Psicodélico: maio 2007

sábado, 26 de maio de 2007

As portas de uma outra dimensão.

Os enteógenos e os psiconautas: a expansão da consciência
través de plantas chega ao século XXI
DÉBORA LERRER
Plantas alucinógenas têm sido usadas em ritos religiosos por várias culturas ao longo dos séculos. Ao promoverem estados alterados de consciência, estas plantas agem como mediadoras entre o mundo da experiência imediata e as infinitas dimensões espirituais que permeiam toda a existência. Por esta razão são vistas por algumas culturas como portadoras de inteligência e são consideradas fontes de uma profunda e misteriosa sabedoria, instrumentos do divino, fontes de beleza e inspiração, assim como meio para manter a integridade cultural.
Hoje em dia os devotos das experiências visionárias abastecidas por plantas e químicos preferem denominá-las "enteógenos", palavra originada a partir do grego e que quer dizer "tornar-se divino interiormente". Para esses modernos "psiconautas", a palavra psicodélico carrega demasiada bagagem cultural. O objetivo deles, ao embarcarem em viagens com os enteógenos, é acessar outros planos de consciência, entender mais amplamente seu processo de vida e se conectar com a natureza. Mas há que se ter cuidado. Embora não haja efeito colateral conhecido, nem registro de dependência química ou dano cerebral, há alguns riscos psicológicos, particularmente para aqueles com histórico de problemas mentais. Os portais da consciência só devem ser abertos em contextos seguros, para que eles promovam um encontro iluminador e não desestruturante.
O médico Otávio Castello de Campos, que toma chá de ayuasca regularmente dentro dos rituais da União Vegetal, explica: "Uma coisa é você pegar uma substância dessas, sintetizá-la e distribuí-la em uma danceteria na cidade. Outra coisa é você usar esta substância dentro de um contexto ritual, onde ela não é a finalidade em si e é encarada como um veículo sagrado, que está dentro de uma esfera cultural, um conjunto de valores".
Uso moderno de ritos antigos
Na Grécia Antiga, durante a celebração dos Mistérios de Elêusis, dedicada à Deusa Deméter, na primavera, o iniciado bebia uma poção, o Kykeon. Em vários povos ameríndios, a ingestão de substâncias alucinógenas é parte fundamental de seus rituais religiosos. Os povos Huichol e Tarahumaras do México e vários povos indígenas da América do Norte usam o cacto peyote em rituais que duram a noite toda, extensamente descritas por antropólogos. Para numerosos grupos indígenas da Amazônia o uso da ayahuasca, o "vinho da alma", é parte fundamental de sua concepção de mundo. Em geral, é através do uso ritual de plantas alucinógenas que os xamãs vão se treinando para adquirir seus poderes.
No início do século XX, os dadaístas e surrealistas, seguindo o escritor e teatrólogo Alfred Jarry, exploraram o uso de haxixe e da mescalina, princípio ativo do peyote, para aumentar a criatividade. A experiência com o peyote, junto ao povo Tarahumaras, no México, também teve um lugar importante na obra do ator e escritor francês Antonin Artaud, que escreveu vários textos inspirado por esta experiência. Esta experiência com os indígenas mexicanos também teve considerável influência na concepção artaudiana do Teatro da Crueldade, pois seu objetivo era conseguir elevar os espectadores a uma espécie de transe teatral.
A aversão de Artaud ao teatro tradicional, que ele chamava de burguês, retoma uma concepção elaborada por Nietzsche, em seu livro de estréia, "O Nascimento da Tragédia", em que ele advoga que nos primórdios dos ritos teatrais gregos não havia espectadores passivos. Segundo o filósofo, os espectadores também ingeririam substâncias e em contato com a máscara de Dionísio, Deus que simboliza o espírito teatral, se sintonizavam com a mensagem trágica. Em 1954, o escritor inglês Aldous Huxley narrou as percepções provocadas por sua experiência com a mescalina em seu livro "As portas da percepção". Huxley também teve experiências com o LSD, que ele considerava particularmente útil para alcançar percepções espirituais. Mas foi na década de 70, a partir dos cultuados livros do antropólogo Carlos Castañeda, que o uso ritual de plantas se tornou conhecido em todo o mundo. Grande parte da obra de Castañeda, inclusive seu primeiro livro "A erva do diabo", é derivada das experiências de ampliação da percepção motivadas pelo peyote, ao qual ele foi iniciado pelo xamã Don Juan.
A invenção, a popularização e o ostracismo do LSD
O uso de substâncias alucinógenas se popularizou no Ocidente a partir da década de 60, embalado pela revolução de costumes que caracterizou a década. A mais popular delas, o LSD, foi resultado de uma pesquisa farmacêutica de rotina, no laboratório Sandoz, na Suíça, em 1938. O farmacêutico Albert Hoffman tentava produzir um novo remédio que facilitasse o trabalho de parto, quando sintetizou o primeiro LSD (Lysergic Acid Diethylamide ou Dietilamida do Ácido Lisérgico). Anos mais tarde, em 1943, sem perceber que havia absorvido uma dose de LSD ao trabalhar sem luvas, Hoffman sentiu os efeitos do alucinógeno que havia criado e que o tornou reverenciado por psiconautas de todo o mundo. Inicialmente, o Sandoz distribuiu o LSD para pesquisas científicas. Eram os primórdios da psiquiatria farmacológica e não havia remédios desenvolvidos para tratar doentes mentais que lotavam hospitais e asilos psiquiátricos. A carreira do LSD como experimento de pesquisa gerou bons resultados. Os psiquiatras canadenses Abram Hoffer e Humphrey Osmond tabularam resultados de 11 diferentes estudos de alcoolismo e concluíram que 45 % dos pacientes tratados com LSD melhoraram.
