terça-feira, 15 de abril de 2008
quarta-feira, 9 de abril de 2008
Fotos da Jurema Preta
Segue algumas fotos da Jurema Preta retiradas hoje, depois de alguns dias de chuva.
segunda-feira, 7 de abril de 2008
DMT E NEUROCIÊNCIAS
DMT E NEUROCIÊNCIAS
por: Marcelo Bolshaw Gomes [1]
por: Marcelo Bolshaw Gomes [1]
JUSTIFICATIVA
O N,N-DMT ou N,N-dimethyltryptamine (C12H16N2), o alcalóide psicoativo existente na “bebidas mágicas brasileiras” (Ayahuasca e Jurema), deve se tornar no principal antidepressivo deste século, indicado para processos terapêuticos de mudança de hábitos, principalmente em tratamentos de dependência química, podendo ainda ser utilizado para o estudo da mente e para o desenvolvimento humano. E, apesar desta substância, só existir em plantas no Brasil e de sua patente científica ser discutido no âmbito internacional, ainda são poucas as pesquisas interdisciplinares realizadas sobre o assunto.
Sobre a Ayahuasca, há uma farta literatura botânica e antropológica, alguns estudos específicos sobre sua farmacologia e uma compilação interdisciplinar recente (LABATE & ARAÚJO; 2002) – que detalhamos adiante. Importante agora é ressaltar a descoberta do “efeito ayahuasca” (HOLMSTEDT-LINDGREN, 1967), isto é, de que a psicoatividade oral do DMT depende da inibição da monoanima-oxidase (a enzina catabólica MAO), causada pela ingestão simultânea de beta-carbonilas. Na Ayahuasca, o princípio simbólico feminino é constituído pela folha da Psichotria Viridis (Chacrona ou Rainha), portadora de DMT; e o princípio masculino, pelo cipó Banisteriopsis Caapi (Jagube ou Mariri), que contém harmina e harmalina, inibidores que geram a psicoatividade. Porém, nem a folha nem o cipó são psicoativos tomados separadamente.
Sobre a Jurema, o estudo contemporâneo mais importante é harmahuasca, anahuasca e jurema preta: farmacologia humana de DMT oral mais harmine de Jonathan Ott (2002), em que se investiga a hipótese de sinergia psicoativa entre o DMT e as b-carbonilas em diferentes preparos: a pharmahuasca (cápsulas de DMT e Harmine sintéticos); a anahuasca (bebidas preparadas com plantas diferentes da Ayahuasca, mas com os mesmos princípios ativos); e, finalmente, a Jurema preta, que apresenta um nível de concentração de DMT muito superior ao de outras plantas e é principal fonte contemporânea de triptaminas para as pharmahuascas e anahuascas. Outra descoberta notável, é que, consumido via oral acima de 25 mg, o DMT é psicoativo por si só, não precisando de inibidores. Não haveria, portanto, o tão propalado “ingrediente perdido” do preparo da Jurema entre os índios nordestinos.
Sobre o DMT propriamente dito, as pesquisas se iniciam com os textos de Terence McKenna (1992, 1993, 1994 e 1996). Hoje, na internet, encontram-se alguns sites com informação detalhada sobre a substância ([2]).
Toda informação disponível referente a estes três pontos (a Ayahuasca, a Jurema e o DMT) será detalhada em diferentes revisões bibliográficas.
OBJETIVOS E METODOLOGIA
Além de investigar o efeito do DMT no cérebro, o objetivo principal desta pesquisa é, observando o aspecto reverso, estudar a mente através do DMT. Ou seja: não apenas estudar o efeito químico da substância no organismo, mas, sobretudo, compreender quais dimensões de consciência que este efeito propicia (telepatia, regressões mentais a traumas infantis, visualização de imagens do inconsciente profundo, mudanças na percepção do tempo e da realidade).
Todavia, há também objetivos secundários bastantes relevantes. Em primeiro lugar, trata-se da importância de se estabelecer um projeto de pesquisa trans-disciplinar de ponta envolvendo pesquisadores locais (psicólogos, antropólogos, médicos, etc) com um assunto regional (uma vez que a jurema é nativa do semi-árido nordestino) dentro do Centro Internacional de Neurociências. Pensamos que a UFRN não deve apenas sediar este instituto de pesquisa, mas também participar desta iniciativa com seus pesquisadores, com temas de interesse público da sociedade potiguar. Mas não é só: o projeto quer também objetiva a elaboração e produção artesanal de um medicamento a base de DMT extraído da Jurema, bem como a possibilidade de sua utilização no tratamento de dependentes químicos. Para tanto, várias outras pesquisas específicas precisam ser desenvolvidas, ampliando assim o campo da investigação. Trata-se assim de um projeto geral a partir do qual outros projetos podem ser desenvolvidos.
A idéia é entrecruzar diferentes metodologias para investigar o DMT: estatísticas de entrevistas qualitativas, hipnose, encefalogramas, tomografias cerebrais, simulações holográficas, experiências com símios e outros animais e até dissecação do cérebro de doadores. Também é preciso colocar que cada sub-pesquisa do macro-projeto comporta uma metodologia específica aos seus objetivos particulares. Por exemplo: extrair DMT da Jurema e sintetiza-lo com b-carnboninas em um medicamento? Ou ainda se a potencialização homeopática do DMT+harmine aumenta a eficácia do medicamento em pequenas dosagens de longo prazo? Essas são investigações que comportariam metodologias e técnicas de pesquisas específicas.
O essencial, no entanto, será demonstrado através do método lógico dedutivo, com ficará claro com a enunciação da hipótese da pesquisa, após as revisões bibliográficas necessárias para colocação do assunto no patamar atual.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA I – A Ayahuasca
A bebida conhecida como Ayahuasca ou Yajé é preparada através da infusão do cipó do Jagube ou Mariri (Banisteriopsis caapi) e da folha da Rainha ou Chacrona (Psycotria viridis) - naturais da região. A bebida teria origem do Império Inca e seu uso teria se difundido entre várias tribos indígenas, das quais se tem razoável conhecimento antropológico. Ingerindo o chá, os índios absorvem o espírito da planta e, em transe, têm experiências psíquicas e vivenciam fenômenos paranormais, tais como a telepatia, a regressão a vidas passadas, contatos com os espíritos dos seus antepassados mortos, presciência e visão à distância. Há relatos de xamãs usavam a bebida para descobrir qual era a doença de seus pacientes e saber como tratá-la. Diversos antropólogos, inclusive, tomaram o chá e descreveram seus efeitos parapsíquicos. Ainda hoje, várias tribos praticam rituais com o uso da Ayahuasca no Brasil, como as dos Kampas e dos Kaxinawás, localizadas perto da fronteira com o Peru. Desde o início do século, nos contatos culturais entre seringueiros e índios, a Ayahuasca passou a ser usada pelos migrantes nordestinos, que colonizaram a Amazônia ocidental. Destes contatos surgiram diversos grupos que associaram o uso da bebida a um contexto religioso cristão-espírita, dos quais a União do Vegetal, no estado de Rondônia, o Santo Daime e a Barquinha, no Acre, são os maiores expoentes.
Paralelamente ao crescimento desses grupos e à expansão do uso religioso do Ayahuasca, uma forte resistência dos setores conservadores da sociedade brasileira se formou, pressionando o governo para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros metropolitanos. Porém, no dia dois de junho de l992, o conselho decidiu liberar definitivamente a utilização do chá para fins religiosos em todo o território nacional. Segundo a então presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), Ester Kosovsky, “a investigação, desenvolvida desde l985, baseou-se numa abordagem interdisciplinar, levando em conta o lado antropológico, sociológico, cultural e psicológico, além de análises fitoquímicas”. O relator do processo de investigação, Domingos Carneiro de Sá, explicou que o fato fundamental para a liberação da bebida foi o comportamento dos ayahuasqueiros e a seriedade dos centros que utilizam o chá em seus rituais: “Não foram observadas atitudes anti-sociais dos participantes dos cultos, ao contrário, podemos constatar os efeitos integrados e reestruturantes do Ayahuasca com indivíduos que antes de participarem dos rituais apresentavam desajustes sociais ou psicológicos”.
Contra-indicações e efeitos colaterais
Geralmente se observa uma dieta estrita antes as sessões de ayahuasca: comida sem sal, açúcar, óleo, gorduras e condimentos picantes; e principalmente nenhum álcool ou sexo antes, durante ou nos dias imediatamente após a ingestão, em um marco de repouso, silêncio e isolamento do mundo cotidiano. Está comprovado que a dieta influencia diretamente na qualidade da experiência e, sem dúvida, o maior perigo físico ao ingerir ayahuasca está relacionado com os efeitos da harmala, harmalina e tetrahidroharmina que contém, os que cumprem uma importante função inibidora da enzima monoamina oxidasa (MAO).
A tiramina é um aminoácido que normalmente é metabolizado pela MAO no intestino. Logo de levar compostos inibidores da MAO, a tiramina que se encontra em certos alimentos já não pode ser metabolizada pelo organismo enquanto a MAO se encontre inibida. Isto pode causar um acréscimo dos níveis de tiramina na sangre. Feito que os altos níveis de tiramina podem afectar a produção natural de noradrenalina, esta condição pode conduzir a uma crise hipertensiva. Numa crise hipertensiva a pressão sanguínea pode sobressair 180 e o batido cardíaco pode chegar a mais de 100 pulsos por minuto. Quem sofre de uma crise hipertensiva geralmente reporta uma terrível enxaqueca, e pode se complicar chegando a produzir hemorragias, infartos, problemas neurológicos entre outros.
A tiramina se encontra em queijos, vinhos e geralmente em tudo fermentado. Também as drogas simpatomiméticas (MDMA, benzedrina, etc.) podem causar uma crise hipertensiva, além disso de certas ervas naturais a dar reações alérgicas. Os alimentos com alto teor de tiramina que devem ser evitados nos dias prévios e posteriores de cada sessão: queijos fermentados, molhos picantes, feijões, soja, caviar e sucedâneos, chocolate, enlatados, levedura, fígados, figos secos, pescado seco e encharque, banana, café, cerveja, vinho rosado e tinto, carnes em geral. Há também alimentos com moderado teor de tiramina a serem limitados: frutas (a maioria), produtos lácteos (leite, manteiga, yogurte, queijo fresco, etc.), chá, gasosos, vinhos brancos, missó e amendoim.
Um problema mais sério é a possibilidade de interação com outras drogas como o álcool. Uma das interações mais perigosas com inibidores da MAO é a modificação de inibidores seletivos de serotonina (SSRIs). Isto pode desencadear uma síndrome serotoninérgica, parecida com a crise hipertensiva em quanto aos sintomas de elevação da pressão, mas com certas diferenças. Sintomas como agonia aguda na ponta-cabeça, sangramento pelo nariz, rigidez muscular e febre podem indicar o aparecimento de uma crise hipertensiva, de uma síndrome serotoninérgico ou de ambas.
