sábado, 26 de maio de 2007
As portas de uma outra dimensão.
A Serpente Cósmica.
Entrevista com Jeremy Narby - Jornal Infinito.
terça-feira, 15 de maio de 2007
COMFIRMAM-SE AS PROPRIEDADES MÍSTICAS DA PSILOCIBINA
36 adultos tomaram psilocibina para se sujeitarem a um estudo científico; muitos descreveram a experiência como "espiritual"
13/07/2006
A psilocibina, a substância activa dos "cogumelos mágicos", expande a mente. Após mil anos de uso, esta teoria é agora cientificamente oficial.
Segundo um novo estudo, a substância química permitiu que dois terços das pessoas que a tomaram pela primeira vez tivessem uma experiência mística. Um terço avaliou a sessão de psilocibina como a experiência "espiritualmente mais significativa" das suas vidas. O outro terço colocou-a entre as cinco experiências mais importantes.
O estudo, publicado na internet pelo jornal Psychopharmacology, é a primeira avaliação aleatória e controlada de uma substância usada desde há séculos, no México e na América Central, para produzir experiências místicas. Não há quase pesquisas sobre o efeito das drogas psicadélicas em humanos nos Estados Unidos desde os anos 60. Esta, vem confirmar o que tanto os xamãs como os hippies afirmam desde há muito - tomar psilocibina é uma experiência assustadora, distorce a realidade, e por vezes muda a vida de uma pessoa para sempre.
Os investigadores afirmam que a experiência abre portas ao estudo de uma classe de compostos que alteram a percepção humana e corroem a percepção própria - pelo menos em alguns utilizadores. Esperam que esta proporcione novas perspectivas sobre o funcionamento do cérebro, e sobre os acontecimentos neurológicos que sustentam os momentos de ruptura mística.
"Estes são alguns dos componentes alteradores de consciência mais fortes que conhecemos," afirmou David E. Nichols, um professor de química médica da Universidade de Purdue, que estudou os efeitos de psicadélicos em ratos e culturas de células. "É peculiar que tenham estado fechados no armário por 40 anos. Não há qualquer outra classe de substâncias biologicamente ativas que eu conheça que tenha sido ignorada desta maneira".
Das 36 pessoas, 22 tiveram uma experiência mística "completa", a julgar por várias escalas em forma de perguntas utilizadas para classificar este tipo de experiências. Dois terços classificaram a experiência entre as cinco mais significativas das suas vidas, tais como o nascimento de um filho ou a morte de um dos pais. Dois meses após a sessão, as pessoas que tomaram a psilocibina relataram pequenas mas significativas mudanças no seu comportamento e nas suas atitudes. Um terço das pessoas, contudo, afirmou que a experiência lhes causou uma sensação de medo "extrema ou muito forte" algumas horas após tomarem o alucinógeno. Quatro pessoas disseram que toda a sessão foi dominada por ânsias ou luta psicológica.
Nichols pensa que esta última afirmação deve ser avaliada.
Alan Leshner, que liderou o instituto nacional para o abuso das drogas durante sete anos, e agora lidera a associação americana para o desenvolvimento da ciência, ficou tanto de sobreaviso como entusiasmado em relação aos efeitos relatados sobre a psilocibina.
"Se em última instância for demonstrado que a psilocibina enriquece as vidas das pessoas, quem poderá opor-se a isso? Mas neste momento ainda não atingi esse nível de confiança, dada a escassez de estudos sobre o assunto", afirmou.
Fonte: Washingtonpost.com
Cannabis Sativa - Uma planta milagrosa
100 anos de Albert Hofmann
sexta-feira, 11 de maio de 2007
'MACONHA É UMA DAS SUBSTÂNCIAS MAIS SEGURAS', DIZ ESPECIALISTA
Marília Juste, do G1, em São Paulo
“Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem”. Foi com essa convicção que o neurocientista e farmacologista Daniele Piomelli, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto, defendeu o uso medicinal da polêmica erva.
Daniele Piomelli é considerado
uma das maiores autoridades
quando o assunto é maconha
Piomelli, da Universidade da Califórnia em Irvine, não é nenhum defensor da legalização da maconha. “Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos”, diz ele. Tampouco ignora os malefícios da droga. “Fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria”, afirma. “Há outro problema: o vício. Alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo”, diz ele.
No entanto, o cientista acredita que a droga tem potencial para tratar pacientes de doenças graves, como câncer e Aids. “Seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta”, afirma. “Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?”
Piomelli espera que as pesquisas científicas na área avancem, sem serem atravancadas por questões políticas e sociais. “Chegou a hora de irmos além da maconha”, diz ele. “Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.”
Para conhecer mais sobre os usos terapêuticos da erva e sobre os efeitos da maconha no organismo, leia abaixo a íntegra da entrevista que o cientista deu ao G1.
G1 - O que se sabe sobre os efeitos da maconha no cérebro?
Daniele Piomelli - Nós sabemos, e já sabemos há alguns anos, que existem uma série de compostos no nosso próprio cérebro que agem como uma “maconha natural”. Por isso, são chamados de endocanabinóides, a partir do nome científico da maconha, Cannabis sativa. Normalmente, eles regulam coisas como o sono e a alimentação – e praticamente todos os processos do corpo humano. Quando alguém fuma maconha, esses compostos são “superativados”, passam a funcionar acima do normal, bloqueiam as sensações de dor e dão prazer.
G1 - Existem possíveis usos terapêuticos para a maconha?
Piomelli - Bom, quanto às propriedades medicinais, nós sabemos que a maconha é usada como um poderoso alívio para a dor crônica -- e não há nada muito eficiente contra isso até agora.
Pessoas com esclerose múltipla também têm benefícios ao fumar maconha, diversas pesquisas já mostraram isso. Ela também ajuda no combate a diversos outros problemas, como estresse, pressão alta, ansiedade, insônia, perda de apetite, cólicas menstruais e problemas intestinais.