Quem o tirou do meio científico e o levou para as ruas foi o psicólogo norte-americano Thimoty Leary, PhD de Harvard que ficou conhecido como o "guru do LSD". Ao obter resultados positivos em sessões de LSD com presos, Leary passou a elaborar várias teorias sobre substâncias psicoativas, sua função social dentro da cultura, da arte e da ciência. A partir disso, impressionado com o potencial de abertura da consciência que o LSD proporcionava, Leary começou a propagar seu uso em sessões grupais guiadas pelo Livro Tibetano dos Mortos que caiu como uma luva na atmosfera da contra-cultura norte-americana. Em 1966, entretanto, o LSD foi proibido e Leary, preso. A popularidade e o uso indiscriminado do LSD acabou mostrando seu lado obscuro e todas as pesquisas que o utilizavam foram abandonadas.
Psicodélicos e tecnologia
A proibição do uso de alucinógenos, entretanto, não diminuiu sua procura, inclusive em circuitos plenamente incorporados ao status quo, como é o caso do Vale do Silício, meca da indústria informática norte-americana. Por razões óbvias, estatísticas confiáveis sobre a extensão do uso de psicodélicos naquela área não existem, mas há pelo menos um dado que revela seu interesse pelo assunto. Rick Doblin, o fundador do MAPS, uma associação multidisciplinar para o estudo de psicodélicos, diz que mais de 50% de seus recursos vêm de dirigentes do Vale do Silício. Embora não goste de falar sobre isso, Bill Gates, o dono da Microsoft, admitiu em entrevista à revista Playboy que teve experiências com o LSD quando estudava em Harvard. Outro membro fundador da Microsoft, Bob Wallace, é menos comedido. Ele acredita que o caos criativo e o potencial visionário proporcionado pelo uso recreacional de LSD foram responsáveis por inspirações cruciais no desenvolvimento de programas de informática. Logo, não é exagerado atribuir às experiências psicodélicas a criação das janelas do tão usado Windows.
Já o Nobel de Química de 1993, Dr. Kary Mullis, é ainda mais enfático. Ele atribui ao uso de LSD a criação do PCR, uma técnica biológica molecular sofisticada que permite a multiplicação de pequenos fragmentos de DNA, descoberta científica que lhe valeu a indicação para o prêmio. Segundo Terence McKenna, autor de vários livros em torno de xamanismo e uso de psicodélicos, não seria a primeira vez que estas substâncias teriam contribuído para a evolução humana. Em seu livro "The Food of Goods", de 1992, McKenna, que morreu no início de abril, defende que a ingestão de cogumelos mágicos propiciou que nossos ancestrais aumentassem suas capacidades lingüísticas e visuais.
Combustíveis para a outra dimensão
DMT - Um dos alucinógenos mais poderosos, o DMT (Dimetiltriptamina) é uma substância química produzida por diversos animais e vegetais, inclusive pelo próprio homem. Alguns pesquisadores apontam que ele seria o responsável pelas visões nos nossos sonhos. O DMT foi sintetizado pela primeira vez em 1956, pelo químico checo Steven Szara. Ao ser fumado, seus efeitos alcançam o pico em dois minutos e enfraquecem depois de dez, mas injeções de DMT produzem viagens mais prolongadas.
Peyote - O cacto peyote (Lophophora williamsii), foi apresentado para a ciência pelo farmacologista alemão Lewis Lewin, que o conheceu em uma viagem pelos Estados Unidos em 1887. Em 1897, Arthur Heffer isolou a mescalina, poderoso princípio ativo presente no topo do peyote, capaz de produzir visões e outras evidências de natureza mística. Assim como outras drogas alucinógenas, o peyote não vicia e, longe de ter uma influência destrutiva, seus usuários e alguns observadores atribuem a ele a promoção de moralidade e comportamento ético entre os indígenas que o utilizam ritualmente. Por esta razão o uso do peyote nos rituais da Igreja Nativa Americana, fundada por índios norte-americanos, é hoje reconhecido e permitido pelo governo federal norte-americano.
Ayahuasca - Bebida usada em rituais na América do Sul, sobretudo na Bacia Amazônica. Conhecida também como daime e huasca, caapi, ou yagé, é obtida a partir da fervura de duas plantas amazônicas, o cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi) e o arbusto chacrona (Psychotria viridis). Indígenas e seguidores das religiões União Vegetal e Santo Daime sustentam sua virtude, que inclui poderes de cura e de clarividência. Pesquisadores já provaram que a bebida produz efeitos notáveis que envolvem freqüentemente a sensação de voar. O nome ayahuasca vem de palavras em quechua, língua dos povos indígenas do Peru. Aya pode ser traduzido como "alma" ou "espírito" e "huasca", vinho. Pesquisadores que desenvolveram um estudo com os freqüentadores da seita União do Vegetal, em 1993, concluíram que o uso do chá ayahuasca não gera dependência química e teria, inclusive, ajudado alguns deles a superar o alcoolismo.
Cogumelos Mágicos - Certos cogumelos são usados em cultos entre povos indígenas da América Latina, especialmente no Estado de Oaxaca, no Sul do México. A espécie principal é a Psilocybe mexicana, cujo princípio ativo é o psilocibina e seu derivado psilocina. Mas existem vários tipos de cogumelos alucinógenos. O mais comum no Brasil é o Psilocybe cubensis. Há uma variação desta espécie, o Psilocybe subcubensis e diversos outros Psilocybes: semilanceata cyanescens, azure. Depois de colhidos, estes cogumelos são comidos crus, ou consumidos em forma de chá. Também podem ser secados para serem ingeridos depois. Os efeitos dos cogumelos são muito similares ao de um ácido, apesar de alguns relatarem uma viagem mais "natural" e a sensação de descolamento da realidade. Pequenas doses podem trazer excitação e euforia, enquanto que doses altas podem trazer distorções de formas e cores e alucinações.
LSD - O LSD altera a percepção da realidade. Ele pode levá-lo a ver o mundo como um lugar mágico, sublime e engraçado. Durante uma viagem, as cores podem parecer mais intensas, os objetos são vistos de maneiras bizarras ou maravilhosas e todos os sentidos podem se tornar confusos e distorcidos. Sintetizado por acaso, a partir de substâncias vasoconstritoras derivadas do ergot, o LSD vem usualmente em pequenos quadradinhos de papel. Ele pode demorar de 20 min a 2 horas para dar um efeito que dura de 7 a 12 horas. Não há como saber o quão forte é uma dose ou o quanto ela pode afetar o usuário. Algumas pessoas voltaram a sentir os efeitos do LSD dias ou mesmos semanas depois de tomá-lo.