Incidentalmente, não só antidepresivos como os tricíclicos, heterocíclicos, SSRIs e outros antidepresivos atípicos podem causar interacciones perigosas com os começos ativos da ayahuasca, senão também muitas outras drogas, como os descongestionantes nasais, pílulas de emagrecimento, efedrinas, remédios contra a alergia e opiáceos. Também os medicamentos contra a enxaqueca, como o sumatriptan (Imitrex), são maliciosos à inibição da MAO. Ante a aparição inconfundível dos sintomas hipertensivos é recomendável uma cápsula sublingual de nifedipina 10 mg. cada 8 horas, ou se não tabletes de 25 mg. de clorpromazina (narcótico adrenolítica). Ambas podem abaixar a pressão, em caso de urgência.
Em relação aos aspectos antropológicos do Ayahuasca (tradição indígena, grupos religiosos atuais, farmacologia e comportamento psicológico, na Internet, é possível levantar bastante informação sobre o assunto[3]. Mas, o trabalho científico mais importante publicado sobre o tema certamente é O Uso Ritual da Ayahuasca, (LABATE, B. C. & ARAÚJO W. S. (Orgs); 2002). Neste trabalho, além de trabalhos sobre as tradições indígenas e os principais grupos ayahuasqueiros brasileiros (Santo Daime, União do Vegetal e a Barquinha), encontram-se três estudos médicos coordenados pelo Dr. Glacus Brito, em que se relata os resultados da investigação realizadas em 1993 por um grupo de pesquisadores biomédicos brasileiros, norte-americanos e finlandeses para avaliar os efeitos bioquímicos e psicológicos do ayahuasca.
Porém, o texto mais interessante desta compilação é o trabalho do psicólogo cognitivo israelense Benny Shanon, em que se investiga não apenas os aspectos antropológicos e botânicos do ayahuasca, mas também e sobretudo, no sentido reverso, se pesquisa da mente através da experiência do DMT. Pesquisa essa que queremos retomar no âmbito da neurociência.
Revisão Bibliográfica II – A jurema
Não é difícil entender porque a Jurema seria sagrada para os índios nordestinos antes da chegada dos brancos. Além de seu caráter alucinógeno e do seu comprovado uso nas guerras e ritos de passagem, a Jurema, enquanto planta, desempenha um papel central no ecossistema semi-árido das caatingas nordestinas: durante os longos períodos de estiagem, quando a paisagem do sertão fica cinza e vermelho, apenas ela e o cacto do mandacaru resistem verdes e com reservas de água. Na verdade, no auge da estiagem, a casca da Jurema seca enquanto seu interior permanece viçoso. Quando a chuva volta, a casca seca cai e a árvore reaparece jovem. Esse fenômeno dá margem a uma longa mitologia de lendas e cantos envolvendo os ciclos de sazonalidade e morte/renascimento. Mas, ao contrário do mandacaru, do qual o sertanejo pode extrair água durante a estiagem, a água da Jurema é completamente inacessível ao uso humano. No caso da Jurema, a existência de água atrai a presença de pequenos insetos e de vários níveis de pequenos predadores da cadeia alimentar do ecossistema do sertão. As cobras são habituais no juremal, tanto pela existência farta de seu alimento como pela proteção dos galhos espinhosos, impossibilitando o trânsito de animais maiores. Este fato deu margem a uma extensa mitologia popular, cantada em pontos e chamadas tradicionais, em que as cobras protegem espiritualmente à árvore, assim como esta, com seus espinhos, protege os seus répteis guardiões. Assim, centro da resistência da vida orgânica à seca, em torno do qual todo ecossistema ‘não-humano’ (na verdade, não-mamífero) da caatinga gravita, a Jurema reina no sertão nordestino, desde tempos imemoriais, às margens de qualquer socialização: trata-se apenas um local perigoso e cheio de tabus, sob múltiplos aspectos.
O próprio termo comporta denotações múltiplas, que são associadas em um simbolismo complexo (MOTA & BARROS, 1990:171). Além do sentido botânico[4], a palavra Jurema designa ainda pelos menos três outros significados: preparado líquido à base de elementos do vegetal, de uso medicinal ou místico, externo e interno, como a bebida sagrada, "vinho da Jurema”; cerimônia mágico-religiosa, liderada por pajés, xamãs, curandeiros, rezadeiras, pais de santo, mestras ou mestres juremeiros que preparam e bebem este "vinho" e/ou dão a beber a iniciados ou a clientes; e a Jurema como sendo uma entidade espiritual, uma "cabocla", ou divindade evocada tanto por indígenas, como pelos herdeiros de cultos afro-brasileiros, o Catimbó e a Umbanda.
Antes dos colonizadores apenas os índios do sertão do Rio Grande do Norte, os Kariris e os Jê (ou Tapuios), tomavam Jurema. (SANGIRARDI JR; 1983) Essas tribos, detentoras dos ritos da Jurema, no entanto, se aliaram aos holandeses e foram completamente destruídas pelas forças portuguesas. A Jurema como identidade étnica foi então construída historicamente em segredo durante o período de colonização, chegando até tribos litorâneas distantes que não tinham tradição com a bebida. O uso da Jurema foi tolerado e aceito pelos portugueses católicos quando era canalizado para lógica de guerra contra invasores franceses e holandeses, enquanto seu uso religioso era condenado como feitiçaria. Há vários registros históricos (século XVI e XVII) sobre a eficácia militar dos guerreiros-juremeiros. Esta dupla permissão/condenação favoreceu uma expansão secreta e silenciosa da Jurema, levando o uso da bebida a ser conhecida até o Maranhão. (ANDRADE, 1992:9)
Numa primeira fase da colonização, a resistência dos povos indígenas no Nordeste, não permitiu que a Jurema, enquanto árvore sagrada, fosse conhecida, em seus usos e significados, não sendo assim documentada pelos colonizadores e estrangeiros. Numa segunda fase histórica a Jurema representa um elemento ritual ligado à própria resistência armada dos povos indígenas ou à guerra empreendida contra inimigos inclusive em suas alianças. Ainda nesta fase na qual a Jurema começa a ser documentada, seu significado ainda não é entendido mas seu uso já é motivo de repressão, prisão e morte de índios, (...). Na medida em que avança o rolo compressor da colonização, processo de genocídio ou tentativa de dominação, não só política e econômica como também cultural, aparece uma nova forma de resistência: a Jurema assume um lugar central na religiosidade popular, não só indígena regional - Catimbó. Diante do componente negro a Jurema garante seu reconhecimento, como entidade (espírito, divindade, cabocla) autóctone, "dona da terra". A Jurema é absorvida pelos cultos afro-brasileiros, tendo surgido inclusive os "Candomblés de Caboclos". Nas últimas décadas é no contexto da Umbanda, religião nascente e em pleno processo de sistematização e de expansão nacional, que a Jurema é integrada na cosmologia sagrada, no panteão da religião nacional. Constatamos em vários estados nordestinos as "Linhas da Jurema", dentre as linhagens e filiações religiosas da Umbanda. Nesses últimos anos, e paralelo ao movimento religioso propriamente brasileiro, a Jurema continua como "núcleo duro", segredo, bandeira ou símbolo, para os remanescentes indígenas, em pleno "movimento étnico", num contexto de defesa de seus direitos humanos, de suas áreas de reservas e de sua autonomia e reconhecimento no pluralismo da sociedade e das culturas brasileiras. (ANDRADE, 1992:2)
E foi assim, neste contexto contraditório, que a Jurema se firmou como prática étnica indígena e se misturou com os cultos africanos. E não se trata, nesses cultos, de reduzir a planta a um ‘espírito’ de uma cabocla como conhecemos na umbanda: o candomblé africano reconhece a Jurema como orixá, o único genuinamente brasileiro.[5] A Jurema chegou ao império como uma forma religiosa de resistência cultural bastante complexa, mantendo viva seu caráter guerreiro e marginal e conheceu ainda um novo ciclo de religiosidade popular - o dos mestres da jurema no catimbó nordestino, que, até a primeira metade do século XX utilizavam a bebida para desfazer feitiços e encantamentos no CE, PB e RN (CASCUDO, 1978).
Porém, apesar de se constituir como um complexo rico em variações, a maioria dos estudos antropológicos sobre a Jurema descreve apenas o Toré, festa dos índios nordestinos em que a bebida é ritualmente consumida. O relato mais antigo data de 1946, quando Oswaldo Gonçalves de Lima descreve o contínuo uso xamânico do vinho da jurema entre os índios Pankararu do Brejo dos Padres, no sul de Pernambuco.
Por volta de 1980, alguns pesquisadores advogam na extinção dos cultos da Jurema (SCHULTES & HOFMANN, citados por OTT, 2002:673). No entanto, sabe-se que algumas formas cerimoniais associadas ao Toré têm sobrevivido entre os Xucuru da Serra de Ararobá/PE; os Kariri-xocó de Colégio, na divisa entre AL e SE (MOTA, 1987); os Atickum-Umã/PE (GRÜNEWALD, 1995); os Truká (BATISTA, 1995) e numerosos outros grupos espalhados pelo sertão nordestino (PINTO, 1995). Além disso, durante a segunda metade do século XX, a cerimônia indígena do Toré tem sido adotada simbolicamente por grupos umbandistas ao longo do litoral nordestino.
Em A Jurema em “Regime de Índio”: o caso Atikum (GRÜNEWALD, 1995) observa-se o contraste de alguns aspectos simbólicos desta reconstituição do uso cerimonial da Jurema em um contexto religioso contemporâneo e entre seu contexto tradicional. O texto trata de como, entre 1943 e 1945, os caboclos da Serra do Uma, descendentes de tribos indígenas desconhecidas, sabendo de que o governo brasileiro tinha como critério para concessão de terras para reservas indígenas a realização do Toré, procuraram a tribo dos Tuxá para aprender o ritual e conseguir o benefício. O que realmente acontece em 1949, quando os caboclos de Umã são elevados a categoria de índios Atikums (nome de um suposto ancestral mítico da tribo). Assim, o Toré e o uso ritual da Jurema são tradições a serem exibidas como certificados étnicos, devidamente reconhecidas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e depois dele, a FUNAI. Grünewald observa, no entanto, que não se trata de um mero ardil para garantir a posse coletiva da terra, mas que os caboclos de Umã realmente passaram a acreditar em sua nova identidade Atikum. A Jurema deu a esses homens mais do que um pedaço de terra: uma identidade étnica une um grupo separando-o de outros, dando a ele um lugar no tempo e no espaço social.
Outro episódio, narrado de passagem neste texto, cita o trabalho desenvolvido por uma fundação holandesa, Friends of the Forest – Ethnopharmacological agents & rituals and drug dependency treatment research. A fundação, em conjunto com universidades e autoridades públicas holandesas, aplicava tratamento gratuito para reabilitação de viciados em drogas (heroína, cocaína, álcool, etc) utilizando-se principalmente da Ayahuasca. No entanto, devido ao corte de fornecimento pela entidade que gerencia o Santo Daime, que considerou o uso terapêutico da bebida fora dos seus preceitos religiosos, “os amigos da floresta” passaram então a pesquisar e utilizar os mesmos princípios psicoativos extraídos de outras plantas similares. Nesta “ayahuasca analógica”, a Jurema Preta (Mimosa Hostilis) passa a ser utilizada em combinação com sementes de Perganum Harmala, um arbusto do oriente médio muito conhecido por suas características sedativas[6].
