autônomas, mas com governantes e elite Toltecas, sendo assim, no Yucatán promoveu-se uma síntese Tolteco-Maia (cujo principal expoente foi a cidade de Chichén-Itzá), a qual durou até a conquista Espanhola.

4 – Arquitetura, Sociedade e Cultura:

Dentre as mais importantes noções que se precisa ter sobre uma civilização, com certeza estão o conhecimento de sua arquitetura, sua organização social e seu legado cultural, sendo assim, dividirei este item em três partes, cada uma das quais dará conta de explicar o menos mal possível como se estruturavam cada uma dessas partes da civilização Asteca.

4.1 – A Arquitetura:

Voltemos a falar dos Astecas, cuja história será contada mais adiante, sua arquitetura era, talvez, sua arte mais brilhante, com pirâmides encimadas por templos como sendo a principal característica. Ou seja, as pirâmides propriamente ditas não representavam em si nada, constituíam apenas uma forma de elevar-se os templos mais importantes até uma área alta, onde ficassem mais perto do céu. De todas as pirâmides, a mais gloriosa era, com certeza, a de Tenochtitlán, que estava encimada pelos templos de Tlaloc (o deus de Teotihuacán, que foi assimilado pelos Astecas) e de Uitzilopochtli (a principal divindade Asteca, também chamado de Colibri Azul, ou seja, beija-flor azul).

A maior parte do que sabemos sobre a arquitetura Asteca remete-se a relatos dos conquistadores Espanhóis, já que Tenochtitlán foi inteiramente destruída em 1521. No entanto, sabe-se que a técnica de construção Asteca era diferente da de Teotihuacán, uma vez que naquela cidade, os templos eram construídos de uma só vez, enquanto que em Tenochtitlán, os Astecas iam ampliando os templos à medida que sua tecnologia permitia, sendo assim a grande pirâmide de Tenochtitlán havia antes sido um pequeno templo que após sucessivas ampliações (cinco no total), cada ampliação ocorria de acordo com uma crença religiosa de que o mundo acabaria a cada 52 anos.
Os palácios Astecas, segundo os relatos de Cortez a Carlos V, eram semelhantes aos palácios de outras culturas Mesoamericanas, ou seja, eram grandes estruturas de pedra, divididas em vários cômodos muito grandes dentre os quais se contavam além de quartos e salas, zoológicos (com animais raros) e inúmeros jardins, com fontes e até lagos.

4.2 – A Cultura:

A cultura de uma civilização compreende, de fato, a maior parte de sua alma, se é que se pode dizer que uma civilização tem uma alma. Mas na verdade, tudo o que é desenvolvido pela civilização pode ser considerado parte de sua cultua, no entanto, aqui restringirei a palavra cultura necessariamente às artes Astecas, pois creio que todo o resto (religião, forma de governo, educação...) será abordado em partes posteriores, ao longo do texto.

4.2.1 – As artes Astecas:

É interessante que se note, com será explicado mais adiante, que a palavra Asteca designa apenas os habitantes de Tenochtitlán, e não os de todo o Império, uma vez que, como veremos, cada região mantinha suas peculiaridades mesmo depois de submetido ao domínio Asteca. Em alguns poucos casos, pode-se estender a designação aos habitantes das colônias fundadas pela Tríplice Aliança e aos habitantes das cidades que, juntamente com Tenochtitlán, formavam-na, ou seja, Texcoco e Tlacopán. Os Astecas desenvolveram muitas formas de manifestações artísticas, eram escultores, ourives, poetas, atores, dançarinos, pintores, mestres em cinzelagem, além de músicos.

Dança nativa mexicana

Dentro de tamanha diversidade, havia, por certo, as artes mais importantes e mais praticadas, bem como as de menor importância. Comecemos, pois, com a escultura, uma arte que sempre esteve intrinsecamente ligada ao artesanato em si. No México (como também era denominada a cidade de Tenochtitlán), havia toda a sorte de esculturas, desde de divindades domésticas (antepassados míticos dos diferentes clãs) até esculturas em paredes, tais como jaguares, águias e outros animais. Os maiores escultores da cidade eram pertencentes a uma classe social específica, na realidade, como veremos depois, esta classe era uma verdadeira casta, devido à estagnação social em que se encontrava, a casta dos Toltecas, ou seja, os artesãos Astecas eram de origem Tolteca e haviam chegado a Tenochtitlán posteriormente à expansão Imperial, sendo assim, não constituíam uma parte normal da população.

Escultura Asteca em pedra Quanto à ourivesaria, nas próprias palavras de Cortez "tão natural o ouro e a prata que não há ourives no mundo que melhor fizesse". O conquistador estava certo, na realidade, os Astecas foram surpreendidos pelos Espanhóis em pleno apogeu da Idade do Bronze, dominavam com perfeição as técnicas de fundição e forja de diversos metais, no entanto, o ferro ainda não era conhecido. Os Mexicas (outro nome para os Astecas) também consideravam valiosas as plumas de aves, sendo estas incluídas na ourivesaria. As plumas tinham um valor tão grande dentro da cultura Asteca que serviam mesmo como divisor social, sendo atribuída a cada classe um tipo de pluma e sendo empregadas pesadas punições aos que utilizassem plumas relativas a uma classe hierarquicamente superior à sua. A literatura Asteca era marcada por poemas nos quais a mistura de situações eram marcantes, pois neles não havia apenas um clima de alegria, ou de emoção, ou de amor, ou de tristeza, mas na verdade, todos os climas misturados, com situações cômicas se alternando com tragédias e posteriores romances.

A vida de governantes famosos era um dos objetos mais apreciados dos poetas para escreverem suas poesias, dentre estes soberanos, o preferido era Nezaualcoyotl, soberano de Texcoco, que reinou entre 1428 e 1472. Ele é considerado o maior poeta e pensador da civilização Asteca, além de ter se destacado como general, ao ajudar Itzcoatl, governante Asteca, a vencer a cidade inimiga de Azcapotzalco e, assim, formar a Tríplice Aliança.
A poesia estava intimamente ligada com o teatro, uma vez que muitos dos poemas eram escritos para serem representados por atores a membros das classes privilegiadas.

Arte Asteca Códice Não se pode deixar de ressaltar que a própria escrita Asteca constitui um espécie de arte, uma vez que era hieroglífica (semelhante à egípcia, onde não havia letra, mas sim símbolos que indicavam determinadas coisas, o que dificultava a formação das palavras). Na realidade, a escrita Asteca estava em evolução quando os Espanhóis chegaram, pois começava a se tornar uma escrita sonora, mas ainda baseada nos hieróglifos, ou seja, algumas palavras que não tinha símbolos próprios eram formadas pela mistura de dois ou mais símbolos cuja pronúncia unificada se assemelhasse à pronúncia da referida palavra, por exemplo, para dizerem o nome da cidade de Quauhtitlán, para a qual não havia um símbolo específico eles misturavam dois glifos em um, ou seja, desenhavam uma árvore (cuja pronúncia é quauitl) com dentes (cuja pronúncia é tlanti), sendo assim, com a junção dos sons se chegava a algo parecido com Quauhtitlán.

As danças, bem como as interpretações, eram usadas para divertir os mais importantes, segundo Cortez, Motecuhzoma II (que ficou conhecido como Montezuma), tinha vários homens deformados, e outros tantos anões que dançavam e faziam coreografias bizarras para ele todos os dias durante suas refeições.

Os dançarinos profissionais tinham o intuito de divertir os poderosos, mas o povo, em suas festas, também dançava e sempre ao som de músicas, que eram escritas por poetas, ou apenas executadas com instrumentos próprios, como diversos tipos de tambores (alguns feitos de madeira e couro, outros de casco de tartaruga), gongos, chocalhos, guisos, reco-reco (bastões de osso que eram raspados com um arco de madeira), flautas, flautas de pan, trombetas e conchas que seriam como uma espécie de castanholas. No que se refere à cultura Asteca, a principal cidade era Texcoco, onde em tudo havia mais perfeição, desde a língua falada (o Nahuatl era mais bem pronunciado, assim como a diferença entre o Inglês da Inglaterra e o dos EUA) até a poesia e a música em si, isso se deve em muito ao próprio Nezaualcoyotl, que acabou por transformar Texcoco no centro cultural e jurídico mais importante do Império. Máscara Asteca

4.2.2 – Os esportes:

Os Astecas, assim como os Romanos, também tinham uma espécie de Circo em Tenochtitlán, nesta arena era praticado o mais popular esporte Mexicano, inventado pelos Maias, ele foi praticado por diversos povos, inclusive pelos Astecas, que construíram sua arena em plena praça cerimonial de sua capital.
Mas afinal, que esporte era esse? Era um esporte cujo nome era tlachtli, mas que é conhecido hoje como: A Bola Maia.

Consistia de um jogo onde dois times se confrontavam num campo em forma de "T". A forma do campo imitava aquilo que os Astecas acreditavam ser a forma do céu. No campo, os adversários disputavam a posse de uma bola de borracha maciça (tão dura que chegava a quebrar ossos de alguns jogadores e a matar se batesse na cabeça), que não podia ser segurada, apenas tocada de um para o outro, com a ajuda dos joelhos, cotovelos e quadris. Os jogadores utilizavam protetores de couro e madeira nessas regiões.
O objetivo do jogo era passar a bola por uma argola de pedra na parede protegida pelo time adversário, quando uma "cesta" era feita, o jogo acabava e o autor do ponto tinha direito de ficar com todas as jóias dos espectadores, estes por sua vez, sempre fugiam ou iam assistir a partida com poucos pertences, para não ficarem sem suas coisas. Com efeito, o tlachtli era uma maneira de se enriquecer em Tenochtitlán. O tlachtli inspirou a criação, no século XX, do vôlei e do basquete, por não ser permitido prender a bola, apenas toca-la e pelo objetivo ser fazer uma cesta.

Além do tlachtli, que era o esporte preferido dos Astecas, mas praticado principalmente pela nobreza (membros do Grande Conselho), havia outros tipos de esporte, como o patolli, que era um jogo de tabuleiro (semelhante a loto), muito praticado pelas camadas populares, no qual o objetivo era colocar três peças em seqüência. Havia competições como subir no "pau-de-sebo", e outra que hoje fazem parte de gincanas populares, porém, em todas essas disputas, havia largas apostas, sendo que existia em Tenochtitlán uma verdadeira bolsa de apostas, que enriqueceu muitos, mas condenou muitos outros à escravidão por dívidas.

Apesar de não ser considerado propriamente um esporte, havia um tipo de sacrifício que atraia platéias que, além de cultuarem o deus para o qual o sacrifício estava sendo feito, também torcia (para isto era proibido fazer apostas). Consistia numa espécie de luta de gladiadores, onde o indivíduo que iria ser sacrificado tinha o pé amarrado a uma pesada argola de pedra e, armado com armas de brinquedo, era obrigado a enfrentar quatro guerreiros (dois guerreiros-águia e dois guerreiros-jaguar) fortemente armados. Quando morresse, era considerado sacrificado para os deuses.
A perda de dinheiro e bens em apostas nos esportes condenou muitos Astecas à embriaguez e ao vício no tabaco, grandes causas de morte em Tenochtitlán.

4.3 – A sociedade Asteca:

A sociedade Asteca estava dividida de uma maneira curiosa e um pouco diferente da das sociedades européias que lhe foram contemporâneas. Se desenhássemos uma pirâmide dela, teríamos sete divisões: no topo estariam os governantes, compostos pelo Tlatocan, pelos três maiores sacerdotes e pelos dois governantes; depois viriam os grandes dignatários e os altos sacerdotes; abaixo estariam as elites dos Calpulli (bairros, formados por membros do mesmo clã); abaixo destes estariam, num mesmo patamar, as duas castas (imóveis) da sociedade Asteca: os Pochtecas (comerciantes) e os Toltecas (artesãos); abaixo destes estavam os moradores livres e proprietários de terras dos Calpulli, ou seja, o povo; abaixo do povo, havia um número cada vez maior de servos, ou seja, cidadãos que haviam perdido suas terras por dívidas, tendo se convertido em servos de outros, mas ainda assim livres, os servos trabalhavam por dinheiro, se assemelhando a trabalhadores assalariados; abaixo dos servos estava o estamento (por ter pouca mobilidade social) dos escravos, estes, apesar de serem utilizados como força de trabalho, não tinham nesta a sua principal função, pois eram destinados ao sacrifício, havia duas maneiras de alguém se converter em escravo: a primeira era também a mais comum, ou seja, os vencidos nas guerras, mas a segunda, apesar de pouco usual, também existia, e eram as dívidas, ou seja, quando alguém que já havia perdido suas terras e se convertido num servo se endividava, tinha que vender a própria liberdade para pagar a dívida, se convertendo num escravo.

Quando cito classes, castas e estamentos, pressuponho que o leitor esteja compreendendo o que digo, mas para aquele que não estiverem familiarizados com os termos, aqui vão suas definições: uma sociedade de classes é como a sociedade brasileira, ou seja, onde todos os cidadãos, independentemente de condição social, classe, ou qualquer outra coisa, são iguais perante a lei, sendo assim, é totalmente possível a ascensão (ou o declínio) social, dependendo unicamente das oportunidades e do esforço do indivíduo para que isso aconteça; já numa sociedade de estamentos, os homens não são iguais perante a lei, apenas perante os deuses, sendo, portanto passíveis de salvação, no entanto sua condição (geralmente determinada pelo nascimento, o que não é o caso no único estamento Asteca) só pode ser mudada (ou seja, ocorrer elevação ou declínio social) devido a um fato muito inusitado, como o casamento com alguém de outra casta, ou um ato de extrema bravura, um exemplo de sociedade de estamentos (ou estamental) era a sociedade da Europa Medieval; numa sociedade de castas, as pessoas são diferentes em tudo, tanto perante a lei, quanto perante os deuses, sendo assim, não há nenhuma mobilidade social, o nascimento determina a posição do indivíduo na sociedade e não há nada que possa mudar isso, nem para melhor, nem para pior, um exemplo de sociedade de castas é a Índia.

Agora que compreendemos os conceitos utilizados, podemos continuar com a análise da sociedade Asteca. Tratava-se de uma sociedade de classes, pois exceto pelas duas castas e pelo único estamento, a mobilidade social só dependia do esforço de cada um. Mas espere, você deve estar se perguntando, todos nós sabemos que para ascender socialmente, a única maneira é estudando, freqüentando a escola e assim, tendo a possibilidade de crescer na vida, certo? Certo. Então, como os Astecas faziam para ascenderem socialmente?

Da mesma maneira que nós. Deixe-me explicar. Em cada Calpulli, e existiam quatro, havia uma escola denominada Telpochcalli, para ela, as crianças (tanto homens quanto mulheres) iam ao completarem oito anos. Lá, tanto meninos quanto meninas aprendiam o básico da escrita Asteca e as tradições de seus clãs, porém, a outra metade do ensino era dividida, pois as meninas aprendiam a tecer, a costurar, a cozinhar e a cuidar de crianças, enquanto os meninos aprendiam a guerrear.

Aos 21 anos, tanto meninos quanto meninas abandonavam a escola e estavam formados, os meninos tornavam-se guerreiros (sendo assim, todos os homens livres de Tenochtitlán eram guerreiros), e as meninas iam se casar. Geralmente o homem se casava mais tarde, por volta dos 25 anos. A poligamia masculina era permitida, mas não muito difundida, ao que parece apenas alguns poucos homens muito ricos tinham mais que uma esposa.

Mas analisemos as possibilidades de ascensão: todos os homens tinham direito, ao nascerem, a um lote de terra, que lhes era entregue pelo chefe do clã, quando estes casavam. Neste lote, o homem ia trabalhar junto com sua mulher e seus filhos até que estes se casassem. Nos tempos em que o marido ia para guerras, a mulher ficava tomando conta da terra e da casa. À medida que ascendia na carreira militar (que era levada paralelamente à sua vida de lavrador) o homem podia receber mais terras, e sendo assim, ascender socialmente, chegando mesmo a ter escravos trabalhando para ele adquirindo destaque na vida pública da cidade, o que poderia conferir a qualquer homem (por seus méritos militares) um assento no Grande Conselho, uma espécie de Senado Asteca. Quando um homem vendia parte de sua produção, ele adquiria dinheiro (que era representado por sementes de cacau) com dinheiro ele podia comprar coisas no mercado, coisas que iam desde sementes até escravos, passando por obras de arte e bens de consumo. Outra maneira de adquirir dinheiro era vendendo prisioneiros para os Toltecas e Pochtecas, pois uma vez que estes não participavam do exército, precisavam comprar prisioneiros para sacrificar aos seus deuses. Com o dinheiro, era possível comprar coisas melhores, mais coisas, ou então financiar alguém cuja plantação tenha sido perdida; este alguém tornava-se um devedor e, caso não pagasse a dívida, perdia sua terra e se tornava um servo de seu credor.

4.3.1 – Os níveis sociais:

Nesta parte do texto, atribuirei números às diferentes camadas da sociedade (ver organograma) e explicarei o papel de cada um deles na sociedade Asteca.

1) Tlatoani: O Tlatoani era o chefe supremo tanto militar, quanto religioso. Este cargo foi desempenhado por onze indivíduos desde a construção de Tenochtitlán, no início, ele tinha características semi-reais, mas aos poucos passou, cada vez mais, a ser uma espécie de Cônsul. Quando os Espanhóis chegaram ao México, quem ocupava esta função era justamente Motecuhzoma II, e Cortez, mais do que depressa o confundiu com um Imperador. Na verdade, os relatos dos chefes das cidades dominadas pelos Astecas, de que eram vassalos de Motecuhzoma II não eram mentirosos, pois era o Tlatoani quem governava as províncias conquistadas, no entanto, seu poder não era grande dentro de Tenochtitlán. É certo que a pompa com a qual era tratado era digna de um Imperador, mas isso fazia parte da tradição, pois enquanto o outro Cônsul trabalhava, este ficava sendo cultuado. Parte da pompa com a qual eram tratados os Tlatoani, contribuiu ainda mais para a imagem de divindade que Cortez criou sobre o cargo, pois as roupas que usava eram destruídas (ou seja, cada roupa, apesar de suntuosa, só era usada uma única vez), ele era carregado em liteiras e não podia ser encarado por pessoas do povo, os únicos que podiam olha-lo nos olhos eram o Ciuacoatl, os membros do Tlatocan e os membros do Grande Conselho.

2) Ciuacoatl: A tradução desta palavra quer dizer Serpente Fêmea, entretanto, o cargo só era ocupado por homens. Era o outro Cônsul que governava junto com o Tlatoani. Seus poderes eram diferentes, mas tão importantes quanto os do primeiro. Na verdade, o Ciuacoatl era quem governava Tenochtitlán, além de ser o equivalente à suprema corte de apelações, pois quando as demais instâncias eram refutadas, era este Magistrado quem decidia a sentença.

O cargo de Ciuacoatl foi criado por Motecuhzoma I, com o objetivo de se desvencilhar de algumas funções, visto que em sua época, o Império havia começado a se expandir e conseqüentemente o Tlatoani havia ficado sobrecarregado.