A Serpente Cósmica.


DNA E AS ORIGENS DA SABEDORIA
Jeremy Narby
Jeremy Narby nasceu na Suíça e cresceu na sua terra natal e no Canadá. Estudou história na Universidade de Canterbury e recebeu o seu Ph.D em antropologia na Universidade de Stanford. Narby conviveu durante dois anos com os índios Ashaninka, na Amazônia Peruana onde estudou os seus métodos de extração dos imensos recursos naturais da Grande Floresta. Atualmente, Narby trabalha, desde o ano de 1989, para a Nouvelle Planète (suíça) uma organização sem fins lucrativos.
A Televisão da Floresta
Aos vinte e cinco anos, Jeremy Narby internou-se na Amazônia Peruana para conviver (e estudar) com a tribo Ashaninka. O trabalho do antropólogo na região seria o de obter informações necessárias para o seu doutorado em Antropologia: ouvir as estórias contadas pelos índios, o que pensavam, como viviam, suas crenças, alimentação, enfim, como se mostrava o cotidiano das suas vidas e, o mais importante, de onde retiravam a sua vasta SABEDORIA tendo em vista o aproveitamento que faziam dos recursos naturais da floresta no sentido de curas miraculosas e da sua farmacopéia sofisticada, ímpar.
Havia uma outra premissa importante envolvida no assunto: a "Pichis-Palcazu Special Project" desembolsara 86 milhões de dólares para o desenvolvimento da região. A tribo, desapontada e frustrada, não fora capaz de colocar os seus produtos no mercado, não sabiam como realizar este feito. Queriam, apenas, manter os filhos em escolas, conseguir mesa farta e boa moradia. Desejavam quantia que lhes possibilitasse um padrão de vida decente e digno de todo o ser humano. Seus luxos? Uma lanterna, alguns instrumentos de trabalho mais eficientes, um rádio, coisas assim.
Em troca, eles podiam compartilhar, com o projeto, a sua SABEDORIA de cotação inestimável em termos financeiros.
Quando Narby chegou no local, perguntou a um índio onde estava a FONTE DA SABEDORIA, do conhecimento perfeito da potencialidade da selva amazônica. Recebeu uma resposta sucinta: "No uso, pelos shamans, do ayahuasca". Jeremy Narby achou que o índio estava brincando com ele.
Com o passar do tempo e já entrosado na cultura local, o antropólogo soube o que significava o mundo reservado aos shamans, os que obtinham a SABEDORIA através dos poderosos alucinógenos, o "Ayahuasca" e o "Tabaco".
Os shamans seguiam um modo de vida espartano e eram conhecidos como "ayahuasqueros" ou "tabaqueros" e quando faziam uso dos dois alucinógenos, o ayahuasca e o tabaco - "ayahuasqueros-tabaqueros".A sua alimentação diária, praticamente, reduzia-se à ingestão de bananas e peixes, particularmente ricos em serotonina, outra prova do conhecimento que haviam adquirido algures.
Ruperto Gómez foi o índio que, primeiramente, iniciou Jeremy Narby nos segredos da Amazônia e lhe forneceu os controles da "Televisão da Floresta".
O antropólogo lera Carlos Castañeda e na sua mente fazia a idéia de um "shaman", como semelhante ao velho índio Don Juan, o instrutor de Castañeda. Ruperto Gómez, de maneira alguma, realizava a figura tradicional de um velho índio sábio!
Entretanto, ao ser interrogado por Narby - Como aprenderam tudo isto? - Ruperto Gómez respondeu com inteira segurança: "Você sabe, mano Jeremy, para compreender o que lhe interessa terá que beber o ayahuasca... alguns dizem que ele é o oculto, uma verdade, mas ele não é maligno. Na realidade o ayahuasca é a "Televisão da Floresta".
A Experiência
Ruperto Gómez advertiu Jeremy Narby: - "Voltarei no sábado, um dia antes se prepare, não coma sal e nem gordura, apenas um pedacinho de mandioca fervida ou grelhada". -
Narby, cético, não cumpriu com as determinações por não ter acreditado nelas. Achava tudo aquilo uma superstição, portanto, ingeriu carne de veado defumada com mandioca frita, no dia em que deveria quase jejuar.
Na hora aprazada, juntamente com mais quatro pessoas, Narby sentou-se para vivenciar a sua primeira experiência com o Ayahuasca e para assistir a "Televisão da Floresta".
Ruperto achegou-se e acendeu um cigarro enrolado num papel - "isto é toe" - e passou o "toe" para todos os participantes. O simplório "toe" se constituía numa espécie de "datura", se Narby o soubesse, disse ele depois, jamais teria inalado aquela fumaça considerada pelos "civilizados" como altamente tóxica. Em seguida, tomou a sua dose de ayahuasca. O antropólogo comparou o seu sabor ao da "grape-fruit", contrastando com a doçura da fumaça do "toe". Ruperto começou a entoar uma canção fascinante que entonteceu a mente de Jeremy Narby.
A "Televisão" iniciou o seu programa com um kaleidoscópio, mas os artistas principais, no entremeio das imagens de um roedor e de uma mulher, figura erótica possuidora de vinte seios e mais outras figurações, foram duas serpentes lindíssimas, brilhantes, cintilantes e multicoloridas. Bem cedo elas foram substituídas por duas "boa-constrictor" enormes, que aterrorizaram o antropólogo, pelo seu gigantismo, envoltas pelo seu mundo de sonhos, um mundo espetacular e muito brilhante.
As duas serpentes iniciaram um diálogo mental com Jeremy Narby. Elas lhe explicaram que ele era "apenas um ser humano". Neste instante, a mente do antropólogo "quebrou-se" e Narby pode apreciar a sua arrogância por possuir este status: o de ser um ser humano. Realizou que esta arrogância o impedia de conhecer a verdadeira REALIDADE. Jeremy Narby, intimamente, tinha a sensação de estar chorando com a extensão destas revelações e deu-se conta de que a sua autopiedade era uma das armas blandidas pela sua arrogância. Foi hora de sentir vergonha, uma vergonha como jamais sentira em toda a sua vida. Pela segunda vez, sentiu-se enjoado e foi obrigado a vomitar. Mas as grandes serpentes esperaram que ele pagasse pelo seu pecado de "gula" e desobediência às ordens de Ruperto Gómez. Na sua volta, Narby lhes pediu um sincero perdão pela sua arrogância e autopiedade.
Nas suas anotações posteriores, o antropólogo confessou que jamais se sentiu tão humilde e que as suas palavras escritas não correspondiam à grandiosidade daqueles instantes, mesmo vividos entre acessos de vômitos. (Kamarampi, de kamarak - vomitar, um dos apelidos do ayahuasca).As últimas palavras das duas serpentes foram: - "Pobre ser humano, sentindo que perdeu a fala e com piedade de si mesmo!"
Narby podia enxergar todas as coisas coloridas de vermelho, inclusive, todo o interior do seu corpo. Quando vomitava expelia cores e eletricidade na cor vermelho sangue. No seu lado esquerdo viu surgir uma sombra escura e do seu lado direito uma luz. E foi a Luz que passou a comanda-lo as palavras pareciam vir "de fora" dele - "Pare de vomitar, agora é hora de cuspir, de respirar pelo nariz, de bochechar com água, mas não bebê-la". Narby sentia uma sede atroz, mas o seu corpo o proibia de beber água... Uma mulher ashaninka, vestida a caráter, levitava diante dele... - "Estás mareado?" - ouviu Ruperto Gómez perguntando e - "Eles lhe disseram o que fazer?"E neste instante, Ruperto o contemplou com outra bela canção, cheia de zumbidos e staccatos. A música lhe deu asas para VOAR, VOAR além do planeta, percorrer o universo... e aterrissar suavemente quando parou. Algumas idéias exóticas, já embaçadas, ainda o perseguiam.
Ruperto reiniciou a sua canção e a "Televisão da Floresta" mostrou um sugestivo programa: uma folha verde e os seus veios... seguida pela mão humana e suas veias... e após esta mensagem, apagou-se.
* Ilustração: Claudio Salvio.