Mas não é só: os próprios pesquisadores da fundação Friends of the Forest descrevem seu contato com os índios Atikum e como introduziram o uso desta nova fórmula em alguns de seus rituais (BARBOSA, 1998:27-28). Segundo eles, os Atikum não apenas reconheceram a potencialização dos efeitos da Jurema pelo Perganum Harmala, como também ficaram com sementes do arbusto para plantar no sertão. O texto insinua que houve uma assimilação cultural de técnicas de preparo científicas, importadas do exterior, pela “cultura Atikum” e que tal fato poderá ressuscitar a tradição da Jurema.
Não sabemos se realmente os Atikum levarão adiante os ensinamentos dos pesquisadores holandeses. Também não é possível saber, pelo menos através da pesquisa antropológica, se realmente existe uma tradição secreta da Jurema, que detenha o conhecimento do ingrediente inibidor. O certo é que hoje é mais fácil encontrar trabalhos espirituais com a utilização da Jurema na Europa que nas caatingas do nordeste brasileiro. Vivemos um processo de reconstrução mítica globalizada, em que uma planta genuinamente brasileira, símbolo de parte de nossa consciência étnica, está sendo reinventada em um contexto global contemporâneo e até mesmo re-importada de volta para as classes médias culturalmente mais sofisticadas da sociedade brasileira.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA III - O DMT
N,N-DMT ou N,N-dimethyltryptamine (C12H16N2) é um psicoactivo da família tryptamine, causa intenso visuais e forte estado mental psicodélico quando fumado, injetado, bufado, ou (quando levado com um MAOI tais como harmaline) quando engolido oralmente. N,N-DMT é muito chamou freqüentemente só "DMT", embora este nome cause confusão algumas vezes com seu primo químico 5-MeO-DMT. Ele está presente em milhares de espécie de plantas e foi usado tradicionalmente em América do sul ambas em Ayahuasca e rapés.
DMT é um neurotransmissor químico presente naturalmente no corpo humano bem como em plantas muitas. Ele não causa dependência física ou psicológica. Mas há contra-indicações: os efeitos de fumado N,N-DMT são dramaticamente aumentado se usados por indivíduos usando MAOIs. MAOIs são enzimas comumente encontradas nos anti-depressivos Nardil (phenelzine), Parnate (tranylcypromine), Marplan (isocarboxazid), Eldepryl (l-deprenyl), e Aurorex ou Manerix (moclobemide). Indivíduos com casos de esquizofrenia em sua história familiar, com tendências à psicose depressiva ou ainda em estado emocional fragilizado devem ter cuidado com psicolédicos pois eles podem ser um ‘gatilho’ para a manifestação desses desequilíbrios.
NOME: N,N-Dimethyltryptamine
NOME QUÍMICO: N,N-Dimethyl-1H-indole-3-ethanamine
OUTROS NOMES: 3-[2-(dimethylamino)ethylindole, DMT
FÓRMULA QUÍMICA: C12H16N2
PESO MOLECULAR: 188.27
PONTO DE FUSÃO: 44.6-46.8°C (116°F) (crystals)
PONTO DE EBULIÇÃO: 60-80°C (crystals)
Fumar DMT é muito diferente que usar ayahuasca. Usar Jurema ou DMT sintética e um IMAO farmacêutico também não são o mesmo. Há significativas diferenças tanto químicas como na experiência subjetiva. Os inibidores também apresentam diferenças relevantes. A maior diferença entre P. harmala e B. caapi reside nos níveis de harmalina e tetrahidroharmina. Na P. harmala os níveis de harmalina são mais altos (o que explica sua maior efetividade IMAO) e os níveis de tetrahidroharmina são muito menores ou estão ausentes.
O uso de DMT em rapés dos índios da América do Norte e Central é documentado desde o início do Século VIII DC, mas suspeita-se que seu uso seja muito mais antigo. Os rapés Cohoba (da árvore Yopo) foram documentados em Columbia nos Séculos XVI até XIX. Em 1931, o primeiro DMT químico foi sintetizado por Richard Manske e chamado de "nigerine". É ilegal possuir ou vender DMT nos Estados Unidos e na maioria dos países desde 1971.
Porém, o DMT ganhou notoriedade significante nos últimos 15 anos com Terence Mckenna. McKenna, foi o pioneiro no estudo sistemático das tradições de consumo de substâncias químicas. Autor de vários livros sobre diferentes substâncias psicoativas e religiosidade contemporânea (1993, 1995 e 1996) – estabelece uma associação estratégica entre duas hipóteses de outros autores, que se tornarão os cânones do movimento entheogênico[7]:
1. A hipótese de que foi através da ingestão de substâncias químicas psicoativas (principalmente o DMT) que os macacos se tornaram conscientes de si, dando início à evolução da espécie humana. Nesta hipótese, sugere-se que toda nossa experiência com o sagrado derivou originalmente do consumo de substâncias químicas.
2. A hipótese de Gaia (James Lovelock e Lynn Margulis) segundo a qual a biosfera da Terra é na verdade um organismo vivo. De forma que, mais do que dispositivos de poder para o controle social (as drogas), as substâncias psicoativas teriam como função primordial à re-ligação dos homens com a consciência telúrica do planeta.
Na mesma linha de raciocínio, Jeremy Narby, em seu livro A Serpente Cósmica, compara a dupla hélice do DNA às duas serpentes do símbolo do Caduceu e advoga a tese de que o DMT é a chave para o processo de evolução humana (o “programa lógico do mundo vegetal para rodar no cérebro humano”) do ponto de vista da biologia molecular.
Tais abordagens vêem suscitando grandes debates no campo da neurociência e psicologia cognitiva. Debates esses, que queremos, neste projeto, revisar e aprofundar. Como já adiantamos no início, de todas as contribuições recentes sobre o tema, consideramos o mais relevante o de Benny Shanon, sobre a Ayahuasca como instrumento de investigação da mente (in LABATE, 2002; pág. 631), através dos parâmetros teóricos da psicologia cognitiva. Para ele, há questões fenomenológicas de primeira ordem (o que está sendo experimentado?) e de segundo ordem (Há uma ordem e um sentido no que está sendo experimentado?). Há também questões de dinâmica, de contexto e teóricas gerais a serem discutidas sobre o uso do Ayahuasca. Por exemplo, em relação às questões fenomenológicas de primeira ordem, Shanon distingue as questões de conteúdo das de domínio e de estrutura. Assim, felinos, pássaros e répteis são as imagens mais recorrentes nos transes, seguidos de perto pelos palácios, tronos e imagens arquitetônicas celestiais.
A pesquisa destaca que as imagens são ‘universais da mente’ (semelhantes ao que Jung chamou de arquétipos[8]) pois surgem em indivíduos social e culturalmente diferentes. Esses conteúdos podem surgir de diferentes formas ou domínios e o encadeamento dessas formas com estes conteúdos forma estruturas narrativas paralelas aos rituais. E Shanon entrevê, através deste sistema cognitivo de conteúdos/domínios, os parâmetros estruturais da consciência e destaca pelo menos quatro aspectos relevantes em relação ao efeito do Ayahuasca: a percepção do pensamento como uma cognição coletiva, a indistinção entre o interior e o exterior, e as experiências desindentificação pessoal e de tempo não-linear.
Ou seja: quando tomam Ayahuasca as pessoas percebem que seus pensamentos não são individuais mas sim ‘recebidos em rede’ (a mente como um rádio); que não existe a distinção entre o sensorial e o sensível; podem se transformar em animais (jaguares e águias são freqüentes) ou em outras pessoas; e finalmente percebem o transcorrer do tempo de forma desigual, em que alguns segundos demoram séculos e horas se sucedem rapidamente e em que alguns momentos se experimentam a simultaneidade (ou a eternidade) temporal.
Quando baixamos arquivos no computador, pode-se perceber que alguns segundos demoram mais que outros, em função do peso do arquivo e da aceleração da conexão da internet. O que Shanon suspeita é que o mesmo acontece com o cérebro sob o efeito do Ayahuasca.
HIPÓTESE
Acredito que no aprofundamento neurocientífico das teses de Shanon. Nossa principal hipótese de pesquisa é que o DMT poderá, dentro de um setting clínico não-religioso, funcionar com uma substancia vital ao desenvolvimento psicológico humano no século que se inicia.
Acredito também que os países e regiões detentores das plantas ricas nesta substancia (como o nordeste em relação à Jurema e a Amazônia em relação à Ayahuasca) não podem ser privadas dos benefícios sociais e culturais decorrentes desta realidade.
Assim sendo submeto este primeiro esboço de projeto de pesquisa à avaliação crítica dos interessados, na esperança de que, com novas contribuições, ele se consolide e vingue em seus objetivos estratégicos.
Natal, 29 de outubro de 2003. Marcelo Bolshaw Gomes
Bibliografia
Sobre a Ayahuasca, há uma farta literatura botânica e antropológica, alguns estudos específicos sobre sua farmacologia e uma compilação interdisciplinar recente (LABATE & ARAÚJO; 2002) – que detalhamos adiante. Importante agora é ressaltar a descoberta do “efeito ayahuasca” (HOLMSTEDT-LINDGREN, 1967), isto é, de que a psicoatividade oral do DMT depende da inibição da monoanima-oxidase (a enzina catabólica MAO), causada pela ingestão simultânea de beta-carbonilas. Na Ayahuasca, o princípio simbólico feminino é constituído pela folha da Psichotria Viridis (Chacrona ou Rainha), portadora de DMT; e o princípio masculino, pelo cipó Banisteriopsis Caapi (Jagube ou Mariri), que contém harmina e harmalina, inibidores que geram a psicoatividade. Porém, nem a folha nem o cipó são psicoativos tomados separadamente.
Sobre a Jurema, o estudo contemporâneo mais importante é harmahuasca, anahuasca e jurema preta: farmacologia humana de DMT oral mais harmine de Jonathan Ott (2002), em que se investiga a hipótese de sinergia psicoativa entre o DMT e as b-carbonilas em diferentes preparos: a pharmahuasca (cápsulas de DMT e Harmine sintéticos); a anahuasca (bebidas preparadas com plantas diferentes da Ayahuasca, mas com os mesmos princípios ativos); e, finalmente, a Jurema preta, que apresenta um nível de concentração de DMT muito superior ao de outras plantas e é principal fonte contemporânea de triptaminas para as pharmahuascas e anahuascas. Outra descoberta notável, é que, consumido via oral acima de 25 mg, o DMT é psicoativo por si só, não precisando de inibidores. Não haveria, portanto, o tão propalado “ingrediente perdido” do preparo da Jurema entre os índios nordestinos.
Sobre o DMT propriamente dito, as pesquisas se iniciam com os textos de Terence McKenna (1992, 1993, 1994 e 1996). Hoje, na internet, encontram-se alguns sites com informação detalhada sobre a substância ([2]).