Quando o Tlatoani morria, o Ciuacoatl presidia reunia e presidia o Grande Conselho, para escolher entre os membro do Tlatocan um novo Tlatoani. Por sua vez, quando o Ciuacoatl morria, o Tlatoani escolhia um novo, sendo, no entanto, esta escolha sujeita a aprovação do Tlatocan e do Grande Conselho.
Assim como o cargo de Tlatoani, o Ciuacoatl era vitalício, mas estava sujeito , assim como o primeiro, a sofrer um "IMPEACHMENT" no caso de má conduta governamental.

A existência desse dois Magistrados reforça a teoria de que os Astecas não constituíam uma Teocracia, mas sim uma República, pois como veremos, qualquer um poderia ascender aos cargo de Tlatoani e Ciuacoatl, graças as suas proezas militares. Na verdade, o que leva alguns historiadores a também considerarem o Império Asteca como uma Teocracia era o fato de que tanto no que se refere ao Ciuacoatl, quanto no que se refere ao Tlatoani, os cargos foram, desde o princípio ocupados por membros de uma mesma família, sendo muitas vezes o Ciuacoatl, irmão do Tlatoani. No entanto, isso era apenas uma questão de influência desta família (tanto por sua antigüidade, quanto por seu poder) no caso do Tlatoani, e de nepotismo, no caso do Ciuacoatl.

Podemos caracterizar a sociedade Mexicana como sendo uma Oligarquia Plutocrática, com a funcionalidade real de uma Oligarquia Aristocrática, ou seja, por direito qualquer um que tivesse status suficiente (status adquirido nas batalhas ou religiosamente, como veremos) poderia governar, mas na prática, apenas uma aristocracia (a mesma família sempre) dominou o poder.

3) Tlatocan: Era uma espécie de junta governativa formada por apenas quatro membros, geralmente todos parentes do Tlatoani e do Ciuacoatl, o que mostra mais uma vez o domínio daquela família, mas não sua condição de intocável no poder, uma vez que houve membros do Tlatocan que não eram parentes dos governantes e chegaram a essa posição através da influência pessoal.
Esse posto pode ter sido o indicador de uma espécie de fase de transição entre o Grande Conselho e o poder, pois os membros do Tlatocan eram eleitos pelo Grande Conselho e depois, com a morte ou do Ciuacoatl, ou do Tlatoani, um dos quatro era escolhido para ocupar o posto e os outros três voltavam a ser apenas membros do Grande Conselho, uma vez que eram eleitos outros quatro membros para o Tlatocan. Quando um dos membros morria, o Grande Conselho se juntava e elegia outro.

A função principal desses quatro homens era chefiar os exércitos, eram os quatro generalíssimos Astecas, cabendo a um deles a chefia dos Guerreiros, a outro a confecção e correta distribuição de armas e mantimentos aos exércitos, ao outro a manutenção de guarnições nas colônias e ao último, a segurança de Tenochtitlán.

4) Grande Conselho: Era o órgão fundamental da estrutura de poder Asteca, na realidade, a existência desse cargo indica que todo poder emanava do povo, não diretamente, como numa Democracia, mas de uma forma indireta. O Grande Conselho era composto por diversos indivíduos, todos de muita importância na cidade, eram eles: os quatro Calpulli (chefes de Calpulli), todos os Guerreiros-Águia e Guerreiros-Jaguar, os Grandes Sacerdotes (é provável que mulheres tenham ocupado funções de Grandes Sacerdotisas, sendo assim, haveria mulheres no Grande Conselho), o Mexicatl Teohuatzin e as duas Serpentes de Plumas.

O número de membros do Grande Conselho não pode ser precisado, pois não havia uma quantidade fixa de Guerreiros-Águia, nem de Guerreiros-Jaguar, nem de Grandes Sacerdotes. As três categorias constituíam o ápice daquilo que se pode alcançar por esforço próprio, ou seja, sem ser votado por ninguém, mas apenas por si. Os Guerreiros-Águia e Guerreiros-Jaguar constituíam o topo da carreira militar (algo como uma tropa de elite) e os Grandes Sacerdotes constituíam a elite intelectual, formada no Calmecac, que explicarei posteriormente o que era.

O Grande Conselho podia passar meses sem se reunir, mas todas as vezes que algum de seus membros, ou algum dos Magistrados superiores achasse por bem, uma reunião era convocada. As decisões do Grande Conselho eram a instância máxima de deliberação nos assuntos econômicos, políticos e militares, só não respondiam por poder judiciário. Era, por exemplo, o Grande Conselho que definia quando, e onde aconteceriam campanhas militares, ou mesmo quanto cada região deveria pagar em tributo.

5) Dignatários: Eram os homens importantes por nascimento, não por esforço, constituíam-se geralmente de filhos de Calpulli que não haviam conseguido se formar no Calmecac, ou que haviam se formado, mas ainda eram Sacerdotes de Bairro. Os dignatários eram acessores do Grande Conselho e dos grandes Magistrados, eles eram os responsáveis pela manutenção das listas de tributos em dia, pelo recenseamento da população, pela confecção dos mapas do Império e de regiões que não pertenciam a ele, dentre outras tarefas que exigiam certo grau de instrução ou de confiança.

6) Uey Calpixqui: Era um Magistrado importante, não fazia parte do Grande Conselho, mas constituía-se no braço direito do Ciuacoatl, pois era o encarregado de perambular pelos Calpulli recolhendo impostos, repassando informações, verificando coisas erradas. Seu poder maior consistia no fato de ter poder judiciário, ou seja, ele era uma espécie de segunda corte de apelações, a segunda instância jurídica, caso a primeira instância, não fosse justa ou não conseguisse apurar o caso, ele resolveria, senão, repassaria ao Ciuacoatl. É interessante notar que havia apenas um Uey Calpixqui em Tenochtitlán, e ele era escolhido diretamente pelo Ciuacoatl. Havia um Uey Calpixqui em cada colônia militar fundada pelos Astecas, ele era o prefeito desta colônia, e estava encarregado de garantir a lealdade da região além de julgar os casos como instância superior às autoridades locais. Além disso, ele era o comandante das tropas da colônia e, apesar de não ter autorização para iniciar campanhas de conquista, tinha o dever de defender a região dominada (tanto contra inimigos externos, quanto contra uma possível revolta da população da própria região).

7) Calpulli: Ironicamente o Calpulli faz parte do Grande Conselho, mas enquanto Calpulli ele é subalterno do Uey Calpixqui, que não integra o Grande Conselho. O Calpulli é o líder de seu Calpulli (é interessante notar que a palavra é a mesma tanto para bairro, quanto para o governante do bairro). Vive numa casa muito grande, e é o responsável pelo ensino nos Telpochcalli. Ele constitui o tribunal de primeira instância, onde se resolvem quase todos os casos. Existiam quatro Calpulli em Tenochtitlán, cada um formado por uma junção de clãs. Talvez a divisão em quatro seja proveniente de memória passadas, de quando os Astecas viviam em Aztlán, e estavam divididos em quatro clãs.

Era o Calpulli quem organizava as propriedades de seu bairro, ele tinha a lista de todos os que se casavam e recebia terras, além de comandar as divisões de serviço nas milícias do bairro, uma vez que a administração militar era descentralizada, com os generais mandando em seus subordinados e estes em seus subordinados respectivamente, até chegarem nos novos recrutas, que não mandavam em ninguém.

8) Conselho de Anciãos: Eram os conselhos dos Calpulli, ou seja, dos bairros, funcionavam exatamente da mesma forma que o Grande Conselho, mas com autoridade restrita ao seu bairro. Era composto pelo líder de cada clã componente do Calpulli, e tinha por finalidade principal fiscalizar a administração do Calpulli e ainda escolher o novo Calpulli quando o antigo morria, os filhos dos Conselheiros tinham o direito de freqüentar o Calmecac, se quisessem.

9) Maceualtin: Eram as famílias de pessoas do povo, parentes dos Conselheiros, mas não de seu tronco familiar, uma vez que um clã é composto de diversas famílias aparentadas. Na verdade, os Maceualtin eram os núcleos familiares domésticos, ou seja, as pessoas que viviam sob o mesmo teto. Os homens recebiam do Calpulli um lote de terra onde iriam erguer sua casa e viver sua vida, quando ambos os cônjuges morriam, o lote voltava para o Calpulli, que o daria a um novo casal, dessa forma, não faltavam terras para as pessoas, pois ninguém herdava nada. É certo que as terras que fossem compradas de Maceualtin endividados não entrariam na redistribuição de terras, sendo assim, uma família poderia aumentar seu poder e importância, adquirindo terras de pessoas endividadas, pois assim teriam direito a heranças, além do lote, e seu poder permaneceria inabalável.

10) Tlalmaitl: Eram os Maceualtin que perdiam suas terras por dívidas, convertendo-se em servos. Os Tlalmaitl continuavam vivendo na terra que era deles, mas não mais poderiam usufruir o que produzissem, deveriam entregar uma determinada cota mensal a seu senhor, caso esta cota não fosse alcançada, o servo adquiria uma dívida com o senhor, quando a dívida chegava a um ponto determinado, ele era obrigado a vender sua liberdade e se tornar um escravo de seu servo. Porém, a condição de servo não era hereditária, ou seja, os filhos do servos podiam freqüentar a escola normalmente e, quando se casavam, recebiam um lote de terra, sendo assim, a servidão só condenava o indivíduo e sua esposa. O Tlalmaitl tinha sempre a oportunidade de readquirir sua terra, bastando para isso economizar, ou então trabalhar mais, para poder obter produção excedente e vende-la, ou então, capturar vários escravos em batalhas e, então, vendê-los a comerciantes ou artesãos, o que lhe garantiria dinheiro para poder comprar terras.

11) Tlatlacotin: Constituíam os escravos, a maioria dos quais era derrotada em combate e escravizada. Os escravos derrotados em combates eram, geralmente inúteis para o trabalho, pois para traze-los vivos, os guerreiros eram obrigados a mutila-los, cortando-lhes os tendões de Aquiles, sendo assim, não conseguiam correr e andavam com dificuldade. Estes escravos eram mantidos vivos por um certo tempo, até que chegasse a hora de serem sacrificados.

Já os escravos por dívidas eram às vezes aproveitados no trabalho, havia casos de grandes propriedades as quais viviam da mão-de-obra escravista, por já não terem mais servos há muito tempo, uma vez que a propriedade ficava em mãos do comprador, mas a condição de servo era apenas para o indivíduo que havia se tornado servo, então, para que as terras pudessem ser cultivadas, estes senhores mantinham escravos chegando a compra-los no mercado, ou de guerreiros que voltavam de batalhas.

Além desses dois tipos mais comuns de escravidão, também existia a condenação à escravidão, ou seja, dependendo do crime que alguém cometesse, este poderia ser castigado e condenado a ser um escravo.
A única maneira de um escravo deixar esta condição era quando ele iria ser vendido no mercado de Tlatelolco. Quando alguém o comprava, o vendedor o soltava, então ele tinha o direito de correr, sendo perseguido por seu comprador. Ninguém poderia segura-lo, senão seu comprador, se ele conseguisse alcançar a praça judicial de Tlatelolco, estaria livre, no entanto, se fosse pego por seu comprador, seria escravo para sempre. No entanto, pouquíssimos escravos escapavam dessa forma, pois como mencionei, seus tendões eram geralmente cortados, sendo assim, a corrida se tornava quase impossível e eles acabavam pegos.

12) Pochteca: Os Pochteca constituíam uma casta privilegiada da população Asteca. Ninguém podia ascender a Pochteca, nem mesmo o mais ilustre dignatário, no entanto, um Pochteca também nunca deixaria de ser um Pochteca. Eram os grandes comerciantes, uma vez que o pequeno comércio (bens de consumo e outras coisas de pouco valor) estava nas mãos dos Maceualtin, aos Pochteca cabia o grande comércio, o comércio interprovincial e a revenda de grandes quantidades de mercadorias.

Os filhos deles podiam freqüentar o Calmecac, mas nunca ascenderiam a Grandes Sacerdotes, pois sua casta não tinha assento no Grande Conselho.
Os Pochteca tinham cultos próprios, independentes dos cultos Astecas, seu deus principal era Yiacatecuhtli, o protetor dos comerciantes, que lhes exigia pesados sacrifícios, sendo assim, como não estavam obrigados ao serviço militar, eram obrigados a comprar escravos dos guerreiros, sendo os maiores compradores de escravos do México. Sua base principal era o mercado de Tlatelolco, que como veremos, havia sido uma cidade independente, mas fora anexada ao território propriamente dito de Tenochtitlán, por Axayacatl, em 1469; outras bases importantes dos Pochtecas eram Texcoco, onde podiam participar do Conselho Econômico e Azcapotzalco. Por possuírem uma milícia própria, encarregada de defende-los em suas caravanas, os Pochteca às vezes prestavam serviços de espionagem ao governo. Por terem vencido uma grande batalha no istmo de Tehuantepec, foram considerados por Auitzotl, como os tios do Tlatoani, o que lhes conferiu (a partir daquela data) um status superior, que permitia a utilização de jóias de ouro, coisa que era vetada aos não membros da aristocracia.

Quando os Espanhóis chegaram ao México, os Pochteca se encontravam num patamar intermediário entre o povo e os grandes dignatários, mas seu poder econômico lhes proporcionava um luxo superior em muitos casos ao dos próprios governantes. Pode-se dizer que, esta classe estava começando a se tornar importante, o que poderia acarretar, dentre de cem ou duzentos anos, uma espécie de transformação na sociedade Asteca, passando a um modo de produção semelhante ao Capitalista, quando se encontrava num modo de produção familiar-militar, pouco voltado para a obtenção de lucros e com muita cooperação entre os indivíduos, tanto que os Calpulli entregavam aos Maceualtin, uma vez por ano, uma grande quantidade de roupas e mantimentos, de modo a garantir a melhoria da qualidade de vida da população.

13) Toltecas: Os Toltecas eram os artesãos de Tenochtitlán, viviam em um bairro próprio, Amantlan, e se consideravam originários da cidade de Xochimilco, nas margens do lago Texcoco. Trabalhavam tanto para particulares, por meio de contrato, como para venderem seus trabalhos. Os mais hábeis eram muito bem remunerados, e trabalhavam com exclusividade para altos dignatários. As famílias Toltecas se reuniam em clãs, que eram verdadeiras corporações de ofício, onde o chefe do clã comandava sua produção e o representava judicialmente. Estavam obrigados a pagar impostos em espécie, ou seja, naquilo que produzissem, mas não em dinheiro, como todos os demais. Não eram obrigados ao serviço militar e seus filhos não podiam freqüentar o Calmecac, bem como não tinham representação no Grande Conselho.

Tal qual os Pochteca, os Toltecas também tinham um deus próprio e independente, Xipe Totec, que, à exemplo de tantos outros, também exigia sacrifícios, o que forçava a casta a ser grande compradora de escravos. Ainda como no caso dos Pochteca, não se podia ascender a Tolteca, nem sequer um Tolteca podia deixar de sê-lo.

14) Tlacateccatl: Este era um Magistrado, na verdade, era um dos quatro componentes do Tlatocan, mas sua figura merece especial atenção, pois ele era o chefe de homens, ou seja, o general dos exércitos nas batalhas. Cabia ao Tlacateccatl, além de chefiar as tropas e decidir as estratégias militares, fiscalizar o cumprimento correto da hierarquia militar (que é o que retratarei nas descrições seguintes), da qual, abaixo do Tlatoani, ele era o expoente máximo.

15) Guerreiros-Águia: Constituíam um dos pelotões de elite do exército Asteca. Vestiam-se com uma leve armadura de couro, recoberta de plumas de águias, além disso, levavam nas cabeças, um capacete de madeira em formato de cabeça de águia (também revestido de penas). Normalmente lutavam com lanças compridas, as quais não arremessavam, mas apenas utilizavam para ferir seus oponentes.

Para chegarem a esse cargo, os homens trilhavam um caminho longo, deveriam completar seus estudos nos Telpochcalli, e depois capturar vários prisioneiros em batalha, uma vez que a ascensão militar se dava pela captura de prisioneiros vivos. Ao atingir o posto de Guerreiro-Águia, um homem ganhava assento no Grande Conselho e passava a fazer parte da vida política do Império.

16) Guerreiros-Jaguar: Estavam no mesmo patamar de importância dos Guerreiros-Águia, assim como eles, eram ungidos pelo próprio Tlatoani (o chefe supremo dos exércitos) e passavam a constituir a verdadeira nobreza (sempre junto com seus correlatos Guerreiros-Águia, uma vez que esta descrição é um complemento da outra), recebendo mais terras e passando a se dedicar quase que exclusivamente à vida política e militar, deixando seus afazeres domésticos nas mãos de escravos.

Os poucos casos de poligamia se davam geralmente com homens dessas duas patentes militares (Águia e Jaguar), pois, em suas campanhas, às vezes se envolviam com outras mulheres e terminavam por adota-las como suas segundas, ou até terceiras esposas.

Ao que parece, havia um templo, em Malinalco (templo que persiste até hoje), totalmente escavado na rocha, no qual os Guerreiros-Águia e os Guerreiros-Jaguar praticavam seus principais cultos.

Os Guerreiros-Jaguar, normalmente não portavam lanças, mas sim a principal arma Asteca, uma maça de madeira entalhada, com facas de sílex incrustadas na região de golpe (chamada macana), sendo assim, essa arma era mortal, por ser altamente cortante. Além disso, esses Guerreiros se trajavam com o couro de jaguares mortos, e utilizavam um capacete confeccionado com os ossos da cabeça do animal, tendo neles as presas e o pelo ainda intactos. Como sua armadura proporcionava menos resistência do que a dos Guerreiros-Águias e sua arma era de uma mão apenas, então, utilizavam um escudo de madeira revestido de plumas e delicadamente pintado com ouro.

17) Hierarquia Militar dos Bairros: Em cada Calpulli existia um Telpochcalli, no qual se formavam turmas de novos guerreiros. Estes novos Guerreiros tinham uma função horrível: serem os homens do pelotão de frente. Utilizavam armas muito simples, como fundas e clavas, mas estavam determinados a capturarem três prisioneiros, o que lhes garantiria a ascensão à próxima patente. À medida que iam sendo promovidos, iam adquirindo o direito de utilizarem armas melhores, além de ganharem armaduras em determinada patente. As armas diversas eram: machadinhas de sílex, arco e flecha, facas de sílex, espadas de sílex e até lanças curtas que eram arremessadas por um equipamento chamado atlatl.

A cada três prisioneiros que o indivíduo capturava, ele era promovido uma patente. A patente máxima de cada Calpulli era denominada Mestre de Armas. Quando alguém chegasse a ser Mestre de Armas, estava a um passo de se tornar um Guerreiro-Águia, ou um Guerreiro-Jaguar, bastando apenas capturar mais três prisioneiros.

18) Cadetes dos Telpochcalli: Os Cadetes dos Telpochcalli eram os garotos que estavam para se formar na escola, eles iam a algumas campanhas junto com os guerreiros, mas não para lutar e sim para aprenderem com o que viam. Nessas campanhas eles cozinhavam e guardavam a comida do exército.

