A partir dos anos 1980, com a cocaína, a reputação das drogas decaiu; mas, como já sabia Steve Jobs, o LSD pode ser útil para os doentes ou recreativamente
Marcos Fernandes G. da Silva, Folha de S.Paulo
TENDÊNCIAS/DEBATES
Um debate ácido
“Usar LSD foi uma das melhores coisas de minha vida.” Essa afirmação de Steve Jobs, que literalmente amou o alucinógeno ao longo de sua vida, chocou a muitos, mas não poderia ter sido mais oportuna.
De fato, nos anos 1960 houve um elogio dionisíaco dos recreativos naturais e químicos. No entanto, a “The Economist” recuperou recentemente a história de Timoty Leary, professor de psicologia de Harvard. Suas pesquisas foram revisitadas recentemente, reabrindo um debate inescapável sobre drogas e seus usos.
Entretanto, a partir dos anos 1980, com a ascensão da cocaína, a reputação das drogas em geral decaiu e as proibições foram encaradas como única política pública aplicável ao problema.
A mais nova vítima da criminalização é a Salvia divinorum, “prima” daquela deliciosa ervinha culinária. Ela pode ser mais poderosa do que o LSD e levar a surtos perigosos, embora há tempos seja usada em rituais no México e recreativamente em vários lugares. Todavia, está sendo banida em alguns países. Seria essa solução inteligente?
Recentemente, John Gray (London School of Economics) resumiu no “The Guardian” os argumentos contrários à criminalização das drogas. A guerra contra elas fracassou: os custos do uso de droga permanecem sem a legalização, assim como os infinitos custos da proibição.
Por outro lado, as drogas alucinógenas não podem ter benefícios. Poder-se-ia defender, por exemplo, a produção orgânica de cigarros. Não que eles não fariam mal, mas, realisticamente falando, podem, no uso moderado, gerar benefícios para os fumantes. O melhor é não fumar, mas nem tudo é (e nem deve ser) perfeito.
O LSD pode ser usado no tratamento de dores de cabeça crônicas e de demência senil. Pode ser usado em pacientes terminais e recreativamente. Ademais, a evolução científica poderá criar uma nova geração de alucinógenos sintéticos, mais seguros.
O grande problema quando se fala de drogas é o estigma. No caso dos alucinógenos, o uso recreativo é tradicionalmente visto como uma fraqueza, como algo que contradiz os princípios de uma sociedade organizada e sã.
Nada mais perigoso. Huxley afirmava: “Não quero conforto, quero Deus, quero poesia, quero perigo real, quero liberdade, quero bondade, quero pecado”.
Afora os argumentos econômicos (custos) e políticos (excesso de regulação da vida privada), a legalização do LSD se baseia numa prerrogativa moral, estabelecida por algo que defino como o “paradoxo da autonomia”: cada vez mais temos autonomia para saber que não a temos.
Isto é, saberemos nossas propensões genéticas aos vícios e, dessa forma, poderemos evitá-los. É falacioso afirmar que não temos autonomia diante das drogas. Não temos autonomia em geral, mas, guiados por uma ética da responsabilidade, podemos regular nossas vidas privadas, sem o Estado.
MARCOS FERNANDES G. DA SILVA, 48, economista da FGV, é autor de “Ética e Economia” e de “Formação Econômica do Brasil: Uma Reinterpretação Contemporânea” (ambos pela editora Campus)
Um comentário:
Muito bom artigo!
http://desfato.blogspot.com/
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