Psicodélico: Pharmacotheon–Salvinorina A e Ska Pastora!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Pharmacotheon–Salvinorina A e Ska Pastora!

EXTRAÍDO DO : http://hempadao.blogspot.com/

Tradução de Pharmacotheon – Jonathan Ott (páginas 377-380)

por Fernando Beserra

PharmacotheonAs salvinorinas são um grupo de diterpenóides não nitrogenados obtidos da pouco conhecida planta enteogenica mexicana Salvia divinorum, da família das Labiatae ou Lamiaceae, a família da menta. Diterpenóides similares como a salviarina e a splendidina foram isoladas da Salvia splendens e de outras espécies do gênero Salvia (Savona et al. 1978; Savona et al, 1979). Estes diterpenóides podem ser que constituam uma nova família de compostos psicoativos. A loliolida, um repelente de formigas, foi obtida recentemente da Salvia divinorum (Valdés 1986).

Salvia occidentalis se utiliza por suas virtudes analgésicas entre os índios cuna do Panamá (Duka 1975). No passado se especulou que Salvia persepolitana poderia ser o antigo enteógeno iraniano haoma (veja capítulo 4; Doniger 1987 O´Flaherty 1968). Inclusive a salvia utilizada correntemente na cozinha Salvia officinalis pode produzir “intoxicação e vertigem” se se cheira por muito tempo (Duke 1987). A colforsina (conhecida habitualmente como forskolin e seu distereomero o coleonol) é um diterpenóide relacionado que procede de outra planta da família das Lamiaceae, Coleus barbatus, conhecida correntemente como C.forskohlii (Ammon e Muller 1985; Valdés et al. 1987b) havendo-se demonstrado que possui propriedades hipotensoras (Dubey et al. 1981). Duas espécies de Coleus não originárias do México, C.blumei e C.pumila são consideradas por alguns xamãs mazatecas como pertencentes a mesma “família” da Salvia divinorum, mas sua composição química e propriedades farmacológicas seguem sendo desconhecidas (Wasson 1962b). Coleus blumei se utiliza em medicina tradicional da Samoa como remédio para a elefantíase (Uhe 1974). Outra espécie do gênero Coleus se usava entre os nekematigi da Nova Guiné no tratamento das dores de cabeça (Johannes 1975). Uma espécie de menta amazônica, Ocimum micranthum, foi assinalada como aditiva das poções enteogências de ayahuasca (ver capítulo 4; Schultes e Hofmann 1979) e Mentha pulegium foi a sua vez um ingrediente da poção enteogênica kykeon dos Mistérios de Eleusianos (Wasson et al. 1978).

J.B.Johnson, o 1º antropólogo que observou o uso dos fungos enteogênicos no México em 1938 (veja capítulo 5) também mencionou a existência de uma infusão visionária preparada com umas folhas a que se chamou “erva Maria” (Johnson 1939ª). Por sua parte, Bas Pablo Reko, um pioneiro no estudo dos enteógenos mexicanos (ver capítulo 2, nota 10) coletou mostras de umas folhas usadas em adivinhação (material inadequado para sua identificação botânica) na zona mazateca do México (B.P.Reko 1945). Em 1952, Robert Weitlaner descobriu uma cerimônia de cura na qual se utilizava a “erva de Maria”. Posteriormente, durante os anos 1960-1962 R.Gordon Wasson fez várias coletas desta planta, observou seu uso e a ingeriu ele mesmo. Finalmente, em 1962 Wasson e Albert Hofmann recolheram mostras adequadas deste misterioso enteógeno, que Epling e Játiva identificaram como uma nova espécie, Salvia divinorum (Epling e Játiva-M. 1962; Wasson 1962b). Durante sua expedição de 1962, Wasson e a mulher de Hofmann, Anita, ingeriram o jugo das folhas no transcurso de uma cerimônia de cura celebrada no dia 9 de outubro, e o próprio Hofmann o ingeriu na noite de 11 de outubro quando deu a Maria Sabina seus comprimidos de psilocibina sintética (veja capítulo 5). Embora Anita Hofmann tenha recebido o jugo de apenas três pares de folha, comentou haver visto “imagens surpreendentes de contornos brilhantes”. Albert Hofmann por sua parte ingeriu o jugo de apenas cinco pares de folhas que lhe causou “sensibilidade mental e uma intensa experiência, que sem embargo não foi acompanhada de alucinações”. Hofmann regressou a Suiça com o jugo fresco das folhas conservado em álcool para a posterior análise química (Hofmann 1980; Hofmann 1990). O princípio ativo pareceu ser instável, posto que foi impossível detectar alguma atividade no jugo que tomou na Suíça e, por conseqüência, isolar os princípios ativos.

