Psicodélico: Um chá entre amigos

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Um chá entre amigos

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Um chá entre amigos
Por Fabio Bentes

Com um nome pitoresco e um discurso de “luz, paz e amor”, a União do Vegetal é uma comunidade fundamentada nos poderes místicos de um chá especial. A busca pelo sobrenatural e a propagação de ideais nobres se misturam a contradições e rituais de alucinação grupal.

Na diversidade das religiões nos tempos atuais encontra-se de tudo, desde grandes grupos de religião monoteísta a seitas de caráter regional. Os princípios são os mais diversificados e as idéias se multiplicam. Neste contexto de crenças múltiplas, voltamos nossa atenção para a União do Vegetal.

Trata-se de uma comunidade que crê em poderes mágicos de um chá feito a partir de duas ervas – Mariri e Chacrona – e que, segundo os membros da seita, é capaz de proporcionar inúmeros benefícios, revelar profundas questões existenciais àqueles que provam de seu poder e curar as mais diversas enfermidades.

O nome com que foi batizada a comunidade em questão vem deste chá, chamado entre os participantes de “vegetal”. Outro nome pelo qual o chá é chamado entre os adeptos da seita é hoasca. Este termo está relacionado ao nome que as tribos amazônicas utilizam para a mistura do chá.

Confiantes nos poderes sobrenaturais da hoasca, homens e mulheres do Brasil e do mundo se reúnem para encontros místicos organizados pela União do Vegetal.

Até você, Salomão?
A União do Vegetal atribui suas origens à corte do rei Salomão — personagem bíblico notável na História por sua sabedoria. A lenda afirma que um discípulo e assistente de Salomão — Caiano — recebeu do rei o sétimo segredo da natureza (uma mistura de ervas para o preparo do chá) e a chave da palavra perdida. Sendo portador do segredo da mistura para a bebida e conhecedor da palavra perdida, Caiano era capaz de entrar em contato com a “força superior, a suprema divindade”. Desde então, em um processo de reencarnação, Caiano vem recriando a União do Vegetal de tempos em tempos, sempre que encontra na terra pessoas capazes de administrar corretamente os segredos da hoasca e dispostas a sair das ‘trevas’ e entrar para a “luz”.

Caiano entre nós
Em terras brasileiras, a União foi “recriada” (como o grupo gosta de dizer) por José Gabriel da Costa, que futuramente se tornaria o reverenciado Mestre Gabriel. Era baiano e, ainda na juventude, deslocou-se para as regiões amazônicas no intuito de trabalhar nos seringais, na promissora indústria da borracha. Chegou, finalmente, em Porto Velho, antigo território de Guaporé (atual Rondônia) e lá se estabeleceu com sua esposa. Nas regiões de Porto Velho e proximidades, quase na fronteira com a Bolívia, José Gabriel teve seu primeiro contato com a hoasca, o “vegetal”.

O chá já era utilizado pelas nações indígenas americanas em rituais de pajelança e as ervas que davam origem à mistura encontradas na floresta amazônica. Experimentando as propriedades alucinógenas da hoasca, e desejando aprofundar seu envolvimento com as questões espirituais e místicas, José Gabriel deu início à atividade que tomaria contornos mais sérios dali em diante. Em 1961, com 39 anos de idade, fundou a União do Vegetal. No início, Mestre Gabriel tinha alguns poucos discípulos, a quem ele administrava a distribuição do chá e recitava palavras de sabedoria. Com o tempo, o grupo foi crescendo e as fronteiras da União, constantemente ampliadas. No princípio da década de 70, por questões legais, fez-se necessária uma organização administrativa da comunidade. Nascia o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.

Origens tribais
Fica evidente que a União do Vegetal tem um caráter de neoxamanismo,1 ao consideramos os princípios de utilização do chá para rituais religiosos, o que é reforçado quando analisamos a presença de um “mestre” que vai administrar a distribuição da hoasca, utilizando seus graus elevados de espiritualidade para conduzir os demais. Realmente, o baiano José Gabriel havia assumido de vez os costumes e tradições tribais das circunvizinhanças.

Alguns anos antes, Raimundo Irineu Serra iniciava um movimento semelhante não muito longe dali. Mestre Irineu — como era chamado pelos seguidores — teve contato com o chá milagroso já no início do século XX, quando deixou o Maranhão para morar no Acre, perto da fronteira com o Peru. Segundo seu relato, recebeu uma ordem direta de Nossa Senhora da Conceição para propagar a utilização da hoasca em rituais de ensino. O movimento iniciado por ele recebeu o nome de Daime, que é derivado dos pedidos feitos durante o ritual em que a bebida é ingerida: “Dai-me paz, dai-me amor, dai-me luz”, etc. Com isso, também fica evidente que existem mais semelhanças do que diferenças nos movimentos iniciados pelos dois líderes.

Vejamos. A União do Vegetal, iniciada por Mestre Gabriel na década de 60, apelidou a hoasca de “vegetal”, enquanto o Santo Daime, movimento iniciado por Mestre Irineu no início do século passado, usa o homônimo para identificar a bebida milagrosa.