19) Serpente de Plumas de Tlaloc: Era um dos dois maiores sacerdotes Astecas, junto com ele estava a Serpente de Plumas de Uitzilopochtli. Era um sacerdote que havia percorrido um longo caminho, ou seja, quando criança, estudou no Telpochcalli de seu Calpulli, quando formado, por ser filho de algum Conselheiro ou do próprio Calpulli, tinha a opção de freqüentar o Calmecac (o Calmecac era a universidade Asteca, localizado no centro cerimonial de Tenochtitlán, tinha a função de formar os sacerdotes, que viriam a ser os especialistas da escrita e também a elite cultural Asteca, além de propagadores da religião de seus ancestrais). Depois de quase dez anos no Calmecac, ele se formava e se tornava um sacerdote de Calpulli, voltando ao seu Calpulli, com o objetivo de realizar as cerimônias religiosas devidas. Muitos sacerdotes, como veremos, passavam suas vidas inteiras sem conseguir serem promovidos, no entanto, ao se destacarem na vida pública, geralmente servindo como escribas ou então realizando algum ato importante, o sacerdote era elevado a um nível superior. Passava a ser um Sacerdote Provincial, que veremos mais tarde, quando se destacava como missionário, era elevado a Grande Sacerdote e ganhava um assento no Grande Conselho.
Dentre os Grandes Sacerdotes, o Tlatoani, juntamente com o Ciuacoatl e o Tlatocan, escolhiam um para ser a Serpente de Plumas de Tlaloc e outro par ser a Serpente de Plumas de Uitzilopochtli, se a escolha passasse pela aprovação do Grande Conselho, o Sacerdote estava eleito para o cargo.

O cargo de Serpente de Plumas de Tlaloc não podia ser ocupado por mulheres, e estava imbuído de poderes extremos no que diz respeito ao culto do deus da chuva e da água.

20) Serpente de Plumas de Uitzilopochtli: Assim como no caso da descrição dos Guerreiros-Jaguar, esta descrição é uma continuação da descrição do item anterior. Um sacerdote chegava a ser Serpente de Plumas de Uitzilopochtli da mesma forma descrita no item anterior, porém sua função era de controlar o culto a Uitzilopochtli, a mais antiga e poderosa divindade Asteca, só igualada a Tlaloc, muito tempo depois da chegada dos Astecas ao México.

Era indiscutível o poder que esses dois sacerdotes possuíam juntos e, na maioria das vezes, permaneciam juntos. Acima deles, na hierarquia clerical só estava o Tlatoani, que era o supremo chefe religioso, no entanto, eram os dois que comandavam o clero de fato. Tamanho era seu poder, que durante o governo de Auitzotl, convenceram a quem deviam de que a ampliação do Grande Templo fosse realizada no sentido de dedica-lo a Tlaloc e Uitzilopochtli, sendo assim a pirâmide Asteca passou a ser encimada pelos templos de Tlaloc e Uitzilopochtli.

Apesar de imensamente poderosos, os dois sacerdotes não tinham nenhum poder direto sobre o clero de um modo geral, pois este poder emanava do chefe do Calmecac, o Mexicatl Teohuatzin. No entanto, este era escolhido por aqueles.

21) Mexicatl Teohuatzin: O Mexicatl Teohuatzin era o chefe do clero Asteca, além de controlar o Calmecac. Chegava a esse posto pela escolha em comum acordo das duas Serpentes de Plumas. Eles o escolhiam entre os Grandes Sacerdotes homens e, sendo assim, acabavam controlando-o. É bem verdade que as Serpentes de Plumas estavam acima da autoridade do Mexicatl Teohuatzin, mas este não estava legalmente subordinado a elas, só ao Tlatoani.

22) Grandes Sacerdotes: Este é o grau máximo em que alguém poderia chegar por esforço próprio, dentro da carreira clerical, mas mesmo assim, não era uma ascensão tão simples quanto a possível na carreira militar, pois para mostrarem seu valor, os sacerdotes inferiores precisavam chamar a atenção de alguém importante, pois só assim seriam promovidos, em contrapartida, se já conhecessem ou fossem aparentados de alguém importante, suas promoções não tardariam em chegar, por isso pode-se dizer que o clero era a instituição mais corrompida do Império Asteca.

Os Grandes Sacerdotes eram os primeiros sacerdotes a terem assento no Grande Conselho, sendo também a única forma de uma mulher conseguir seu assento na entidade, uma vez que este era (entre todos os postos existentes no México) o mais alto posto que uma mulher podia ocupar.

A função destes sacerdotes era lecionar no Calmecac (o que leva a crer que possivelmente existisse um número máximo para eles, e não um número ilimitado como ocorria com os Guerreiros-Águia e Jaguar). Eles também, ao serem sagrados Grandes Sacerdotes, recebiam o status de nobreza, recebendo terras extras, das quais cuidavam com a mão-de-obra escrava.

23) Sacerdotes Provinciais: Este era o segundo degrau da hierarquia sacerdotal, e todos os sacerdotes que quisessem ascender no clero, deveriam passar por ele. É certo que também era o mais árduo e o mais fácil de promover o esquecimento do indivíduo, pois os Sacerdotes Provinciais deixavam Tenochtitlán para serem missionários em regiões distantes, tanto tributária, quanto não. Sua função era levar a fé Asteca a outros povos e, se obtivesse relevância em seus feitos, seria nomeado Grande Sacerdote.

24) Sacerdotes de Bairro: Neste grau, os Pochteca podiam chegar, uma vez que seus filhos podiam freqüentar o Calmecac, eram os recém-formados sacerdotes, que regressavam a seus Calpulli, onde além de lecionarem nas Telpochcalli, ainda cuidariam dos cultos ancestrais de seu clã, bem como manteriam a unidade religiosa entre este e o clero oficial, cujo chefe supremo era o Tlatoani. Se mostrassem muita eficácia em sua função, eram promovidos a Sacerdotes Provinciais.

5 – Religião, Ciência e Alimentação:

Apesar da Alimentação não parecer uma das características mais importantes de uma civilização, em se tratando das culturas pré-colombianas, ela deve ser ressaltada, pois além de tais regiões possuírem iguarias desconhecidas dos Europeus Medievais, muitos desses pratos hoje fazem parte de nosso cotidiano e podemos jurar que sempre foram conhecidos de nossos antepassados Europeus.

A Religião é um traço marcante em todo civilização, pois ao mesmo tempo em que motiva o povo a certas coisas, o desmotiva a outras e, às vezes, controla sua vida, como no caso dos Astecas, além disso, nas civilizações com características antigas (pois apesar do Império Asteca ter sido contemporâneo da Europa Medieval, ele teve muito mais haver com a Antigüidade, onde grande Impérios se estendiam pelo poder das armas, pela bravura de seus soldados e pela perícia de seus governantes), a Religião está intimamente ligada com a Ciência, pois mesmo na Europa, foi o advento do Cristianismo que desvinculou a religiosidade da ciência, com a imposição daquela sobre esta. A conseqüente estagnação tecnológica em que o mundo Europeu se viu mergulhado só foi quebrada pelos contatos com avanços dos povos Islâmicos.

5.1 – A peculiar Alimentação Asteca:

Dentre as mais famosas iguarias da cozinha Asteca estavam o milho (sua principal fonte de alimentação, assim como principal fonte de alimentação de toda a Mesoamérica), o feijão, o tomate, os perus, os cachorros, os coelhos e o chocolate. Nenhum desses alimentos era conhecido dos Europeus antes da conquista do Império Asteca. No entanto, a maioria de tais alimentos era diferente do que é hoje. É o caso espantoso do milho, que ao contrário do formato atual; ou seja, grandes espigas de sementes duras; era menor, com espigas moles, sendo assim, depois de cozido, era comido com o sabugo e tudo. O cereal só se modificou com o desenvolvimento do hibridismo, o que aumentou suas propriedades nutritivas e também seu tamanho.

O chocolate também era diferente do atual, ou seja, além de não ser ao leite (uma vez que os Astecas não tinham vacas) e, portanto, ser amargo e bem preto, ele também não era sólido, mas sim um líquido quente e grosso, que se bebia depois das refeições, especialmente no inverno.

Quanto aos cachorros, é certo que os Europeus conheciam cachorros, aliás, quem não os conhecia eram os Astecas, que só possuíam uma única raça (cachorros pequenos e sem pelos e com a pele vermelha, hoje extintos). Porém, a utilização dos cachorros pelos Astecas não era a mesma que a Européia, pois enquanto os Europeus desde os mais remotos tempos utilizavam os cachorros como companheiros, caçadores e guardas, os Astecas utilizavam-nos como rebanho, isso mesmo, eles faziam criações de cachorros, dos quais apenas alguns chegavam à idade adulta (para serem reprodutores), pois a maioria era morta ainda filhote, para ser degustada, os cachorros eram o prato preferido dos Astecas.

No entanto, quando chegaram a Tenochtitlán, devido aos maus momentos que passaram, incluindo privações das maiores possíveis, os Astecas foram obrigados a adotar uma dieta a base de peixes do lago Texcoco, aves do mesmo lago e animais mais (digamos) nojentos, como sapos, rãs e mesmo insetos de todos os tipos, desde moscas até mosquitos.

A pimenta era conhecida dos Astecas e, assim como o tomate, era usada como tempero, isso mesmo, os Astecas não comiam o tomate como alimento em si, mas sim como tempero, utilizavam-no para fazer molhos os quais jogavam por cima de seus alimentos.

Os perus eram apreciados em todos os sentidos, pois sua carne era comida e suas penas utilizadas como plumas para os que tivessem autorização de ostenta-las.

Além de todos os pratos citados acima, os Astecas conheciam também a carne, bem como os ovos, de tartaruga, carne de javali (semelhante a do porco), coelho, além de frutas diversas.
Apesar de todos os pratos referidos realmente terem pertencido à cozinha Asteca, eles não estavam ao alcance da maioria da população. Isso porque eram muito caros, sendo assim, só eram consumidos pela aristocracia. O cidadão comum tinha sua alimentação baseada em bolos de milho e feijão, muitas vezes temperados com pimenta e tomate, sendo que raras vezes consumiam carne ou outro tipo de alimento.

5.2 – Ciência X Religião:

Em contraposição ao fato de que na Europa da época Religião e Ciência caminhavam separadamente, com a primeira entravando a segunda, no México, bem como nos Impérios Antigos do Velho Mundo, ambas caminhavam juntas.

Foi graças à atividade dos sacerdotes Astecas, que esta civilização desenvolveu boa parte de seus conceitos científicos. Isso se deve ao fato de que os sacerdotes eram ao mesmo tempo os maiores eruditos de Tenochtitlán, pois, por não terem suas vidas consagradas nem ao trabalho, nem à guerra, eles tinham tempo para se dedicarem à leitura, à observação dos astros e ao desenvolvimento da matemática.

É bem verdade que no referente às ciências exatas (matemática, astronomia e engenharia, em especial), os Astecas copiaram muito dos povos mais antigos no México, imitando-os em alguns aspectos, aperfeiçoando suas descobertas em outros e, até mesmo, piorando alguns de seus inventos. O maior caso de invento que foi, digamos, piorado é o calendário solar Maia, no qual havia uma perfeição rigorosa, perfeição essa que foi um pouco prejudicada na adaptação Asteca.

No referente à engenharia, os Mexicanos eram muito hábeis, tendo construído dois aquedutos que levavam água potável do planalto até Tenochtitlán, além de muitas pontes e das famosas ilhas artificiais, que constituíam a maior parte do território da capital.

A astronomia (que diferentemente da astrologia, que não passa de uma série de misticismos em torno da suposta influência que os astros exercem sobre as pessoas, é uma ciência que consiste em observar e catalogar a existência, bem como o movimento dos astros) era altamente desenvolvida. Com base nela, é que foi elaborado o calendário, assim como, era graças a ela que os Astecas podiam prever os bons períodos para colheita e plantio. No entanto, a observação dos astros dava respaldo para o desenvolvimento e ampliação das crenças astrológicas, sendo assim, não eram pequenas as influências que os Astecas atribuíam aos astros sobre as pessoas. Segundo as crenças, o dia do nascimento podia indicar várias coisas sobre o caráter do bebê, tais como suas tendências profissionais. Para livrar os recém-nascidos do malogro que era nascer num dia nefasto, seu nome era escolhido num dia bom, sendo assim, este dia passava a valer como sendo o dia de seu nascimento, o que poderia fazer alguns bebês ficarem dias sem nomes. Os únicos aptos a indicar quais dias eram nefastos e quais não, eram os sacerdotes, sendo assim, eram eles que batizavam os bebês.

Curiosamente, os Astecas possuíam dois calendários distintos, um de 365 dias, composto de 18 meses de 20 dias cada, além de mais 5 dias nefastos ao final do ano. Nestes cinco dias, não se trabalhava e a única coisa que se fazia era orar para os deuses e realizar muitos sacrifícios. Este calendário era o oficial, e servia como uma base para a agricultura. Já o outro calendário era bem mais curto, 260 dias apenas, e era destinado às crenças religiosas, era nele que se mediam as durações das semanas (cada semana tinha três dias), além das datas dos sacrifícios e festas religiosas. Ambos os calendários haviam sido copiados dos Maias, sendo o de 365 um tanto quando piorado, uma vez que os Astecas não consideravam o ano como tendo 365,242 dias (como os Maias), mas apenas como tendo 365, o que tirava um pouco de sua exatidão.
A Matemática Asteca era impressionante por (apesar de também copiada dos Maias) ser mais exata que a Romana, sendo que ao contrário desta, ele tinha a noção do zero. O impressionante e que com apenas três símbolos (uma concha, um ponto e um traço), ele conseguiam representar quaisquer números, desde o zero até o infinito. A base da matemática Asteca era o número vinte, onde, de uma certa forma, se apoiava toda a sua estrutura. Assim como nos algarismos Romanos (que não podia se repetir em seguida mais do que três vezes), os algarismos Astecas não podiam ser repetidos em seguida, mas no caso destes, a repetição máxima permitida era de quatro símbolos iguais. A noção ocidental de matemática (exposta principalmente nos números Arábicos e Romanos), indica uma escrita horizontal, o que não acontecia no México, onde os números eram escritos verticalmente.

Sobre as obras da engenharia Asteca, além dos feitos dos habitantes de Tenochtitlán, a que se destacar os feitos dos habitantes de Texcoco, que além de terem construído uma espécie de terma (com canais e aquedutos) entalhada na montanha de Tetzcotzinco, ainda teriam construído (tudo sob o reinado de Nezaualcoyotl) um gigantesco dique de madeira dentro do lago Texcoco, tal dique teria a função de impedir que cheias da parte mais profunda do lago (margem oriental) provocassem inundações em Tenochtitlán, que se localizava próxima à margem ocidental.

5.3 – Um grande e complexo Panteão:

O panteão (conjunto de divindades) Asteca era muito numeroso, tendo desde divindades realmente Astecas, como o deus Uitzilopochtli, que os teria guiado em sua marcha rumo ao México, até divindades dos povos já estabelecidos no México há muito tempo, como Quetzalcoatl e Tezcaplipoca, no entanto, este último começou a ser cada vez mais associado à figura de Uitzilopochtli, tendo, perto da conquista, as duas divindades se fundido em uma só, com o nome de Uitzilopochtli.

Além desses deuses, outros que originalmente não era Astecas, como Tlaloc, passaram a incorporar o panteão de Tenochtitlán. Na verdade, Uitzilopochtli estava se tornando, aos poucos, a mais poderosa divindade Asteca, sendo que muitos povos o associavam a seu deus principal, é o caso de Xipe Totec, Mixcoatl e às vezes, do próprio Quetzalcoatl, todos incorporados (em maior ou menor grau) à figura de Uitzilopochtli. Tal unificação dentro do panteão leva a crer que o caminho natural da evolução religiosa Asteca seria o monoteísmo, pois à medida que as divindades se reuniam sob um mesmo título, esta se fortalecia e tendia a ser considerada o único deus.

Em Texcoco, o grande Rei Nezaualcoyotl mandou construir uma torre, que era encimada por um santuário ricamente decorado, dedicado a uma divindade, o mais estranho é que não havia nenhum ídolo neste santuário e o dito deus seria invisível, impalpável, sem história e até mesmo sem nome, referido apenas como: "aquele graças a quem nós vivemos". Isso (vindo de um indivíduo que para os Astecas era considerado tão culto quanto Platão ou Aristóteles, para os Europeus), mais do que a fusão de deuses, leva a crer que os Astecas caminhavam para o monoteísmo.

5.4 – O Apocalipse Asteca:

Muitos povos cultuavam tradições relativas ao fim da humanidade, tradições essas que, no passado estavam presentes no cotidiano humano. Foi assim com Persas, que temiam o fim do mundo nas garras de Arimã, com os Cristãos, que temiam (e alguns ainda temem) a chegada do Anticristo e o chamado Apocalipse, com os Vikings, que temiam que seus deuses morressem numa guerra celestial e foi assim com muitos outros povos ao longo dos tempos.
Se até uma religião que se considera superior e evoluída como a Cristã pode acreditar no fim do mundo, por que não uma religião de indígenas, seres tão inferiores (não levem a mal, estou sendo sarcástico)?

Bem, os Astecas viviam com o tormento do fim do mundo; ou como eles chamavam, do fim do Sol; sobre suas cabeças. Para eles, a humanidade atual seria a quinta, tendo, portanto, sido precedida por outras quatro.

A cada ciclo de 52 anos, segundo a mitologia Mexicana, o mundo corria sério risco de extinção, pois isso já havia ocorrido outras vezes no passado. Na realidade, o primeiro Sol, chamado naui-ocelotl (quatro-jaguar), teria sido destruído pelos jaguares, isso mesmo, os grandes felinos Mexicanos teriam descido das montanhas e devorado a humanidade.

O segundo Sol, chamado naui-eecatl (quatro-vento), teria sido destruído por Quetzalcoatl, o deus do vento, que teria soprado sobre o mundo um vento mágico que transformou a humanidade em macacos.

O terceiro Sol, chamado naui-quiauitl (quatro-chuva), teria sido destruído por Tlaloc, o deus da chuva, da água, do raio (de tudo relacionado à água, inclusive doenças), teria criado um imenso dilúvio que teria submergido o mundo em águas destruindo toda a humanidade.

Do gigantesco dilúvio, que durou 52 anos (este era um número pragmático para os Astecas, muito provavelmente por corresponder à metade do tempo (104 anos) que levava para que o início de um ano terrestre coincidisse com o início de um ano de Vênus, planeta pelo qual os Astecas tinham adoração), sobreviveram apenas um homem e uma mulher. No entanto, a humanidade não descende deles, pois, por terem sobrevivido, contrariando o desejo dos deuses, Tezcatlipoca os teria transformado em cães.

O nosso mundo, ou nosso Sol, denominado naui-ollin (quatro-terremoto) teria sido recriado pela bondade de Quetzalcoatl, que resgatou do inferno (reino do deus Mictlantecuhtli) os ossos dos mortos e, regando-os com seu próprio sangue, restaurou-lhes a vida para reinar entre eles. Porém, como vimos anteriormente, Tezcatlipoca expulsou-o para Tlillan Tlapallan, de onde prometeu voltar para resgatar seu trono.

Para impedir nosso mundo de ser destruído, coisa que os Astecas acreditavam que pudesse acontecer a cada 52 anos, eles faziam uma cerimônia especial chamada de Fogo Novo.