Duas décadas mais tarde, Ortega e seus colaboradores conseguiram isolar das folhas de Salvia divinorum um composto ativo ao que denominaram “salvinorina” (Ortega et al. 1982). Dois anos depois, Valdés e seus colegas isolaram dois diterpenóides da planta aos que assinaram o nome de divinorinas A e B (Valdés et al. 1984). Posto que a divinorina A resultou ser idêntica a salvinorina isolada anteriormente, a denominação correta dos compostos é salvinorina A e salvinorina B (Valdés et al. 1987). A salvinorina A é psicotrópica e produz efeitos em animais similares aos da mescalina. Na planta parecem existir ademais outros diterpenóides ativos (Valdés 1983; Valdés et al. 1987ª). Com efeito, o efeito principal da salvinorina A, obtida por ambos grupos de investigadores a partir das folhas secas, foi sedante.

Em 1962 R.G. Wasson resumiu suas descobertas sobre a etnofamarcognosia da Salvia divinorum na zona mazateca do México, onde a planta recebe o nome de ska pastora ou ska Maria pastora, “folhas de pastora” ou “folhas de Maria pastora” (Wasson 1962b). O nome mazateca mostra uma clara influência católica, embora a Maria bíblica não tenha sido uma pastora nem figura pastoreia alguma na iconografia católica. Wasson descreveu os efeitos das folhas de ska pastora, que ingeriu pela primeira vez em 12 de julho de 1961 em Ayautla, Oaxaca. As folhas se costumam tomar em partes e os índios “consomem sua dose mordiscando-las com seus incisivos” coisa que a Wasson foi impossível fazer dado seu sabor extremamente amargo, pelo que trituraram seus 34 pares de folha para extrair o suco que diluíram posteriormente em água. Wasson afirmou que “o efeito das folhas chegou antes do que costumava ser habitual com os fungos (hongos), foi menos profundo e de menor duração. Não houve a menor dúvida acerca do efeito, mas não foi além de sensações iniciais que se obtêm com os fungos: cores em movimento formando elaboradas formas tridimensionais” (Wasson 1962b). No ano seguinte, Wasson publicou novos detalhes sobre o uso de S.divinorum entre os que aventuravam que a planta era a antiga droga asteca pipiltzintzintli (Wasson 1963). Mencionava ademais a prática de triturar as folhas em uma metade para extrair o suco, que se dava as pessoas sem dentes, a diferença da forma tradicional de ingestão que consiste em mordicá-las (Wasson 1962b; Wasson 1963). A prática de morder as folhas enroladas como um cigarro é ainda habitual na zona mazateca de Oaxaca (Blosser 1991; Mayer 1977b) e as vezes se elabora uma poção triturando as folhas trituradas em água (Valdés et al. 1983; Valdés et al. 1987ª). Além da hipótese de Wasson de que a ska pastora fora a antiga pipiltzintzintli dos astecas, se há conjecturado que a Salvia divinorum está representada “en el tocado” de um “deus da morte” pintado em um painel do antigo Dresden Codex maya (Emboden 1983ª).

O estudo etnográfico mais completo da ska pastora é de Valdés e seus colaboradores, no qual descrevem o uso do suco de Salvia divinorum em doses de 20-80 pares de folha, uns 50-200 gramas; 20 pares é a “dose do principiante” (Valdés et al. 1983), junto com a descrição de suas experiências visionárias pessoais provocadas pela droga (Valdés et al. 1983; Valdés et al. 1987ª). Em vista a margem de dosificação, é surpreendente que Anita Hofmann experimentara efeitos enteogênicos depois da ingestão de um suco de só três pares de folha (Hofmann 1980; Hofmann 1990). Em sua biografia, Maria Sabina descreve seu constume de usar ska pastora “no tempo em que não se conseguem fungos (hongos)” (Estrada 1977). Alguns têm considerado as folhas da pastora com um enteógeno inferior. Esta atitude pode dever-se em grande medida a necessidade manifesta de consumir grandes quantidades faz folhas frescas para poder experimentar efeitos claros, e a suposta instabilidade do princípio ativo, posto qe se afirma que o suco conserva sua atividade só durante um dia e as folhas podem conservar-se frescas durante uma semana si se envolvem com outras folhas (Valdés et. al 1983). Posto que se há determinado que a salvinorina a possui efeitos sedantes em ratos, existem dúvidas de que seja realmente o princípio enteogênico de efeito claramente estimulante presente nas folhas. Alguns consideram a ska pastora o enteógeno por excelência (Bigwood 1978) e existe um moderno mercado de plantas vivas de S.divinorum, a “salvia dos videntes” nos EUA, apesar de que um expert americano em ervas medicinais manifestara que “no meu caso as folhas apenas me produziram efeitos perceptíveis... profetizo que Salvia divinorum nunca se converterá em um euforizante popular dentro da subcultura” (Foster 1984).