Quanto às demais práticas adotadas pelas comunidades, o paralelismo é claro: doutrinas espíritas, reencarnação em um processo de evolução espiritual, encontro com a divindade por ocasião da ingestão da hoasca, busca pela paz, amor e iluminação. Tudo isso mediante o acompanhamento de um mestre devidamente autorizado pela ordem e com experiências sobrenaturais (leia-se alucinações) reconhecidas.

Também é comum às seitas o interesse pela preservação do meio ambiente. Não fica claro se esse interesse é de caráter holístico ou se é simplesmente por medo de que algo mais sério venha a ocorrer na mata amazônica (que é a fonte das ervas que dão origem à hoasca).

Silenciosos e atuantes
Mestre Gabriel morreu (ou “desencarnou”, como preferem os membros da União) em 1971. Com fortes convicções de propagar seus princípios, antes de morrer, separou doze homens (qualquer semelhança com outras histórias é mera coincidência!), para que pudessem dar continuidade à sua obra de divulgação da União. Nos anos seguintes, a União do Vegetal já alcançava novas cidades, montava novos centros e estabelecia novos núcleos. Hoje, a União do Vegetal se encontra espalhada em todo o território nacional, não marcando presença apenas em três Estados: Rio Grande do Norte, Tocantins e Sergipe. Os filiados já superam a casa dos 6000, mas os adeptos não têm intenções de se tornar uma potência religiosa. Um dos lemas da União é “discretos, mas não secretos”. Fica claro que é secundária a prática de arrebanhar novos membros. Quanto a isto, a União do Vegetal se mostra uma comunidade bem peculiar. Seus filiados são pessoas de todo e qualquer nível social, inclusive artistas e celebridades.

Há, ainda, uma dissidência da comunidade original criada por Mestre Gabriel. Esta segunda comunidade nasceu de uma discórdia entre os líderes do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal e um mestre que desenvolvia suas atividades em um núcleo de São Paulo. Mestre Joaquim, que afirma ser o sucessor legítimo de Mestre Gabriel, depois de tentar reconciliações com a comunidade original, começou seu próprio núcleo, desligado da sede geral que se encontra em Brasília. Ele fez uma pequena alteração no nome e hoje é mestre e líder supremo do Centro Espiritual Beneficente União do Vegetal. Sua sede fica em Campinas (SP) e sua fazenda em Mato Grosso, com plantações de Mariri e Chacrona (para preparo da hoasca). É a maior do mundo. Dos Estados Unidos, da Europa e do Oriente, muitas pessoas têm vindo experimentar as diferentes sensações que a hoasca pode proporcionar.

A droga leva a Deus
A hoasca é um alucinógeno. Por mais que se queira dar um caráter espiritual para a ingestão do chá, trata-se de uma droga presente na lista proibida de muitos países e que, inclusive, já levou o próprio Mestre Gabriel para a prisão. Atualmente, existem pessoas detidas em países estrangeiros por tentarem transportar a hoasca em viagens internacionais. Estas listas proibidas são fundamentadas em pesquisas que comprovam cientificamente as propriedades alucinógenas da droga, ou seja, quem está sob seu efeito não está em contato total com a realidade. Em um português bem claro, “não está em seu melhor juízo”. A União do Vegetal diz que faz pesquisas sobre as propriedades químicas do vegetal — hoasca — para avaliar os riscos existentes no consumo da droga, porém, suas pesquisas são internas e um tanto quanto parciais. O governo brasileiro fez um pedido à Universidade Federal de São Paulo para que fizesse tal avaliação e os resultados mostraram que, no transcurso do ritual, pode haver perda do controle, levando a reações de pânico. O “vegetal” também se mostra claramente nocivo, à medida que pode dar início a quadros psicóticos permanentes em pessoas predispostas a essas doenças ou desencadear novas crises em indivíduos portadores de doenças psiquiátricas, como, por exemplo, a esquizofrenia.

Nesta pesquisa também foram dados “nomes aos bois” e os químicos mencionaram, uma por uma, as substâncias que representavam riscos à saúde. Tal discussão foi inclusive alvo de polêmica em setembro de 2000, quando uma matéria da revista Veja questionou a intenção do governo ao solicitar o estudo. O general Alberto Cardoso, Secretário Nacional Antidrogas e Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, mandou que a hoasca fosse temporariamente retirada da lista de drogas proibidas, mesmo tendo a pesquisa a classificado como um alucinógeno. Um de seus argumentos (extremamente contestado na época) foi afirmar que ‘religião é religião’. O repórter Ricardo Galhardo, da Veja, levantou uma questão óbvia: seria esta argumentação válida quando comunidades religiosas resolvessem utilizar cocaína, crack e heroína em seus rituais?

Mistura de ervas, mistura de religiões
Em relação à sua doutrina e pensamento, a União do Vegetal é uma comunidade com princípios basicamente espíritas. Na verdade, fica evidente uma mescla de princípios kardecistas e religiosidade tribal.