Em todas as casas, se apagava o fogo e se quebrava toda a louça, os sacerdotes escolhiam um prisioneiro para ser sacrificado e o conduziam até o topo do monte uixachtecatl. Lá, o prisioneiro era sacrificado, tendo seu peito aberto por uma faca de sílex. Depois, um dos sacerdotes pressionava uma tocha acessa contra o peito aberto do indivíduo (às vezes ainda vivo) quando o fogo da tocha se apagava, era considerado aceso o Fogo Novo.

Para festejar, cada família reacendia seu fogo e comprava louças novas, enquanto que o Tlatoani realizava alguma obra (geralmente a ampliação do Grande Templo) como forma de expressar sua gratidão aos deuses por mais 52 anos de existência.

Ao todo, foram realizadas sete cerimônias do Fogo Novo (1195, 1247, 1299, 1351, 1403, 1455 e 1507), a primeira delas enquanto os Astecas ainda estavam em marcha para o México. A oitava, prevista para 1559, não se realizou porque o Império já havia sido conquistado pelos Espanhóis.

5.5 – Uma rápida observação sobre a morte:

Para os Astecas, existiam cinco formas de morte. Todas elas eram encaradas com muita naturalidade, porém apenas quatro delas proporcionavam a salvação irrefutável. Vejamos quais eram as espécies de morte Astecas.
A morte por causas naturais, ou seja, velhice, acidentes (exceto afogamento) e a maioria das doenças, era considerada comum, o indivíduo que morresse dessa forma era mumificado, preparado com sua melhor roupa, suas plumas e jóias (caso pudesse utiliza-las) e depois cremado com tudo o que fosse ser necessário em sua jornada além-vida, ou seja, comida, armas e objetos de uso pessoal. A família continuava cultuando o morto por oitenta dias e, passado este tempo, anualmente, até que se completassem quatro anos de sua morte, quando então ele era esquecido, ou pelo menos deixava de ser cultuado. Pessoas mortas dessa maneira iam para o inferno, serem atormentadas por nove anos, pelo deus Mictlantecuhtli, quando enfim desapareciam para sempre.

A morte na tábua de sacrifícios era digna tanto de salvação, assim como a dos guerreiros, pois os mortos dessa forma iam viver por quatro anos junto com o Sol, de onde regressavam após esse período para reencarnarem como beija-flores. Houve casos em que senhores de escravas destinadas ao sacrifício se apaixonaram por elas e lhes permitiram continuar vivas, no entanto, estas escolhiam morrer na tábua de sacrifícios, esperando serem recompensadas no além-vida. Os sacrifícios, de um modo geral funcionavam assim: o indivíduo era deitado na tábua de sacrifícios e seu peito era aberto pelo sacerdote, com uma faca de sílex. Seu coração era retirado do peito (ainda batendo), oferecido ao deus ao qual o sacrifício estivesse sendo realizado e por fim, jogado numa pira onde seria queimado. Depois, a cabeça do sacrificado era cortada e colocada numa estaca na praça ao lado do Templo do Sol. O corpo era incinerado. Havia também outras formas de sacrifícios, como a descrita no item sobre esportes, mas esta era a mais usual.

Dentre as mortes glorificantes, a mais simples de se compreender era a morte dos guerreiros nos campos de batalha, pois aqueles que morressem lutando seriam salvos instantaneamente, tendo o mesmo fim espiritual dos sacrificados, ou seja, indo morar com o Sol por quatro anos e depois retornando como colibris. Essa crença era claramente induzida nos indivíduos para que não se negassem a lutar até a morte, se fosse preciso.

O mais curioso dentre os tipos glorificantes de morte era a morte relacionada à água. Qualquer um que morresse afogado, por hidropisia, ácido úrico, vítima de raios ou, no caso de mulheres, de parto, não era cremado, mas sim enterrado e passava a ser cultuado como um escolhido de Tlaloc. Tlaloc era muito cultuado devido a aridez do México, sendo assim, ele representava a vida, ou pelo menos a esperança dela. Devido ao seu culto, cultuavam-se também as montanhas, pois como as nuvens de chuva se formavam nos seus cumes, elas eram tidas como moradas de ajudantes de Tlaloc, os Tlaloque.
Por fim, nota-se que crianças pequenas (antes de começarem seus estudos) eram consideradas puras, sendo assim, quando morriam, iam para um jardim florido denominado Tonacaquauhtitlán, onde viveriam por toda a eternidade, sob a forma de pássaros, voando entre flores.

6 – A História Asteca segundo seus períodos e governantes:

Até esta parte de meu trabalho, dediquei-me a colocar o leitor a parte dos costumes e da vida cotidiana do povo Asteca, porém, apesar de ter citado alguns fatos importantes da história de sua civilização, não contei a história de um modo cronológico, o que é fundamental para a compreensão correta dos fatos, sendo assim, é a isso que me remeterei nesta parte: contar a história Asteca desde seus primórdios, em Aztlán, até a chegada dos Espanhóis, a qual dedicarei um item único no final do texto.
Espero que me expresse o menos mal possível e que o leitor não encontre dificuldade em compreender minhas idéias e minha forma de escrever.

6.1 – Aztlán: mito ou realidade?

Segundo a tradição Asteca, seu povo teria vivido por muito anos em Aztlán, uma ilhota situada dentro de um lago a noroeste do México, de onde teriam saído rumo ao planalto Mexicano. Mas será mesmo verdade que os Astecas viveram em Aztlán, ou será lenda?

Por muitos anos vários pesquisadores discutiram (como até hoje ainda discutem) sobre a veracidade da existência de Aztlán, no entanto, dois fatos fazem crer que a mítica ilha tenha realmente existido: numa praia do atual estado Americano da Califórnia, foi encontrada uma estátua que parece ser do deus Uitzilopochtli, a divindade que teria guiado os Astecas em sua marcha, além disso, numa caverna na mesma Califórnia, foram encontrados desenhos (provavelmente Astecas) que mostram homens (chefes de quatro clãs) em marcha, o que prova que, se os Astecas não moravam na Califórnia, ao menos passaram por ela até atingirem o México.

É possível que Aztlán se localizasse num pequeno lago (talvez hoje inexistente, por ter secado) da Califórnia, onde por milhares de anos uma tribo que se reconhecia pelo nome de Mexica viveu. Lá, eles pescavam com redes e viviam de animais lacustres, cercados por uma terra estéril e repleta de perigos, como tribos inimigas e coiotes do deserto.

A população de Aztlán não deve nunca ter excedido duas mil pessoas, sendo que estas estavam divididas em quatro clãs. O chefe de cada clã era como um sacerdote, sendo responsável pelo culto aos ancestrais do clã.
Estes quatro sacerdotes, representado os interesses de seus parentes, se reuniam e, imbuídos de poderes semi-divinos, ou concedidos pelos deuses, organizavam a vida da comunidade.

É provável que em Aztlán tenha surgido o culto a Uitzilopochtli, sendo este o deus central o deus ao qual os quatro clãs estavam submetidos, sendo, portanto, superposto às divindades de cada clã.
O governo de Aztlán é facilmente identificado como sendo uma Oligarquia Teocrática superposta a uma Democracia tribal, pois à medida que os quatro sacerdotes tinham poderes infinitos sobre a população, dentro de cada clã, as decisões eram tomadas de comum acordo e, talvez, com a participação de qualquer adulto, seja homem ou mulher, como é tradicional nas tribos Neolíticas, que era o que os Mexica eram.

Como já me referi, em 1168, Tula, a capital do Império Tolteca, foi destruída, pondo um fim à unidade daquele Império. A notícia da queda se espalhou rapidamente e atraiu tribos dispostas a migrarem para um lugar melhor, para, além de terem melhor qualidade de vida, vislumbrarem a oportunidade de pilhar as riquezas do falido Império Tolteca.

Alguns anos apenas levaram para que a notícia da queda de Tula chegasse a Aztlán. Logo que esta chegou, os chefes da cidade resolveram se por em marcha rumo ao planalto Mexicano.

6.2 – Chicomoztoc, a marcha para o sul:

A marcha dos Mexica para o México ficou conhecida como chicomoztoc, ou seja, "sete cavernas", o que corresponde ao modo de vida da tribo neste período que, seguramente, durou pelo menos um século. É isso mesmo, os Mexica levaram mais de cem anos para chegarem ao México, mas isso porque durante sua longa marcha, se estabeleceram várias vezes (provavelmente sete) em cavernas, nas quais permaneciam por alguns anos se recompondo do trajeto, até colocarem-se em marcha novamente. Numa dessas paradas, é que os Mexica talvez tenham desenhado as ditas figuras nas paredes da caverna e noutra, talvez tenha se abrigado numa caverna à beira mar (hoje submersa), onde teriam feito escultura e, uma delas seria a encontrada.
O fato é que durante sua marcha, os Mexica tomaram contato com outras tribos de língua Nahuatl, que estavam migrando para o México, tribos essas ditas Chichimecas, ou seja, bárbaras.

Tais tribos estavam em diferentes estágios de desenvolvimento e, apesar de algumas provavelmente terem sido agressivas, ocasionando a guerra, a maioria cooperou uma com a outra, sendo assim os Astecas descobriram a agricultura e a escrita, técnicas fundamentais para a vida que passariam a ter quando chegassem no México.

6.3 – Em busca de terra:

Depois de chegarem ao planalto Mexicano, os Mexica foram batizados pelos descendentes dos Toltecas de Azteca Chichimeca, ou seja, os bábaros de Aztlán. Uma corruptela desse nome deu origem à palavra Azteca, que os Espanhóis estenderam Asteca e que hoje, incorretamente, nós colocamos no plural Astecas.

A partir desse batismo, a identidade com o nome se tornou tão grande que os Astecas passaram a se reconhecer como Astecas e passaram a chamar a região que pretendiam dominar de México, ou seja, Terra dos Mexica.
Com o fim de sua longa marcha, por volta de 1300, os Astecas atacaram um pequeno povoado, chamado Chapultepec, às margens do lago Texcoco, e se estabeleceram lá, exterminando sua população original. Em Chapultepec, tinham árvores, peixes do lago, água potável dos rios e tudo mais que não possuíam em Aztlán, porém, não possuíam mulheres suficientes para todos os homens de sua aldeia, por isso, resolveram atacar um povoado Tepaneca e seqüestrar algumas mulheres.

O seqüestro das mulheres Tepanecas colocou os Astecas em guerra com esse povo e, conseqüentemente, com sua aliada, a cidade Tolteca de Colhuacán. Esta cidade se localizava na margem sul do lago Texcoco e, por ser herdeira das tradições Tolteca, se considerava imbuída do dever de proteger o planalto Mexicano dos belicosos Chichimecas, que estavam chegando cada vez em maior número, sendo assim, atacaram os Astecas.

Ao verem que uma grande guerra estava em iminência, os quatro sacerdotes se reuniram e escolheram um chefe militar supremo que, além de comandar os exércitos, ainda resolveria as questões administrativas da cidade com poder absoluto, concedido pelo próprio Uitzilopochtli. Os Astecas deixavam de ser uma Oligarquia Teocrática para serem uma Monarquia Teocrática, e o Rei, não poderia ter outro nome senão um em homenagem ao deus que o nomeara, sendo assim, se chamou Uitziliuitl (Pluma de Colibri). Mais tarde veremos que esse é Uitziliuitl I, o Antigo.

Uitziliuitl chefiou todos os homens adultos (excetos crianças, idosos e os quatro sacerdotes) de Chapultepec numa gigantesca investida armada (há que se notar que o termo gigantesco é curioso, pois numa população de não mais do que três mil pessoas, o contingente total devia ser algo em torno de mil homens) contra Colhuacán.

Colhuacán, herdeira também das tradições militares Toltecas, além de muito mais populosa, levou para guerra um exército muito maior e mais bem armado do que o Asteca, sendo assim, em poucas horas, arrasou o efetivo de Chapultepec, cujos poucos sobreviventes recuaram para a cidade, mas foram seguidos pelos determinados exércitos de Colhuacán.

Chegando em Chapultepec, os exércitos de Colhuacán dizimaram a população, escravizando a maioria e só concordando em não eliminar os Astecas, com a condição de que Uitziliuitl se entregasse. E assim foi feito, o soberano Asteca se entregou e foi levado para Colhuacán, onde morreu na tábua de sacrifícios.
O Rei de Colhuacán ordenou que os habitantes que haviam sobrado em Chapultepec (muitos foram levados como escravos para Colhuacán) fossem divididos em dois grupos. O primeiro grupo poderia continuar na cidade, enquanto o segundo (cada grupo não deveria ter mais do que trezentas pessoas) seria obrigado a reiniciar sua marcha.

Sem um Rei, os Astecas voltaram a ser governados por sua elite sacerdotal, e em marcha, não sabiam para onde ir. Foi então que, em 1325, um dos quatro sacerdotes, Quauhcoatl (Serpente Águia), teve um sonho profético com Uitzilopochtli. Neste sonho, o deus lhe dizia que o melhor lugar par ir era para dentro do lago Texcoco, onde encontrariam ilhas cobertas de bambuzais. Quauhcoatl deveria se embrenhar no bambuzal e, no lugar onde avistasse uma águia sentada sobre uma figueira-do-inferno (ou figueira brava, espécie de cacto que produz figos venenosos) devorando alegremente uma serpente, ele deveria erguer um templo em honra do deus e, ao redor do templo, construir sua cidade.

Na manhã seguinte, Quauhcoatl falou com os outros sacerdotes e mudou o rumo da marcha, dirigindo-a para as ilhas pantanosas do lago Texcoco, a procura do sinal divino. Qual não foi a surpresa dos Astecas quando avistaram a cena com a qual o sacerdote havia fundado, sendo assim, abriram uma clareira e, no local, com os bambus cortados, construíram um templo e ao seu redor, começaram a erguer uma cidade, a qual deram o nome de Tenochtitlán, que significa Cidade da Figueira-do-Inferno.

6.4 – Os primórdios do poderio Asteca:

Situada sobre uma ilhota no lago Texcoco, Tenochtitlán começou a ser a nova casa dos Astecas, não era muito diferente de Aztlán, pois não tinha nem sequer água potável, visto que a água do lago Texcoco era saloba. Nesses primeiros anos (1325 – 1375), a Oligarquia Sacerdotal governou a cidade, que permaneceu incólume em meio às disputas por hegemonia ocorridas entre as 28 cidades estabelecidas às margens do lago. Porém, em 1375, cedendo às pressões de Colhuacán, os sacerdotes aceitaram como seu soberano um príncipe de sua antiga rival, sendo assim, Acamapichtli (Punho de Bambu) foi enviado e sagrado governante de Tenochtitlán.

Praça das três culturas (ruínas do Império Asteca), Cidade do México
No entanto, receosos de que sua cidade caísse nas mãos dos inimigos, os quatro chefes de clãs não aceitaram Acamapichtli como um Rei, com poderes ilimitados como tinha sido Uitziliuitl, mas obrigaram-no a seguir uma série de normas, dentre as quais estava a de respeitar o conselho formado pelos quatro sacerdotes. Tiveram aí início o Tlatocan e o cargo de Tlatoani.
Entre 1375 e 1428, Tenochtitlán teve três Tlatoani, sendo Acamapichtli sucedido por Uitziliuitl II, que através de seu casamento com Miahuaxihuitl, princesa de Quauhnahuac (atual Cuernavaca, cidade produtora de algodão) garantiu para seu povo o algodão para a feitura de roupas mais quentes, próprias para enfrentar o rigoroso inverno do planalto Mexicano.
Uitziliuitl II foi um Tlatoani esplêndido, sendo sucedido por Chimalpopoca (Escudo Fumanete), que por sua fraqueza de atitudes, não foi mais do que um vassalo de Azcapotzalco (cidade herdeira do Império de Teotihuacán), que, através de batalhas, conseguira impor sua hegemonia às demais cidades do lago Texcoco, inclusive à própria Colhuacán.

Em 1428, Chimalpopoca foi assassinado por uma conspiração de Azcapotzalco, que visava implantar um Monarca descendente da monarquia da cidade em cada uma das cidades da beira do lago Texcoco.

6.5 – O advento de Itzcoatl:

Se cada civilização Antiga tem um governante herói, sem dúvidas o dos Astecas foi Itzcoatl (Serpente Obsidiana). Ele assumiu o posto de Tlatoani logo após o assassinato do fraco Chimalpopoca. Quando de sua sagração, a situação estava calamitosa, a mais poderosa cidade da margem oriental do lago, a cidade de Texcoco estava sem seu soberano (o famoso Nezaualcoyotl), que havia sido perseguido por um destacamento de Azcapotzalco até montanhas no norte, onde estava refugiado, sem ter como resistir, Tenochtitlán estava com os dias contados, por isso, muitos na cidade se tornaram partidários da rendição de Itzcoatl a Tezozomoc, soberano de Azcapotzalco.

No entanto, o Tlatoani Asteca ainda via uma possibilidade para seu povo. Secretamente, enviou tropas até a montanha onde Nezaualcoyotl se escondia das tropas inimigas, estas, sendo pegas de surpresa, foram destruídas e o Rei de Texcoco foi libertado e conduzido em segurança até sua cidade.
Com seu Rei novamente em casa, a população de Texcoco se animou e aliou-se a Tenochtitlán, formando um poderoso exército.
Quando os exércitos de Azcapotzalco atacaram Tenochtitlán, as tropas combinadas dos Astecas e de Texcoco os derrotaram, sendo assim, Itzcoatl ganhou status de semi-divindade, o que lhe permitiu aumentar ainda mais seu exército, tendo agora o apoio maciço de sua população (agora por volta de cinqüenta mil pessoas, dentre os quais um terço em condições reais de lutar).
Texcoco e Tenochtitlán se reuniram sob o comando de seus governantes, Nezaualcoyotl e Itzcoatl, e partiram para uma ofensiva direta contra Azcapotzalco. Chegando na cidade, derrotaram o restante das tropas, mataram o Rei Tezozomoc e conquistaram-na.

Depois de tamanha proeza militar, Itzcoatl e Nezaualcoyotl resolveram estabelecer uma aliança permanente para evitar possíveis tentativas de crescimento de outras cidades. Para ajudar em seu plano, os dois soberanos convenceram a cidade de Tlacopán, a mais forte dentre as cidades do planalto Mexicano (aquelas 28 que citei) a se juntar a eles naquela Aliança, sendo assim, criou-se a chamada Tríplice Aliança, entre Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopán. Juntos os exércitos das três cidades começaram a expansão de seus domínios impondo pesados tributos às regiões submetidas. Desses tributos, 2/5 iam para Tenochtitlán, 2/5 para Texcoco e apenas 1/5 para Tlacopán, pois esta cidade havia ingressado na Aliança depois e, além do mais, era mais fraca militarmente.