Agora, a maconha deveria ser usada como remédio? Aí, depende. É preciso fumar maconha para obter seus efeitos e isso faz com que a pessoa consuma uma série de compostos químicos tóxicos e cancerígenos. E isso não faz bem.
Há outro problema: o vício. Há alguns anos, acreditávamos que a maconha não viciava. Hoje, sabemos que não é bem assim. A maconha é capaz, sim, de viciar -- ou seja, alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades, acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo. O vício existe. É muito mais fraco do que o gerado pela cocaína e pela heroína, e mais fraco que o gerado pela nicotina. Mas existe.
G1 - Os efeitos negativos da maconha, portanto, não compensariam seus benefícios médicos?
Piomelli - Depende do caso. Se estamos falando de uma pessoa com câncer, por exemplo, ou Aids, ou algum outro problema grave de saúde, na hora de somar os prós e os contras, o alívio da dor que a maconha proporciona, compensa.
Mas se estamos falando de pessoas saudáveis, usando maconha para curar dores de cabeça, é uma irresponsabilidade muito grande. Há métodos mais eficazes, que não trazem os efeitos colaterais indesejados.
G1 - Então, na sua opinião, a maconha deveria, ou poderia, ser prescrita por médicos?
Piomelli - Sim. Eu acredito, e essa é minha opinião pessoal, que no caso de pacientes com câncer, por exemplo, seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta. Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?
Agora, se um paciente entrar no meu consultório pedindo para eu prescrever maconha para curar sua dor de cabeça, eu vou perguntar se ele está maluco e mandar ele tomar uma aspirina.
G1 - O senhor disse que é preciso fumar a maconha para obter seus efeitos. Não existe nenhuma forma além do fumo?
Piomelli - Na verdade, existe, mas não é tão eficiente quanto. Existe uma droga, feita a partir do princípio ativo da maconha, o THC, que tem sido usada para fins terapêuticos em diversos países. Existe a possibilidade de se consumir o THC oralmente, mas os resultados demoram mais para aparecer. E quando você está com dor, quer alívio o mais rápido possível.
O consumo oral do THC passa pelo estômago. Mas quando você fuma a maconha, o THC vai direto do pulmão para a corrente sanguínea, e daí para o cérebro. O efeito é muito mais rápido.
Alguns pacientes também declaram que preferem fumar, porque eles podem controlar exatamente o quanto vão consumir. Eles podem dar duas ou três tragadas, por exemplo, e parar quando se sentem melhor. Quando você toma um comprimido, ele vai ter lá seus 10g ou 20g e você não tem escolha. Se não for o suficiente, vai ter que agüentar. Se for demais, não tem como não absorver.
Ultimamente, tem sido testada uma nova forma de se consumir o THC que tem a velocidade do cigarro, mas não faz mal à saúde: o aerosol. Os médicos pegam o composto e o transformam para que ele possa ser aspirado. Dessa maneira, se tem os mesmos benefícios, mas sem os riscos.
G1 - Como o THC funciona?
Piomelli - O THC não é exatamente o melhor remédio do mundo. Ele atua naqueles componentes do cérebro que falamos antes, os endocanabinóides. Os endocanabinóides regulam praticamente todas as funções do corpo humano, do sono à fome. Por isso, eles são encontrados em locais muito diferentes do cérebro.
O que o THC faz? Ele fortalece todos os endocanabinóides. Todos, ao mesmo tempo. O que acontece? A dor passa, todos os efeitos benéficos aparecem, mas a pessoa fica “doidona”. Quando alguém fuma maconha para fins recreativos a intenção é, exatamente, essa: ficar “doidão”. É esse o objetivo. Que não é o objetivo de quem está com dor e toma THC. Essa pessoa não quer ficar alterada, ela só quer que a dor passe.
O que precisamos é de um remédio eficaz e seguro, que tire a dor, que melhore a náusea, que tenha todos os efeitos benéficos da maconha, e que não tenha os seus efeitos colaterais. Que não deixe ninguém drogado.
G1 - Estamos muito longe de um remédio como esse?
Piomelli - Essa é a grande meta de todas as pesquisas científicas que usam a maconha. No momento, o foco está, principalmente, em se encontrar um meio de aumentar o efeito dos endocanabinóides do cérebro naturalmente. Encontrar algo que faça o próprio corpo liberar os efeitos positivos desses compostos, sem que seja necessário fumar nada. É nisso que maioria das pesquisas está trabalhando no momento.
G1 - Voltando um pouco aos efeitos negativos da maconha. Há pesquisas que dizem que maconha mata neurônios. Outras dizem que não. Afinal de contas, mata ou não mata?
Piomelli - Esse é o grande problema, não é? Temos pesquisas de um lado falando uma coisa e daí vêm pesquisas do outro falando exatamente o oposto.
O que eu posso dizer é que conforme as pesquisas avançam está ficando cada vez mais claro para os cientistas que a maconha não tem nenhum efeito tóxico no cérebro, na quantidade em que é normalmente consumida.
Existem pesquisas que mostram que grandes quantidades de maconha em um curto período de tempo vão gerar uma série de estragos. E elas estão certas. Mas isso também é certo para qualquer coisa. Se você tomar uma grande quantidade de aspirina em um intervalo pequeno, também terá muitos problemas.
Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas, mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem.
É impossível você matar alguém com maconha. O máximo que você vai fazer é botar a pessoa para dormir. Nós temos uma gigantesca lista de remédios usados normalmente muito mais perigosos que isso. A maioria desses analgésicos que são prescritos como água por aí são capazes de matar alguém -- em doses não muito maiores do que as consumidas normalmente. E você não mata ninguém com maconha.
G1 - Maconha, então, não faz mal?
