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Carta Aberta à Sociedade Brasileira – Pela reabertura do debate público sobre a maconha
Por,
Sergio Vidal [1]
“…Temos clareza de que as metas de um ‘mundo sem drogas’ se mostraram inatingíveis, com visível agravamento das “conseqüências não desejadas”, tais como aumento da população carcerária por delitos de drogas, aumento da violência associada ao mercado ilegal das drogas, aumento da mortalidade por homicídio e violência entre jovens – com reflexo dramático nos indicadores de mortalidade e de expectativa de vida da população. Agregue-se a isso exclusão social por uso de drogas, a ampliação do mercado ilegal…” (
General Jorge Armando Felix, 11 de março de 2009).
“A Cannabis aparece nos documentos de referência da ONU produzidos nas Convenções de 1961 e 1971 de maneira contraditória, além de cientificamente incorreta. [...] O Brasil teve papel fundamental na gênese dessa situação, na Convenção de 1924. Faz sentido que o Brasil busque correção de equívoco histórico que já perdura por quase um século”(Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, Março de 2009) [3].
A planta Cannabis sativa é conhecida no Brasil popularmente como maconha, mesmo nome que é dado também ao fumo usado como droga, apenas uma entre as diversas possibilidades de uso da planta. As folhas, caule, sementes e flores foram e ainda são utilizadas em diversos países do mundo, como matéria prima para inúmeros produtos nas mais diversas áreas. Poderíamos expor dados a respeito de como o Brasil tem se furtado a lucrar com a regulamentação da exploração comercial das partes não-psicoativas da planta e seus derivados, sem necessariamente legalizar o uso para fins recreativos e existem diversos estudos, livros, artigos e outros trabalhos científicos e técnicos que podem ser consultados a esse respeito. Porém, dentro de uma discussão sobre leis e políticas públicas sobre drogas que se proponha de fato debater acesso à saúde, segurança e cidadania aos cidadãos, precisamos atentar não apenas para as perdas econômicas da exploração desse nicho de mercado, mas principalmente para os custos que a manutenção de políticas e leis proibicionistas causam para toda a sociedade.
Mesmo que o uso da maconha e de outras plantas psicoativas tenha sido uma presença constante em quase toda a trajetória humana na terra, somente a partir do final do séc. XIX, após a Guerra do Ópio, surgiram os Encontros Internacionais para discutir o tema. Durante os encontros de 1909, 1911, 1912 e 1921, realizados para discutir questões relacionadas à coca e ao ópio, não houve qualquer menção à maconha. Na Reunião de 1924, Brasil, Egito, Grécia e alguns outros países cujos governantes tinham interesses em proibir seu uso iniciaram uma campanha para que ela também fosse considerada perigosa e incluída na lista de proscrições. Sob pressão, uma Comissão especial foi criada para analisar a matéria. Inspirados na criação dessa Comissão, na década de 1930, alguns países, a exemplo do Brasil (1932) e EUA (1937), criaram leis federais banindo seu uso. Desde então, passaram a pressionar para que os Tratados Internacionais incluíssem a Cannabis sativa, o que só foi conseguido na Convenção Única de Entorpecentes, em 1961. De lá pra cá, o consumo não diminuiu, mas a repressão foi intensificada, na mesma medida em que aumentou a violência relacionada à produção e comercialização não-autorizada de maconha, bem como de outros crimes e problemas sociais relacionados, como os citados pelo General Jorge Armando Félix.
É importante ressaltar que a participação da delegação brasileira nesses encontros, ao expor dados sobre os perigos da maconha no país, contrariou os dados clínicos e científicos que existiam no país. Até mesmo um relatório publicado por encomenda do Governo Brasileiro em 1959 sobre a planta foi desconsiderado. Ou seja, a delegação brasileira, queremos crer que por imprudência ou imperícia, levou dados equivocados sobre a planta para um Encontro Internacional. Esses dados foram utilizados para equiparar a maconha à heroína e outros opiáceos, drogas incluídas na Lista IV, justificando uma decisão que influência até hoje as leis de diversos países, incluindo o Brasil.