Toda informação disponível referente a estes três pontos (a Ayahuasca, a Jurema e o DMT) será detalhada em diferentes revisões bibliográficas.
OBJETIVOS E METODOLOGIA
Além de investigar o efeito do DMT no cérebro, o objetivo principal desta pesquisa é, observando o aspecto reverso, estudar a mente através do DMT. Ou seja: não apenas estudar o efeito químico da substância no organismo, mas, sobretudo, compreender quais dimensões de consciência que este efeito propicia (telepatia, regressões mentais a traumas infantis, visualização de imagens do inconsciente profundo, mudanças na percepção do tempo e da realidade).
Todavia, há também objetivos secundários bastantes relevantes. Em primeiro lugar, trata-se da importância de se estabelecer um projeto de pesquisa trans-disciplinar de ponta envolvendo pesquisadores locais (psicólogos, antropólogos, médicos, etc) com um assunto regional (uma vez que a jurema é nativa do semi-árido nordestino) dentro do Centro Internacional de Neurociências. Pensamos que a UFRN não deve apenas sediar este instituto de pesquisa, mas também participar desta iniciativa com seus pesquisadores, com temas de interesse público da sociedade potiguar. Mas não é só: o projeto quer também objetiva a elaboração e produção artesanal de um medicamento a base de DMT extraído da Jurema, bem como a possibilidade de sua utilização no tratamento de dependentes químicos. Para tanto, várias outras pesquisas específicas precisam ser desenvolvidas, ampliando assim o campo da investigação. Trata-se assim de um projeto geral a partir do qual outros projetos podem ser desenvolvidos.
A idéia é entrecruzar diferentes metodologias para investigar o DMT: estatísticas de entrevistas qualitativas, hipnose, encefalogramas, tomografias cerebrais, simulações holográficas, experiências com símios e outros animais e até dissecação do cérebro de doadores. Também é preciso colocar que cada sub-pesquisa do macro-projeto comporta uma metodologia específica aos seus objetivos particulares. Por exemplo: extrair DMT da Jurema e sintetiza-lo com b-carnboninas em um medicamento? Ou ainda se a potencialização homeopática do DMT+harmine aumenta a eficácia do medicamento em pequenas dosagens de longo prazo? Essas são investigações que comportariam metodologias e técnicas de pesquisas específicas.
O essencial, no entanto, será demonstrado através do método lógico dedutivo, com ficará claro com a enunciação da hipótese da pesquisa, após as revisões bibliográficas necessárias para colocação do assunto no patamar atual.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA I – A Ayahuasca
A bebida conhecida como Ayahuasca ou Yajé é preparada através da infusão do cipó do Jagube ou Mariri (Banisteriopsis caapi) e da folha da Rainha ou Chacrona (Psycotria viridis) - naturais da região. A bebida teria origem do Império Inca e seu uso teria se difundido entre várias tribos indígenas, das quais se tem razoável conhecimento antropológico. Ingerindo o chá, os índios absorvem o espírito da planta e, em transe, têm experiências psíquicas e vivenciam fenômenos paranormais, tais como a telepatia, a regressão a vidas passadas, contatos com os espíritos dos seus antepassados mortos, presciência e visão à distância. Há relatos de xamãs usavam a bebida para descobrir qual era a doença de seus pacientes e saber como tratá-la. Diversos antropólogos, inclusive, tomaram o chá e descreveram seus efeitos parapsíquicos. Ainda hoje, várias tribos praticam rituais com o uso da Ayahuasca no Brasil, como as dos Kampas e dos Kaxinawás, localizadas perto da fronteira com o Peru. Desde o início do século, nos contatos culturais entre seringueiros e índios, a Ayahuasca passou a ser usada pelos migrantes nordestinos, que colonizaram a Amazônia ocidental. Destes contatos surgiram diversos grupos que associaram o uso da bebida a um contexto religioso cristão-espírita, dos quais a União do Vegetal, no estado de Rondônia, o Santo Daime e a Barquinha, no Acre, são os maiores expoentes.
Paralelamente ao crescimento desses grupos e à expansão do uso religioso do Ayahuasca, uma forte resistência dos setores conservadores da sociedade brasileira se formou, pressionando o governo para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros metropolitanos. Porém, no dia dois de junho de l992, o conselho decidiu liberar definitivamente a utilização do chá para fins religiosos em todo o território nacional. Segundo a então presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), Ester Kosovsky, “a investigação, desenvolvida desde l985, baseou-se numa abordagem interdisciplinar, levando em conta o lado antropológico, sociológico, cultural e psicológico, além de análises fitoquímicas”. O relator do processo de investigação, Domingos Carneiro de Sá, explicou que o fato fundamental para a liberação da bebida foi o comportamento dos ayahuasqueiros e a seriedade dos centros que utilizam o chá em seus rituais: “Não foram observadas atitudes anti-sociais dos participantes dos cultos, ao contrário, podemos constatar os efeitos integrados e reestruturantes do Ayahuasca com indivíduos que antes de participarem dos rituais apresentavam desajustes sociais ou psicológicos”.
Contra-indicações e efeitos colaterais
Geralmente se observa uma dieta estrita antes as sessões de ayahuasca: comida sem sal, açúcar, óleo, gorduras e condimentos picantes; e principalmente nenhum álcool ou sexo antes, durante ou nos dias imediatamente após a ingestão, em um marco de repouso, silêncio e isolamento do mundo cotidiano. Está comprovado que a dieta influencia diretamente na qualidade da experiência e, sem dúvida, o maior perigo físico ao ingerir ayahuasca está relacionado com os efeitos da harmala, harmalina e tetrahidroharmina que contém, os que cumprem uma importante função inibidora da enzima monoamina oxidasa (MAO).
A tiramina é um aminoácido que normalmente é metabolizado pela MAO no intestino. Logo de levar compostos inibidores da MAO, a tiramina que se encontra em certos alimentos já não pode ser metabolizada pelo organismo enquanto a MAO se encontre inibida. Isto pode causar um acréscimo dos níveis de tiramina na sangre. Feito que os altos níveis de tiramina podem afectar a produção natural de noradrenalina, esta condição pode conduzir a uma crise hipertensiva. Numa crise hipertensiva a pressão sanguínea pode sobressair 180 e o batido cardíaco pode chegar a mais de 100 pulsos por minuto. Quem sofre de uma crise hipertensiva geralmente reporta uma terrível enxaqueca, e pode se complicar chegando a produzir hemorragias, infartos, problemas neurológicos entre outros.
A tiramina se encontra em queijos, vinhos e geralmente em tudo fermentado. Também as drogas simpatomiméticas (MDMA, benzedrina, etc.) podem causar uma crise hipertensiva, além disso de certas ervas naturais a dar reações alérgicas. Os alimentos com alto teor de tiramina que devem ser evitados nos dias prévios e posteriores de cada sessão: queijos fermentados, molhos picantes, feijões, soja, caviar e sucedâneos, chocolate, enlatados, levedura, fígados, figos secos, pescado seco e encharque, banana, café, cerveja, vinho rosado e tinto, carnes em geral. Há também alimentos com moderado teor de tiramina a serem limitados: frutas (a maioria), produtos lácteos (leite, manteiga, yogurte, queijo fresco, etc.), chá, gasosos, vinhos brancos, missó e amendoim.
Um problema mais sério é a possibilidade de interação com outras drogas como o álcool. Uma das interações mais perigosas com inibidores da MAO é a modificação de inibidores seletivos de serotonina (SSRIs). Isto pode desencadear uma síndrome serotoninérgica, parecida com a crise hipertensiva em quanto aos sintomas de elevação da pressão, mas com certas diferenças. Sintomas como agonia aguda na ponta-cabeça, sangramento pelo nariz, rigidez muscular e febre podem indicar o aparecimento de uma crise hipertensiva, de uma síndrome serotoninérgico ou de ambas.
Incidentalmente, não só antidepresivos como os tricíclicos, heterocíclicos, SSRIs e outros antidepresivos atípicos podem causar interacciones perigosas com os começos ativos da ayahuasca, senão também muitas outras drogas, como os descongestionantes nasais, pílulas de emagrecimento, efedrinas, remédios contra a alergia e opiáceos. Também os medicamentos contra a enxaqueca, como o sumatriptan (Imitrex), são maliciosos à inibição da MAO. Ante a aparição inconfundível dos sintomas hipertensivos é recomendável uma cápsula sublingual de nifedipina 10 mg. cada 8 horas, ou se não tabletes de 25 mg. de clorpromazina (narcótico adrenolítica). Ambas podem abaixar a pressão, em caso de urgência.
Em relação aos aspectos antropológicos do Ayahuasca (tradição indígena, grupos religiosos atuais, farmacologia e comportamento psicológico, na Internet, é possível levantar bastante informação sobre o assunto[3]. Mas, o trabalho científico mais importante publicado sobre o tema certamente é O Uso Ritual da Ayahuasca, (LABATE, B. C. & ARAÚJO W. S. (Orgs); 2002). Neste trabalho, além de trabalhos sobre as tradições indígenas e os principais grupos ayahuasqueiros brasileiros (Santo Daime, União do Vegetal e a Barquinha), encontram-se três estudos médicos coordenados pelo Dr. Glacus Brito, em que se relata os resultados da investigação realizadas em 1993 por um grupo de pesquisadores biomédicos brasileiros, norte-americanos e finlandeses para avaliar os efeitos bioquímicos e psicológicos do ayahuasca.
Porém, o texto mais interessante desta compilação é o trabalho do psicólogo cognitivo israelense Benny Shanon, em que se investiga não apenas os aspectos antropológicos e botânicos do ayahuasca, mas também e sobretudo, no sentido reverso, se pesquisa da mente através da experiência do DMT. Pesquisa essa que queremos retomar no âmbito da neurociência.
Revisão Bibliográfica II – A jurema
Não é difícil entender porque a Jurema seria sagrada para os índios nordestinos antes da chegada dos brancos. Além de seu caráter alucinógeno e do seu comprovado uso nas guerras e ritos de passagem, a Jurema, enquanto planta, desempenha um papel central no ecossistema semi-árido das caatingas nordestinas: durante os longos períodos de estiagem, quando a paisagem do sertão fica cinza e vermelho, apenas ela e o cacto do mandacaru resistem verdes e com reservas de água. Na verdade, no auge da estiagem, a casca da Jurema seca enquanto seu interior permanece viçoso. Quando a chuva volta, a casca seca cai e a árvore reaparece jovem. Esse fenômeno dá margem a uma longa mitologia de lendas e cantos envolvendo os ciclos de sazonalidade e morte/renascimento. Mas, ao contrário do mandacaru, do qual o sertanejo pode extrair água durante a estiagem, a água da Jurema é completamente inacessível ao uso humano. No caso da Jurema, a existência de água atrai a presença de pequenos insetos e de vários níveis de pequenos predadores da cadeia alimentar do ecossistema do sertão. As cobras são habituais no juremal, tanto pela existência farta de seu alimento como pela proteção dos galhos espinhosos, impossibilitando o trânsito de animais maiores. Este fato deu margem a uma extensa mitologia popular, cantada em pontos e chamadas tradicionais, em que as cobras protegem espiritualmente à árvore, assim como esta, com seus espinhos, protege os seus répteis guardiões. Assim, centro da resistência da vida orgânica à seca, em torno do qual todo ecossistema ‘não-humano’ (na verdade, não-mamífero) da caatinga gravita, a Jurema reina no sertão nordestino, desde tempos imemoriais, às margens de qualquer socialização: trata-se apenas um local perigoso e cheio de tabus, sob múltiplos aspectos.