Piomelli - Para o cérebro? Não. Para o cérebro de um adulto. Vamos sair por aí permitindo que nossas crianças e adolescentes fumem? Não. O cérebro de um adolescente ainda está em formação. Você diz isso para eles e eles não entendem, mas o fato é que no cérebro de alguém nessa idade ainda falta um monte de coisas. O sistema que é acionado em comportamentos de vício, por exemplo, não está pronto antes da idade adulta. Fumar maconha nessa idade pode fazer um dano enorme. Qual a extensão desse dano? Não sei. As pesquisas ainda não conseguiram definir. Mas, pelo princípio da precaução, adolescentes deveriam passar bem longe disso.
Agora, para um adulto, é outra questão. Por enquanto, não temos evidência de nenhum estrago que seja feito pela maconha no cérebro. Mas fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria.
A maconha deveria ser liberada? Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos.
G1- Na sua opinião, o que podemos esperar do futuro das pesquisas com maconha?
Piomelli - Eu acho, e defendo isso exaustivamente, que chegou a hora de irmos além da maconha. Se temos o composto e temos como ele age no cérebro, já está na hora de podermos dispensar a maconha. Quando isso acontecer, tudo ficará mais fácil. Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.
No passado, o ópio era consumido para curar e aliviar de tudo. Tínhamos milhares de pessoas por aí usando. Hoje, o consumo do ópio caiu bruscamente. Ninguém mais usa. Por quê? Porque avançamos. Porque fomos além do ópio. Desenvolvemos uma série de medicamentos muito melhores, e daí ninguém mais precisava disso. É o que precisa acontecer com a maconha.
Estudo descobre como LSD afeta o cérebro
Reinaldo José Lopes Do G1, em São Paulo
O LSD alcançou um status quase lendário entre a contracultura dos anos 1960 e acabou banido no mundo todo por causa de efeitos psicológicos considerados devastadores. Agora, cientistas americanos conseguiram elucidar como o LSD afeta as células do cérebro, causando um conjunto impressionante de distorções na percepção da realidade de seus usuários.
A descoberta também vale para uma série de outras drogas alucinógenas, desde as desenvolvidas em laboratório, como o próprio LSD (veja a estrutura molecular dele ao lado), até outras usadas há milênios por tribos indígenas. Há indícios de um mecanismo de ação comum entre elas.
O estudo, que está na edição desta semana da revista científica "Neuron", é liderado por Stuart Sealfon, da Escola de Medicina Monte Sinai, em Nova York. "É importante frisar que o quadro ainda não está totalmente claro", declarou Sealfon ao G1. "Mas ele é consistente com os efeitos que vemos e, portanto, deve ser verdadeiro."
O LSD (sigla de dietilamida do ácido lisérgico), assim como a mescalina (droga derivada de alguns cactos e usada originalmente pelos índios do sudoeste dos EUA) e outros alucinógenos, afetam o mesmo tipo de "fechadura" química dos neurônios. Trata-se de um sistema conhecido pela sigla 2AR.
Os alucinógenos fazem esse sistema funcionar muito acima do que deveria, mas o curioso é que outras substâncias sem nenhum efeito alucinógeno também agem sobre ele. Assim, ficava difícil saber se esses receptores eram mesmo a chave da ação do LSD.
Assim, experimentos feitos com neurônios de camundongos em placas de vidro e nos animais vivos exploraram as diferenças de ação das substâncias alucinógenas e não-alucinógenas sobre os receptores. Ao analisar que genes eram "ligados" ou "desligados" pela ação do LSD, Sealfon e seus colegas descobriram que, apesar do receptor em comum, o alucinógeno gera um conjunto específico de efeitos sobre os neurônios.
Eles até arriscam uma área-alvo que deve ser responsável pela maior parte dos efeitos da droga, como a impressão de que objetos inanimados ganham vida ou de perda da diferenciação entre o "eu" da pessoa e o mundo exterior. As células mais afetadas seriam os chamados neurônios piramidais da camada V. Esses neurônios parecem fazer a ponte entre o córtex cerebral, a área mais "nobre" do órgão, que comanda a consciência, e regiões que coordenam percepções e movimentos.
"É uma especulação razoável imaginar que haja um problema na capacidade de filtrar o que entra na consciência a partir dos sentidos", diz Sealfon, ressaltando que mais estudos ainda são necessários para confirmar a hipótese. Assim, a ação do LSD poderia ser comparada a certas doenças, como a esquizofrenia.
terça-feira, 8 de maio de 2007
Uso Ritual da Ayahuasca - Grupo Multidisciplinar de Trabalho - Relatório Final
RELATÓRIO FINAL
I - INTRODUÇÃO
1. O CONAD é o órgão normativo do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD – e suas decisões “deverão ser cumpridas pelos órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema” (arts. 3o, I, 4o, 4o, II e 7o, do Decreto no 3.696, de 21/12/2000). Assim, no exercício de sua competência legal aprovou parecer da CATC que, por sua vez, adotou pareceres do colegiado que o precedeu – o CONFEN – e abordou outros aspectos pertinentes ao tema “o uso religioso da ayahuasca” cumprindo destacar a observação final e as conclusões do parecer que o CONAD aprovou: “que fique registrado em ata, para fins, inclusive de utilização pelos interessados, que não pode haver restrição, direta ou indireta, às práticas religiosas das comunidades, baseada em proibição do uso ritual da Ayahuasca”.
2. O referido parecer concluiu: “a) a câmara ratifica as decisões anteriores do colegiado, com os aditamentos do presente parecer, conforme referido no ponto no 4; b) recomenda-se a consolidação, em separata, de todas as decisões supracitadas, para acesso e utilização dos interessados; c) a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir à paz social, à qual se submete a autonomia individual; d) deve ser reiterada a liberdade do uso religioso da Ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das decisões do colegiado, em sua composição antiga e atual, considerando a inviolabilidade de consciência e de crença e a garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base nos arts. 5o, VI e 215, § 1o da Constituição do Brasil, evitada, assim, qualquer forma de manifestação de preconceito”.