A história da maconha e da sua proibição no Brasil e no mundo é cheia de capítulos obscuros. Não é possível precisar ao certo como uma planta que foi cultivada em todo o mundo e considerada econômica e socialmente importantíssima passou a ser perseguida política e legalmente. Especificamente no Brasil, é difícil entender como uma planta cultivada oficialmente pela Coroa Portuguesa e disseminada em todo o país e que teve seu uso difundido e tolerado passou a ser estigmatizada e criminalizada. É apenas possível ver nesses processos indícios de racismo, etnocentrismo, xenofobia, autoritarismo e muitos outros ‘ismos’ que sabemos tão perniciosos à construção de um Estado Democrático de Direito.
O proibicionismo, ou seja, as políticas e leis que nas quais é utilizada de forma exagerada e perniciosa a proibição enquanto regra é uma criação recente na história. Acredito realmente que os representantes de cada país, tanto no passado quanto atualmente queiram o melhor para suas nações e para o mundo. Porém as boas intenções iniciais de regular o mercado para que ele não causasse danos aos indivíduos nem à sociedade foram esquecidas em algum momento no passado. As trocamos por uma ilusão coletiva de que a melhor forma de lidar com as drogas e com as pessoas que as consomem é publicar decretos proibindo suas existências e ampliar as maneiras e intensidades de punir aqueles que insistem em não se encaixar nesse mundo utópico. Ao fazer isso, esquecemos também que políticas e leis sobre drogas não podem causar danos mais graves à sociedade ou aos indivíduos do que o uso das drogas em si.
Segundo os dados do Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas de 2005, estima-se que 5.000.000 de pessoas fumaram maconha ao menos uma vez na vida. Isso significa que correram o risco de ser processadas e passar pelos trâmites policiais e jurídicos por terem fumado maconha, uma prática que, até outubro de 2006 era punível com até 2 anos de prisão. Esses dados dão uma aproximação da realidade e nos levam a refletir que todas as pessoas conhecem alguém – um parente, um vizinho, um amigo ou conhecido – que fuma maconha, freqüentemente ou não, ou então que já fumou. Sendo assim, em todas as famílias brasileiras existem pessoas que sofrem direta ou indiretamente as conseqüências negativas das políticas e leis sobre drogas adotadas atualmente. Mesmo que não seja possível mensurar qual seria o impacto da autuação e processo de todos esses cidadãos brasileiros que consomem derivados de Cannabis sativa, é possível imaginar o que tem representado para o país e para essas pessoas a adoção de leis e políticas pouco tolerantes com suas condutas. No mínimo, essas políticas e leis não têm alcançado seus objetivos principais de assegurar acesso à segurança, saúde e cidadania.
Estão previstas para ocorrer nos próximos dias 2, 3 e 9 de maio a Marcha da Maconha em 14 cidades brasileiras e em mais de 250 cidades em todo o mundo, tendo como objetivo promover reflexões em torno dos danos causados pelas atuais políticas e leis sobre a maconha e seus derivados. Essa não é uma manifestação que interessa apenas às pessoas que usam maconha ou outras drogas. Interessa a todos os cidadãos e cidadãs que querem ajudar a construir e a manter a Democracia Brasileira.
Em uma Nação que se pretenda afirmar como Estado Democrático de Direito, qualquer tentativa de desvirtuamento do Artigo 5º da Constituição Brasileira, do Código Civil ou mesmo da Lei 11.343, com a intenção de obscurecer os objetivos da Marcha da Maconha ou incutir-lhe qualquer conotação de apologia ao crime ou incentivo ao uso de drogas é inaceitável. Movimentos sociais não podem ser criminalizados apenas por querer reabrir um debate político-legal ou por manifestar seus posicionamentos, como ocorreu em quase todo o país em 2008 e como estamos vendo ocorrer esse ano em Fortaleza, João Pessoa, Gôiania, Salvador e São Paulo.