Em 1975 observei a prática de fumar as folhas recém dissecadas de S.divinorum tragas frescas da zona mazateca, entre usuários jovens de marihuana na Cidade do México, um uso que me informaria mais tarde Diaz (Diaz 1975). Pude verificar pessoalmente que esta forma de administração produzia realmente um curto efeito. Este uso não índio tão peculiar da planta também acontece hoje em dia (Blosser 1991; Pendell 1992). Baseando-se em diversos autoexperimentos, Diaz classificou a S.divinorum junto com a marihuana e Calea zacatechichi como “onirógeno”, quer dizer, planta indutora de sonhos (Mayagoitia et al. 1986) e “cognodisléptico” ou droga que induz “uma maior viveza discernível em todas as esferas sensoriais” (Diaz 1979). Diaz rechaçou a identificação proposta por Wasson do pipiltzintzintli como S.divinorum sugerindo por sua parte que a marihuana, Cannabis sativa, era na realidade a antiga droga dos astecas (Diaz 1975; Diaz 1979). Se aceita de forma generalizada que a marihuana foi introduzida no Novo Mundo com posterioridade a conquista, de forma que Schultes e Hofmann classificaram a hipótese de Diaz como “mais que muito improvável” (Schultes et Hofmann 1980). Salvia divinorum pode se cultivar facilmente (Diaz et al. 1987ª) e de fato não se conhecem variedades espontâneas, existindo só algumas populações isoladas na Serra Mazateca, embora seu cultivo nos Estados Unidos e outros lugares foi popularizado nos últimos anos.

Os índios mazatecas crêem que a planta não é originária de sua região na Serra Madre Oriental (Wasson 1962b) e desconhecemos de onde procedeu já que não foram descobertas populações silvestres nem se conhece seu antecessor silvestre, embora se opine que a planta com que tem um parentesco mais próximo é a espécie silvestre mexicana Salvia cyanea (Epling et Játiva-M 1962). A afirmação dos índios mazatecas de que a planta é inativa quando está dissecada é falsa, posto que se sabe que as folhas secas conservam sua atividade durante tempo considerável. Os mazatecas parecem ignorar a atividade da planta quando se fuma, embora pode ser que já tenha notícia disto através de forasteiros, alguns dos quais consomem a planta como se tratasse de uma espécie de marihuana. Ao fumar as folhas secas, a inalação de cinco ou seis sacadas em rápida sucessão produz um suave efeito similar a da ingestão das folhas secas, efeito que se inicia até a quinta ou sexta inalação e dura de uma a duas horas. Meus colaboradores e eu temos determinado recentemente que é inecessário tragar as folhas ou suco e que a absorção mais eficiente dos princípios enteogênicos se produz nas membranas mucosas da boca. Com só seis folhas bem mascadas mantidas na boca (de modo como se masca a coca) se consegue um efeito enteogênico que se inicia em até dez minutos e dura de uma a duas horas (Ott 1995; Siebert 1994). Embora os dois grupos que isolaram pela primeira vez a salvinorina A não informaram acerca de suas propriedades farmacológicas no ser humano, estudos recentes têm demonstrado que este composto é o mais potente enteógeno natural conhecido, ativo por via inalatória (fumado) a doses tão baixas como 200 mcg. Minha hipótese de que a planta poderia conter tujonas psicoativas presentes em outras espécies de Salvias resultou errônea posto que mediante destilação com arraste de vapor das folhas frescas não se puderam obter estes compostos (Ott, notas de laboratório não publicadas). Também estou intentando hibridizar dois clones da planta que produz flores com o fim de obter sementes férteis. Em um intento anterior se puderam obter sementes, mas resultaram destruídas por um excesso de calor em uma estufa antes do que se pudera determinar sua viabilidade (Valdés et al. 1987ª). Creio que muitas pessoas que tenham a oportunidade de conhecer a ska pastora apreciarão este interessante enteógeno e estou seguro de que com o tempo este enteógeno único, legal e facilmente cultivável atrairá mais e mais devotos até nossa senhora: Maria a pastora.

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