Entrevista com Jeremy Narby - Jornal Infinito.

fonte: http://www.jornalinfinito.com.br

Jeremy Narby cresceu no Canadá e Suíça. Foi estudante de história na University of Canterbury e recebeu o seu PhD em antropologia na Stanford University. Viveu, por dois anos, na Amazônia Peruana estudando a tribo Ashaninca e a sua metodologia de exploração dos recursos da selva amazônica (85.000 espécies). Trabalha, desde 1989, para a Nouvelle Planete, uma organização filantrópica, na Suíça. Como resultado dos seus estudos e experiências na Amazônia Peruana, escreveu o best-seller "The Cosmic Serpent - DNA .And The Origins of Knowledge" (A Serpente Cósmica - DNA. E as Origens do Conhecimento - sem tradução para o português).
Infinito - O que a antropologia pensa, atualmente, sobre os shamans e o shamanismo?
Jeremy Narby - Os antropólogos atualmente dizem muitas coisas diferentes sobre os xamãs. O xamanismo é um dos assuntos que os antropólogos se especializaram em estudar nos últimos 120 anos. Os antropólogos viam os xamãs como psicóticos, charlatões, criadores da ordem, criadores da desordem, intelectuais, tradutores, negociantes astutos, produtores de significados, curandeiros do corpo e da política do corpo e, hoje em dia, como protocientistas, botânicos, zoólogos, mitologistas e médicos da mente.
Infinito -Qual é a sua própria opinião a respeito, já que conviveu e pesquisou, durante dois anos, a tribo Ashaninka na Amazônia peruana?
Jeremy Narby - Acho que alguns xamãs possuem um profundo conhecimento da vida. Eles usam a modificação da consciência para entender as propriedades das plantas, as quais compartilham. Os xamãs sabem que sob a superfície da diversidade da vida há uma unidade oculta.
Infinito - Quais são os meios empregados por estes shamans para a aquisição do "CONHECIMENTO" sobre os recursos naturais que a selva amazônica oferece, a manipulação e o emprego correto dos vegetais no sentido das curas de doenças que são, às vezes, incuráveis pela medicina dita civilizada?
Jeremy Narby - Essa é a pergunta-chave. O que acontece na mente de um xamã que está tendo visões do mundo natural fora de sua cabeça é um mistério profundo. A mente humana ainda está longe de ser compreendida e parece ter capacidades misteriosas que a ciência ainda não desvendou, envolvendo intuição, imaginação, cura e visão.
Infinito - Por favor, fale alguma coisa sobre o CURARE, uma das grandes descobertas do shamans para a medicina.
Jeremy Narby - Curare é uma substância que paralisa os músculos, que os caçadores amazônicos desenvolveram como veneno de zarabatana vários milênios trás. Ele mata animais arborícolas sem envenenar-lhes a carne. Na década de 40, os cientistas descobriram que o curare podia facilitar enormemente a cirurgia de abdômen e dos órgãos vitais, porque ele interrompia os impulsos nervosos e relaxava todos os músculos, incluindo os responsáveis pela respiração. Os químicos sintetizaram derivados da mistura de plantas, modificando a estrutura de um de seus ingredientes ativos. Atualmente, anestesistas que "curarizam" seus pacientes usam apenas compostos sintéticos. Há quarenta tipos de curare na Amazônia, feitos de 70 espécies vegetais. O tipo usado na medicina moderna vem do oeste da Amazônia. Para produzi-lo, é necessário combinar várias plantas e fervê-las por 72 horas, evitando-se inalar os vapores fragrantes mas letais emitido pela fervura. O produto final é uma pasta que é inativa, a menos que injetada sob a pele. Se engolido, ele não tem nenhum efeito. É difícil ver como alguém possa ter chegado à receita por experimentação ao acaso.
Infinito - Qual foi o resultado da sua própria experiência com o Ayahuasca?
Jeremy Narby - Ela mudou minha compreensão da realidade. Depois de minha experiência inicial com ayahuasca, eu soube que havia mais na realidade do que os olhos viam.
Infinito - O que lhe revelou, posteriormente, a visão das duas serpentes enormes, ponto central da sua experiência?
Jeremy Narby - Levei quase 10 anos para entender essa experiência. Elas me disseram que eu ra apenas um pequeno ser humano. Elas me colocaram em meu lugar. Elas também me mostraram que formas serpentinas gigantescas estavam profundamente enterradas no coração da vida.
Infinito - No conceito da Biologia: a) O que revelam as inacreditáveis e belíssimas pinturas de Pablo Amaringo sob o efeito da "Mother of the Mother" ou seja, o Ayahuasca?
Jeremy Narby - Vi todos os tipos de elementos de biologia molecular na pintura de Amaringo.
Infinito - b) Espantou-nos um detalhe nestes quadros maravilhosos: a sua semelhança com as antiqüíssimas "TANKAS" tibetanas, com você explica este fator?
Jeremy Narby - É verdade que as semelhanças são espantosas. Acho que isso mostra que há uma espécie de poço planetário de imagens onde bebem os visionários, estejam eles na Amazônia ou no Tibete.
Infinito - Qual o prejuízo causado pelo que você chama de "Rational approach", para os pesquisadores de outras culturas?
Jeremy Narby - Acho que a abordagem racional é muito valiosa. Mas também tem seus limites, particularmente ao estudarem-se fenômenos envolvendo a consciência "não-racional", como o xamanismo do ayahuasca. É como estar no seco tentando entender o que é nadar. Finalmente, a melhor maneira de saber como é nadar é molhar-se.
Infinito - A sua opinião sobre os paralelos feitos pelos pesquisadores Lynn Picknett e Clive Prince, entre o CONHECIMENTO adquirido pelos shamans e os documentos e provas a respeito do mesmo conhecimento adquirido pela antiqüíssima civilização egípcia?
Jeremy Narby - Acho que eles estão no rumo certo, mas é preciso mais pesquisa.
Infinito - A se ver a natureza e o DNA possuem consciência? Como chegou a esta hipótese?
Jeremy Narby - Prefiro falar de inteligência em vez de consciência. É importante usar as palavras com cuidado. Por inteligência me refiro à origem da palavra: interlegere, escolher entre. Sim, parece ser a capacidade de tomar decisões, bem dentro das células, até mesmo no nível das proteínas individualmente. Geralmente, a inteligência requer um cérebro. E os cérebros são feitos de células. Mas há casos claros de células individuais que se comportam como se tivessem cérebro. Mais uma vez, é necessário mais pesquisa quanto às capacidades de tomada de decisão das proteínas, células e organismos vivos. A natureza é claramente não apenas um fenômeno físico-químico. Como eu cheguei a essa hipótese é toda a história do livro.
Infinito - Qual a sua opinião sobre o uso de alucinógenos na conquista do "Conhecimento"?Acha válido o seu emprego? Por que não se usar e aperfeiçoar os métodos naturais e sem efeitos colaterais, através dos quais se chega aos mesmos resultados obtidos com os alucinógenos?
Jeremy Narby - Plantas alucinógenas podem ser atalhos para o conhecimento, se usadas prudentemente. Mas elas são substancias que alteram a mente e apresentam riscos. Qualquer um que prefira usar métodos como respiração ou percussão que levem a resultados semelhantes deveria ser incentivado a fazê-lo. Eu nunca incentivo ninguém a usar alucinógenos.

