Psicodélico: Dossiê "Cannabusiness": Califórnia (EUA) vive ofensiva contra maconha

domingo, 20 de novembro de 2011

Dossiê "Cannabusiness": Califórnia (EUA) vive ofensiva contra maconha

Fonte : http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/11/20/dossie-cannabusiness-california-eua-vive-ofensiva-contra-maconha.jhtm

Marion Strecker
Em San Francisco (EUA)


Estabelecimentos comerciais especializados em vender maconha medicinal na Califórnia estão sofrendo uma forte ofensiva por parte da Justiça Federal americana. Diversos negócios fecharam as portas nas últimas semanas em vários municípios do Estado.

Existem hoje mais de mil lojas desse tipo na Califórnia, às vezes um misto de farmácia e clube, onde as pessoas legalmente identificadas como pacientes para os quais a maconha é prescrita podem comprar o produto. Eventualmente, nesses clubes, podem consumi-lo ali mesmo.

No último dia 7, cooperativas, consumidores-pacientes e proprietários dessas farmácias de maconha medicinal entraram com ações na Califórnia para garantir o cumprimento do acordo anterior com a Justiça federal, que era deixá-los em paz desde que seguissem estritamente a legislação estadual.

"Cannabusiness": os negócios da maconha nos EUA

Foto 58 de 66 - Maconha medicinal em forma de tintura, para uso sublingual com contagotas; muitos defendem que ingerir maconha é mais saudável do que fumá-la Mais Marion Strecker/UOL

Em 27 de outubro passado, um grupo de advocacia chamado Americans for Safe Access (www.safeaccessnow.org) havia dado entrada em outra ação em San Francisco acusando a Justiça federal de fazer um ataque inconstitucional contra a autoridade do Estado de legislar sobre sua própria política de saúde pública.

Uso medicinal

As leis federais atualmente são claras: a maconha é proibida. Mas as leis locais são diferentes. A Califórnia foi o primeiro Estado americano a aprovar o uso medicinal da maconha, num processo que começou em 1996 com a chamada Proposição 215.

No final de agosto deste ano, o governador da Califórnia, Jerry Brown, aprovou uma lei que pela primeira vez explicitamente reconhece a legalidade dos centros locais de distribuição de maconha e o direito de cada município regulamentar a distribuição de maconha medicinal aos pacientes. Com isso, cada cidade pode ter sua legislação específica, mais ou menos liberal. San Francisco é uma das cidades mais liberais.

Desde 2003, consumidores-pacientes na Califórnia podem manter suas próprias plantações com seis pés maduros ou até 12 pés não maduros da planta, para uso próprio, além de ter o direito de portar até oito onças (cerca de 200 g) de maconha seca. Mas não podem embarcar no aeroporto com a droga, pois o aeroporto está sob administração federal.

Um programa do Departamento de Saúde Pública da Califórnia providencia cartão de identidade aos pacientes que o demandam voluntariamente, e teoricamente garante sigilo, para evitar que eles sejam perseguidos.

Outros Estados americanos que aceitam a carteirinha de paciente da Califórnia são Michigan, Montana e Rhode Island. Mas vários outros Estados americanos também aprovaram o uso medicinal da maconha, entre eles Alabama, Arizona, Alaska, Oregon, Colorado e Maine.

Em julho passado, o prefeito de Seattle fez o que o governador do Estado de Washington havia se recusado a fazer: assinou medidas para regulamentar as farmácias que oferecem acesso legal à maconha medicinal.

Questionário e entrevista

Na prática, o sistema para o uso legal da maconha na Califórnia é bastante simples, tanto para portadores de doenças como glaucoma, câncer ou Aids, quanto para pessoas que querem apenas fazer uso recreativo da erva.

Funciona assim: primeiro é preciso marcar uma consulta médica. Custa por volta de US$ 120, mas pesquisando durante algumas semanas, encontrei anúncios de médicos em toda parte, com preço começando em US$ 25.

Se o médico for mais sério, no consultório o paciente normalmente terá de preencher um longo questionário, contando detalhes do seu histórico de saúde e informando se sofre algum dos males para os quais a erva é indicada, incluindo estresse e insônia.

Aí vem a entrevista pessoal, que pode durar segundos, minutos ou horas, a depender do médico e do paciente. Então, vem a prescrição da droga e a carteirinha de paciente, que é feita ali mesmo, na hora. Muitos médicos ostentam em seus cartões profissionais o desenho ou o nome da planta, e estimulam seus pacientes a distribuir esses cartões para amigos e conhecidos, alimentando o chamado Cannabusiness, o negócio da cannabis.