3. A Resolução nº 05 – CONAD, de 10 de novembro de 2004, tem por objetivo contribuir para a plena implementação do que foi discutido e aprovado ”sobre o uso religioso da Ayahuasca”, e para tanto foi constituído o GMT que, assim, terá por premissas as questões decididas pelo CONAD, para laborar, com ampla liberdade, no “estudo do que é preciso fazer”, ou seja, na formulação de documento que “traduza a deontologia do uso da Ayahuasca”.
4. O Grupo Multidisciplinar de Trabalho, instituído pela Resolução nº. 5 CONAD, de 04 de novembro de 2004, para levantamento e acompanhamento do uso religioso da Ayahuasca, bem como para a pesquisa de sua utilização terapêutica, em caráter experimental, foi oficialmente instalado pelo Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e Presidente do Conselho Nacional Antidrogas, JORGE ARMANDO FELIX, em 30 de maio de 2006, no Palácio do Planalto, em Brasília-DF, e teve como objetivo final a elaboração de documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado.
5. AYAHUASCA, aqui, é referida de modo genérico, para manter a uniformidade do texto e a harmonia com a nomenclatura utilizada nos atos oficiais do CONAD, mas é conhecida por diversos outros nomes, conforme a comunidade que o usa no Brasil ou no Exterior, destacando-se as expressões mais conhecidas “HOASCA”, “SANTO DAIME” e “VEGETAL”, compostos, indistintamente, pelo cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc) e pela folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.).
6. Nos termos da referida Resolução, o GMT foi composto por seis estudiosos , indicados pelo CONAD, das áreas que atenderam, dentre outros, os seguintes aspectos: antropológico (representado pelo Dr. Edward John Baptista das Neves MacRae), farmacológico/bioquímico (Dr. Isac Germano Karniol), social (Drª Roberta Salazar Uchoa), psiquiátrico (Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho) e jurídico (Drª Ester Kosovski) e seis membros, convidados pelo CONAD, representantes dos grupos religiosos que fazem uso da Ayahuasca, eleitos em Seminário realizado em Rio Branco nos dias 9 e 10 de março de 2006, a saber: Linha do Padrinho Sebastião Mota de Melo: Alex Polari de Alverga; Linha do Mestre Raimundo Irineu Serra: Jair Araújo Facundes e Cosmo Lima de Souza; Linha do Mestre José Gabriel da Costa: Edson Lodi Campos Soares; Linha Independente (Outras Linhas): Luis Antônio Orlando Pereira e Wilson Roberto Gonzaga da Costa. Considerando que a linha do Mestre Daniel Pereira de Matos, popularmente conhecida como linha da Barquinha, decidiu não participar do GMT, conforme carta endereçada ao CONAD, foi realizada durante o seminário eleição entre os suplentes já eleitos das linhas presentes para o preenchimento da vaga em aberto. Nesta ocasião foi eleito mais um representante da linha do Mestre Raimundo Irineu Serra.
7. O GMT contou com o apoio da Secretaria Nacional Antidrogas, representada pela Diretora de Políticas de Prevenção e Tratamento, Drª Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, e da Assessoria Executiva do CONAD, representada pelas Sras. Déborah de Oliveira Cruz e Maria de Lourdes Carvalho. Em suas reuniões ordinárias contou com o apoio do Dr. Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, Jurista, Membro Titular do CONAD e da Câmara de Assessoramento Técnico Científico, também representada pelo Dr. Marcelo de Araújo Campos e pela Drª Maria de Lourdes Zenel.
8. Além da primeira reunião em que os membros do GMT foram empossados, foram realizadas mais seis reuniões de trabalho na Sala de Reuniões da Secretaria Nacional Antidrogas, nos dias 28/06, 28/07, 28/08, 23 e 24/10 e 23/11, todas registradas em atas, durante as quais se discutiu a seguinte pauta: cadastramento das entidades; aspectos jurídicos e legais para regulamentação do uso religioso e amparo do direito à liberdade de culto; regulação de preceitos para produção, uso, envio e transporte da Ayahuasca; procedimentos de recepção de novos interessados na prática religiosa; definição de uso terapêutico e outras questões científicas; Ayahuasca, cultura e sociedade; e, sistematização do trabalho para elaboração do documento final.
9. O objetivo final do GMT, nos termos da Resolução nº 05/04, do CONAD, é identificar “o que é preciso fazer” para atender aos diversos itens que integram os direitos e obrigações pertinentes ao “uso religioso da Ayahuasca”. O “estudo” desse “o que é preciso fazer” constituiu-se, exatamente, nas atividades desenvolvidas pelo GMT, traduzindo, assim, a “deontologia do uso da Ayahuasca”: (deon, do grego: “o que é preciso fazer” + logos, também do grego: “estudo” ).
II - HISTÓRICO DA REGULAMENTAÇÃO DO USO DA AYAHUASCA
10. A instituição do Grupo Multidisciplinar de Trabalho expressa dever constitucional do Estado Brasileiro de proteger as manifestações populares e indígenas e garantir o direito de liberdade religiosa. Representa o coroamento do processo de legitimação do uso religioso da Ayahuasca no país, iniciado há mais de vinte anos, com a criação do 1º Grupo de Trabalho do CONAD (na época CONFEN), designado para examinar a conveniência da suspensão provisória da inclusão da substância Banisteriopsis caapi na Portaria nº 02/85, da DIMED (Resolução nº. 04/85, do CONFEN).
11. Este primeiro estudo, após dois anos, com a realização de várias pesquisas e visitas às comunidades usuárias em diversos Estados da Federação, principalmente ao Acre, Amazonas e Rio de Janeiro, resultou em extenso relatório , de setembro de 1987, subscrito pelo então Conselheiro do CONFEN, Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, Presidente do Grupo de Trabalho, que concluiu que as espécies vegetais que integram a elaboração da bebida denominada de Ayahuasca ficassem excluídas das listas de substâncias proscritas pela DIMED.