O próprio termo comporta denotações múltiplas, que são associadas em um simbolismo complexo (MOTA & BARROS, 1990:171). Além do sentido botânico[4], a palavra Jurema designa ainda pelos menos três outros significados: preparado líquido à base de elementos do vegetal, de uso medicinal ou místico, externo e interno, como a bebida sagrada, "vinho da Jurema”; cerimônia mágico-religiosa, liderada por pajés, xamãs, curandeiros, rezadeiras, pais de santo, mestras ou mestres juremeiros que preparam e bebem este "vinho" e/ou dão a beber a iniciados ou a clientes; e a Jurema como sendo uma entidade espiritual, uma "cabocla", ou divindade evocada tanto por indígenas, como pelos herdeiros de cultos afro-brasileiros, o Catimbó e a Umbanda.
Antes dos colonizadores apenas os índios do sertão do Rio Grande do Norte, os Kariris e os Jê (ou Tapuios), tomavam Jurema. (SANGIRARDI JR; 1983) Essas tribos, detentoras dos ritos da Jurema, no entanto, se aliaram aos holandeses e foram completamente destruídas pelas forças portuguesas. A Jurema como identidade étnica foi então construída historicamente em segredo durante o período de colonização, chegando até tribos litorâneas distantes que não tinham tradição com a bebida. O uso da Jurema foi tolerado e aceito pelos portugueses católicos quando era canalizado para lógica de guerra contra invasores franceses e holandeses, enquanto seu uso religioso era condenado como feitiçaria. Há vários registros históricos (século XVI e XVII) sobre a eficácia militar dos guerreiros-juremeiros. Esta dupla permissão/condenação favoreceu uma expansão secreta e silenciosa da Jurema, levando o uso da bebida a ser conhecida até o Maranhão. (ANDRADE, 1992:9)
Numa primeira fase da colonização, a resistência dos povos indígenas no Nordeste, não permitiu que a Jurema, enquanto árvore sagrada, fosse conhecida, em seus usos e significados, não sendo assim documentada pelos colonizadores e estrangeiros. Numa segunda fase histórica a Jurema representa um elemento ritual ligado à própria resistência armada dos povos indígenas ou à guerra empreendida contra inimigos inclusive em suas alianças. Ainda nesta fase na qual a Jurema começa a ser documentada, seu significado ainda não é entendido mas seu uso já é motivo de repressão, prisão e morte de índios, (...). Na medida em que avança o rolo compressor da colonização, processo de genocídio ou tentativa de dominação, não só política e econômica como também cultural, aparece uma nova forma de resistência: a Jurema assume um lugar central na religiosidade popular, não só indígena regional - Catimbó. Diante do componente negro a Jurema garante seu reconhecimento, como entidade (espírito, divindade, cabocla) autóctone, "dona da terra". A Jurema é absorvida pelos cultos afro-brasileiros, tendo surgido inclusive os "Candomblés de Caboclos". Nas últimas décadas é no contexto da Umbanda, religião nascente e em pleno processo de sistematização e de expansão nacional, que a Jurema é integrada na cosmologia sagrada, no panteão da religião nacional. Constatamos em vários estados nordestinos as "Linhas da Jurema", dentre as linhagens e filiações religiosas da Umbanda. Nesses últimos anos, e paralelo ao movimento religioso propriamente brasileiro, a Jurema continua como "núcleo duro", segredo, bandeira ou símbolo, para os remanescentes indígenas, em pleno "movimento étnico", num contexto de defesa de seus direitos humanos, de suas áreas de reservas e de sua autonomia e reconhecimento no pluralismo da sociedade e das culturas brasileiras. (ANDRADE, 1992:2)
E foi assim, neste contexto contraditório, que a Jurema se firmou como prática étnica indígena e se misturou com os cultos africanos. E não se trata, nesses cultos, de reduzir a planta a um ‘espírito’ de uma cabocla como conhecemos na umbanda: o candomblé africano reconhece a Jurema como orixá, o único genuinamente brasileiro.[5] A Jurema chegou ao império como uma forma religiosa de resistência cultural bastante complexa, mantendo viva seu caráter guerreiro e marginal e conheceu ainda um novo ciclo de religiosidade popular - o dos mestres da jurema no catimbó nordestino, que, até a primeira metade do século XX utilizavam a bebida para desfazer feitiços e encantamentos no CE, PB e RN (CASCUDO, 1978).
Porém, apesar de se constituir como um complexo rico em variações, a maioria dos estudos antropológicos sobre a Jurema descreve apenas o Toré, festa dos índios nordestinos em que a bebida é ritualmente consumida. O relato mais antigo data de 1946, quando Oswaldo Gonçalves de Lima descreve o contínuo uso xamânico do vinho da jurema entre os índios Pankararu do Brejo dos Padres, no sul de Pernambuco.
Por volta de 1980, alguns pesquisadores advogam na extinção dos cultos da Jurema (SCHULTES & HOFMANN, citados por OTT, 2002:673). No entanto, sabe-se que algumas formas cerimoniais associadas ao Toré têm sobrevivido entre os Xucuru da Serra de Ararobá/PE; os Kariri-xocó de Colégio, na divisa entre AL e SE (MOTA, 1987); os Atickum-Umã/PE (GRÜNEWALD, 1995); os Truká (BATISTA, 1995) e numerosos outros grupos espalhados pelo sertão nordestino (PINTO, 1995). Além disso, durante a segunda metade do século XX, a cerimônia indígena do Toré tem sido adotada simbolicamente por grupos umbandistas ao longo do litoral nordestino.
Em A Jurema em “Regime de Índio”: o caso Atikum (GRÜNEWALD, 1995) observa-se o contraste de alguns aspectos simbólicos desta reconstituição do uso cerimonial da Jurema em um contexto religioso contemporâneo e entre seu contexto tradicional. O texto trata de como, entre 1943 e 1945, os caboclos da Serra do Uma, descendentes de tribos indígenas desconhecidas, sabendo de que o governo brasileiro tinha como critério para concessão de terras para reservas indígenas a realização do Toré, procuraram a tribo dos Tuxá para aprender o ritual e conseguir o benefício. O que realmente acontece em 1949, quando os caboclos de Umã são elevados a categoria de índios Atikums (nome de um suposto ancestral mítico da tribo). Assim, o Toré e o uso ritual da Jurema são tradições a serem exibidas como certificados étnicos, devidamente reconhecidas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e depois dele, a FUNAI. Grünewald observa, no entanto, que não se trata de um mero ardil para garantir a posse coletiva da terra, mas que os caboclos de Umã realmente passaram a acreditar em sua nova identidade Atikum. A Jurema deu a esses homens mais do que um pedaço de terra: uma identidade étnica une um grupo separando-o de outros, dando a ele um lugar no tempo e no espaço social.
Outro episódio, narrado de passagem neste texto, cita o trabalho desenvolvido por uma fundação holandesa, Friends of the Forest – Ethnopharmacological agents & rituals and drug dependency treatment research. A fundação, em conjunto com universidades e autoridades públicas holandesas, aplicava tratamento gratuito para reabilitação de viciados em drogas (heroína, cocaína, álcool, etc) utilizando-se principalmente da Ayahuasca. No entanto, devido ao corte de fornecimento pela entidade que gerencia o Santo Daime, que considerou o uso terapêutico da bebida fora dos seus preceitos religiosos, “os amigos da floresta” passaram então a pesquisar e utilizar os mesmos princípios psicoativos extraídos de outras plantas similares. Nesta “ayahuasca analógica”, a Jurema Preta (Mimosa Hostilis) passa a ser utilizada em combinação com sementes de Perganum Harmala, um arbusto do oriente médio muito conhecido por suas características sedativas[6].
Mas não é só: os próprios pesquisadores da fundação Friends of the Forest descrevem seu contato com os índios Atikum e como introduziram o uso desta nova fórmula em alguns de seus rituais (BARBOSA, 1998:27-28). Segundo eles, os Atikum não apenas reconheceram a potencialização dos efeitos da Jurema pelo Perganum Harmala, como também ficaram com sementes do arbusto para plantar no sertão. O texto insinua que houve uma assimilação cultural de técnicas de preparo científicas, importadas do exterior, pela “cultura Atikum” e que tal fato poderá ressuscitar a tradição da Jurema.
Não sabemos se realmente os Atikum levarão adiante os ensinamentos dos pesquisadores holandeses. Também não é possível saber, pelo menos através da pesquisa antropológica, se realmente existe uma tradição secreta da Jurema, que detenha o conhecimento do ingrediente inibidor. O certo é que hoje é mais fácil encontrar trabalhos espirituais com a utilização da Jurema na Europa que nas caatingas do nordeste brasileiro. Vivemos um processo de reconstrução mítica globalizada, em que uma planta genuinamente brasileira, símbolo de parte de nossa consciência étnica, está sendo reinventada em um contexto global contemporâneo e até mesmo re-importada de volta para as classes médias culturalmente mais sofisticadas da sociedade brasileira.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA III - O DMT
N,N-DMT ou N,N-dimethyltryptamine (C12H16N2) é um psicoactivo da família tryptamine, causa intenso visuais e forte estado mental psicodélico quando fumado, injetado, bufado, ou (quando levado com um MAOI tais como harmaline) quando engolido oralmente. N,N-DMT é muito chamou freqüentemente só "DMT", embora este nome cause confusão algumas vezes com seu primo químico 5-MeO-DMT. Ele está presente em milhares de espécie de plantas e foi usado tradicionalmente em América do sul ambas em Ayahuasca e rapés.
DMT é um neurotransmissor químico presente naturalmente no corpo humano bem como em plantas muitas. Ele não causa dependência física ou psicológica. Mas há contra-indicações: os efeitos de fumado N,N-DMT são dramaticamente aumentado se usados por indivíduos usando MAOIs. MAOIs são enzimas comumente encontradas nos anti-depressivos Nardil (phenelzine), Parnate (tranylcypromine), Marplan (isocarboxazid), Eldepryl (l-deprenyl), e Aurorex ou Manerix (moclobemide). Indivíduos com casos de esquizofrenia em sua história familiar, com tendências à psicose depressiva ou ainda em estado emocional fragilizado devem ter cuidado com psicolédicos pois eles podem ser um ‘gatilho’ para a manifestação desses desequilíbrios.