6.6 – A expansão, o Império e as colônias:

Os Astecas, logo após submeterem Azcapotzalco ao seu domínio, começaram a expandir sua área de poder, formando em pouco tempo, um verdadeiro Império. Na realidade, um Império não precisa necessariamente ter um Rei ou Imperador, o que precisa é ter regiões que lhe sejam submissas e que sejam tratadas com desigualdade em relação ao centro do Império, ou seja, a região que impõe o domínio.
Entretanto, o Império Asteca tinha muitas características diferentes dos principais Impérios do Velho Mundo. Pra começar, os Astecas não estavam nem um pouco interessados em submeter extensas regiões a um domínio político que seria, além de muito oneroso, muito difícil de ser mantido, ao contrário, eles queriam apenas obrigar povos distantes a prestar culto a Uitzilopochtli e Tlaloc, além de pagar tributos à Aliança, sendo assim, os antigos governantes das regiões conquistadas eram mantidos em seus cargos, com todos os seus títulos, poderes e pompa, sendo unicamente obrigados a pagar tributos e prestar culto. De uma maneira aproximada, esta forma de domínio é parecida com a forma que os EUA mantém sobre diversos países, pois mesmo não os obrigando a pagar tributos e não os tendo conquistado pela força das armas (pelo menos não na maioria dos casos), os EUA fazem pressões financeiras, ameaças de boicotes, ameaças de invasões, além do controle financeiro exercido através de instituições como o FMI, a ONU e o Banco Mundial, sendo assim, apesar de os países manterem sua autonomia política, sua economia fica totalmente dependente dos EUA, assim como os Astecas faziam com os dominados.

Os tributos eram enviados geralmente em espécie, ou seja, não era empregada a moeda (sementes de cacau) neste pagamento. Cada região enviava para a Aliança o que produzia, desde algodão até alimentos, plumas, pedras preciosas, peles de animais, pedras, madeira, ouro e prata, animais e até armas. Dependendo do tipo de tributo enviado, a quantidade de vezes por ano era determinada, podia ser uma vez por anos, duas, três quatro, variava.
Além da semelhança com os EUA, o domínio Asteca também tinha semelhanças com o Romano, isso porque, apesar de não dominar as regiões efetivamente (como faziam os Romanos), eles também construíam colônias militares em pontos estratégicos de seus domínios. Quando os Espanhóis chegaram, havia mais de trinta colônias militares espalhadas por todo o México.

Diferentemente das colônias da era Moderna, das quais o Brasil e o próprio México são exemplos, as colônias antigas, como a Jônia e a Magna-Grécia dos Gregos, e as diversas praças fortes dos Romanos, não tinham o objetivo de alcançar lucros, porém, também não eram exatamente como as colônias do norte do EUA (exceto pela Jônia e Magna-Grécia, que foram realmente colônia de povoamento), pois elas não tinham a finalidade de receber pessoas expulsas de seu país natal, ao contrário, elas recebiam homens que iam morar nelas com suas famílias e viver de sua produção (até aí semelhante às colônias de povoamento), mas seu intuito era servir o Império, sendo um forte, bastião em meio às terras dominadas, para impedir revoltas, fiscalizar o pagamento correto dos tributos e informar alguma eventualidade com rapidez e eficácia.

6.7 – República sim, Teocracia não:

Acredito que até este ponto do texto, o leitor já tenha compreendido porque os Astecas eram uma República, no entanto, caso não tenha, agora explicarei melhor agora e, para os que entenderam, também é interessante a leitura deste trecho, pois aqui explicarei como Tenochtitlán se tornou uma República de fato.

De Acamapichtli até Chimalpopoca, Tenochtitlán funcionou precariamente como uma República, isso porque a autoridade externa, na ânsia de se fazer valer entre os Astecas, ajudava os Tlatoani a serem mais poderosos que o Tlatocan, sendo assim, eles acabavam fazendo-se de Reis e a cidade vivia um meio termo entre República e Monarquia, com oscilações para ambos os lados.
Com o advento de Itzcoatl, as pressões externas acabaram, mas como o Tlatoani havia conclamado o povo a lutar, mesmo a contragosto do Tlatocan, ele havia se fortalecido, o que fez de Itzcoatl um verdadeiro Rei, amado e respeitado pelo povo como tal.

Porém, com a morte de Itzcoatl, em 1440, o Tlatocan viu uma chance de restaurar seu poder perdido, sendo assim, quando Motecuhzoma I (O Arqueiro que Flecha o Céu, ou Aquele que se Zanga como Senhor) assumiu o cargo de Tlatoani, recebeu muita pressão do Tlatocan para realizar reformas administrativas. Vendo, porém, que a autoridade do Tlatoani parecia inabalável, o Tlatocan resolveu apelar para o povo, sendo assim, na esperança de reaproximar o povo do governo, se livrar do despotismo do governante.

Sendo assim, o Tlatocan criou o Grande Conselho, do qual faziam parte a elite militar (para dar o respaldo da força), a elite clerical (para dar os respaldo dos deuses) e a elite popular (para dar o respaldo das massas). Com a ajuda do Grande Conselho, o Tlatocan conseguiu obrigar Motecuhzoma I a se submeter e, além disso, a dividir seu poder com mais uma pessoa, pois um poder dividido é mais fácil de ser controlado. Cedendo às pressões, por medo de ser deposto, Motecuhzoma I aceitou o Tlatocan e o Grande Conselho como órgãos verdadeiramente detentores do poder e passou a ser, junto com seu irmão Tlacaeleltzin, eleito o primeiro Ciuacoatl, o representante vitalício desse poder.

As criações do Grande Conselho e do cargo de Ciuacoatl foram responsáveis por uma sensível diminuição dos poderes do Tlatoani, no entanto, foram também os verdadeiros responsáveis pela condição Republicana a qual se submeteu definitivamente o Império e também, por que não, tenham sido os grandes responsáveis pela manutenção do Império, uma vez que a organização das outras cidades, governadas por um Rei, não lhes permitiria uma fácil ascensão, visto que um Rei pode encontrar forte oposição, enquanto que as decisões do Grande Conselho são irrefutáveis, pois partem (em termos) do próprio povo, através de seus representantes.

Todas as características acima citadas refletem claramente o fato de o Império Asteca ter sido uma República, inclusive, em moldes parecidos com a Romana, onde os Cônsules apenas não tinham mandatos vitalícios, mas sim anuais, mas onde o poder emanava do Senado, instituição que (pelo menos em teoria) era representante do povo.

Após a morte de Nezaualcoyotl, em 1472, depois de um governo de 44 anos, Axayacatl (Rosto da Água), o Tlatoani que sucedeu Motecuhzoma I, em 1469, passou a preponderar dentro da Tríplice Aliança, na verdade, ele escolheu Nezaualpilli, um dos filhos de Nezaualcoyotl, para suceder o pai, sendo assim, os Astecas passaram a ditar as regras dentro de Texcoco, que deixou de ter qualquer poder efetivo para ficar relegada a capital das artes, da cultura e do direito, este último sendo um prêmio de consolação pela perda de toda influência político-militar, no entanto, o sumo juiz era o Ciuacoatl de Tenochtitlán.

Quanto a Tlacopán, ainda no governo de Motecuhzoma I, a cidade passou a ser relegada a um plano muito inferior ao de Texcoco e Tenochtitlán, na realidade, passou a ser tratada como uma verdadeira vassala de Tenochtitlán, não tendo mais nenhuma importância dentro da Aliança.

6.8 – O apogeu e as Guerras Floridas:

Após o governo de Axayacatl, que se encerrou com sua morte, em 1481, foi eleito Tizoc (Aquele que se Sangra), que teve o mais curto dentre os cinco grandes governos Astecas: apenas cinco anos.

No governo de Tizoc, houve muitas pressões tanto do Tlatocan, quanto do Grande Conselho, além de revoltas e descontentamento popular, toda essa situação confusa dentro do esplendoroso Império levou Tizoc, que assumiu em 1481, a cometer suicídio em 1486, sendo assim, seu nome lhe coube como uma luva.

Depois do desastroso governo de Tizoc, o Império se enfraqueceu e teria desmoronado se não fosse o poder e carisma de Auitzotl (Monstro Aquático), o novo Tlatoani eleito. Para lhe conceder o medo e o respeito da população, o governante adotou o nome do monstro que os Astecas acreditavam que habitava as profundezas do lago Texcoco e que devorava pessoas que mergulhavam nele (era um mito para explicar o desaparecimento de alguns corpos de pessoas afogadas).

Auitzotl (o Tlatoani, não o monstro), teve que reconquistar todas as regiões que haviam se rebelado no governo de Tizoc, mas além disso, expandiu muito o Império, deixando-o quase do tamanho que era quando os Espanhóis chegaram.

O feito mais importante de Auitzotl, no que diz respeito à expansão militar, foi a fundação da colônia de Xoconochco, uma região muito distante do corpo Imperial, bem no seio dos territórios Maias, que foi colocada sob a administração Asteca. Além de a região servir como futura base para uma futura investida contra o Reino de Tototepec, o vizinho meridional do Império, ainda servia de estalagem para os negociantes que viajasse além do Istmo de Tehuantepec e para uma possível investida contra os Maias da península de Yucatán. Realmente Xoconochco foi a maior conquista Asteca, e teve grande participação dos Negociantes (Pochteca), que por abrirem caminho entre os inimigos, possibilitaram a passagem dos exércitos.

Com toda certeza, no governo de Auitzotl, o Império Asteca atingiu seu apogeu. Nesta época, o exército desenvolveu uma diplomacia militar que se provou eficiente por várias vezes em evitar batalhas. A diplomacia funcionava da seguinte maneira: quando a Tríplice Aliança (a esta altura apenas uma ficção totalmente dominada por Tenochtitlán) desejava dominar uma nova cidade, então, três destacamentos de embaixadores visitavam a cidade. O primeiro era composto por oficiais de Texcoco, que faziam à cidade a proposta de pagar tributos pacificamente à Tríplice Aliança, a segunda, era uma embaixada de Tlacopán, que recebia a resposta da proposta feita pela primeira, caso a resposta fosse negativa (o que acontecia na maioria das vezes), essa missão refazia-a, então, depois de alguns dias, chegava à cidade uma embaixada de Tenochtitlán, com um grande carregamento de armas. Esta embaixada recebia a nova resposta e, caso fosse negativa, ela entregava as armas à cidade (para que esta pudesse se proteger) e marcava um dia para que a cidade fosse atacada.

No dia marcado, um exército da Aliança chegava à cidade, cercava-a e, geralmente em pouco tempo submetia-a ao seu domínio.

No governo de Auitzotl o grande templo recebeu sua última ampliação, ficando da maneira que os Espanhóis o encontraram, também em seu governo, a capital Asteca atingiu uma população recorde, (segundo Jacques Soustelle) mais de 500 mil e menos de um milhão de habitantes, ou seja, algo entre 750 mil habitantes vivendo em ilhas do lago Texcoco, mas como é possível sendo que uma ilha é um local limitado geograficamente?

Bem, os Astecas desenvolveram uma técnica que utilizaram para expandir Tenochtitlán consideravelmente, essa técnica consistia em fincar estacas no fundo do lago, uma bem próxima da outra, de modo a formarem uma espécie de barragem, depois, a água de dentro da estacas era drenada e em seu lugar era colocado lodo do fundo do lago, sendo assim, uma ilha artificial era criada. Nesta ilha (de onde as estacas nunca eram retiradas, para evitar desmoronamentos), só era possível fazer construções de pedra no centro, ficando as beiradas reservadas para construções de madeira e bambu, e também para o cultivo, ou seja, para fazendas. Graça a essa técnica, Tenochtitlán se expandiu (mesmo na área total da cidade) muito, chegando a se unir numa cidade só com uma ilha que inicialmente ficava bem distante: Tlatelolco, o maior mercado do México, anexado a Tenochtitlán por Axayacatl, em 1469, primeiro ano de seu governo.

Depois da rápida e brutal reconquista e expansão do Império promovida por Auitzotl, houve um longo período de relativa paz, que fez com que começassem a rarear os sacrifícios, uma vez que só os escravos eram sacrificados e, sem guerras, não havia escravos, sendo assim, a República precisava achar uma saída.

Voltou-se então a atenção para um dos quatro Reinos independentes (Tlaxcallan, Yopitzinco, Metztitlán e Teotitlán (este último era o único que mantinha relações amigáveis com Tenochtitlán)) incrustados no coração do Império: Tlaxcallan.

A exemplo de Tenochtitlán, Tlaxacallan era uma República Aristocrático-Militar, cuja capital era a cidade de Tlaxcala. Situavam-se relativamente perto do núcleo Imperial e constituíam a maior e mais perigosa "clareira" Imperial. Os Tlaxcaltecas, como eram conhecidos os habitantes de Tlaxcallan eram muito belicosos e hábeis arqueiros e guerreiros. Não se sabe ao certo se os Astecas nunca conseguiram ou nunca quiseram dominar Tlaxcallan, o fato é que quando a escassez de escravos para sacrifícios se iniciou, foi em Tlaxcallan que Tenochtitlán encontrou sua salvação. Em acordo com os governantes da República, os Astecas organizaram as chamadas Guerras Floridas, ou seja, disputas com caráter intermediário entre guerra e competição desportiva, onde o objetivo era apenas capturar inimigos vivos para o sacrifício, sendo assim, os Tlaxcaltecas capturavam alguns Astecas para sacrificarem a seus deuses e os Astecas, por sua vez, capturavam muitos Tlaxcaltecas para suprir a falta de escravos que lhes afligia.
É possível que mais do que a escassez de sacrifícios, o que tenha motivado os Astecas a realizarem as Guerras Floridas, tenha sido a seca que se abateu sobre o México, seca esta que foi interpretada como um castigo divino pela falta de sacrifícios.

É interessante notar que num dia comum em Tenochtitlán, ocorriam pelo menos dez sacrifícios, às vezes até mais. Em dias de festividades (que eram freqüentes, pelo menos uma por mês, e havia 18 meses), chegavam a morrer cerca de mil pessoas nas tábuas de sacrifícios Astecas.

6.9 – Montezuma e a volta de Quetzalcoatl:

Em 1503, depois de grandes façanhas realizadas em 17 anos de governo, Auitzotl morreu. Para ocupar seu posto, foi eleito seu filho Motecuhzoma II. Motecuhzoma II governou o México com pulso de ferro, era um homem duro, frio, mas ao mesmo tempo temeroso ante seus deuses. Conseguiu se fazer respeitar como o único soberano do México, desfazendo a Tríplice Aliança e assumindo para Tenochtitlán as funções das três cidades definitivamente, colocando, de fato, Texcoco e Tlacopán sob a condição de suas vassalas.

O Toucado de Montezuma

Motecuhzoma II expulsou de Texcoco Ixtlilxochitl, filho de Nezaualpilli, e principal pretendente ao trono do pai, pelo simples fato deste não aceitar a subserviência a Tenochtitlán. Se é que se pode aplicar a Motecuhzoma II a mesma frase que se aplica a Luís XIV, da França, ele "deitou na cama preparada por seus antecedentes", em especial por Auitzotl. De fato, ele foi o mais poderoso (não em termos de se sobrepor ao Tlatocan e ao Grande Conselho, coisa que ele nunca fez) governante que o México teve, depois de Itzcoatl.

Para o povo de Tenochtitlán, era quase uma divindade, não se podia encara-lo (a menos que se tivesse assento no Grande Conselho), suas roupas eram inutilizadas após seu uso, tudo o que ele tocava era considerado imbuído de uma energia pessoal e destrutiva a qualquer outra pessoa e, portanto, destruído. Quanto às regiões dominadas, eram poucas as que gostavam de Motecuhzoma II, mas nenhuma ousava desrespeita-lo e, por não terem ciência da existência do Ciuacoatl, nem tão pouco da organização política do Império, tomavam-no por Rei, o Rei dos Reis do México.
Porém, o Tlatoani também era muito espiritualizado e, por volta de 1512, começou a receber auspícios de que uma tragédia estava por ocorrer.
O maior medo do governante sempre foi que Quetzalcoatl retornasse para usurpar-lhe o poder, talvez por isso, ele tenha tido as visões que as crônicas Astecas dizem que teve.

Em 1518, coisas estranhas começaram a ocorrer, muitas pessoas acordavam durante a noite, em Tenochtitlán, com o som de uma mulher chorando por seus filhos mortos, enquanto isso, Motecuhzoma II avistava um cometa no céu. Pouco antes dos Espanhóis chegarem, levaram a Motecuhzoma II um estranho pássaro sem rosto, no lugar de um rosto, o pássaro tinha um espelho. Ao olhar no espelho, o Tlatoani viu guerreiros diferentes montando em animais nunca vistos, quando chamou seus sacerdotes para decifrarem o presságio, o pássaro desapareceu. É verdade que muitas dessas histórias são posteriores à conquista e provavelmente frutos da imaginação de indivíduos que vivenciaram o colapso de seu povo, mesmo assim, deve ser levado em conta que, desde 1492, com a viagem de Cristóvão Colombo, que a movimentação nas ilhas do Caribe é freqüente. Primeiro ocorreram contatos, depois a conquista de populações inteiras.

É verdade que os Astecas não tinham contato direto com tais populações, mas não é impossível especular a respeito de uma disseminação de informações, uma vez que quase quinhentos anos antes, quando Tula foi destruída, a notícia se espalhou tão longe que atraiu até mesmo os próprios Astecas de sua longínqua Aztlán até o México. Sendo assim, por que uma notícia ainda mais perturbadora; como achegada de seres estranhos, de pele clara, vindo do mar em embarcações gigantescas, montando cavalos (que aos olhos de quem nunca os havia visto pareciam mais bestas infernais) e atirando com estrondosas armas de fogo, capazes de matar dezenas em poucos instantes; não poderia ter sido disseminada até uma região nem tão longínqua?

Bem, na verdade há muito que os Astecas sabiam da existência de fenômenos como o aparecimento de indivíduos estranhos nas costas de Yucatán, isso porque, Colombo (que morreu na América julgando estar na Índia), em 1502, cruzou com um barco mercante Maia, carregado de tecidos, cacau e machados de cobre, além disso, em 1512, dois Espanhóis sobreviventes de um naufrágio foram parar em Yucatán, onde foram aprisionados pelos Maias, um destes (de nome Guerrero), inclusive, veio a ser tornar um "cacique" Maia. Em 1517, uma expedição Espanhola, liderada por Francisco Hernández de Córdoba, desembarcou na península de Yucatán, onde foi duramente repelida, sendo que dos 110 integrantes da expedição, 57 morreram, inclusive o próprio Francisco. Sendo assim, devido a tantos contatos, é muito pouco provável que os Astecas não estivessem sabendo das movimentações em suas costas, o que nos comprova que as ditas visões de Motecuhzoma II poderiam ser no máximo pesadelos causados pela angústia do inesperado.

Se mesmo com todos os contatos anteriores os Astecas ainda permanecessem ignorando a movimentação Espanhola, em 1518, pelo menos, eles deixaram de ignorá-la, com certeza, pois uma expedição liderada por Juan de Grijalva, desembarcou em Tuxpan, cidade litorânea do império Asteca, onde fez contato com os habitantes que lhe deram objetos de ouro, como presente, além de proferirem várias vezes a palavra "México! México!", ou seja, o nome de seu país, o nome do Império Asteca.

7 – A conquista do México:

Hernán Cortez Não se sabe se por coincidência, ou por caso pensado, mas a primeira hipótese é mais provável, os Espanhóis, liderados por Hernán Cortez desembarcaram em Tuxpan, em 1519, o ano previsto para uma possível volta de Quetzalcoatl. É bom que se saiba que o número 52 era muito importante para o culto Asteca, uma vez que além de ser o denominador das cerimônias do Fogo Novo, ainda era (em outra seqüência de anos) o denominador da possível volta de Quetzacoatl. Sendo assim, Hernán Cortez teve uma ajuda extra em sua campanha: o medo e a religiosidade de Motecuhzoma II. 7.1 – Cortez, o fiel servo de Deus e do Imperador: Quase tudo o que se sabe sobre Hernán Cortez é devido às cartas que remeteu a Carlos V, Rei da Espanha e Imperador do Sacro Império Romano-Germânico (do qual a Espanha fazia parte, aliás, como Rei da Espanha ele era Carlos I, seu título Carlos V era como Imperador).