12. Esta conclusão foi aprovada pelo plenário do antigo Conselho Federal de Entorpecentes, em reunião de setembro de 1987, de sorte que a suspensão provisória da interdição do uso da Ayahuasca, levada a termo pela Resolução nº 06, do CONFEN, de 04 de fevereiro de 1986, tornou-se definitiva, com a exclusão da bebida e das espécies vegetais que a compõem das listas da DIMED.
13. A despeito disso, em 1991, em face de denúncia anônima, por iniciativa do então Conselheiro do CONFEN, Paulo Gustavo de Magalhães Pinto, Chefe da Divisão de Repressão a Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal, a “questão do uso da Ayahuasca” foi reexaminada.
14. Disso resultou mais uma vez, por parte do CONFEN, a realização de estudos acerca do contexto de produção e do consumo da bebida, desenvolvidos pelo Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, o qual, em parecer conclusivo de 02/06/92, aprovado por unanimidade na 5ª Reunião Ordinária do CONFEN realizada na mesma data, considerou que não havia razões para alterar a conclusão proposta em 1987, no relatório final já mencionado .
15. Dez anos depois, em face de denúncias de uso inadequado da bebida Ayahuasca, a maior parte divulgada na imprensa e outras tantas dirigidas aos órgãos do Poder Público, notadamente CONAD, Polícia Federal e Ministério Público, fato que está amplamente documentado na consolidação das decisões e estudos do CONAD e de outras instituições acerca do uso da Ayahuasca, novo Grupo de Trabalho foi definido pela Resolução nº 26, de 31 de dezembro de 2002.
16. De acordo com esta resolução, o GT deveria ser composto por diversas instituições , com base no princípio da responsabilidade compartilhada, agora com o objetivo de fixar normas e procedimentos que preservassem a manifestação cultural religiosa, observando os objetivos e normas estabelecidas pela Política Nacional Antidrogas e pelos diplomas legais pertinentes. Não há registro de que este grupo tenha sido constituído.
17. Em 24 de março de 2004 o CONAD solicitou à Câmara de Assessoramento Técnico Científico a elaboração de estudo e parecer técnico-científico a respeito de diversos aspectos do uso da Ayahuasca, ocasião em que o referido órgão de assessoramento do CONAD emitiu parecer apresentado e aprovado na Reunião do CONAD de 17/08/04, o qual serviu de fundamento à Resolução nº 5, do CONAD, de 04/11/04, que institui o atual Grupo Multidisciplinar de Trabalho.
III - ANDAMENTO DAS REUNIÕES
18. A fim de atender aos termos da resolução que o instituiu, o GMT teve como primeira tarefa, depois de eleger o Presidente e o Vice-Presidente do Grupo, respectivamente Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho e Edson Lodi Campos Soares, a elaboração do Cadastro Nacional das Entidades Usuárias da Ayahuasca - CNEA.
19. Acerca desse tema, muitos foram os questionamentos levados em consideração pelo grupo, a começar pela finalidade do referido cadastro, que não deve servir de mecanismo de controle estatal sobre o direito constitucional à liberdade de crença (art. 5º, VI, CF). Discutiu-se também acerca de sua objetividade, de sorte que não constassem exigências que viessem a invadir o direito individual à intimidade, vida privada e imagem dos usuários (art. 5º, X, CF). Nesse sentido, chegou-se ao consenso de que responder ou não ao cadastro seria uma faculdade das entidades.
20. Fixados esses parâmetros, o formulário de cadastro foi colocado à disposição dos interessados, acompanhado de carta explicativa e cópia da Resolução nº. 05/04, do CONAD. Até a presente data foi cadastrada quase uma centena de entidades, dando também uma dimensão parcial das diversas práticas que são adotadas pelas entidades que fazem uso da Ayahuasca no Brasil. O cadastro continua disponível às entidades interessadas.
21. O GMT procurou destacar e consolidar as práticas que para as próprias entidades representam o uso religioso adequado e responsável, anteriormente estabelecidos na “Carta de Princípios”, resultado do 1º Seminário das entidades da Ayahuasca, realizado em Rio Branco em 24 de novembro de 1991. Nas discussões priorizaram-se os seguintes temas: definição de uso ritual, comércio, turismo, publicidade, associação da Ayahuasca com outras substâncias, criação de novos centros, auto-sustentabilidade das entidades, procedimentos de recepção de novos interessados, curandeirismo, uso terapêutico, assim como definição de mecanismos para tornar efetivos os princípios deontológicos formulados. A maior parte das deliberações do grupo foi consensual e estão sintetizadas no item V – Conclusão.
IV – TEMAS DISCUTIDOS
IV.I – USO RELIGIOSO DA AYAHUASCA
22. Ao longo de décadas o uso ritualístico da Ayahuasca – bebida extraída da decocção do cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc.) e da folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.) – tem sido reconhecido pela sociedade brasileira como prática religiosa legítima, de sorte que são mais do que atuais as conclusões de relatórios e pareceres decorrentes de estudos multidisciplinares determinados pelo antigo CONFEN, desde 1985, que constatavam que “há muitas décadas o uso da Ayahuasca vem sendo feito, sem que tenha redundado em qualquer prejuízo social conhecido” .
23. A correta identificação do que é uso religioso, segundo os conceitos e práticas ditadas, a partir das próprias entidades que fazem uso da Ayahuasca, permitirá assegurar a proteção da liberdade de crença prevista na Constituição Federal. Considerando a ocorrência de registros de uso não religioso da Ayahuasca, sua identificação possibilitará prevenir práticas que não se amoldam à proteção constitucional.
24. Trata-se, pois, de ratificar a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca como rica e ancestral manifestação cultural que, exatamente pela relevância de seu valor histórico, antropológico e social, é credora da proteção do Estado, nos termos do art. 2o, “caput”, da Lei 11.343/06 e do art. 215, §1º, da CF. Devem-se evitar práticas que possam pôr em risco a legitimidade do uso religioso tradicionalmente reconhecido e protegido pelo Estado brasileiro, incluindo-se aí o uso da Ayahuasca associado a substâncias psicoativas ilícitas ou fora do ambiente ritualístico.