terça-feira, 15 de maio de 2007

COMFIRMAM-SE AS PROPRIEDADES MÍSTICAS DA PSILOCIBINA

Psilocibina

36 adultos tomaram psilocibina para se sujeitarem a um estudo científico; muitos descreveram a experiência como "espiritual"

13/07/2006

A psilocibina, a substância activa dos "cogumelos mágicos", expande a mente. Após mil anos de uso, esta teoria é agora cientificamente oficial.

Segundo um novo estudo, a substância química permitiu que dois terços das pessoas que a tomaram pela primeira vez tivessem uma experiência mística. Um terço avaliou a sessão de psilocibina como a experiência "espiritualmente mais significativa" das suas vidas. O outro terço colocou-a entre as cinco experiências mais importantes.

O estudo, publicado na internet pelo jornal Psychopharmacology, é a primeira avaliação aleatória e controlada de uma substância usada desde há séculos, no México e na América Central, para produzir experiências místicas. Não há quase pesquisas sobre o efeito das drogas psicadélicas em humanos nos Estados Unidos desde os anos 60. Esta, vem confirmar o que tanto os xamãs como os hippies afirmam desde há muito - tomar psilocibina é uma experiência assustadora, distorce a realidade, e por vezes muda a vida de uma pessoa para sempre.

Os investigadores afirmam que a experiência abre portas ao estudo de uma classe de compostos que alteram a percepção humana e corroem a percepção própria - pelo menos em alguns utilizadores. Esperam que esta proporcione novas perspectivas sobre o funcionamento do cérebro, e sobre os acontecimentos neurológicos que sustentam os momentos de ruptura mística.

"Estes são alguns dos componentes alteradores de consciência mais fortes que conhecemos," afirmou David E. Nichols, um professor de química médica da Universidade de Purdue, que estudou os efeitos de psicadélicos em ratos e culturas de células. "É peculiar que tenham estado fechados no armário por 40 anos. Não há qualquer outra classe de substâncias biologicamente ativas que eu conheça que tenha sido ignorada desta maneira".

Das 36 pessoas, 22 tiveram uma experiência mística "completa", a julgar por várias escalas em forma de perguntas utilizadas para classificar este tipo de experiências. Dois terços classificaram a experiência entre as cinco mais significativas das suas vidas, tais como o nascimento de um filho ou a morte de um dos pais. Dois meses após a sessão, as pessoas que tomaram a psilocibina relataram pequenas mas significativas mudanças no seu comportamento e nas suas atitudes. Um terço das pessoas, contudo, afirmou que a experiência lhes causou uma sensação de medo "extrema ou muito forte" algumas horas após tomarem o alucinógeno. Quatro pessoas disseram que toda a sessão foi dominada por ânsias ou luta psicológica.

Nichols pensa que esta última afirmação deve ser avaliada.

Alan Leshner, que liderou o instituto nacional para o abuso das drogas durante sete anos, e agora lidera a associação americana para o desenvolvimento da ciência, ficou tanto de sobreaviso como entusiasmado em relação aos efeitos relatados sobre a psilocibina.

"Se em última instância for demonstrado que a psilocibina enriquece as vidas das pessoas, quem poderá opor-se a isso? Mas neste momento ainda não atingi esse nível de confiança, dada a escassez de estudos sobre o assunto", afirmou.

Fonte: Washingtonpost.com


Cannabis Sativa - Uma planta milagrosa


Existe na natureza uma planta estratégica para o mundo moderno.
Capaz de entrelaçar duas lutas vitais deste fim de século: o desenvolvimento sustentável e as liberdades individuais.

1.Não é de hoje que a cannabis sativa é usada pelo homem. Em 2.800 antes de Cristo ela já era cultivada pelos chineses para extração de fibra. As caravelas usadas na descoberta da América tinham suas velas feitas a partir da cannabis (mais tarde, Napoleão tentaria liquidar a Marinha britânica barrando a chegada da cannabis russa). Estima-se que, no final do século passado, até 90% do papel usado no mundo provinha da cannabis, da qual foi feita a primeira Constituição dos Estados Unidos. Os primeiros jeans também foram feitos da fibra da planta. De uma maneira ou de outra, a cannabis atravessa toda a história da Humanidade.

2.Seria, então, uma planta milagrosa? Quase. Da cannabis pode-se extrair 25 mil produtos de uso essencial para a sociedade moderna. Roupas, calçados, produtos de beleza, óleo de cozinha, chocolate, sabão em pó, papel, tintas, isolantes, combustível, material de construção, carrocerias de carro e muitos outros produtos fazem da cannabis uma matéria-prima valiosa para a indústria mundial.

3.A cannabis sempre foi usada como instrumento religioso. Suas sementes eram queimadas pelos sacerdotes para produzir os transes místicos. Seu uso com fins recreativos começou entre os gregos, nos grandes banquetes.

4.O uso industrial da cannabis sativa foi em grande parte sufocado por uma campanha agressiva de um concorrente direto, a indústria do petróleo. Em 1940, Henry Ford chegou a produzir um carro com a fibra da cannabis e movido por óleo da semente da planta. Nos anos seguintes os conservadores norte-americanos procuraram estigmatizar a planta, atacando seu uso como droga e apelidando-a de Marijuana -um apelo ao racismo contra os mexicanos. A campanha resultou na proibição da cannabis sativa nos EUA.

5.Também no Brasil, as dificuldades para o uso industrial da cannabis provêm de uma campanha de viés racista contra a maconha. Os negros africanos que chegavam como escravos traziam as sementes em suas tangas e se reuniam à noite para fumar e cantar. Cientistas procuraram depreciar aquele hábito, tentando, sem sucesso, evitar sua difusão entre os brancos.