Foram cinco cartas no total, sendo que destas, algumas se perderam durante o tempo, entretanto, a segunda e mais importante permanece intacta, e é ela que nos conta como Cortez conquistou o Império Asteca.
Pois bem, no dia 10 de fevereiro de 1519, o Capitão Espanhol, depois de muito insistir com Carlos V, conseguiu a autorização para partir rumo a conquista do chamado Yucatán (nome pelo qual os Espanhóis designavam toda Mesoamérica, uma vez que ainda não tinham a plena consciência de que o Yucatán era apenas uma península desta), e foi o que fez. Deixou Cuba neste mesmo dia, levando com sigo um exército de porte médio e relativamente bem armado (508 soldados de infantaria (incluindo besteiros) 16 cavaleiros e 14 arcabuzeiros).

Rotas das tropas de Cortez

Cortez atingiu primeiramente a própria península de Yucatán, que, como sabemos, não pertencia ao território Asteca, ao contrário, era habitada por Maias. Lá, Cortez realizou expedições as quais culminaram na libertação de Aguilar (um dos dois náufragos que haviam sido presos pelos Maias).
Apenas em abril, o grupo chefiado por Cortez chegou aos domínios Astecas, desembarcando em Tuxpan, que eles denominara Vila Rica de Vera Cruz (é importante notar que os Espanhóis tendiam a ignorar o nome indígena das cidades, sendo assim, rebatizavam-nas com nomes de cidades da própria Espanha, ou então com nomes que lembrassem riquezas ou santos da Igreja Católica). De lá, eles rumaram para o sul, tento atingido Cempoal (que batizaram de Sevilha) e depois uma região onde começaram a construção de um forte, que depois se tornou a cidade de Vera Cruz (não confundir com Vila Rica de Vera Cruz).

Com efeito, os Espanhóis permaneceram quatro meses nessas três cidades, tendo se fortalecido ali para, de lá, iniciarem a conquista do México. Nos quatro meses em que permaneceram junto a costa, Cortez e os seus tiveram que impedir a tentativa de Francisco Garay, governador da Jamaica, de iniciar também uma campanha de conquista daquela mesma região.

Em Vera Cruz, Cortez recebeu enviados de Motecuhzoma II (tais enviados eram o Uey Calpixqui da região, que vivia na cidade de Cuetlaxtlán e seus comandados), que lhe deram presentes de todos os tipos, além de lhe falarem da grandeza e riqueza do Império, bem com de sua capital: Tenochtitlán.
A visita do Uey Calpixqui aguçou a cobiça do Espanhol que começou a organizar sua partida em pouco tempo, mandando vir de Cuba e da Jamaica tudo o que precisasse, além de começar a fazer sua grande descoberta, aquela que seria fator decisivo para a conquista.

7.2 – A Política de Alianças:

Em suas andanças pela península de Yucatán, Cortez recebeu como presente várias coisas, dentre elas, algumas escravas (encarregadas de satisfazerem o apetite sexual dos Espanhóis), dadas pelo chefe de uma cidade batizada de Tabasco. Dentre estas escravas estava Malintzin (que depois foi batizada e recebeu o nome de Marina, Cortez se casou com ela e teve um filho: Don Martín Cortez), a filha de um chefe Maia, que havia sido escravizada quando caiu prisioneira de um rival de seu pai. A dita índia era muito inteligente e culta, tanto que falava Maia e Nahuatl (a língua oficial do Império Asteca). Logo Cortez percebeu que utilizando Aguilar (o ex-prisioneiro que por ter ficado sete anos em poder dos Maias havia aprendido sua língua) e Malintzin juntos, ele poderia conversar com os chefes das cidades tributárias Astecas.
Conversando com os chefes das cidades de Cempoal e Tuxpan (que como foi dito já haviam sido conquistadas e renomeadas), Cortez percebeu que eles não seguiam o Império Asteca por amor, por patriotismo, mas sim que eram vassalos obrigados pela força. Esta descoberta mudou os rumos da campanha que Cortez estava prestes a iniciar, pois o conquistador percebeu que poderia utilizar os índios desgostosos do domínio Asteca para engrossar suas fileiras.
Foi exatamente isso que o Espanhol fez, em 16 de agosto de 1519, após quatro meses no litoral, ele partiu de Cempoal com destino certo: Tenochtitlán.

Em sua jornada, Cortez levou 15 cavaleiros, 11 arcabuzeiros, 260 soldados e 40 besteiros, além de alguns senhores principais de Cempoal, bem como escravos e escravas que lhes faziam comida e prestavam serviços.
Com este pequeno numerário, iniciou sua marcha, sempre demonstrando aos nativos um caráter de libertador, de salvador, o que fez com que dentro em pouco tempo, mais de setecentos índios já o seguissem como tropas de apoio. Quando estava próximo de Tlaxcallan, mensageiros de Motecuhzoma II vieram vê-lo e lhe disseram que não passasse pelo meio daquela região, pois os de Tlaxcallan eram inimigos de sua gente e os Espanhóis seriam maltratados. Porém, os de Cempoal eram aliados de Tlaxcallan e, sendo assim, afirmaram que Cortez poderia ir tranqüilamente por dentro de suas terras. Preterindo o conselho dos mensageiros Astecas em relação ao de seus aliados de Cempoal, Cortez resolveu ir pelo meio de Tlaxcallan.

Quando já estava próximo da capital, Tlaxcala, o efetivo do Capitão se deparou com mais de cinco mil índios Tlaxcaltecas, todos prontos para a batalha. Os índios começaram a atacar e em pouco tempo mataram dois cavalos e feriaram outros três, além de ferirem três pessoas. Cortez ficou apavorado com o fato de estar sendo agredido com flechas e pedras por selvagens em meio às suas terras, sendo assim, enviou dois senhores de Cempoal como mensageiros à capital Tlaxcalteca.

Ao cair da noite, os dois voltaram machucados e chorando, dizendo que tinham sido presos e que só estavam vivos porque tinham conseguido fugir. Dentro dessas condições de hostilidade, Cortez resolveu atacar os inimigos e, no dia seguinte, houve nova batalha entre Espanhóis e Tlaxcaltecas (é interessante que se note que o efetivo Tlaxcalteca nos é fornecido pelo próprio Cortez, sendo assim, temos fortes razões para suspeitar que o Capitão exara na quantidade de seus oponentes para, com isso, engrandecer sua vitória). Cortez e seus aliados indígenas venceram a batalha e durante a noite queimaram povoados, fazendo mais de quatrocentos prisioneiros. No outro dia, mais de 150 mil (difícil de acreditar num número tão grande) índios de Tlaxcallan atacaram o acampamento Espanhol, sendo que chegaram mesmo a enfrentar os Espanhóis e seus aliados no combate corpo-a-corpo. Mais difícil de acreditar é o fato de que em apenas quatro horas, os Espanhóis dominaram a situação, expulsando os inimigos todos e, o mais incrível, sem sofrer nenhuma perda, ou qualquer dano (é óbvio que o contingente inimigo era muito menor do que o relatado, com certeza, deveria ser, no máximo, sete ou oito mil, ainda assim um número fabuloso, visto que os Espanhóis e seus aliados juntos não chegavam a 1500).

Em represália a tal atitude, Cortez continuou invadindo povoado à noite e queimando casas. Depois de queimarem dez povoados, os de Tlaxcallan vieram pedir trégua. Porém era apenas uma trégua falsa, na medida em que o que desejavam realmente era fazer os Espanhóis acreditarem em sua lealdade e, numa noite atacarem e destruírem-nos. Porém, Cortez descobriu o plano e além de cortar as mãos de cinqüenta índios, como forma de aviso, ainda fez com que os homens de Sicutengal, um general de Tlaxcala batessem em retirada, com medo de seus cavalos. Depois disso, o Capitão Espanhol realizou uma marcha triunfal por toda Tlaxcallan, fazendo-se aceitar como aliado e, por fim, recebeu vassalagem da capital, Tlaxcala, indo se estabelecer lá.

7.3 – La Noche Triste:

Como já se sabe, Tlaxcallan não pertencia ao Império Asteca, sendo uma República inimiga deste e incrustada em seu coração. Na região existiam cerca de quinhentos mil guerreiros (mais ou menos 1,5 milhão de habitantes). A capital, Tlaxcala, é descrita por Cortez como sendo a segunda mais bela cidade do México (perdendo apenas para Tenochtitlán, que a essa altura, ele ainda não conhecia, mas que, como veremos, veio a conhecer depois). Devido ao ódio que os Tlaxcaltecas alimentavam em relação aos Astecas, em pouco tempo, a conquista do Império se tornou uma empresa Hispano-Tlaxcalteca.
Depois de alguns dias hospedado em Tlaxcala, nos quais ficou se recuperando da marcha e das sucessivas batalhas, Cortez resolveu recolocar-se em posição de marcha. Foi seguido, além de seus antigos seguidores, por cerca de cem mil índios de Tlaxcallan, dos quais, apenas seis mil foram realmente determinados a segui-lo até Tenochtitlán.

No caminho para Tenochtitlán, os Espanhóis (já tendo deixado Tlaxcallan) foram recebidos em Churultecal (ou Cholula), onde a mando de Motecuhzoma II, haviam armado uma emboscada, porém, Cortez descobriu e conseguiu se desvencilhar, fazendo a cidade também se tornar sua aliada.
Saindo de Churultecal, o Capitão retomou sua marcha para a capital Asteca, agora guiado por mensageiros do próprio Motecuhzoma II, que, apesar de terem pedido desculpas pelo ocorrido, continuavam a rogar aos Espanhóis que não fossem a Tenochtitlán, sempre afirmando que a cidade era muito pobre e que Cortez e os seus iriam passar necessidades nela.

Cortez, no entanto, continuava determinado em ir até lá e, em 8 de novembro de 1519, finalmente chegou a Tenochtitlán. Logo na entrada da cidade foi recebido por Motecuhzoma II, que o saudou beijando o chão. Cortez presenteou-o com um colar de diamantes e foi presenteado com um colar de ouro. O Tlatoani Asteca conduziu os Espanhóis até seu palácio (que fora construído por Axayacatl), onde estes se instalaram e onde Motecuhzoma II se tornou uma espécie de prisioneiro de Cortez.

O Capitão entendeu por bem manter o Tlatoani Asteca livre, mas vigiado de perto, de modo que não pudesse dar nenhuma ordem nem preparar nenhuma emboscada sem que os Espanhóis soubessem (entendamos que Cortez não conseguiu perceber a verdadeira organização política Asteca, sendo assim, acreditava que Motecuhzoma II (a quem ele chamava Montezuma) fosse um Imperador com caráter divino, assim como os Faraós do Egito antigo).
Motecuhzoma II impediu que os seus tomassem qualquer tipo de atitude contrária aos Espanhóis, pois tinha a plena convicção de que se tratavam de enviados de Quetzalcoatl (uma vez que Cortez sempre dizia que vinha em nome de Carlos V, seu grande senhor, Imperador ao qual todos se curvam, Motecuhzoma II acreditou que Carlos V fosse Quetzalcoatl e que Cortez fosse seu enviado). Para essa crença, contribuíram várias coisas, por exemplo, a proibição da realização de sacrifícios humanos pelos Espanhóis (como vocês devem se recordar, Quetzalcoatl proibia sacrifícios, os quais só se generalizaram quando este foi expulso por Tezcatlipoca), a destruição dos ídolos Astecas e a sua substituição por imagens de Cristo e Nossa Senhora (as quais os Astecas não conheciam e julgavam ser de Quetzalcoatl, uma vez que não havia uma padronização para a representação das entidades divinas dentro do Império, sendo que cada cultura as representava de uma forma), além da confirmação de Cortez, pois este, assim que soube que Motecuhzoma II o confundira com seu deus, fez com que acreditasse que estava certo, ou seja, que Carlos V era Quetzalcoatl e que ele, Cortez, era seu enviado.
Por quase oito meses esta situação perdurou, ou seja, Motecuhzoma II preso e acreditando piamente que seus algozes eram divindades e os Espanhóis, por sua vez, roubando tudo de valioso que encontravam.

No final de maio de 1520, Cortez teve que sair de Tenochtitlán, deixando lá muito dos seus, chefiados por Alvarado. O motivo que levou o Capitão a deixar a capital Asteca foi a chegada, a Vera Cruz, de Pánfilo de Naváez, um enviado de Diego Velásquez, para conquistar o que Cortez já havia conquistado. Cortez foi combater seu adversário, o qual não levou muito tempo para neutralizar e expulsar.

Porém, enquanto Cortez estava fora, Alvarado, temeroso do clima de insatisfação que havia se instalado entre a aristocracia Asteca devido ao longo cativeiro de seu Tlatoani, acabou por cometer um grave erro. No começo de junho, os Astecas se reúnem para celebrar a festa de Uitzilopochtli, a principal festa divina de Tenochtitlán, sendo assim, saem às ruas com suas roupas de festa e realizam uma grande procissão. Alvarado pensou que as plumas e a procissão indicassem uma movimentação no sentido de atacar os Espanhóis, sendo assim se lançou contra o povo, realizando uma grande matança.

Sem saber, Alvarado matou muitos membros do Grande Conselho, o que provocou a tristeza geral do povo e a indignação do Ciuacoatl e do Tlatocan. Estes se reuniram na mesma noite, junto com o que restou do Grande Conselho e depuseram Motecuhzoma II, acusando-o de colaborar para o fim do Império. Para o seu lugar, nomearam Cuitlahuac, seu irmão, que junto com seu filho, Cuauhtemoc (eleito Tlacateccatl, ou seja, o membro do Tlatocan que é responsável pelo comando das tropas), iniciou um ataque maciço à base dos Espanhóis.

Cuauhtemoc sempre fora um guerreiro, antes de ter sido eleito para o Tlatocan, havia sido um grande Guerreiro-Jaguar, sendo muito respeitado e amado pelos exércitos. Sendo assim, sob sua liderança, os Astecas destruíram quase todas as pontes que ligavam Tenochtitlán às margens do lago (o que impedia os Espanhóis de fugirem) e começaram a sitiar o castelo de Axayacatl (onde Motecuhzoma II e os Espanhóis estavam alojados).

Quando soube do ocorrido, Cortez (que já havia derrotado Narváez) retornou às pressas para Tenochtitlán, onde teve que forçar sua entrada. Chegando lá, não sabia que Motecuhzoma II havia sido deposto (inclusive, nem mesmo Motecuhzoma II sabia), sendo assim, pediu a ele que fosse ao oratório do palácio falar a seu povo, pedir que parassem os ataques. Motecuhzoma II foi, mas antes mesmo que começasse a falar, foi recebido por uma chuva de pedras e por gritos de "traidor, traidor". As pedras atingiram Motecuhzoma II na cabeça e, em apenas dois dias, ele morreu. Pensando que seu ato demonstraria sua grandeza e pacificaria os Astecas, Cortez entregou o corpo do soberano morto aos membros do Tlatocan. Estes; juntamente com Cuitlahuac, o novo Tlatoani; receberam o corpo e aceitaram a trégua.

Cortez, pensando que havia pacificado a cidade, retornou para o palácio de Axayacatl e ordenou que seus mensageiros fossem levar as boas novas para as cidades onde ele havia deixado Espanhóis, porém, os mensageiros foram capturados antes mesmo que pudessem sair da capital e retornaram ao palácio, todos feridos, para dizer a Cortez que os Astecas retomavam a ofensiva.

O palácio foi cercado e, com flechas incendiárias, começou a ser alvejado. Em pouco tempo estava em chamas. Os Espanhóis conseguiram apagar o fogo e expulsar os Astecas, porém, ficaram resumidos apenas ao castelo de Axayacatl (que estava num estado de semi-ruína depois do cerco que sofrera). Construíram máquinas de guerra e tentaram pacificar a cidade, mas depois de sofrerem sucessivas derrotas, perderem muitos homens e cavalos, além de já estarem quase sem água, comida e munição, os Espanhóis resolveram armar um plano de fuga, precisavam abandonar Tenochtitlán, pois os Astecas pretendiam mata-los de fome e sede, presos dentro de seu castelo.

Hernán Cortez ordenou a construção de uma ponte móvel, de madeira, que seria carregada por diversos homens (cerca de 40), esta ponte seria colocada sobre as parte quebradas das pontes originais, para assim os Espanhóis poderem passar.

Quando a ponte ficou pronta, no dia 30 de junho, eles resolveram fugir. Passaram por algumas pontes, mas apenas Cortez e sua comitiva principal (algo em torno de vinte homens) conseguiram deixar Tenochtitlán passando por ela. Os demais tiveram que sair a nado. Devido ao grande peso de suas armaduras e do ouro que carregavam nos bolsos, muitos se afogaram, outros, por ficarem para trás, foram trucidados pelos exércitos de Cuauhtemoc. Menos de cem Espanhóis (e 24 cavalos) sobreviveram (morreram 150 Espanhóis, 45 cavalos e 2000 Tlaxcaltecas) ao que ficou conhecido como " La Noche Triste", ou seja, "A Noite Triste".

Saídos de Tenochtitlán, os Espanhóis foram para Tlacopán (que os Espanhóis batizaram de Tacuba), onde contasse que Cortez teria sentado embaixo de uma árvore e chorado. Reagrupados, Cortez e seus homens deram conta das baixas, além disso, perceberam que muitos estavam feridos (o próprio Cortez perdeu os movimentos da mão esquerda em decorrência de uma flechada) e que os cavalos não eram mais capazes de correr, apenas de andar, pois também estavam feridos.

Os Espanhóis costearam o lago Texcoco no sentido horário até chegarem a Tlaxcala, onde foram acolhidos. A campanha de conquista do Império Asteca teria sido toda perdida se, em Tlaxcala, Cortez não tivesse encontrado o apoio dos Tlaxcaltecas, dos Otomi e de Ixtlilxochitl (aquele que Motecuhzoma havia afastado da sucessão de Texcoco) e seus aliados.

7.4 – A Ditadura Asteca:

Cuitlahuac, o sucessor de Motecuhzoma II, governou apenas oitenta dias, pois morreu em decorrência de uma epidemia de varíola que se instalou em Tenochtitlán depois da volta de Cortez (Cortez trouxe consigo muitos reforços, mais armas, mais cavalos e mais escravos, dentre eles, um escravo negro, de Cuba, que estava com varíola; o escravo morreu logo, mas os índios, que não tinham anticorpos para a doença, começaram a morrer dela também).

Com a morte de Cuitlahuac, o exército aclamou Cuauhtemoc como seu novo governante. Visto que a situação era calamitosa, ninguém fez menção de impedir sua indicação, o que contrariava as regras da República Asteca, onde o Tlatoani era escolhido pelo Grande Conselho e governava sempre tendo que ouvir a este e ao Tlatocan, além de dividir seu poder com o Ciuacoatl. Porém, Cuauhtemoc era muito carismático, é inclusive descrito por cronistas da conquista como sendo o índio mais altivo do México, o que fez com que suas decisões fossem tomadas como lei, e não discutidas ou questionadas.
Com efeito, o governo de Cuauhtemoc foi muito semelhante a uma Ditadura Romana, ou seja, um governo absoluto, no qual a palavra do governante é a única lei, mas que se instala apenas em épocas de calamidades profundas.