IV.II – COMERCIALIZAÇÃO
25. O GMT reconhece o caráter religioso de todos os atos que envolvem a Ayahuasca, desde a coleta das plantas e seu preparo, até seu armazenamento e ministração, de modo que seu praticante de tudo participa com a convicção de que pratica ato de fé e não de comércio. Daí decorre que o plantio, o preparo e a ministração com o fim de auferir lucro é incompatível com o uso religioso que as entidades reconhecem como legítimo e responsável.
26. Quem vende Ayahuasca não pratica ato de fé, mas de comércio, o que contradiz e avilta a legitimidade do uso tradicional consagrado pelas entidades religiosas.
27. A vedação da comercialização da Ayahuasca não se confunde com seu custeio, com pagamento das despesas que envolvem a coleta das plantas, seu transporte e o preparo. Tais custos de manutenção, conforme seja o seu modo de organização estatutária, são suportados pela comunidade usuária. E é evidente, também, que a produção da Ayahuasca tem um custo, que pode variar de acordo com a região que a produz, a quantidade de adeptos, a maior ou menor facilidade com que se adquire a matéria prima (cipó e folha), se se trata de plantio da própria entidade ou se as plantas são obtidas na floresta nativa, e tantas outras variáveis.
28. Historicamente, porém, de acordo com a experiência das entidades religiosas chamadas a compor o Grupo Multidisciplinar de Trabalho, esse custo é partilhado no seio da instituição por meio das contribuições dos membros de cada entidade. Os sócios respondem pelas despesas de manutenção da organização religiosa, nas quais estão incluídos os gastos com a produção da Ayahuasca, com prestação de contas regular.
29. O uso religioso responsável na produção da Ayahuasca é delineado a partir da constatação das práticas das entidades: a) cultivar as plantas e preparar a Ayahuasca, em princípio, para seu próprio consumo; b) buscar a sustentabilidade na produção das espécies; e, c) quando não possuir cultivo próprio e nenhuma forma de obtenção da matéria prima na floresta nativa – sem prejuízo de buscar a auto-suficiência em prazo razoável – nada obsta obter o chá mediante custeio das despesas tão somente, evitando-se que pessoas, grupos ou entidades se dediquem, com exclusividade ou majoritariamente, ao fornecimento a terceiros.
IV.III – SUSTENTABILIDADE DA PRODUÇÃO DA AYAHUASCA
30. A cultura do uso religioso da Ayahuasca, por se tratar de fé baseada em bebida extraída de plantas nativas da Floresta Amazônica, pressupõe responsabilidade ambiental na extração das espécies. As entidades religiosas devem buscar a auto-sustentabilidade na produção da bebida, cultivando o seu próprio plantio.
IV.IV – TURISMO
31. Turismo, como atividade comercial, deve ser evitado pelas entidades, que por se constituírem em instituições religiosas, não devem se orientar pela obtenção de lucro, principalmente decorrente da exploração dos efeitos da bebida.
32. A Constituição Federal garante o livre exercício dos cultos religiosos, que tem como conseqüência o direito à propagação da fé através do intercâmbio legitimo de seus membros. Neste sentido todos têm direito de professar a sua fé livremente e de promover eventos dentro dos limites legais estabelecidos. O que se quer evitar é que uma prática religiosa responsável, séria, legitimamente reconhecida pelo Estado, venha a se transformar, por força do uso descomprometido com princípios éticos, em mercantilismo de substância psicoativa, enriquecendo pessoas ou grupos, que encontram no argumento da fé apenas o escudo para práticas inadequadas.
IV.V - DIFUSÃO DAS INFORMAÇÕES
33. A publicidade da Ayahuasca também tem sido motivo de deturpações e abusos, notadamente na Internet. Observa-se, principalmente neste meio de comunicação, o oferecimento de toda espécie de cursos e oficinas remuneradas, cujo elemento central é o uso da Ayahuasca associado a promessas de experiências transformadoras descomprometidas com o ritual religioso.
34. A partir das experiências das entidades e de suas práticas rituais, verifica-se que o uso ritual responsável é incompatível com a publicidade e a oferta de promessas de curas milagrosas, de transformações pessoais arrebatadoras e com a indução das pessoas a acreditarem que a Ayahuasca é o remédio para todos os males. É consenso no GMT que quem faz uso religioso responsável não divulga informações que possam induzir as pessoas a terem uma imagem fantasiosa da Ayahuasca e trata do tema com discrição, sem fazer alardes dos efeitos da substância.
IV.VI - USO TERAPÊUTICO
35. Para fins deste relatório “terapia” é compreendida como atividade ou processo destinado à cura, manutenção ou desenvolvimento da saúde, que leve em conta princípios éticos científicos.
36. Tradicionalmente, algumas linhas possuem trabalhos de cura em que se faz uso da Ayahuasca, inseridos dentro do contexto da fé. O uso terapêutico que tradicionalmente se atribui à Ayahuasca dentro dos rituais religiosos não é terapia no sentido acima definido, constitui-se em ato de fé e, assim sendo, ao Estado não cabe intervir na conduta de pessoas, grupos ou entidades que fazem esse uso da bebida, em contexto estritamente religioso. Em outra condição se encontram aqueles que se utilizam da bebida fora do contexto religioso. Isto nada tem que ver com uso religioso, e tal prática não está reconhecida como legítima pelo CONAD, que se limitou a autorizar o uso da substância em rituais religiosos.
37. A utilização terapêutica da Ayahuasca em atividade privativa de profissão regulamentada por lei dependerá da habilitação profissional e respaldo em pesquisas científicas, pois de outra forma haverá exercício ilegal de profissão ou prática profissional temerária.