Ao afirmar na 52ª Sessão da Comissão de Entorpecentes da ONU para o tema das drogas que as metas acordadas nos Tratados Internacionais anteriores se mostraram inatingíveis, o Brasil tomou uma posição de coragem, admitindo que o caráter absurdo de uma das principais metas que sustentam a manutenção das políticas proibicionistas. Assim como ao reafirmar a necessidade de avançar com firmeza na garantia dos Direitos Humanos dos cidadãos usuários de drogas. Também deu um passo importante quando aprovou na última reunião do CONAD – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, realizada em março desse ano, que errou na reunião de 1924 e que deve ser enviada uma moção pedindo retração por esses erros e sugerindo a exclusão da Cannabis da Lista IV. Porém, muitos passos ainda precisam ser dados para sairmos do lugar incomodo onde atualmente estamos e começarmos a trilhar caminhos que verdadeiramente respeitem a diversidade, os direitos humanos e assegure o acesso à saúde, segurança e cidadania.
[3]Trecho das ‘Conclusões’ do Parecer da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico sobre encaminhamento à ONU de proposição de retirada da Cannabis e substâncias canabinóides da Lista IV, com sua manutenção na Lista I da Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961
ASSINAM A CARTA
INSTITUIÇÕESABESUP – Associação Brasileira de Estudos Sociais sobre o uso de Psicoativos;
ACARD – Associação Capixaba de Redução de DanosAMAR – Associação de Mulheres do Acre Revolucionarias
AREDACRE - Associação de Redução de Danos do Acre
ARDAM- Associação de Redução de Danos do Amazonas;
BEM VIVER – CONSULTORES ASSOCIADOS;
Centro de Convivência É de Lei – São Paulo
Centro Academico de Ciências Sociais Caio Amado ( Cacam) – Universidade Federal de Sergipe (UFS);
Coletivo Marcha da Maconha Salvador;
Coletivo Marcha da Maconha São Paulo;
Coletivo Marcha da Maconha Porto Alegre;
Coletivo Marcha da Maconha Rio de Janeiro;
Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal da Bahia;
Flores de Maio – Movimento Estudantil da Univesidade Federal da Bahia;
Fórum Norte de Redução de Danos;
Fórum Saúde do Acre;
LAPIS – Laboratório de Pesquisa Interdisciplinar sobre o uso de Substâncias Psicoativas/UNIVASF
Movimento Mudança – Movimento Estudantil;
RADAR – Rede Acreana de Defensores da Amazonia e Rios;
Rede Paulista de Redutores de Danos;
UNE – União Nacional dos Estudantes.
INDIVÍDUOS
Adriana Barcellos – Representante de São Paulo no Colegiado ABORDA e Membro da Diretoria da Rede Paulista de Redutores de Danos;
Aldeisa Freitas de Oliviera – Redutora de Danos do Acre, Conselheira estadual de Saúde do Acre;
Álvaro Augusto de Andrade Mendes – Coordenador do Fórum Norte de RD, Conselheiro Estadual de Saúde do Acre e Coordenador do Fórum Saúde do Acre;
Bruna Macedo Sussuarana – Redutora de Danos e Conselheira Estadual de Saúde do Acre;
Bruno Ramos Gomes – Psicólog e mestrandfo em Saúde Pública;
Claudio Ricardo Silva de Oliveira – Jornalista;
Daphne Oliveira Soares – Psicóloga, CRP-03/05853
Delma Alves de oliviera - Redutora de Danos e Diretora Administrativa da Aredacre;
Dênis Roberto da Silva Petuco – Educador popular, redutor de danos, sociólogo, Mestrando em educação pela UFPB, Membro do Grupo de Pesquisa sobre Educação Popular e Saúde – UFPB;
Edward MacRae – Antropólogo, Prof. da Universidade Federal da Bahia, membro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas ;
Fabio Batista Felizardo da Silva – historiador, e, pós-graduando em História do Brasil pela UFF (Universidade Federal Fluminense);
Fabio Nutti Marangoni – Fotógrafo (Escola Panamericana de Arte), Publicitário (FAAP), Professor de ensino superior de fotografia e comunicação visual;
Felipe Vago Ferreira – Redutor de Danos;