Cannabis é uma palavra de origem grega que designa essa planta de origem asiática usada há milênios, para fins diversos.

Ao paciente, então, caberá escolher uma das inúmeras farmácias especializadas no produto, mostrar a carteirinha e ir às compras. A farmácia legal não vai vender mais que oito onças do produto por pessoa por dia. Porém não há um controle centralizado, de modo que qualquer pessoa pode comprar uma quantidade maior, se quiser, e se for a farmácias diferentes. Mas as farmácias legais, obviamente, vendem o produto a um preço muito maior do que no mercado ilegal.

Há também tipos diversos de farmácias legais, desde as famosas por vender produtos a preços mais baixos até as grandes e modernas, voltadas a um público de poder aquisitivo maior.

Em diversas formas

Na Califórnia a maconha é vendida de muitas formas.

Nas farmácias, a erva é vendida em embalagens em parte transparentes, para o cliente ver o produto. Pequenas latas ou embalagens plásticas contêm folhas e flores, frequentemente com informações técnicas bastante explicitadas --se é da espécia Índica, Sativa ou híbrida, a gramatura, a quantidade de THC (tetraidrocanabinol) e CBD (canabidiol), que são os princípios ativos da maconha.

Mas a maconha também é vendida em forma de manteiga, chocolates, pretzels, biscoitos, bolos, cápsulas, óleos, tinturas, ou em quantidades maiores para uso culinário.

Vaporização

A última moda no consumo da maconha parece ser a vaporização, ou seja, a inalação do produto a uma temperatura menor do que a da queima ocorrida quando se fuma um cigarro. Digo isso pela quantidade de aparelhos para vaporização de maconha que estão sendo lançados, alguns chegando a custar mais de US$ 800, fora a erva.

Os entusiastas dizem que a maconha é o principal produto agrícola da Califórnia, se somadas as plantações legais e ilegais. Fui checar no site do Departamento de Alimentação e Agricultura do Estado e simplesmente não encontrei menção ao cânhamo nem à maconha nas estatísticas.

Entretanto, um reporte anual do Centro de Diagnósticos de Pestes em Plantas, que encontrei no site do governo da Califórnia, afirma ao mesmo tempo que o cânhamo não é uma plantação na Califórnia; que a Cannabis (maconha) é não oficialmente a maior plantação do Estado; e que a Cannabis Índica (uma das espécies de maconha) pode se tornar em breve a maior plantação legal da Califórnia.

Quanto mais eu leio e busco informações, mais confusa eu fico.

Legal x ilegal

Quem planta, vende ou compra legalmente, paga imposto. As cooperativas, farmácias e/ou clubes não podem ter fim lucrativo. As que obviamente têm fins lucrativos parecem ter sido as primeiras a sofrer ameaças.

Quem planta, vende ou compra ilegalmente não paga imposto e também se arrisca, seja às penas da lei, seja na mão de traficantes e seus cartéis. O produto ilegal não vem com garantia de qualidade nem especificações técnicas, mas também é vendido em áreas mais do que conhecidas de cidades como San Francisco, incluindo partes deterioradas e coalhadas de sem-teto, mas também parques onde famílias fazem piqueniques nos fins-de-semana.

Pela lei, há distâncias a serem respeitadas entre escolas e praças para a implantação de um estabelecimento comercial de maconha. Nem sempre respeitadas.

A ofensiva atual tem sido não apenas contra as farmácias e/ou clubes, mas também contra os locadores de imóveis e os jornais que publicam anúncios desses lugares. Proprietários de imóveis começaram a receber em outubro cartas ordenando o final da locação para as farmácias em 45 dias, sob risco de multas.

Parte dos eleitores do presidente Barack Obama entende essas ações como uma traição a uma promessa de campanha, que era deixar os Estados adotarem suas próprias políticas quanto à maconha medicinal.

Além disso, Obama já admitiu ter fumado maconha e, quando era senador, votou a favor da legalização do cânhamo, a planta que há milênios fornece fibras têxteis de grande resistência, além da erva.

O futuro próximo vai dizer se a guerra contra a maconha medicinal será benéfica, desastrosa ou desimportante na campanha para a reeleição do presidente Obama.

No próximo dossiê: Oakland tem museu e até “faculdade” sobre maconha.

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