38. Qualquer prática que implique utilização de Ayahuasca com fins estritamente terapêuticos, quer seja da substância exclusivamente, quer seja de sua associação com outras substâncias ou práticas terapêuticas, deve ser vedada, até que se comprove sua eficiência por meio de pesquisas científicas realizadas por centros de pesquisa vinculados a instituições acadêmicas, obedecendo às metodologias científicas. Desse modo, o reconhecimento da legitimidade do uso terapêutico da Ayahuasca somente se dará após a conclusão de pesquisas que a comprovem.
39. Com fundamento nos relatos dos representantes das entidades usuárias, verificou-se que as curas e soluções de problemas pessoais devem ser compreendidas no mesmo contexto religioso das demais religiões: enquanto atos de fé, sem relação necessária de causa e efeito entre uso da Ayahuasca e cura ou soluções de problemas.
IV.VI - ORGANIZAÇÃO DAS ENTIDADES
40. O crescimento do uso da Ayahuasca e a facilidade com que se pode comprar a bebida de pessoas que a produzem sem compromisso com a fé têm levado ao surgimento de novas entidades, que não possuem experiência no lidar com a bebida e seus efeitos, assim como fazem mau uso da Ayahuasca, associando-a a práticas que nada têm a ver com religião. O uso ritual caracterizado pela busca de uma identidade religiosa se diferencia do uso meramente recreativo.
41. O uso religioso responsável da Ayahuasca pressupõe a presença de pessoas experientes, que saibam lidar com os diversos aspectos que envolvem essa prática, a saber: capacidade de identificar as espécies vegetais e de preparar a bebida, reconhecer o momento adequado de servi-la, discernir as pessoas a quem não se recomenda o uso, além de todos os aspectos ligados ao uso ritualístico, conforme sua orientação espiritual.
42. Embora se reconheça o ato de fé solitário e isolado, usualmente a prática religiosa se desenvolve coletivamente. É recomendável que os grupos constituam-se em organizações formais, com personalidade jurídica, consolidando a idéia de responsabilidade, identidade e projeção social, que possibilite aos usuários a prática religiosa em ambiente de confiança.
IV.VII - PROCEDIMENTOS DE RECEPÇÃO DE NOVOS ADEPTOS
43. Além dos princípios inerentes a cada uma das linhas doutrinárias na recepção de novos membros, é razoável e prudente que ao se ministrar a Ayahuasca seja levado em conta o relato de alterações mentais anteriores, o estado emocional no momento do uso e que eles não estejam sob efeito de álcool ou outras substâncias psicoativas.
44. Antes de ingerir pela primeira vez, o interessado deve ser informado acerca de todas as condições que se exigem para o uso da Ayahuasca, conforme a orientação de cada entidade. Uma entrevista prévia, oral ou escrita, deve ser realizada no sentido de averiguar as condições do interessado e a ele devem ser dados os esclarecimentos necessários acerca dos efeitos naturais da bebida.
45. É recomendável que cada entidade acompanhe os participantes até a finalização de seus rituais, excetuada a saída previamente solicitada em casos excepcionais e com a anuência do responsável.
IV.VIII – USO DA AYAHUASCA POR MENORES E GRÁVIDAS
46. Tendo em vista a inexistência de suficientes evidências cientificas e levando em conta a utilização secular da Ayahuasca, que não demonstrou efeitos danosos à saúde, e os termos da Resolução nº 05/04, do CONAD, o uso da Ayahuasca por menores de 18 (dezoito) anos deve permanecer como objeto de deliberação dos pais ou responsáveis, no adequado exercício do poder familiar (art. 1634 do CC); e quanto às grávidas, cabe a elas a responsabilidade pela medida de tal participação, atendendo, permanentemente, a preservação do desenvolvimento e da estruturação da personalidade do menor e do nascituro.
V - CONCLUSÃO:
a. Considerando que o CONAD, acolhendo parecer da Câmara de Assessoramento Técnico Científico, reconheceu a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca, nos termos da Resolução nº 05/04, que instituiu o GMT para elaborar documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado;
b. Considerando que o GMT, após diversas discussões e análises, onde prevaleceu o confronto e o pluralismo de idéias, considerou como uso inadequado da Ayahuasca a prática do comércio, a exploração turística da bebida, o uso associado a substâncias psicoativas ilícitas, o uso fora de rituais religiosos, a atividade terapêutica privativa de profissão regulamentada por lei sem respaldo de pesquisas cientificas, o curandeirismo, a propaganda, e outras práticas que possam colocar em risco a saúde física e mental dos indivíduos;
c. Considerando que a dignidade da pessoa humana é princípio fundante da República Federativa do Brasil, e dentre os direitos e garantias dos cidadãos sobressai-se a liberdade de consciência e de crença como direitos invioláveis, cabendo ao Estado, na forma da lei, garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (CF, arts. 1º, III, 5º, VI);
d. Considerando a decisão do INCB (International Narcotics Control Board), da Organização das Nações Unidas, relativa à Ayahuasca, que afirma não ser esta bebida nem as espécies vegetais que a compõem objeto de controle internacional;
e. Considerando, por fim, que o uso ritualístico religioso da Ayahuasca, há muito reconhecido como prática legitima, constitui-se manifestação cultural indissociável da identidade das populações tradicionais da Amazônia e de parte da população urbana do País, cabendo ao Estado não só garantir o pleno exercício desse direito à manifestação cultural, mas também protegê-la por quaisquer meios de acautelamento e prevenção, nos termos do art. 2o, “caput”, Lei 11.343/06 e art. 215, caput e § 1º c/c art. 216, caput e §§ 1º e 4º da Constituição Federal.