Gabriela Giacomini de Almeida – estudante, funcionária da USP e militante do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade);
Helder Uhebe Soares El-Bachá – Psicólogo e Redutor de Danos, CRP-03/04083
Henrique Soares Carneiro – Historiador;
Jandervan Pereira Mais – Redutor de Danos e Mobilizador da Aborda no Acre;
João Sampaio Martins – Psicólogo CRP 03/03791, Apoiador Institucional da Área Técnica de Saúde Mental da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia;
Leazar Haedrich – Presidente da Aredacre, Conselheiro estadual de Saúde do Estado do Acre e Redutor de Danos do acre;
Luana Silva Bastos Malheiro – Supervisora de campo da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti, serviço da Faculdade de Medicina da UFBA, Conselheira suplente do Conselho Estadual da Juventude, Membro do GIESP E NEIP;
Luciana Boiteux – Advogada e Professora Adjunta de Direito Penal. Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Luiz Fernando Marques – médico, especialista em saúde pública, adolescência e substâncias psicoativas, ex-conselheiro do então Conselho Nacional Anti-drogas da SENAD/Presidência da República, representante do Ministério da Saúde
Luzania Barreto Rodrigues – Antropóloga
Marco Antônio Gracie Côrte Imperial – Prof: Jornalista, fotógrafo, músico, analista de leis. meio ambiente, direitos-humanos Representante do Centro Eclético de Fluente Luz Universal São Pedro e Rainha do Mar;
Maria da Liberdade do Carmo – Assist.Social, Sexologa, Coord. Estadual do MAB – Movimento dos Atingidos Por Barragens _ TO e Mobilizadora do colegiado da ABORDA;
Marisa Felicíssimo – Médica, Psiquiatra Especialista em Dependência Química e Redução de Danos. Integrante das ONGs Psicotropicus e ENCOD;
Marco Magri – Cientista SocialMarcos Luciano Lopes Messeder – Antropólogo, Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pesquisador associado ao Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD/UFBA);
Maurício Fiore – Antropólogo Neip/CEBRAP;
Michelle Miranda – Psicóloga CRP 06/86.391, especialista em Saúde Coletiva e redutora de danos.
Pablo Ornelas Rosa, sociólogo/antropólogo, professor da UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná e pesquisador do NEJUC/UFSC e NEIP.
Paulo Cesar Pontes Fraga – Professor Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz, Coordenador do Grupo de Pesquisa Violência, Política de Drogas e Direitos Humanos;
Rafael Aragao Pinto – estudante do curso de Ciências Sociais (UFS);
Rafael Guimarães dos Santos – biólogo e pesquisador do
NEIP;
Ramon Arruda Braz – Redutor de Danos e Diretor Tecnico da Aredacre;
Renato Cinco – Sociólogo. Militante do PSOL, do Coletivo Marcha da Maconha e do Movimento Nacional pela Legalização das Drogas (MNLD);
Rinaldo Rossi – Estudante de Geografia da UFBA, militante do DCE UFBA e do PT;
Ronaldo Pinto Júnior - Diretor de Assistência Estudantil da UNE e membro da Direção Nacional da Juventude do PT;
Rossana Rameh – Psicóloga, Redutora de Danos, Membro do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas de Recife, Membro da Rede Pernambucana de Redução de Danos, Assessora Técnica da Saúde Mental da Cidade do Recife e do Estado de Pernambuco (Secretarias de Saúde), Pesquisadora do LEVES (Laboratório de Estudos sobre Violência e Saúde CPqAM / FIOCRUZ).
Sandra Goulart – antropóloga e pesquisadora do NEIP
Semíramis Maria Amorim Vedovatto – Psicóloga crp 08/6207, Especialista em Saúde Mental;
Sheila dos Santos Brasileiro – antropóloga/Salvador-BA;
Stella Pererira de Almeida – pós-doutora em psicologia USP/FAPESP, coordenadora
projeto Baladaboa;
Tales de Castro Cassiano – Vice-Presidente da UNE, Movimento Mudança, Movimento de Ação e Identidade Socialista – PT;
Talita Nunes Costa – Psicóloga, CRP-03/03791.