6.A cannabis tem um grande poder medicinal. Na China era usada como anestésico. Hoje, é considerada um grande remédio contra o enjôo provocado pela quimioterapia contra o câncer. É aceita também no tratamento de glaucoma e pode ser usada contra a asma e o stress. Muitos pacientes com Aids a utilizam para abrir o apetite e ganhar peso, reunindo forças para resistir.

7.As pesquisas médicas indicam que a cannabis faz menos mal que o tabaco ou o álcool. Diferente deste, é inofensiva para terceiros, pois não provoca agressividade ou descontrole emocional. Não há indícios de dependentes de cannabis. Diz-se que a dose mortal de cannabis são dois quilos jogados do 25° andar de um prédio.

8.A proibição do uso da cannabis sativa tem sido o pretexto para uma das formas mais hipócritas de violência contra o cidadão. Pessoas de bem são abordadas como criminosas e arrancadas de sua tranquilidade, nos já famosos "teatros" de agressão e extorsão da polícia. A lei encaminhada no Congresso descriminalizando o usuário será um passo importante para abolir estas situações da vida brasileira. Mas a violência provocada pelo tráfico só será extinta com a liberação total da cannabis.
9.Hoje, a cannabis é plantada na Hungria, França, Canadá, Inglaterra, Portugal, Italia, China e Espanha. Com pesquisas genéticas, o Brasil poderia produzir em três anos a semente da cannabis sem o THC (o princípio psicoativo), para uso industrial.
10.A cannabis é uma matéria-prima estratégica para a sociedade sustentável. Ao contrário do petróleo, é um recurso renovável e limpo. Seu cultivo não necessita de agrotóxicos e tem alta performance produtiva, pois cresce em no máximo 110 dias (podendo ser associado a outras culturas). A cannabis favorece o princípio ecológico do desenvolvimento de regiões auto-sustentáveis, com plantações e fábricas lado a lado.
A luta pela plantação da cannabis sativa com uso industrial, já adotada por grifes internacionais como Adidas, Guess e Calvin Klein, é uma janela de otimismo para o futuro sustentável do planeta, após o fim do petróleo e seus derivados.

100 anos de Albert Hofmann

Há mais de 100 anos atrás nascia na pequena cidade chamada Baden, localizada na Suíça, uma pessoa que viria a se tornar um dos maiores químicos dos nossos tempos.