NOME: N,N-Dimethyltryptamine
NOME QUÍMICO: N,N-Dimethyl-1H-indole-3-ethanamine
OUTROS NOMES: 3-[2-(dimethylamino)ethylindole, DMT
FÓRMULA QUÍMICA: C12H16N2
PESO MOLECULAR: 188.27
PONTO DE FUSÃO: 44.6-46.8°C (116°F) (crystals)
PONTO DE EBULIÇÃO: 60-80°C (crystals)
Fumar DMT é muito diferente que usar ayahuasca. Usar Jurema ou DMT sintética e um IMAO farmacêutico também não são o mesmo. Há significativas diferenças tanto químicas como na experiência subjetiva. Os inibidores também apresentam diferenças relevantes. A maior diferença entre P. harmala e B. caapi reside nos níveis de harmalina e tetrahidroharmina. Na P. harmala os níveis de harmalina são mais altos (o que explica sua maior efetividade IMAO) e os níveis de tetrahidroharmina são muito menores ou estão ausentes.
O uso de DMT em rapés dos índios da América do Norte e Central é documentado desde o início do Século VIII DC, mas suspeita-se que seu uso seja muito mais antigo. Os rapés Cohoba (da árvore Yopo) foram documentados em Columbia nos Séculos XVI até XIX. Em 1931, o primeiro DMT químico foi sintetizado por Richard Manske e chamado de "nigerine". É ilegal possuir ou vender DMT nos Estados Unidos e na maioria dos países desde 1971.
Porém, o DMT ganhou notoriedade significante nos últimos 15 anos com Terence Mckenna. McKenna, foi o pioneiro no estudo sistemático das tradições de consumo de substâncias químicas. Autor de vários livros sobre diferentes substâncias psicoativas e religiosidade contemporânea (1993, 1995 e 1996) – estabelece uma associação estratégica entre duas hipóteses de outros autores, que se tornarão os cânones do movimento entheogênico[7]:
1. A hipótese de que foi através da ingestão de substâncias químicas psicoativas (principalmente o DMT) que os macacos se tornaram conscientes de si, dando início à evolução da espécie humana. Nesta hipótese, sugere-se que toda nossa experiência com o sagrado derivou originalmente do consumo de substâncias químicas.
2. A hipótese de Gaia (James Lovelock e Lynn Margulis) segundo a qual a biosfera da Terra é na verdade um organismo vivo. De forma que, mais do que dispositivos de poder para o controle social (as drogas), as substâncias psicoativas teriam como função primordial à re-ligação dos homens com a consciência telúrica do planeta.
Na mesma linha de raciocínio, Jeremy Narby, em seu livro A Serpente Cósmica, compara a dupla hélice do DNA às duas serpentes do símbolo do Caduceu e advoga a tese de que o DMT é a chave para o processo de evolução humana (o “programa lógico do mundo vegetal para rodar no cérebro humano”) do ponto de vista da biologia molecular.
Tais abordagens vêem suscitando grandes debates no campo da neurociência e psicologia cognitiva. Debates esses, que queremos, neste projeto, revisar e aprofundar. Como já adiantamos no início, de todas as contribuições recentes sobre o tema, consideramos o mais relevante o de Benny Shanon, sobre a Ayahuasca como instrumento de investigação da mente (in LABATE, 2002; pág. 631), através dos parâmetros teóricos da psicologia cognitiva. Para ele, há questões fenomenológicas de primeira ordem (o que está sendo experimentado?) e de segundo ordem (Há uma ordem e um sentido no que está sendo experimentado?). Há também questões de dinâmica, de contexto e teóricas gerais a serem discutidas sobre o uso do Ayahuasca. Por exemplo, em relação às questões fenomenológicas de primeira ordem, Shanon distingue as questões de conteúdo das de domínio e de estrutura. Assim, felinos, pássaros e répteis são as imagens mais recorrentes nos transes, seguidos de perto pelos palácios, tronos e imagens arquitetônicas celestiais.
A pesquisa destaca que as imagens são ‘universais da mente’ (semelhantes ao que Jung chamou de arquétipos[8]) pois surgem em indivíduos social e culturalmente diferentes. Esses conteúdos podem surgir de diferentes formas ou domínios e o encadeamento dessas formas com estes conteúdos forma estruturas narrativas paralelas aos rituais. E Shanon entrevê, através deste sistema cognitivo de conteúdos/domínios, os parâmetros estruturais da consciência e destaca pelo menos quatro aspectos relevantes em relação ao efeito do Ayahuasca: a percepção do pensamento como uma cognição coletiva, a indistinção entre o interior e o exterior, e as experiências desindentificação pessoal e de tempo não-linear.
Ou seja: quando tomam Ayahuasca as pessoas percebem que seus pensamentos não são individuais mas sim ‘recebidos em rede’ (a mente como um rádio); que não existe a distinção entre o sensorial e o sensível; podem se transformar em animais (jaguares e águias são freqüentes) ou em outras pessoas; e finalmente percebem o transcorrer do tempo de forma desigual, em que alguns segundos demoram séculos e horas se sucedem rapidamente e em que alguns momentos se experimentam a simultaneidade (ou a eternidade) temporal.
Quando baixamos arquivos no computador, pode-se perceber que alguns segundos demoram mais que outros, em função do peso do arquivo e da aceleração da conexão da internet. O que Shanon suspeita é que o mesmo acontece com o cérebro sob o efeito do Ayahuasca.
HIPÓTESE
Acredito que no aprofundamento neurocientífico das teses de Shanon. Nossa principal hipótese de pesquisa é que o DMT poderá, dentro de um setting clínico não-religioso, funcionar com uma substancia vital ao desenvolvimento psicológico humano no século que se inicia.
Acredito também que os países e regiões detentores das plantas ricas nesta substancia (como o nordeste em relação à Jurema e a Amazônia em relação à Ayahuasca) não podem ser privadas dos benefícios sociais e culturais decorrentes desta realidade.
Assim sendo submeto este primeiro esboço de projeto de pesquisa à avaliação crítica dos interessados, na esperança de que, com novas contribuições, ele se consolide e vingue em seus objetivos estratégicos.
Natal, 29 de outubro de 2003. Marcelo Bolshaw Gomes
Bibliografia
ANDRADE, J. M – Jurema: da festa à guerra, de ontem e de hoje. João Pessoa, UFPB, 1992
BARBOSA, W. M. da S. A Jurema Ritual in Northern Brazil. From the Newsletter of the Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) - Volume 8 Number 3 Autumn 1998 - pp. 27-29 http://www.maps.org/news-letters/v08n3/08327yat.html
CASCUDO, L. da C. Meleagro; pesquisa do catimbó e notas da magia branca no Brasil. Natal: Agir/Fundação José Augusto, 1978.
GRÜNEWALD, R. A. A Jurema e o "Regime de Índio" Atikum. Trabalho apresentado no 1o ERSUPP. Salvador, 1995. http://users.lycaeum.org/~room208/jurema/Rodrigo/index.htm
LABATE, B.C. & ARAÚJO, W. S. (org.s); O Uso Ritual da Ayahuasca. Tradução de Claudia Rosa Riolfi e Valdir Heitor Barzotto. São Paulo: Fapesp/Mercado de Letras, 2002.
MCKENNA, T. - Alucinações Reais' Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1993.
Alimento dos Deuses Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1995.
Retorno à cultura arcaica Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1996.
(com Ralph Abraham e Rupert Sheldrake) 'Caos, Criatividade e o retorno do Sagrado - triálogos nas fronteiras do Ocidente' São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1994.
MOTA, C. N. Jurema and Ayauasca: Dreams to Live by. In: Ethnobiology: Implications and Aplications. Vol. 2. Belém, Museu Goeldi, 1990.
MOTA, C. N. & BARROS, J. F. P. de. Jurema: Black-Indigenous Drama and Representations. In: Ethnobiology: Implications and Aplications. Vol. 2. Belém, Museu Goeldi, 1990.
OTT, J. Pharmahuasca, anahuasca e jurema preta: farmacologia humana de DMT oral mais harmine, in MAPS: http://www.maps.org/news-letters/v06n3/06332ott.html
SANGIRARDI Jr. Jurema. In: Os Índios e as Plantas Alucinógenas. Rio de Janeiro, Editorial Alhambra. 1983.
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[1] Jornalista, professor de comunicação da UFRN, doutorando em ciências sociais, currículo Lattes: http://genos.cnpq.br:12010/dwlattes/owa/prc_imp_cv_int?f_cod=K4792219T9
[2] V. http://dmt.lycaeum.org/ e http://www.erowid.org/chemicals/dmt/dmt.shtml
[3] V. principalmente www.santodaime.org; www.ayahuasca.com e http://yage.net/
[5] A Jurema como nação: http://www.geocities.com/Athens/Atlantis/5418/
[6] Também conhecido como Syrius Rue, essa planta é conhecida desde tempos pré-históricos do Mediterrâneo até Ásia central. Está associada à tradição dos tapetes voadores árabes e das bebidas sagradas da Antiguidade (o Soma do Rg Veda e do Haoma do Avesta da Pérsia).
[7] Entheogênesis significa 'origem divina' (Theo = Deus, Gênesis = Origem). A palavra 'entheógenos', no entanto, surgiu em contraposição a denominação de 'alucinógenos' para designar a utilização de substâncias químicas com finalidades místicas, religiosas ou cognitivas. Segundo seus defensores a denominação de 'alucinógeno' para as substâncias químicas de efeito psíquico é preconceituosa, pois embute o sentido de entorpecimento. A enteogênesis seria, então, o uso não alienante das drogas.
[8] Para Jung os arquétipos eram elementos estruturais do inconsciente coletivo e para psicologia cognitiva, os universais da mente são determinantes da vida psíquica.
quinta-feira, 3 de abril de 2008
Os Benefícios Proporcionados Pela Bebida Sacramental Ayahuasca
Os Benefícios Proporcionados Pela Bebida Sacramental Ayahuasca
A polêmica entorno da bebida ayahuasca se dá devido à falta da vivência da experiência divina.
Pessoas de pouca fé comentam a respeito de experiências que não vivenciaram, observando o contexto de conceitos estabelecidos por uma vida conduzida pela ilusão. É possível que estas pessoas tenham tido até algumas experiências com a ayahuasca, porém, não existiu senão o confronto com a vibração em que estavam, o que nem sempre é agradável.
A experiência em Deus depende do ser em si, a ampliação consciencial, bem como o trabalho diário pelo amor através da devoção, pode trazer ao ser um estado de iluminação por diversos meios, como por exemplo através da meditação.
Somente pessoas que passaram por experiências divinas com o uso da ayahuasca é que podem conhecer o valor da experiência e desta bebida. Na verdade, muitos seres precisam de mais tempo para reconhecer o valor da utilização deste veículo de ascensão consciencial.
Existe a necessidade do chá ayahuasca? Não há necessidade obrigatória da utilização de plantas de poder, mas sim, da energia necessária às transformações necessárias à experiência divina, com a abertura consciencial que é proporcionada rapidamente ao ser com a utilização da ayahuasca, ele pode mais rapidamente se adaptar e se conduzir para a experiência divina, o contato com o sagrado ser que habita nosso interior e tudo que existe.