7.5 – A Águia que Tomba:

Curiosamente, o nome de Cuauhtemoc significava: "A Águia que Tomba", o que mais parecia um sinal dos deuses, pois em seu governo, o Império cairia definitivamente.
O novo Tlatoani organizou a cidade para produzir num ritmo de guerra, enviou mensageiros para todas as cidades que compunham o Império, com a seguinte mensagem: "Todos os que ajudarem os Astecas na guerra contra os invasores serão liberados dos tributos por dois anos". Além disso, o governante deu maior ênfase ao exército.

Porém, Cuauhtemoc não pode conter a epidemia de varíola, nem suprir a falta de água potável (visto que os Espanhóis destruíram os aquedutos que a levavam para Tenochtitlán), além disso, as populações dominadas continuavam a ver os invasores como libertadores, e não como conquistadores que estavam prestes a destruírem suas culturas e retirarem sua liberdade, sendo assim, não deram ouvidos aos apelos do Tlatoani Asteca.
Cortez reuniu de novo seus homens, conseguiu aumentar suas tropas, comprar mais cavalos e canhões, além disso, trouxe mais arcabuzes e muita pólvora. Com a ajuda da mão-de-obra indígena, construiu treze navios nos quais colocou os canhões e, com eles, realizou o cerco à capital Asteca.
Além dos tiros de canhão, os Espanhóis realizaram vinte reides em apenas 96 dias à própria cidade, sendo expulsos pela resistência indígena em todos.

Quando finalmente, no dia 13 de agosto de 1521, no vigésimo ataque que faziam a Tenochtitlán, os Espanhóis finalmente conseguiram aniquilar as tropas Astecas, marchar pela capital e fincar sua bandeira no topo do Grande Templo, ficaram horrorizados com o que viram: por onde passavam, havia cabeças de Espanhóis, seus aliados indígenas e de cavalos; todas fincadas em estacas e dispostas ao longo das ruas principais.

7.6 – Motivos que possibilitaram a conquista:

Além da superioridade tecnológica gritante que os Espanhóis possuíam em relação aos Astecas; com armas de fogo e de ferro, contra arcos e flechas e armas de sílex e madeira; também há que se levar em conta outros fatores, talvez até mais importantes do que as armas em si.
Na realidade, o fato de as armas Espanholas serem melhores, não garantira sua vitória, pois o efetivo dele era infinitamente menor e, mesmo que os nativos estivessem totalmente desarmados, ainda assim não poderiam ter sido derrotados apenas pelas armas dos conquistadores. Com certeza a política de alianças de Cortez foi um dos maiores trunfos dos Espanhóis (sendo posteriormente, em 1532, copiada por Francisco Pizarro na conquista do Tawantinsuyu (o Império Inca)). Além da política de alianças, que trouxe para o lado dos Espanhóis todos os povos descontentes com a dominação Asteca, existem outros fatores menores.

O emprego de animais em combate, pois os Espanhóis utilizavam, além dos cavalos (que lhes conferiam maior agilidade e poder contra infantarias), ferozes cachorros, que eram soltos no campo de batalha e, além de aterrorizarem os índios, faziam grande estrago, pois eram treinados para matar.

Outro fator, foram as técnicas de batalha, uma vez que os Astecas lutavam para fazer prisioneiros, que sacrificavam depois, enquanto que os Espanhóis lutavam para matar o maior número de indivíduos, o que é muito mais fácil e rápido do que a captura em massa. Além disso, a ingenuidade dos tributários Astecas foi importante, pois para eles, os Espanhóis eram apenas mais um povo lutando contra o domínio de um antigo Império, como os próprios Astecas já tinham feito antes, quando derrubaram o crescente Império de Azcapotzalco. Porém, os Espanhóis não queriam tornar os índios apenas seus tributários, mas queriam destruir sua religião (impondo-lhes o Catolicismo, tido como única verdade), destruir sua cultura (fazendo-os meros dominados da cultura Européia) e escravizar seu povo (fazendo-os trabalhar em suas minas de ouro e prata).

Além desses fatores todos, deve-se ressaltar mais dois: a crença de Motecuhzoma II de que os Espanhóis eram enviados de Quetzalcoatl, o que o impediu de impor resistência aos conquistadores. E a guerra biologia inconsciente que os Espanhóis travaram com os índios, expondo-os a diversos tipos de doenças que, para eles, eram desconhecidas (tais como a varíola, a gripe, a sífilis, a tuberculose, dentre outras) e, para as quais não tinham anticorpos.

Todos esses fatores, em maior ou menor grau, mas todos juntos, contribuíram para a conquista do Império Asteca, tornando-a possível.

7.7 – O que aconteceu depois da conquista:

Após a conquista de Tenochtitlán, Cortez ordenou sua destruição, como um exemplo a todos os que se atrevessem a contrariar os desejos de Carlos V. Cuauhtemoc foi preso e mantido como Tlatoani até 1525, pois Cortez julgava que seria mais fácil conquistar uma região unificada por um governante do que várias regiões divididas.

Os Astecas jogaram todo o ouro que possuíam no fundo do lago Texcoco, para impedir os conquistadores de pegarem-no. Mesmo assim, a tomada de Tenochtitlán foi muito lucrativa para os Espanhóis, pois eles encontraram as listas de tributos dos Astecas, o que lhes forneceu uma rota segura para as regiões produtoras de ouro e prata, ficando as regiões produtoras de outras coisas, em segundo plano na conquista.

Em 1522, todo o Império Asteca já estava nas mãos da Espanha e Cortez foi nomeado o Governador e Capitão-Geral da Nova Espanha (como foi batizado o Império Asteca após sua conquista).

Em 1527, os Espanhóis iniciaram a conquista da península de Yucatán, na qual sofreram com a ferrenha resistência Maia, estes só se renderam e foram dominados definitivamente em 1546.

A Nova Espanha se estendeu até o Novo México (atual estado dos EUA) e o Arizona, onde os índios impuseram uma forte resistência à dominação, só sendo exterminados muito tempo depois, pela marcha de expansão dos EUA.
Em 1535, a Nova Espanha deixou de ser uma Capitania para se tornar um Vice-Reino, sendo nomeado Dom Antônio de Mendonza como primeiro Vice-Rei da Nova Espanha.

No lugar onde se situava a cidade de Tenochtitlán, foi erigida a Cidade do México (realização da drenagem de boa parte do lago Texcoco), que se tornou a capital da Nova Espanha. Por ter sido edificada sobre o solo pantanoso do fundo do lago Texcoco, a Cidade do México apresenta, hoje, uma extrema fragilidade, podendo desabar com qualquer tremor de terra.
Cuauhtemoc foi obrigado a ver sua capital ser destruída e, em seu lugar, edificada uma cidade nos moldes Europeus, além de toda a tristeza a que foi submetido, ainda acabou enforcado na praça principal da Cidade do México, em 1525.Imagem Mapa outros exploradores

As rotas dos exploradores Espanhóis na América

7.8 – O pensamento após a conquista:

Antes da conquista do México, os Espanhóis só haviam se deparado com populações indígenas Neolíticas, o que os havia feito pensar que os indígenas eram pouco mais do que macacos. Sendo assim, a doutrina de Juan Ginés de Sepúlveda, um clérigo Espanhol, havia se disseminado. Segundo Sepúlveda, os índios, assim como os negros, não tinham almas, não eram passíveis de salvação, não eram filhos de Deus, o que permitia sua escravização.
Porém, depois da conquista do Império Asteca e dos povos Maias de Yucatán (o que aconteceu simultaneamente a descoberta e início da guerra contra os Incas, no Tawantinsuyu), um outro clérigo, o Frei Bartolomé de Las Casas, escreveu um livro: Brevíssima Relação da Destruição das Índias, também chamado de: Paraíso Destruído. Neste livro, Las Casas nos mostra que a organização social desses grandes povos americanos era, em muitos casos, superior a organização dos Europeus, além disso, eles possuíam sistemas capazes de concentrar populações gigantescas (Tenochtitlán, na época da conquista era, provavelmente, a segunda maior cidade do mundo, perdendo apenas para Chang'an, na China).

A teoria de Las Casas fez com que mudasse a visão Européia sobre os indígenas americanos sendo proibida sua escravização pela Igreja. Não é conveniente aqui, neste texto, entrar nos outros méritos que levaram a Igreja Católica a proibir a escravização indígena, mas é certo que o lucrativo tráfico negreiro (do qual a Igreja se beneficiava também), influenciou na sua decisão de proibir a escravização dos ameríndios, pois assim, os colonizadores (cristãos que eram) seriam obrigados a importarem os negros da África, enriquecendo, dentre outros, a própria Igreja.

Porém, pode-se dizer que a teoria de Las Casas, fundamentada na existência de tais civilizações, pelo menos deu o respaldo para a Igreja poder realizar tal proibição, além de ter poupado muitos índios (porém não a maioria, apenas uma minoria visto que os Espanhóis, que nunca levaram muito a sério a proibição da Igreja, inventavam subterfúgios como as encomiendas, haciendas e (no caso do Peru) as mitas, para escravizar os índios, sem que eles ostentassem o título de escravos) da escravidão.

8 – Bibliografia

ABREU, Aurélio M. G. de. Civilizações que o mundo esqueceu.
BENSON, Elizabeth, COE, Michael e SNOW, Dean. A América Antiga: Mosaico de Culturas. Vol. 1, in Grande Impérios e Civilizações.
BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. Vol. 1. América Latina Colonial.
CORTEZ, Hernán. O Fim de Montezuma: Relatos da Conquista do México.
CROSHER, Judith. Os Astecas.
FIEDEL, Stuart J.. Prehistoria de América.
GENDROP, Paul. A Civilização Maia.
GÖÖCK, Roland. Maravilhas do Mundo.
LAS CASAS, Frei Bartolomé. Brevíssima Relação da Destruição das Índias (Paraíso Destruído).
LAZZAROTTO, Valentim e PILETTI, Nelson. História & Vida: As Américas.
SOUSTELLE, Jacques. A Civilização Asteca.
Vários. Grande Enciclopédia Delta Larousse. Vol. 8.


Obs.: Além dos referidos livros, utilizei-me de sites encontrados com a ajuda de sites de busca, nos quais utilizei como palavras-chave: Astecas, Aztecs, Asteca, Aztec, Maias, Mayans, México, Mexico, Cortez e Conquistas.

Capitulo 6 – Comparando Filosofias




Como poderemos notar a seguir, são várias as semelhanças entre a obra "reveladora" de Carlos Casteñeda e antigas culturas de todo o mundo:
Fonte dos Trechos: www.mexicosagrado.com

" Morte conselheira
Quando comparamos as ocupações e preocupações cotidianas com a morte, tudo perde a importância. Por isso a morte deve ser usada como conselheira. Devemos perguntar-lhe, ensina don Juan, se já chegou a hora do seu toque. Ela está sempre à nossa esquerda, a um braço de distância. No livro "O Fogo Interior", Castaneda explica melhor o que é a morte e como ela consome a vida humana.

A rotina enfraquece

No segundo ano de sua iniciação, Castaneda aprendeu a ser caçador, um ser humilde, que fala pouco e apenas o necessário, e que não tem rotina. Pois é a repetição do cotidiano que faz o mundo parecer fixo e maçante. A rotina enfraquece e molda os hábitos. Deve-se romper com ela, como fez Castaneda. Ele fazia coisas como escrever à noite e comer apenas quando sentia fome, portanto, sem obedecer a horários pré-estabelecidos.

Ver além das aparências

Um feiticeiro sabe ler o mundo, e o Espírito dá sinais o tempo inteiro para quem sabe observar. Por exemplo, corvos não são simples corvos, mas podem muito bem dar indicações importantes para as pessoas, como apontar o sentido em que devem seguir. Foi assim, olhando os sinais do Espírito, que don Juan descobriu que Castaneda era um discípulo escolhido.

O caminho do guerreiro

Na tradição tolteca, o bruxo é também um guerreiro. Ele deve assumir a responsabilidade por seus atos, cumprindo sua missão de forma impecável sem se preocupar com as consequências. Trilhar o caminho do guerreiro é seguir um modo ético de se servir o Espírito: o guerreiro é inacessível, toca o mundo com cuidado, ignorando os caprichos humanos, e caça o poder. "

Bushido – O Caminho do guerreiro

Fonte: www.boshido-online.com.br

Bushido, significa literalmente, "caminho do guerreiro" - era um código de honra não-escrito e um modo de vida para os samurais (a classe guerreira do Japão feudal ou bushi), que fornecia parâmetros para esse guerreiro viver e morrer com honra.

"Seguir o bushido, é dar ênfase à lealdade, fidelidade, auto sacrifício, justiça, modos refinados, humildade, espírito marcial e honra acima de tudo, morrer com dignidade".

Bushido é formado e influenciado pelos conceitos do Budismo, Xintoísmo e Confucionismo. A combinação dessas doutrinas e religiões, formaram o código de honra do guerreiro samurai, conhecido como bushido.

O Budismo se relaciona com o bushido, através do destemor do perigo e da morte. O samurai não temia a morte pois acreditava nos ensinamentos budista, que pregava a vida após a morte. Voltaria no encargo de guerreiro em suas contínuas reencarnações. Os samurais não tinham medo do perigo, as técnicas de meditação do Zen, foram usadas como um meio de limitar esse temor. Com os ensinamentos Zen, os samurais buscavam entrar em harmonia com seu Eu interior e com o mundo a sua volta. O desapego era a base do samurai, com a pratica do desapego, o samurai se tornou a maior casta de guerreiros que já existiu.

Bushido foi influenciado também, pelos preceitos do Xintoísmo, como a lealdade, o patriotismo, e a reverência aos seus antepassado. Com tal lealdade para com a memória de seus ancestrais, os samurais empenham essa mesma reverência ao imperador e ao seu daimyo ou senhor feudal. Xintoísmo também fornece importância para patriotismo com seu país, o Japão. Eles crêem que a Terra não existe apenas para suprir as necessidades das pessoas. "É a residência sagrada dos deuses, dos espíritos de seus antepassados..." A Terra deve ser cuidada, protegida e alimentada por um patriotismo intenso.

O Confucionismo oferece ao bushido, sua crença em relação aos seres humanos e suas famílias. Confucionismo ressalta o dever filial e as relações entre senhor e servo, pai e filho, marido e mulher, irmão mais velho e mais novo e entre amigos, que são seguidas pelos samurai. Junto com estas virtudes, o bushido também prega a justiça, benevolência, amor, sinceridade, honestidade, e autocontrole. Justiça é um dos principais fatores no código do samurai, assim como o amor e a benevolência que são suntuosas virtudes dos samurais.

Bushido, literalmente traduzido, significa "Caminho do Guerreiro", bushi "guerreiro" do "caminho". Neste sentido, o ideograma para caminho, em japonês, é equivalente à forma chinesa "Tao", e exprime o conceito filosófico de absoluto. Este conceito traz a idéia de origem, princípio e essência de todas coisas.

"O bushido, significa a vida total do guerreiro, sua devoção a espada, seu respeito às normas ditadas pelo Confucionismo. Não é apenas um sistema de ética a ser seguido pelas classes sociais. É a estrada do cosmo, os vestígios sagrados dos Céus, apontando o Caminho". – O Livro Dos Cinco Anéis.
No geral, guerreiro é aquele que busca seu próprio caminho. Muitas pessoas podem estar perfeitamente buscando o caminho sem saber disso. Guerreiro é a pessoa que tem um objetivo, e que por meio deste, passa a ter consciência de seu dom e suas limitações. Através dessa consciência, o guerreiro atinge sua meta, combinada com a vontade de vencer fraquezas, temores e limitações.

Cada pessoa trilha seu próprio caminho, já que existem vários caminhos como o caminho da cura pelo médico, o caminho da literatura pelo poeta ou escritor, e muitas outras artes e habilidades. Cada pessoa pratica de acordo com a sua inclinação. Por isso pode-se chamar de guerreiro, aquele que segue seu caminho específico.

Porém, no bushido, a palavra guerreiro significa muito mais do que isso. O termo bushi não pode ser designado a qualquer um. O bushi é diferente, pois seus estudos do caminho baseiam-se em superar os homens. A casta guerreira se distingue das demais por sua fidelidade e honra, a palavra do guerreiro vale mais do que tudo.

"Quando o guerreiro assume uma responsabilidade, mantém sua palavra. Os que prometem e não cumprem, perde respeito próprio, tem vergonha de seus atos e sua vida consiste em fugir, gastam mais energia dando desculpas para desonrar sua palavra, do que o guerreiro usa para manter seu compromisso. Ás vezes o guerreiro assume uma responsabilidade que resultará em prejuízo. Não torna a repetir esta atitude, mas honra o que disse e paga o preço de sua impulsividade". – Manual Do Guerreiro Da Luz.

O caminho do guerreiro é o caminho da pena e da espada, esse conceito vem do antigo Japão feudal e determinava que a nobreza (bushi) dominasse tanto a arte da guerra quanto a leitura, e que ele deve apreciar ambas as artes. O bushi deve aprender o caminho de todas as profissões, se informar sobre todos os assuntos, apreciar as artes e quando não estiver ocupado em suas obrigações militares, deverá estar sempre praticando algo, seja a leitura ou a escrita, armazenando em sua mente a história antiga e o conhecimento geral, comportando-se bem a todo momento para ter uma postura digna de um samurai, tudo isso sem desviar do verdadeiro caminho, o bushido.
A etiqueta deve ser seguida, todos os dias da vida cotidiana, assim como na guerra pelos samurais. Sinceridade e honestidade são as virtudes que avaliam suas vidas. Transcender um pacto de fidelidade completa e confiança esta ligado à dignidade. Os samurais também precisavam ter autocontrole, desapego e austeridade para manter sua honra, em função disso, podemos dizer que o samurai é o guerreiro completo e seu código de honra - o bushido - tem forte influência no estilo de vida do povo japonês e oferece uma explicação do caráter e da indomável força interior desse povo.

Para o bushido, o caminho do guerreiro exige que a conduta de um homem seja correta em todos os sentidos, dessa forma, a preguiça é um mal que deve ser abominado. Mas existe problemas quando a pessoa se apóia no futuro, pois torna-se preguiçosa e indolente, já que deixam pra amanhã, aquilo que poderia ser feito hoje. Pessoas que agem dessa maneira, não seguem o verdadeiro preceito do bushido, que de um modo geral, é a aceitação resoluta da morte.

"Um samurai deve antes de tudo ter sempre em mente, dia e noite, desde a manhã de ano novo, quando pega os palitos para tomar café, até a noite do último dia do ano, quando paga suas faturas, o fato de que um dia irá morrer. Essa é a sua principal tarefa". – Bushido O Código Do Samurai – Daidoji Yuzan.
Se o guerreiro tem plena consciência da morte, evitará conflitos, estará livre de doenças, além de ter uma personalidade com muitas qualidades e diferenciada às dos demais seres humanos. O guerreiro vive o presente sem se preocupar com o amanhã, de modo que quando contempla o rosto das pessoas, sente como se nunca mais fosse vê-los novamente, e portanto, seu dever e consideração as pessoas, serão profundamente sinceros. O verdadeiro guerreiro é aquele que aceita a morte, dessa maneira, ele não irá se meter em discussões desnecessárias que venham a provocar um conflito maior, já que assim ele pode acabar sendo morto, e isso talvez resultaria na sua desonra ou afligiria a reputação e nome de sua família. Se a idéia de morte é mantida, será cuidadoso e suscetível de ser discreto e não dirá coisas que ofendam às outras pessoas. Também não cometerão excessos doentios com a comida, bebida e sexo, usando a moderação e a privação em tudo, permanecendo livre de doenças e mantendo uma vida saudável.