Albert Hofmann irmão mais velho de outros três, logo cedo despontou grande interesse por estudos. Em vários cursos foi o melhor aluno, inclusive curso de línguas. Após a morte de seu pai, caiu sobre a responsabilidade de ser o homem da família, sendo essa uma das razões por levar muito a sério os estudos. Formou-se em Química na universidade de Zurich, e com um doutorado, é empregado no Laboratório de Pesquisas Química e Farmacêutica Sandoz, em Basel. A partir daí, começa-se a contar a história do cientista, químico e pesquisador de plantas e fungos medicinais: Albert Hofmann.
Suas pesquisas foram direcionadas em plantas e fungos medicinais, tentando extrair e sintetizar substâncias psicoativas. Em 1938, ele isola um dos componentes básicos e essenciais para todas as outras substâncias alcalóides terapêuticas da época: o Ácido Lisérgico.
Fez experiências com várias outras substâncias que acabaram derivando estimulantes para respiração e circulação do corpo. Um desses estimulantes acaba por ser o LSD-25 (ácido lisérgico dietilamida – 25). Mas por ter obtido resultados ainda pouco significativos, os farmacêuticos logo perderam o interesse e deixaram de lado a continuidade e a remuneração das pesquisas.Cinco anos mais tarde, tomado por um “pressentimento”, Albert Hofmann retoma as pesquisas com o LSD-25. no dia 16 de Abril de 1943, durante uma e suas experiências ele percebe sensações um tanto quanto diferentes. Em suas palavras:
“...uma inquietude notável combinada com uma prazerosa sensação de leveza”.
Neste momento Hofmann interrompeu seus estudos e foi para casa:
“Quando cheguei em casa deitei e afundei em uma condição de intoxicação muito agradável, caracterizado por uma imaginação extremamente estimulante. Em um estado de sonho-acordado, com os olhos fechados (eu achei que a luz do dia estava desagradavelmente brilhante), eu percebi uma série ininterrupta de figuras fantásticas, extraordinárias formas de muita intensidade, caleidoscópicos jogos de cores. Vontade de rir. Depois de mais ou menos 2 horas essa condição havia enfraquecido”.
Dr. Albert Hofmann descobria acidentalmente o que viria a se tornar uma das substâncias psicoativas de maior poder conhecido pelo homem. Três dias depois, em 19 de Abril de 1943, Hofmann se prepara para a primeira experiência científica baseada em uma dose de 250 microgramas de LSD-25. Descobre então toda a intensidade e poder alucinógeno da substância:
“Um demônio havia me possuído” –“Ele me possuiu o corpo, a mente, a alma. Pulei, gritei tentando me livrar dele, mas então me afundei no sofá novamente, sem ter o que fazer”.
Este dia também conhecido como Dia da Bicicleta, ficou famoso, pois após tomar a dose de LSD, Hofmann foi pra casa de bicicleta sob os efeitos da substância. Esta foi a primeira "viajem" de LSD da história. Desde então a vida de Dr. Albert Hofmann se confunde, funde e realiza com a história do LSD.Em 1958, obtém sucesso em isolar duas poderosas substâncias psicoativas, a psilocybin e a psilocin dos cogumelos mágicos mexicanos (Rivea corymbosa), os mesmos usados por xamãs mexicanos.
Em 1962, o doutor se encontra com uma das mais famosas xamãs do México: Maria Sabina. Neste incrível encontro de gigantes, Dr. Hofmann apresenta à Maria Sabina pílulas sintéticas com psilocybin do cogumelo mexicano. Ele havia produzido em seus laboratórios, na Sandoz, e sugeriu que Maria Sabina as usasse para ver se os efeitos poderiam ser parecidos ou quem sabe os mesmos. Durante uma cerimônia, Sabina usou as pílulas e o teste foi aprovado. Sabina achou que os efeitos eram pouco diferentes, mas com o mesmo espírito, e que esta substância permitiria realizar as cerimônias com a sua comunidade mesmo quando não fosse época de cogumelos. Muito agradecida a Hofmann.
Muitas foram as contribuições de Albert Hofmann no campo de pesquisas e experiências com substância psicoativas sintetizadas. Neste momento, permitia as pessoas um modo mais fácil de utilizar substâncias psicoativas terapêuticas, iria ser vendido em farmácias. Podia-se comprar frascos de LSD em farmácias como uma droga qualquer para remediar, no caso, para melhorar a circulação sanguínea.
Não demorou para que a substância e seus efeitos fossem conhecidos pela sociedade. Devido ao fato de produzir uma reação, principalmente na mente, abrindo novas “janelas” ou “portas” da percepção, seu uso foi principalmente como uma “droga” para curtição e também para experiências pessoais.O uso da substância caiu nas graças de escritores, jornalistas, hippies, jovens atônitos por um novo estilo de vida, artistas e personalidades que agora tinham um novo meio de expandir a consciência ou alcançar um nível espiritual mais elevado ou mesmo ficar muito louco e “viajar”. Mas de fato a nova droga surgia como um meio representativo para os novos padrões da sociedade. Pessoas do Ocidente buscavam por modos alternativos de viver, buscando inspirações no Oriente e no espiritualismo. Cansados da hipocrisia do governo e das pessoas, das imposições do Sistema, surgiam os Beatniks e mais tarde os Hippies, os Punks, os Grunges e etc., formando suas próprias comunidades e estilos de vida que perduram até os dias de hoje.
A busca por alternativas fora dos padrões que regia, ou ainda rege, a sociedade, já estavam sendo procuradas por muitos e, de alguma forma, s chamadas “drogas” psicoativas estavam acompanhando esse “novo” modo de viver.
É esse modo, alternativo de ver a realidade, de buscar por uma outra verdade, que Hofmann acreditava que o LSD pode contribuir para as pessoas, ou te mesmo transforma-las. Para o doutor, o poder do LSD poderia beneficiar as pessoas do mundo todo. Os efeitos de alteração da consciência, as possíveis alucinações e ilusões conseqüentes do estado causado pelo uso de LSD seriam apenas o começo dos verdadeiros efeitos da substância. O químico acredita que a droga pode “abrir janelas para uma outra realidade”.
“A crença unilateral na visão científica sobre a Vida é baseado em um engano de longos anos. Certamente tudo o que ela contém é real, porém isto representa somente uma parte da realidade; somente o que é material, quantificável. O LSD abre uma fenda na mente para todas as dimensões espirituais que não podem ser explicadas pelos termos físicos e químicos e é exatamente isso que o inclui como uma importante substância, pois age na característica mais importante de toda forma de vida”.
Porém, também não demorou para que seu uso fosse criminalizado. Quando a droga começou a ser usada por estas pessoas que lutavam por um novo rumo para a sociedade, exigiam por uma revolução e batiam de frente com o governo da época, e, ao mesmo tempo em que surgiam laboratórios que também passaram a produzir a substância, até mesmo clandestinamente, de qualidade desconfiada, o governo americano decidiu, em 1968, que o uso do LSD corromperia a sociedade, marginalizando jovens despreparados.
Os EUA, apoiado pela população numa luta contra as drogas, não tiveram dificuldades em aprovar este projeto. Assim, o uso e a comercialização do LSD estariam proibidos, sendo considerado agora como um droga ilegal.
Hofmann se desapontou quando viu o LSD ser proibido e que os verdadeiros efeitos e benefícios do LSD estavam desvirtuados nas mãos do governo. Sabemos que a proibição se esconde nas concepções fundamentais de relação entre indivíduo, sociedade e Estado. Albert Hofmann sempre lutou para que a substância fosse legalizada, provando que seus efeitos não eram nocivos a saúde, mas muito pelo contrário, possibilitaria uma expansão da consciência, uma ligação espiritual, conectando a mente e corpo.
Problemas sociais como o materialismo, a falta de compaixão entre as pessoas, o caos e estresse urbano, a falta de espiritualidade das pessoas, podem, segundo Hofmann, ser amenizados com o uso consciente desta nova droga.
outras descobertas para o mundo nos laboratórios da Sandoz, onde trabalhou até sua aposentadoria, em 1971.Hofmann sempre manteve suas pesquisas focalizadas em plantas medicinais, acabou por sintetizar várias substâncias essenciais para muitos remédios que ajudam a população até os dias de hoje, como o Hydergine, o Dihydergot remédio para circulação e pressão sanguínea e o Methergine remédio usado por ginecologistas. Recebendo méritos, dos mais diversos, por suas descobertas, como o Doutorado Honorário pela ETH de Zurich, pela Universidade de Estocolmo, pela Universidade Livre de Berlim e hoje faz parte do comitê do prêmio Nobel, além da publicação de mais de cem artigos científicos e autor de livros consagrados no campo filosófico e crítico social.
Após sua aposentadoria, Albert Hofmann se dedicou mais a escrever e lecionar sobre suas experiências e conhecimentos. Autor de diversos livros começou a escrever sobre suas experiências pessoais e no que as pesquisas sobre LSD e outras substâncias mudaram sua vida.
Um dos encontros que Albert Hofmann teve foi com o escritor e crítico visionário Aldous Huxley. Em 1961, Albert Hofmann se encontra para uma conversa com o escritor e sua mulher. Um encontro informa, claro, mas cheio de expectativas pois Albert era grande admirador de Huxley. Já havia lido diversos de seus livros.
No ano seguinte a este encontro, que gerou diversas discussões sobre como substâncias psicoativas podem influenciar na vida das pessoas, Aldous Huxley publicou o que seria seu último livro: “A Ilha”.
Albert Hofmann também teve encontros com o “popularizador” do LSD e grande incentivador da cultura psicodélica: Timothy Leary.Hofmann e Leary não foram tão próximos quanto se imagina, porém, ambos, acreditam que as substâncias psicodélicas podem ajudar as pessoas. Que através dessas substâncias, que são diferentes de outras substâncias enquadradas como narcóticas, pode-se conectar as pessoas de uma maneira espiritual, aumentar a criatividade da mente e expandia a consciência ao infinito. A discordância entre Hofmann e Leary está nessa popularização dessa substância, que segundo Hofmann teria influenciado para o uso irracional e conseqüente proibição por parte do governo.
Albert Hofmann, aos 100 anos de idade, ainda luta por um Mundo melhor. Participa ativamente de campanhas de proteção ao meio ambiente e acredita, mesmo que desconfiadamente, nessa nova cultura que nascia em meados da década de 50. Esta cultura psicodélica que perdura até os dias de hoje e que, sempre existiu e sempre vai existir, mesmo que desvirtuada por muitos, se deve em alguma parte a Hofmann.
Seja com ou sem o uso de substâncias psicodélicas, devemos sempre buscar a verdade, pois segundo Hofmann, “O LSD é apenas uma ferramenta para ajudar a descobrir o que nós supostamente deveríamos ser”. Somos um e somos o Todo.
Concluo esse texto especial dizendo: Parabéns Hofmann, obrigado por todas as contribuições que vêm dando a esta sociedade.
Texto escrito por Hugo Miyamura retirado da Union Magazine.
Referências bibliográficas:
LSD - My Problem Child - 1980 - Albert Hofmann
Insight - Outlook - 1989 - Albert Hofmann

sexta-feira, 11 de maio de 2007

'MACONHA É UMA DAS SUBSTÂNCIAS MAIS SEGURAS', DIZ ESPECIALISTA

Daniele Piomelli, neurocientista e farmacologista, defende o uso medicinal da planta e diz que pesquisas precisam ir fundo no assunto.