A ayahuasca proporciona a abertura necessária à ampliação consciencial que nos leva a perceber a presença divina. É claro que cada qual deve perceber a necessidade do contato divino e o caminho que melhor se adapta às suas relações consigo e com o Todo. O samadhi descrito pelos iogues é conseguido através de práticas que acumulam energias, alguns xamãs usam a água e suas energias para obter esse contato, o tantra utiliza a energia sexual, alguns exercícios podem, se praticados com perfeição e dedicação, levar à abertura de nosso ser. A planta de poder fornece ao ser a energia necessária para a comunhão com o Pai-Mãe Amado.
É necessário a correta condução da energia para que se chegue onde se quer, pois o ser pode simplesmente utilizar a energia para tolices e futilidades e, desta maneira, o contato divino é adiado até que o ser decida-se a buscar a Deus.
A polêmica é justamente gerada pelos seres que, fazendo uso da ayahuasca, não conduzem energia com intenção em Deus e deparam-se com os seres que se alimentam das energias perdidas nas trilhas incertas da ilusão. Infelizmente, somente alguns enxergam a necessidade de mudar esta conduta e identificar-se com as leis divinas que regem o universo.
Os manipuladores que mantém o véu da ilusão se utilizam de alguns meios através dos quais tentam conduzir as atitudes das pessoas, a sociedade atual é comandada pela ilusão, através da conduta considerada apropriada (falsos padrões comportamentais já arraigados), a qual na verdade nos leva à perda da energia necessária à nossa busca do divino. Os manipuladores tem nos meios de comunicação seu maior instrumento de manipulação, sendo que, nem sempre é tarefa fácil perceber que os artifícios usados por eles tentam nos aproximar mais do mutável e perecível, afastando-nos do real e eterno. As pessoas agem mais seguindo aquilo que comanda a atual fase social que os manipuladores projetam na sociedade, como por exemplo a sensualidade, os jogos de paixões e conquistas, o misticismo que é a falsa busca de Deus, etc.
Para se entender um caminho dármico* é necessário almejar a conduta reta, seja ela conduzida por meio de plantas de poder ou não. A grande conquista que sentimos ao trilhar o caminho da planta de poder é a ampliação energética de nossas capacidades, o que nos leva rapidamente a perceber os defeitos de nossa personalidade, criados a partir da identificação com o meio em que vivemos, com o mutável, para, então, transformá-los e viver a experiência divina.
Por que o chá ayahuasca pode nos iluminar? Primeiramente a utilização do chá abrange três aspectos: a limpeza, a energização e a elevação.
A limpeza: existem seres que podem passar existências inteiras somente neste item, que é relacionado com a mudança de atitudes. Primeiramente existe uma necessidade de livrar o corpo de toxinas ingeridas pela alimentação inadequada, pelo fumo, ácool, drogas, etc. O corpo tratará de expurgar estas impurezas, mesmo que por meio de sofrimento, no caso de persistência no erro. Então, surge da consciência a necessidade de mudar atitudes que identificam-se com o mutável irreal, a ilusão, mostrando a necessidade de transformação. A mudança energética é a libertação, assim, a limpeza proporciona uma vida mais tranqüila e feliz.
A energização: a energização é feita quando os chakras estão livres das paixões e vícios do mundo dual, pois só assim a energia permanecerá, e caso contrário, ela se esvai com pensamentos e ações ilusórias. Quando os sete chakras giram cheios de energia, a essência liga-se ao Pai-Mãe Amado, atingindo a elevação que é a experiência divina. Este contato renova o ser e o ensina pela sabedoria infinita que se faz presente em cada célula física, astral e essencial que existe no ser.
A presença de ayahuasca nos oferece a energia necessária para a limpeza, energização e elevação, basta que queiramos o certo, o caminho que leva a Deus.
Benefícios Espirituais Proporcionados Pela Ayahuasca
O coração é o caminho onde encontrarás a margem do rio que te levará ao mar do infinito.
Quando por meio da concentração atingirmos a capacidade de agir energeticamente, nos transportando e atuando nos âmbitos que desejamos, realizaremos através da capacidade espiritual, sem que o corpo seja responsável por essa atitude, estaremos poupando em muito o tempo da nossa encarnação.
Exemplo: Para visitarmos alguém a quem precisamos ajudar, precisamos de um meio de locomoção e tempo para nos encaminhar até o local em que a pessoa se encontra, caso ela nos receba, existe uma chance de ajudá-la. Através da concentração podemos mentalmente enviar a ela nossa vibração harmônica, o que ajuda mais do que qualquer palavra. Podemos ainda desenvolver a capacidade de projeção e atuar junto à pessoa em nível astral.
Através da ayahuasca, você pode inteirar sua vida mais rapidamente ao poder divino e aprender a libertar-se de karmas e, ao ouvir seu coração, andará no caminho dármico. A ayahuasca fornece a energia necessária ao aprendizado de si mesmo e o espírito da verdade clareia no caminho a ser seguido quando usado em contexto religioso, por isso, destacamos a necessidade da condução da experiência pelo discernimento e pelo amor.
Perceba quando suas energias se concentram na evolução ou quando são apenas sugadas por coisas inúteis que ocupam seu pensamento, e saiba se conduzir evitando as pedras do caminho. Quem utiliza energia de maneira errada terá de responder por isso e devolver em igual intensidade, desta maneira, podemos nos libertar de karma ou gerar muito karma.
Benefícios Físicos Proporcionados Pela Ayahuasca
Esta energia poderosa circula por nossas células, revigorando nossos corpos físico e astral. Todo benefício espiritual está intimamente ligado ao benefício material, porque ação gera reação, as doenças só existem em conseqüência de nossas atitudes, quando estas seguem as leis divinas, nós nos identificamos com darma, e nos libertamos de karma, que é gerador de doenças.
Os milagres ocorrem do eterno ao mutável, quando o espírito aprende suas lições, ele se identifica com darma, e não há necessidade de aprendizado pelo karma, pois o ser já sabe identificar-se com o imutável.
Uma mente mais saudável e equilibrada surge quando o caminho dármico é seguido, gerando saúde em todas as áreas de nosso ser.
O espírito são gera corpos sãos, a cada defeito que vencemos, ganhamos saúde, energia e equilíbrio.
Benefícios Mentais Proporcionados Pela Ayahuasca
A mente sã é aquela que equilibra a atuação dos seres nos mundos físico e astral, a mente não é a essência, mas sim um instrumento do crescimento da mesma.
Através da mente controlamos a energia que flui de um nível a outro, quando abusamos do poder mental levados pela inquietação e insatisfação, somos conduzidos ao desequilíbrio pelas forças ocultas negativas, que se alimentam da energia consumida indiretamente por linhas de pensamentos desgovernadas.
Toda atitude mental desequilibrada está ligada ao desejo ou ao apego, o que deu vazão à criação de uma ilusão que o ser alimenta com toda energia que pode captar. Somente quando se reconhece que se direciona mal a energia vital é que se modifica o desequilíbrio.
Por isso a ayahuasca deve ser utilizada de maneira criteriosa, conduzida espiritualmente por seres ascencionados, de forma que a energia não se esvai e sim, conscientiza. Desta maneira, o tratamento constante restabelece o discernimento e a capacidade de manter-se equilibrado, direcionando o ser para sua missão verdadeira, libertando-o da ilusão que consumia suas forças.
Irmãos de Órion.
Mensagem recebida em 09/11/99.
* O darma é a ação – pensar, falar e agir – com consciência e cumprimento das leis divinas. O ser que anda no caminho dármico já não gera reações, não está preso ao karma – onde há uma ação há uma reação correspondente -, caminha com leveza no mundo dual, identificando-se com o imutável em suas atitudes.
terça-feira, 1 de abril de 2008
Mais uma Vez : LSD ou Louvado Seja Deus
História :
No final da década de 1930, os Laboratórios Sandoz, da Suíça, iniciaram um grande programa de pesquisas com ergotamina para encontrar derivados dessa substância com propriedades medicinais. No dia 16 de novembro de 1938, dentro desse programa, os químicos suíços Albert Hofmann e Arthur Stoll sintetizaram uma nova substância, que viria mais tarde a ser chamada de dielitamida do ácido lisérgico. Acreditando não haver valor medicinal, os químicos abandonaram os trabalhos no composto, que só seria lembrado cinco anos mais tarde.
Em 1943, seguindo um palpite, Hofmann realizou por conta própria uma nova síntese da substância, que então já era chamada de LSD (abreviação do nome alemão Lysersäure-diäthylamid). No dia 16 de abril, Hofmann acidentalmente absorveu pela pele uma pequena quantidade do composto. O seguinte trecho foi extraído pelo psiquiatra Werner A. Stoll (filho do já mencionado Arthur Stoll) do livro de anotações de Hofmann:
Albert Hofmann
“Na sexta-feira passada, 16 de abril, tive de abandonar meu trabalho no laboratório e ir para casa, por me sentir estranhamente cansado e confuso. Uma vez em casa deitei-me e caí num delírio que não era desagradável, caracterizado por um extremo grau de fantasia numa espécie de transe, com os olhos fechados (achei a luz do dia desagradavelmente brilhante) vi-me rodeado por visões fantásticas de uma extraordinária vivacidade, acompanhadas de um jogo caleidoscópico de colorações em um turbilhão constante.”
Hofmann tentou encontrar uma causa para estes efeitos, e pensou em possíveis compostos venenosos com que tivesse trabalhado. O relato continua assim:
“Contudo, naquela sexta-feira, a única substância não habitual com que estivera em contato fora o ácido d-lisérgico e a dietilamida do ácido isolisérgico. Havia tentado vários métodos de purificação desses isômeros por condensação, e também por fracionamento dos seus componentes. Numa experiência preliminar consegui obter alguns miligramas de dietilamida do ácido lisérgico (LSD) cristalizado, facilmente solúvel na forma de um tartarato neutro. Contudo, era para mim inconcebível que tivesse absorvido uma quantidade suficiente desse material para produzir o estado acima descrito. Além disso, os próprios sintomas não pareciam relacionados com os do grupo ergotamina-ergonovina. Decidi submeter a situação à prova e experimentar em mim próprio a dietilamida do ácido lisérgico cristalina. Se este material estivesse realmente em causa, devia ser ativo em quantidade diminuta, e decidi começar com uma dose extremamente pequena que produzisse alguma ação em quantidades equivalentes de ergotamina ou ergonovina.”
No dia 19 de abril, então, Hofmann ingeriu deliberadamente a dose de 250 microgramas (0,00025 grama) da substância (uma dose alta para os padrões de hoje), e suas suspeitas foram confirmadas. Após 40 minutos, notou “ligeira vertigem, cansaço, incapacidade de concentração, perturbações visuais e riso incontrolável”. Em suas próprias palavras:
“Nesta altura acabam as anotações do livro de notas do laboratório. As últimas palavras já foram escritas com a maior dificuldade. Pedi ao meu assistente que me acompanhasse à casa logo que previ que a situação iria progredir até ao que fora na última sexta-feira. Mas a caminho de casa (um seis quilômetros em bicicleta por não haver outro veículo, em conseqüência da guerra) os sintomas desenvolveram-se com muito maior intensidade do que na primeira vez. Tinha a maior dificuldade em falar de modo corrente; o meu campo de visão flutuava e era distorcido com as imagens num espelho de feira. Tive também a impressão de estar me movendo pesadamente, embora meu assistente me dissesse mais tarde que eu havia pedalado bem depressa.