O Grupo Multidisciplinar de Trabalho aprovou os seguintes princípios deontológicos para o uso religioso da Ayahuasca:
1. O chá Ayahuasca é o produto da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas;
2. Todo o processo de produção, armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca integra o uso religioso da bebida, sendo vedada a comercialização e ou a percepção de qualquer vantagem, em espécie ou in natura, a título de pagamento, quer seja pela produção, quer seja pelo consumo, ressalvando-se as contribuições destinadas à manutenção e ao regular funcionamento de cada entidade, de acordo com sua tradição ou disposições estatutárias;
3. O uso responsável da Ayahuasca pressupõe que a extração das espécies vegetais sagradas integre o ritual religioso. Cada entidade constituída deverá buscar a auto-sustentabilidade em prazo razoável, desenvolvendo seu próprio cultivo, capaz de atender suas necessidades e evitar a depredação das espécies florestais nativas. A extração das espécies vegetais da floresta nativa deverá observar as normas ambientais;
4. As entidades devem evitar o oferecimento de pacotes turísticos associados à propaganda dos efeitos da Ayahuasca, ressalvando os intercâmbios legítimos dos membros das entidades religiosas com suas comunidades de referência;
5. Ressalvado o direito constitucional à informação, recomenda-se que as entidades evitem a propaganda da Ayahuasca, devendo em suas manifestações públicas orientar-se sempre pela discrição e moderação no uso e na difusão de suas propriedades;
6. A prática do curandeirismo é proibida pela legislação brasileira. As propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca – que as entidades conhecem e atestam – requerem uso responsável e devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se toda e qualquer propaganda que possa induzir a opinião pública e as autoridades a equívocos;
7. Recomenda-se aos grupos que fazem uso religioso da Ayahuasca que se constituam em organizações jurídicas, sob a condução de pessoas responsáveis com experiência no reconhecimento e cultivo das espécies vegetais sagradas, na preparação e uso da Ayahuasca e na condução dos ritos;
8. Compete a cada entidade religiosa exercer rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proceder entrevista dos interessados na ingestão da Ayahuasca, a fim de evitar que ela seja ministrada a pessoas com histórico de transtornos mentais, bem como a pessoas sob efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas;
9. Recomenda-se ainda manter ficha cadastral com dados do participante e informá-lo sobre os princípios do ritual, horários, normas, incluindo a necessidade de permanência no local até o término do ritual e dos efeitos da Ayahuasca.
10. Observados os princípios deontológicos aqui definidos, cabe a cada entidade e a seus membros indistintamente, no relacionamento institucional, religioso ou social que venham a manter umas com as outras, em qualquer instância, zelar pela ética e pelo respeito mútuo.
PROPOSIÇÕES:
1. QUANTO ÀS PESQUISAS DO USO TERAPÊUTICO DA AYAHUASCA EM CARÁTER EXPERIMENTAL:
a. Devem-se fomentar pesquisas cientificas abrangendo as seguintes áreas: farmacologia, bioquímica, clínica, psicologia, antropologia e sociologia, incentivando a multidisciplinaridade;
b. Sugere-se ao CONAD que promova e financie, a partir de 2007, pesquisas relacionadas com o uso e efeitos da Ayahuasca.
2. QUANTO À QUESTÃO AMBIENTAL E AO TRANSPORTE:
a. Sugere-se ao CONAD que considere a possibilidade de intercâmbio com o CONAMA, se possível lançando mão do auxílio das entidades religiosas, no sentido de estabelecer medidas de proteção às espécies vegetais que servem de matéria prima à Ayahuasca, por meio de legislação específica para essas plantas de uso ritualístico religioso, as quais não podem ser tratadas indistintamente como um produto florestal não madeireiro.
b. Sugere-se ao CONAD ainda, que faça os encaminhamentos devidos junto aos órgãos competentes do Estado, no sentido de regulamentar o transporte interestadual da Ayahuasca entre as entidades, ouvindo-se previamente os interessados.
3. QUANTO À EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS DEONTOLÓGICOS:
a. Sugere-se ao CONAD que estude a possibilidade de fixar mecanismos de controle quanto ao uso descontextualizado e não ritualístico da Ayahuasca, tendo como paradigma os princípios deontológicos ora fixados, com efetiva participação de representantes das entidades religiosas.
b. Solicita-se ao CONAD apoio institucional para a criação de instituição representativa das entidades religiosas que se forme por livre adesão, para o exercício do controle social no cumprimento dos princípios deontológicos aqui tratados.
c. Sugere-se ainda, caso os princípios deontológicos aqui definidos sejam acatados, que disto seja dada ampla publicidade, preferencialmente com a realização de um segundo seminário organizado pelo próprio CONAD auxiliado pelo Grupo Multidisciplinar de Trabalho, do qual devem participar todas as entidades, sem prejuízo do encaminhamento formal do ato a todos os órgãos dos Ministérios Públicos e da Magistratura Federal e Estaduais, Polícia Federal e Secretarias de Segurança Pública dos Estados.
Dartiu Xavier da Silveira Filho
Presidente do GMT – Representante do CONAD
Edson Lodi Campos Soares
Vice-Presidente do GMT - Representante de Mestre José Gabriel da Costa
Paulina do Carmo Arruda V.Duarte
Representante da Secretaria Nacional Antidrogas/GSIPR
Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá
Representante da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico do CONAD
Ester Kosovsky
Universidade Federal do Rio de Janeiro e OAB-RJ
Edward John Baptista das Neves MacRae
Membro do GMT - Representante do CONAD
Roberta Salazar Uchoa
Membro do GMT - Representante do CONAD
Isac Germano Karniol
Membro do GMT – Representante do CONAD
Jair Araújo Facundes .
Membro do GMT - Representante de Mestre Raimundo Irineu Serra
Cosmo Lima de Souza
Membro do GMT - Representante de Mestre Raimundo Irineu Serra
Alex Polari de Alverga
Membro do GMT - Representante de Padrinho Sebastião
Luis Antônio Orlando Pereira
Membro do GMT - Representante de Outras Linhas
Wilson Roberto Gonzaga da Costa
Membro do GMT - Representante de Outras Linhas