Em relação às semelhanças com o pensamento espírita, estão a doutrina da reencarnação – sempre de humanos para humanos – e a busca incessante pela iluminação. Diz-se, inclusive, que a droga não é alucinógena, mas, sim, “iluminógena”. Ela “ilumina” e “desperta” aqueles que querem se livrar da ilusão que é o mundo em que vivemos (sim, algo meio budista). A vontade de viver em “luz, paz e amor” (o símbolo da União) deve estar presente em cada coração e os membros devem se esforçar para seguir estes princípios. Não fica claro como, onde e de que forma estes princípios são vividos no dia-a-dia, mas, durante os rituais, o mestre encarregado da distribuição do chá e da condução da reunião recita palavras de sabedoria para seus discípulos. Todos em estado mental discutível.

Um ponto de grande relevância para a discussão fica por conta da rejeição da seita a vícios como tabaco, álcool e drogas. Isso mesmo. Drogas! A comunidade rejeita este tipo de prática e, segundo informações fornecidas pela liderança, o índice de abstinência quanto a estes costumes entre os adeptos é de 100%. Também, como já mencionado, a União é bem reservada quanto às suas reuniões e sessões rituais. Não é algo secreto – como ocorre na maçonaria, por exemplo – mas não faz parte da estratégia sair pelo mundo difundindo os segredos e benefícios da hoasca.

Surge, então, outra questão a ser levantada: não seria bom que todas as pessoas partilhassem de algo tão bom, saudável e benéfico?

Deuses diferentes
É inaceitável a idéia de alguém sujeitar-se a estados mentais de alucinação para que possa encontrar Deus. Imaginar que Deus se esconde atrás de substâncias químicas que afetam diretamente o cérebro humano é imaginar que Deus é um Deus vil, que não quer ser encontrado e está sob autoridade material. Conclusões tiradas enquanto o sistema nervoso não está em condições seguras – inclusive com comprovação científica – é jogar no lixo a capacidade mental do ser humano e a suficiência de Deus em se revelar. Deus não está em frases de efeito ou em rituais como os aqui mencionados. Deus está disponível a todos nós pelo seu Espírito. Ele é livre, não está condicionado a práticas, rituais ou drogas alucinógenas. Ele entra em contato direto com o nosso espírito (Jo 4.24). Sua ação não está regulamentada pela atuação de substâncias químicas no sangue. Uma conclusão que se tira a respeito do deus encontrado pela União do Vegetal é que ele é bem limitado. A Bíblia mostra um Deus que é Senhor dos céus e da terra e que criou todas as coisas (Is 40.26). Um Deus que não conhece limites, mas apenas aqueles que Ele mesmo quer ter.

Em relação ao desinteresse que a seita mostra em revelar ao mundo seus princípios, trata-se de um ato frio, egoísta e desumano. Quando um semelhante encontra algo de bom e não quer compartilhá-lo com outros, fica evidente que o princípio do amor é uma mentira. Amor é viver no deserto e contar a todos que você encontrou água para que a boa notícia traga alegria e ânimo a todos.

Quanto à aceitação da boa notícia, não há como prever as reações, mas o dever de buscar cada vez mais pessoas – o mais rápido possível – é óbvio e inquestionável. A Bíblia apresenta um Deus (na pessoa de seu Filho Jesus) que orienta seus discípulos com veemência para que corram o mundo inteiro fazendo cada vez mais discípulos, mostrando o caminho a todos aqueles que desejarem (Mt 28.16-20). Um deus que escolhe um grupo, em um único país, e não orienta uma propagação rápida e imediata de sua doutrina é um deus cruel. Tudo isso nos leva a uma única conclusão: sob o efeito de uma droga – como qualquer outra – o deus encontrado pela União do Vegetal é um deus interno, que sai da profundidade do inconsciente, é libertado mediante ação química e representa nada mais do que pensamentos ocultos, medos internos, sonhos frustrados, sensações diferentes e descontrole emocional.

Tudo isso reforçado pela ação do nosso inimigo, o diabo, que busca pessoas ansiosas por perder o controle para que ele mesmo assuma este controle. Longe de ser um grupo interessante, com intenções genuínas, a União do Vegetal é uma organização com claras contradições; centrada na perda da totalidade da consciência e na alucinação. Levantando uma bandeira de religiosidade, a União do Vegetal não consegue esconder a verdade: É mais um grupo que se reúne para o consumo de ervas dizendo que não faz nada de errado, como quem senta para tomar um chá entre amigos...

Nota:

1 Uma espécie de novo xamanismo. O termo “xamã” refere-se a um sacerdote ou mágico de certas religiões. Um xamã era um médico-sacerdote, supostamente dotado de poderes espirituais como profeta e curador. Uma definição mais clara indica qualquer sacerdote tribal, supostamente dotado desses poderes, que encabeça as práticas religiosas de um grupo assim chamado (Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia, CHAMPLIN, R. N. & BENTES, J. M., Candeia, 1997).

3 comentários:

Renan Reis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Gostei do blog, amigo!

Na disse...

quem escreveu esta matéria bebeu essa chá????