O guerreiro deve arder com a morte em desespero. "Naoshige disse uma vez:

- O bushido significa a morte em desespero. Várias dezenas de samurais sadios não podem matar um único samurai (que arda com essa morte em desespero). Homens sadios, de mente calmamente bem-compostas não podem realizar um grande empreendimento. Você só precisa ficar desesperado a ponto de morrer. Se a discrição e a consideração do momento fundem-se com seu bushido, você na certa hesitará e ficará aquém de sua espreita". – Bushido: O Caminho do Samurai - Tsuramoto Tashiro.
Resumindo, bushi é aquele que segue o caminho do guerreiro. Miyamoto Musashi dizia: - Os homens devem moldar seu caminho. A partir do momento em que você ver o caminho em tudo o que fizer, você se tornará o caminho.

"Cessar o diálogo interior

Para evoluir no aprendizado tolteca torna-se imprescidível parar o diálogo interior, que mantém a percepção fixa. É preciso parar seu fluxo para que se possa apenas sentir, rompendo-se com o esquema de direção e norteamento que a razão nos dá. A partir disso, pode-se entrar em transe e aprofundar vivências espirituais."

Trecho de um Texto do yogue Pedro Kupfer
Fonte: www.yoga.pro.br

" Antar mouna significa silêncio interior. É uma das práticas mais importantes do Yoga, pois trabalha diretamente com o diálogo mental. É uma ótima maneira de começar a meditar, pois, ao invés de ficar lutando com a mente, você apenas a observa. É uma técnica excelente para quem não consegue ainda concentrar-se nos objetos de meditação, como símbolos psíquicos ou visualizações, por simples que sejam.

Porém, o antar mouna é muito mais do que isso. Pode ser o atalho mais curto (e às vezes violento) para abrir as portas do subconsciente. Ao longo das diversas fases do antar mouna, começam a surgir lembranças, experiências, sentimentos ou pensamentos reprimidos e esquecidos, mas nem sempre resolvidos. Essas latências subconscientes, chamadas samskáras, determinam as nossas atitudes, formas de pensar e agir. São obstáculos poderosos que barram a evolução e a felicidade: tentar controlá-las eqüivaleria a tentar controlar uma intoxicação alimentar.

Da mesma forma que um alimento inadequado envenena o organismo, os samskáras poluem a psique. Toda lembrança, pensamento ou sentimento pode servir para o conhecimento ou para a ignorância.

O antar mouna nos ensina a eliminar o conflito interior causado pelos samskáras e o diálogo infernal da mente. Nos ensina a respeitar a mente e aceitar os seus conteúdos. Nos ensina a ver-nos como testemunha imparcial, aceitando as experiências e reações da mente e, posteriormente, aprendendo a controlá-la. Isso irá desenvolver a autoconsciência e a capacidade de se conhecer.

Lembranças, medos, pensamentos e sentimentos ocultos durante anos emergem um a um na superfície da consciência, se debilitam e desintegram. Em 90% dos casos, aparece o medo. O medo não é novo: acompanha o homem desde sempre e já se descreve na Taittriya Upanishad: "do medo, impulsionado pelo absoluto, o vento sopra. Do medo, o sol nasce. Pelo medo, o fogo queima e os sentidos sentem. Finalmente, pelo medo, a morte persegue o homem" (Brahmánandavalli, 8). Aqui, em forma simbólica, o autor está nos dando um recado muito claro: o medo pauta e determina todos os nossos pensamentos, as nossas decisões e ações.

Medo, em suas mais variadas formas: medo de não ser aceito pelos demais, medo da morte, medo do desconhecido. O processo de substituição dos samskáras ruins por seus opostos já aparece no Yoga Sútra (II:29,30) de Pátañjali: "quando surgirem pensamentos indesejáveis, estes podem ser vencidos convivendo-se com seus opostos. Os pensamentos indesejáveis, assim como os de agressão (...), são frutos da ignorância e sempre acabam em sofrimento infinito (por isso é necessário convivermos com seus opostos)." Este é um processo de purificação psíquica muito efetivo, chamado chitta shuddhi.

A psicoterapia, especialmente a Gestalt, procura fazer a mesma coisa. Mas, onde a psicoterapia diz: "agora que você identificou e desintegrou seus fantasmas, está pronto para ter uma vida mais feliz;" o Yoga diz: "agora você está pronto para ter uma vida mais feliz, e empreender a parte mais emocionante da aventura humana: meditar de verdade." Por quê? Porque tanto os pensamentos bons quanto os ruins são igualmente ruins, obstáculos do mesmo tamanho que nos afastam do objetivo: "tudo provoca dor para o sábio, sejam as latências, as experiências ou suas conseqüências, ou a interação entre os estados da realidade (gunas). A dor que ainda não surgiu pode evitar-se." Yoga Sútra, II:15-16.

O samskára é o conjunto das raízes profundas dos condicionamentos do ser, de caráter kármico e inato, que se estruturam em malhas subconscientes. Perpetua-se através das gerações por herança histórica, cultural ou étnica, afetando a todos os indivíduos.

Estamos condicionados a agir sempre em consonância com o samskára, que funciona como um modelo padrão de comportamento. J. Woodroffe dá o exemplo de uma tira de borracha que, embora possa assumir as mais diversas formas, sempre tenderá a retomar a original.

Os vásanás (lit., perfume) são as latências subconscientes. O cheiro que uma flor deixa em um pano é o vásaná dessa flor: mesmo depois de retirá-la, o perfume permanece. Os vásanás constituem um colossal obstáculo para o meditante, pois a vida subconsciente é um fluxo constante de impressões latentes que dão corpo aos vrittis. Estes, por sua vez, determinam as ações do indivíduo (karma) e assim entra-se num triângulo vicioso: os condicionamentos determinam os pensamentos, que determinam as ações, que reforçam os condicionamentos, que determinam os pensamentos, que provocam as ações, e assim por diante. Samskára -> vritti -> karma -> samskára -> vritti -> karma -> samskára...

Para poder atingir o estado de cessação das instabilidades da consciência (chittavritti nirodhah), objetivo do Yoga, é necessário aniquilar essas tendências através da capacidade de auto-observação. O alvo do antar mouna é observar o processo que alimenta o pensamento através dos sentidos e a atividade subconsciente (o samskára e os vásanás, que dão corpo à vida psico-mental).

Após haver traçado o perfil dessas latências, a técnica serve para fazer surgir os "pensamentos indesejáveis", os vrittis de que falava Pátañjali. Em seguida, evocar as lembranças associadas a esses pensamentos e reviver as situações que as provocaram, esgotando-as e indo até o final delas, mantendo o tempo todo o estado da consciência testemunha (sakshi).

Isso produz uma purificação da consciência (chitta shuddhi) que culmina na inversão dos padrões de comportamento e nos condicionamentos que os originam. Reprogramar é substituir esses "pensamentos indesejáveis" pelos seus opostos, com ensina Pátañjali. Isolar a causa raiz do vritti, conhecer, observar, desenterrar, entender, limpar, reorganizar, substituir e, finalmente, esvaziar. Mudar a perspectiva emocional ou mental, transformando a sua significação. Não há nada definitivo: como diz o sábio, "isto também passará."

Ou seja, conhecer o samskára, substituir as coisas ruins por outras boas e, posteriormente, eliminar também as boas. Depois disso, está-se preparado para que a meditação dê resultados a curtíssimo prazo. C. G. Jung disse que "ninguém se torna iluminado imaginando figuras de luz ou preenchendo a mente com concepções teosóficas, mas sim tornando e escuridão consciente," levando luz para onde há trevas, iluminando as áreas escuras do ser. Removidos os obstáculos, a luz se revela. Resumindo, este processo de concentração passa pelos seguintes estágios:

1)observar,

2)acessar,

3)evocar,

4)reviver,

5)esgotar,

6)compreender,

7)purificar,

8)reprogramar,

9)esvaziar,

10) meditar.

Após a meditação, vêm ánanda, a bem-aventurança, o estado de felicidade inefável e profunda que dá o Yoga. Mas quanta felicidade?

"Imagine um homem de bem, jovem, forte, saudável e que possui toda a riqueza do mundo. Tome isso como uma unidade de felicidade humana (ánanda). Agora multiplique isso cem vezes. O resultado será a felicidade dos manushyagandharvas, e a daqueles que estudaram os Vedas e destruíram o samskára. Multiplique isso cem vezes e o resultado será equivalente a uma unidade da felicidade dos devagandharvas e daqueles que estudaram os Vedas e destruíram o samskára. Multiplique isso mais cem vezes e você terá a felicidade dos sábios e daqueles que estudaram os Vedas e destruíram o samskára. Multiplique isso cem vezes e terá a felicidade dos karmadevas, aqueles que alcançaram a dissolução através do domínio do karma."
Taittriya Upanishad, Brahmánandavalli, 8."

"Primeira lição: apagar a vida pessoal

Uma estranha realidade", de 1971, foi o segundo livro de Castaneda, e tratava ainda das ervas alucinógenas. Só em "Viagem a Ixtlan", de 1973, o autor resgata sua iniciação na feitiçaria, em 1960, e enuncia alguns dos principais pressupostos da doutrina. O primeiro é apagar a história pessoal, para desapegar-se de obrigações e envolver-se em mistério. Cada capítulo desse terceiro livro tem o efeito de uma martelada, daquelas que despertam o inconsciente. A obra mostra que as experiências místicas com alucinógenos não são a parte principal do pensamento do autor.

"Segunda lição: parar o mundo

O objetivo de don Juan desde o início foi fazer o aprendiz parar o mundo. O mundo se perpetua do modo como é devido às interpretações que fazemos dele baseadas em crenças dos mais velhos. A partir de um inventário de memórias e de ítens, e com um diálogo interno progressivamente, ao longo dos anos, mais complexo, nossa percepção se torna fixa e passamos a enxergar o mundo da mesma forma todos os dias. Parar o mundo é paralisar o modo como o ego conduz subjetivamente nossa consciência. O ego de Castaneda, constantemente atacado por don Juan, se apequenou diante da eternidade da vida. A grande lição a tirar daí é que torna-se preciso perder a importância própria para apreciar realmente o mundo ao redor. A vaidade faz com que nossos problemas pareçam a coisa mais importante da vida e faz com que tratemos mesquinhamente a realidade. Um bom exercício para se perder a importância própria é conversar com as plantas, ensina don Juan."

Texto budista:

As Duas Entradas no Caminho
Bodhidharma
Fonte: http://www.dharmanet.com.br/home/

Muitas são as formas de entrada no Caminho, mas podem ser resumidas em duas. Existem a "Entrada da Inteligência e a Entrada da Conduta". A primeira é a compreensão da essência dos ensinamentos do Buddha por meio das escrituras, pela qual surge a profunda confiança na natureza verdadeira, a qual é compartilhada por todos os seres sencientes. Ela não se manifesta porque é obscurecida pelos objetos exteriores e os falsos pensamentos. Pelo abandono do falso e a proximidade com o verdadeiro, o homem com mente unificada senta-se em meditação, descobrindo que não existem nem eu, nem outro, e que o homem e o santo possuem a mesma essência. Nisto ele coloca sua firme confiança e dela não se aparta. Sendo silenciosamente um com a Inteligência, das palavras ele não é escravo, e é livre da consciência discriminativa. Ele é sereno e situa-se além da ação. Esta é a "Entrada da Inteligência".A "Entrada da Conduta" inclui as quatro condutas, nas quais estão todas as ações.

Que quatro?

1. Conhecer como se livrar do ódio;
2. Aceitar o karma;
3. Nada desejar;
4. Estar de acordo com o Dharma.

1. O que é conhecer como se livrar do ódio?

Quem se disciplina no Caminho, quando encontra condições adversas, deverá pensar assim: "Por incontáveis eras no passado vaguei por multitudes de existências, apegando-me à trivialidade e desprezando o essencial. Criei com isso inúmeras situações propícias ao ódio, à má-vontade e às ações não-saudáveis. Mesmo que nesta vida transgressões não fossem feitas, ainda assim os frutos das ações maléficas do passado se manifestariam. Nem os seres luminosos, nem os homens poderiam saber o que a mim está reservado. De boa vontade e com paciência aceitarei os males que a mim sobrevierem e deles não me lamentarei. Nos sutras é dito que não devo me agitar pelos males que surgem, pois, quando com inteligência as coisas são penetradas, os fundamentos da causalidade são conhecidos". Quando tais pensamentos surgem num homem, com a Inteligência ele estará de acordo, fazendo do ódio o melhor uso possível e colocando-o à serviço do Caminho.

2. Aceitar o karma significa:

Nos seres produzidos pelas condições do karma, nenhuma substância imutável pode ser encontrada, e a alegria, bem como o sofrimento, são também resultados de ações intencionais do passado. Se vêm a riqueza, o louvor, etc., estes são resultados de ações passadas que, devido à causalidade, afetam minha vida no presente. Esgotada a força das ações, os resultados que agora desfruto se acabam. Por que, então, alegrar-me com eles? Ocorrendo o ganho ou a perda, que eu aceite o karma. O coração nada sabe de aumentos ou diminuições. Na harmonia silenciosa com o Caminho o vento do prazer não me abala. Isso é o significado de aceitar o karma.

3. Nada desejar significa:

Neste mundo, os homens continuamente confusos, apegam-se sempre aqui e ali. A isto se chama desejo. Os sábios, porém, compreendem a verdade, e em nada se assemelham aos ignorantes. Serenamente seus corações repousam no não-criado, enquanto o corpo se move de acordo com as leis da causalidade. Todas as coisas são vazias e nada vale a pena buscar. Lá onde está o mérito do brilho, também está o demérito da escuridão. Este mundo tríplice, no qual convivemos por tão longo tempo, é como uma casa em chamas. Tudo o que tem um corpo sofre e ninguém sabe realmente o que é a paz. Os sábios nunca se apegam a nada, pois conhecem intimamente esta verdade. Com os pensamentos serenos nada desejam. Assim diz o sutra: "Quando há o desejo, há o sofrimento. Com a cessação do desejo vem a felicidade". Sabemos, deste modo, que nada desejar é o caminho para a verdade. Isto é o que significa "nada desejar".

4. "Estar de acordo com o Dharma" significa:

Que a Inteligência a que chamamos Dharma é pura em sua essência e é o princípio da vacuidade em tudo que se manifesta. Está além das manchas e dos apegos. Nela não há nem eu nem outro. Diz o sutra: "No Dharma não há seres sencientes, pois ele está livre da mancha do ser. No Dharma não há "eu", pois ele está livre da mancha do eu". O entendimento e a confiança nesta verdade tornam as ações dos sábios conformes ao Dharma.
A essência do Dharma é o não desejar e, assim, os sábios estão prontos para a generosidade do corpo, da vida e das propriedades. Em nada lamentam e são livres da má-vontade. Sua compreensão da natureza tríplice da vacuidade, os leva para além da parcialidade e do apego. Devido à sua vontade de limpar as manchas dos seres, eles se adaptam a eles sem se apegar à forma. Esta é a fase do benefício próprio em suas vidas. Mas eles sabem também como ajudar aos demais e louvar a verdade do Despertar. Como é com a virtude da generosidade, assim também com as outras cinco virtudes. Os sábios praticam as seis virtudes transcendentes afastando os pensamentos confusos sem esperarem pelos resultados meritórios destas ações. Isto é o que significa "estar de acordo com o Dharma".
Existem várias outras semelhanças pela extensão da obra, mas não cabe neste momento registrar todas elas, isso seria um feito analítico e não reflexivo. A intenção destas comparações é apenas fazer o leitor pensar sobre a origem da obra de castañeda. Cabe lembrar também que muitos fatos dos livros realmente batem com a historia do xamanismo no México as semelhanças não são apenas nas exceções com outras culturas.

Capitulo 7 – Conclusão




Defender uma verdade única nessa obra tão misteriosa é quase impossível. Os críticos tem suas provas incontestáveis de que Carlos Castaneda é um charlatão, por outro, lado os adeptos do nagualismo, tem nos ensinamentos um verdadeiro caminho de vida e conseguem experimentar grandes experiências místicas como as descritas nos livros.

Não há prova definitiva de que a obra de castañeda seja falsa, nem há como afirmar que seja verdadeira. Sendo assim muitos acreditam "em um caminho do meio", e que parece ser o mais plausível.Carlos teria usado uma grande ferramenta: escondeu valores reais por debaixo de uma fábula. E talvez até o próprio contexto etnográfico não seja real, o que ainda sim não invalida os ensinamentos como filosofia, apenas como trabalho antropológico.

Talvez esses "erros mentirosos" façam parte da intenção de "apagar o passado" tanto do próprio Castaneda como dos demais personagens dos livros, tornando assim cada vez mais incerta a verdadeira fonte dos ensinamentos preservados por séculos, ou realmente a intenção foi revelar a origem quase secreta de uma "sub-cultura" que sobreviveu clandestinamente e paralelamente as repressões culturais na historia da conquista do México.
Cabe a quem quiser chegar na certeza do que acreditar, não se restringir aos preconceitos e sim pesquisar, avaliar e experimentar os dois lados: céticos e místicos, confrontando os valores de suas pesquisas e retirando para si a verdade única, pessoal e intransferível que cada ser humano tem da própria experiência de vida. Escolher uma direção e excluir a outra, sem essa profunda pesquisa, é que dá margem ao fanatismo irracional que flagela a humanidade nas mais diversas disputas. Aceitar pontos de vistas diferentes e procurar o dialogo sincero, amistoso e sem preconceitos é que verdadeiramente resolverá, mesmo que num futuro distante, todas as dúvidas que separam o racional do espiritual**.

** este termo fica melhor expresso, na idéia de que a experiência espiritual é algo ainda fantástico demais para o pensamento humano, e não algo irracional fruto da imaginação daqueles que não aceitam a razão cientifica.

Gostaria de encerrar a pesquisa com esta citação Budista:
O Buddha não ensinou o buddhismo. Ele ensinou o Dharma, a lei. Ele não ensinou um conjunto de crenças, dogmas ou sistemas que devam ser arbitrariamente aceitos. Através de sua própria experiência de iluminação, ele indicou o caminho para cada um de nós experimentar a verdade dentro de nós mesmos. Durante os quarenta e cinco anos de seus ensinamentos, ele utilizou muitas palavras e conceitos diferentes para indicar a verdade; eles são meramente um apontar para um certo tipo de experiência. No tempo do Buddha, devido à forma de sua sabedoria e habilidade, as pessoas em geral não confundiam a experiência com as palavras. Eles ouviam o que o Buddha tinha a dizer, olhavam para dentro de si e experimentava a verdade dentro de suas próprias mentes e corpos.

(Joseph Goldstein, A Experiência do Insight)

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