“Tanto quanto posso recordar, o pior da crise passou até a chegada do médico; caracterizou-se por estes sintomas: vertigem, distorções visuais (as caras dos presentes pareciam grotescas máscaras coloridas), forte agitação alternando com calmarias, algumas vezes frio e entorpecimento da cabeça, do corpo e das extremidades; sabor metálico na língua; garganta seca e contraída; sentimento de sufocação; confusão alternando com uma apreciação clara da situação; por vezes ficava fora de mim mesmo, como um observador neutro, ouvindo-me resmungar palavrões ou gritando meio louco.
“O médico descobriu um pulso um pouco fraco, mas de um modo geral a circulação era normal. Seis horas depois de tomar a droga a minha condição melhorou definitivamente.
“As perturbações da percepção ainda estavam presentes. Tudo parecia ondular e as proporções eram distorcidas, como se fossem refletidas numa superfície aquática encrespada. Tudo se modificava com desagradáveis tons coloridos, predominantemente azuis ou de um verde venenoso. Com os olhos fechados ficava submerso em fantásticas imagens multicolores, sempre em metamorfose. Especialmente notável era o fato de os sons serem transpostos em sensações visuais, de modo que a cada som ou ruído era evocado um quadro colorido comparável, mudando de forma e de cor caleidoscopicamente.”
Essa foi a primeira “viagem” – de muitas – causada pelo LSD. A descoberta de Hofmann, feita no início do boom da indústria farmacêutica, teria uma incrível influência no mundo pós-guerra.
Os Laboratórios Sandoz comercializaram o LSD sob o nome de Delsyd, como um remédio para quase todos os distúrbios psiquiátricos, e também o distribuíram até 1966, de graça, para quaisquer cientistas interessados. O uso do LSD em pesquisas e tratamentos psiquiátricos foi considerado um sucesso, ajudando médicos a entender os sintomas dos distúrbios esquizóides e também com efeitos bastante positivos no tratamento de outras psicoses.
Não é à toa que foi dentro de grupos de profissionais de saúde, como psiquiatras e psicólogos, que o LSD se popularizou como forma de recreação nos anos 1950. Muitos desses pesquisadores estavam ligados de alguma forma a figuras importantes da política e da sociedade da época, e esse foi o próximo grupo a descobrir os prazeres da nova droga.
A ligação do LSD com a política foi muito mais longe: projetos como o MK-ULTRA (1953), da CIA, pesquisaram exaustivamente as possibilidades de uso da substância como arma de “guerra psicológica”, para fins de controle da mente, para uso em interrogatórios ou para “lavagem cerebral”. Foi até estudado o possível uso da droga em engenharia social, uma forma de moldar artificialmente a sociedade (na época,com intenção de combater a contracultura). A maioria dos resultados das pesquisas foi destruída, mas fatos como a morte de um agente da CIA, que suicidou após ingerir sem saber uma forte dose de LSD, levaram a público muito do que queriam esconder. Foram outros, entretanto, os responsáveis por finalmente popularizar os fascinantes efeitos dessa droga, levando-a às massas.
Foi no início dos anos 1960 que profissionais de saúde mental envolvidos em pesquisas com o LSD começaram a ver o composto como uma possível ferramenta para o crescimento cultural e espiritual, e pesquisas como as dos psicólogos de Harvard doutores Timothy Leary e Richard Alper (mais tarde conhecido como Ram Dass) ficavam cada vez mais esotéricas e controversas, estabelecendo ligações entre experiências com LSD e o estado de “iluminação espiritual” buscado por várias tradições místicas.
Afastados finalmente da comunidade acadêmica tradicional, ambos perderam os privilégios de aquisição legal da droga para fins científicos. Leary, segundo ele próprio, foi então contatado por agentes da CIA, que o supriram com grandes quantidades de LSD-25 purificado. Leary e Alpert (então já conhecido com Ram Dass) puderam, assim, estender suas “pesquisas” para uma quantidade muito maior de pessoas. Suas experiências perderam gradualmente o contexto científico, e eles se tornaram os dois grandes gurus espirituais da contracultura, responsáveis pela popularização da droga na comunidade hippie dos anos 1960.
O LSD foi proibido em 1967 nos EUA, tanto para uso em pesquisas científicas quanto para uso pessoal (pesquisa individual ou recreio). A política foi logo copiada por vários países. A demanda pela droga, entretanto, começou a ser atendida pelo mesmo sofisticado mercado negro que já era responsável por outras substâncias proibidas, como a maconha e a cocaína. Desde a década de 1970, época em que o LSD era muito popular, até hoje, o tráfico atende a demanda dessa e de outras drogas, provando que a proibição legal está longe de ser efetiva. O que nos faz pensar, entre outras coisas, se esse é de fato o melhor caminho a se tomar em relação às tão temidas substâncias a que chamamos drogas.
Efeitos:
É muito difícil, quase impossível, descrever os efeitos do LSD, já que eles variam conforme a sensibilidade e do humor de quem o está consumindo, da quantidade ingerida e das condições físicas do local (cores, cheiros, sons, texturas, etc). Dentre os efeitos físicos observados, podem ocorrer dilatação da pupila, transpiração excessiva, aumento da temperatura corpórea, e aumento dos batimentos cardíacos, dores de cabeça, alterações nos músculos causando fraqueza, tremores, entorpecimento e contrações involuntárias, a respiração torna-se acelerada e profunda, podem também aparecer as náuseas e vômitos. Existe um efeito único do LSD no mínimo curioso, os chamados Flashbacks. É a volta dos sintomas psíquicos (alucinações, delírios...) depois de algum tempo (meses e até anos) mesmo sem ter consumido a droga novamente e mesmo após ela ter sido eliminada do corpo do usuário (o que leva em torno de 24 horas). O LSD é uma das pucas drogas que não causam dependência química e overdose; para uma pessoa morrer envenenada por LSD ela deve ingerir 0,01 gramas da droga, 100 vezes mais que uma dose usual!
Reações apresentadas por alguns usuários de LSD:
• Sensação de perda do limite do próprio corpo e o espaço em seu redor;
• Sensação de estar acordado e dormindo ao mesmo tempo (desrealização)
• Transferência de experiências de um sentido para outro. A pessoa pode ver sons, ouvir objetos ou cheirar cores. (Sinestesia)
• Perda da noção de tempo, a pessoa torna-se incapaz de distinguir entre acontecimentos do passado, do presente e até do futuro
•Alternação de períodos de imobilidade e superatividade; e de euforia e depressão.
• Sensação simultânea de alegria e tristeza;
• Sensação de que se pode voar;
• Sensação de pânico e grande vulnerabilidade;
• Tentativas de suicídio e surgimento de impulsos homicidas;
• Perda de controle sobre os pensamentos;
• Alucinações que surgem vários meses após o uso.
Dentre seus vários problemas causados podemos citar as variações nos cromossomos que por sua vez vêm a provocar variações no feto em desenvolvimento, nas mulheres grávidas viciadas.
Composição e Fabricação:
A produção do LSD começa com o fungo Claviceps purpurea, popularmente conhecido como ferrugem ou cravagem de centeio (ergot fungus, em inglês), de forte cor púrpura. Esse fungo é uma verdadeira fábrica química, contendo um grande número de substâncias que podem agir no organismo humano. Quando o centeio contaminado era, por avareza, fome ou ignorância, moído em farinha e esta usada para fazer pão, o resultado era desastroso.
A cravagem possui alcalóides do grupo ergolina, que agem de várias maneiras no corpo humano, principalmente nos sistemas circulatório e nervoso. Devido às suas propriedades vasoconstritoras, esses alcalóides causavam deficiência de circulação nas extremidades levando à gangrena, e à inevitável amputação. A falta de circulação no cérebro levava a distúrbios mentais, convulsões e até morte. A ergotina, substância usada hoje para causar contrações no útero após o parto, e que na época induzia o aborto, e a ergotamina, usada para tratar enxaquecas, também se encontram no fungo.
Os alcalóides do grupo ergolina têm em comum o grupo indol, uma estrutura molecular usada por plantas como aroma, mas que é muito semelhante ao neurotransmissor serotonina, um dos mais importantes. É por isso, talvez, que muitos alucinógenos conhecidos, inclusive o LSD, possuam esse grupo em sua estrutura, sendo classificados como alucinógenos indólicos.
Comparação entre a Serotonina e o LSD
O LSD (dietilamida do ácido lisérgico) é produzido a partir do ácido lisérgico, que é um dos componentes da cravagem do centeio. Entretanto, o ácido lisérgico é escasso no fungo, sendo mais fácil produzi-lo a partir da abundante ergotamina, transformada em um tipo de sal chamado tartarato (tartarato de ergotamina). Do tartarato de ergotamina produz-se o ácido lisérgico, que será submetido a uma série de reações para se obter o produto final, a dietilamida do ácido lisérgico. É teoricamente possível produzir o LSD a partir da amida do ácido lisérgico, substância encontrada na semente da trepadeira Morning Glory, mas o processo é economicamente inviável.
Não é necessária uma grande quantidade de tartarato de ergotamina para produzir uma boa quantidade de cristais de LSD. 25kg de tartarato podem ser matéria prima para até 6kg de cristais purificados de LSD, um rendimento de 24%. Isso é suficiente para produzir até cem milhões de doses (a estimada demanda anual da droga nos EUA), sendo que a dose hoje varia entre 20 e 80 microgramas (nos anos 1970 chegava aos 300 microgramas).
A fabricação do LSD é um processo longo e perigoso: o laboratório tem que ser relativamente bem equipado, o que requer dinheiro, e deve ser operado por um químico orgânico bem instruído. A produção de 30 a 100 gramas de cristais da substância leva normalmente de dois a três dias, e algumas reações do processo, se não executadas corretamente, podem resultar em explosões. Supõe-se que o LSD seja produzido em pequenas quantidades, devido às razões já mencionadas e ao fato de que isso diminui a perda de reagentes se por acaso algum passo do processo falhar.
Os cristais de LSD são então diluídos em água, ou em outros solventes, um passo necessário para a produção das formas comestíveis em que normalmente a droga é encontrada. O LSD é comercializado em várias formas: minúsculos tabletes chamados de microdots; em solução (normalmente armazenada em frascos de colírio ou similares); cubos de açúcar impregnados com a droga; ou em pequenos cubos de gelatina.
A forma mais comum, contudo, é o famoso blotter paper, folhas de papelão absorvente impregnadas com a substância, picotadas em pequenos quadrados, cada um correspondente a uma dose individual. As folhas são sempre cobertas com estampas temáticas (personagens famosos de desenhos infantis, por exemplo) ou com padrões coloridos. Outras formas mais raras também já foram encontradas por autoridades, como pó ou cristal, ou agregado a outras substâncias.
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