Marília Juste, do G1, em São Paulo



“Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem”. Foi com essa convicção que o neurocientista e farmacologista Daniele Piomelli, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto, defendeu o uso medicinal da polêmica erva.

Daniele Piomelli é considerado

uma das maiores autoridades

quando o assunto é maconha


Piomelli, da Universidade da Califórnia em Irvine, não é nenhum defensor da legalização da maconha. “Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos”, diz ele. Tampouco ignora os malefícios da droga. “Fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria”, afirma. “Há outro problema: o vício. Alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo”, diz ele.

No entanto, o cientista acredita que a droga tem potencial para tratar pacientes de doenças graves, como câncer e Aids. “Seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta”, afirma. “Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?”

Piomelli espera que as pesquisas científicas na área avancem, sem serem atravancadas por questões políticas e sociais. “Chegou a hora de irmos além da maconha”, diz ele. “Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.”

Para conhecer mais sobre os usos terapêuticos da erva e sobre os efeitos da maconha no organismo, leia abaixo a íntegra da entrevista que o cientista deu ao G1.

G1 - O que se sabe sobre os efeitos da maconha no cérebro?
Daniele Piomelli - Nós sabemos, e já sabemos há alguns anos, que existem uma série de compostos no nosso próprio cérebro que agem como uma “maconha natural”. Por isso, são chamados de endocanabinóides, a partir do nome científico da maconha, Cannabis sativa. Normalmente, eles regulam coisas como o sono e a alimentação – e praticamente todos os processos do corpo humano. Quando alguém fuma maconha, esses compostos são “superativados”, passam a funcionar acima do normal, bloqueiam as sensações de dor e dão prazer.

G1 - Existem possíveis usos terapêuticos para a maconha?
Piomelli - Bom, quanto às propriedades medicinais, nós sabemos que a maconha é usada como um poderoso alívio para a dor crônica -- e não há nada muito eficiente contra isso até agora.

Pessoas com esclerose múltipla também têm benefícios ao fumar maconha, diversas pesquisas já mostraram isso. Ela também ajuda no combate a diversos outros problemas, como estresse, pressão alta, ansiedade, insônia, perda de apetite, cólicas menstruais e problemas intestinais.
Agora, a maconha deveria ser usada como remédio? Aí, depende. É preciso fumar maconha para obter seus efeitos e isso faz com que a pessoa consuma uma série de compostos químicos tóxicos e cancerígenos. E isso não faz bem.

Há outro problema: o vício. Há alguns anos, acreditávamos que a maconha não viciava. Hoje, sabemos que não é bem assim. A maconha é capaz, sim, de viciar -- ou seja, alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades, acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo. O vício existe. É muito mais fraco do que o gerado pela cocaína e pela heroína, e mais fraco que o gerado pela nicotina. Mas existe.

G1 - Os efeitos negativos da maconha, portanto, não compensariam seus benefícios médicos?
Piomelli - Depende do caso. Se estamos falando de uma pessoa com câncer, por exemplo, ou Aids, ou algum outro problema grave de saúde, na hora de somar os prós e os contras, o alívio da dor que a maconha proporciona, compensa.

Mas se estamos falando de pessoas saudáveis, usando maconha para curar dores de cabeça, é uma irresponsabilidade muito grande. Há métodos mais eficazes, que não trazem os efeitos colaterais indesejados.

G1 - Então, na sua opinião, a maconha deveria, ou poderia, ser prescrita por médicos?
Piomelli - Sim. Eu acredito, e essa é minha opinião pessoal, que no caso de pacientes com câncer, por exemplo, seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta. Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?

Agora, se um paciente entrar no meu consultório pedindo para eu prescrever maconha para curar sua dor de cabeça, eu vou perguntar se ele está maluco e mandar ele tomar uma aspirina.

G1 - O senhor disse que é preciso fumar a maconha para obter seus efeitos. Não existe nenhuma forma além do fumo?
Piomelli - Na verdade, existe, mas não é tão eficiente quanto. Existe uma droga, feita a partir do princípio ativo da maconha, o THC, que tem sido usada para fins terapêuticos em diversos países. Existe a possibilidade de se consumir o THC oralmente, mas os resultados demoram mais para aparecer. E quando você está com dor, quer alívio o mais rápido possível.

O consumo oral do THC passa pelo estômago. Mas quando você fuma a maconha, o THC vai direto do pulmão para a corrente sanguínea, e daí para o cérebro. O efeito é muito mais rápido.
Alguns pacientes também declaram que preferem fumar, porque eles podem controlar exatamente o quanto vão consumir. Eles podem dar duas ou três tragadas, por exemplo, e parar quando se sentem melhor. Quando você toma um comprimido, ele vai ter lá seus 10g ou 20g e você não tem escolha. Se não for o suficiente, vai ter que agüentar. Se for demais, não tem como não absorver.

Ultimamente, tem sido testada uma nova forma de se consumir o THC que tem a velocidade do cigarro, mas não faz mal à saúde: o aerosol. Os médicos pegam o composto e o transformam para que ele possa ser aspirado. Dessa maneira, se tem os mesmos benefícios, mas sem os riscos.

G1 - Como o THC funciona?
Piomelli - O THC não é exatamente o melhor remédio do mundo. Ele atua naqueles componentes do cérebro que falamos antes, os endocanabinóides. Os endocanabinóides regulam praticamente todas as funções do corpo humano, do sono à fome. Por isso, eles são encontrados em locais muito diferentes do cérebro.

O que o THC faz? Ele fortalece todos os endocanabinóides. Todos, ao mesmo tempo. O que acontece? A dor passa, todos os efeitos benéficos aparecem, mas a pessoa fica “doidona”. Quando alguém fuma maconha para fins recreativos a intenção é, exatamente, essa: ficar “doidão”. É esse o objetivo. Que não é o objetivo de quem está com dor e toma THC. Essa pessoa não quer ficar alterada, ela só quer que a dor passe.

O que precisamos é de um remédio eficaz e seguro, que tire a dor, que melhore a náusea, que tenha todos os efeitos benéficos da maconha, e que não tenha os seus efeitos colaterais. Que não deixe ninguém drogado.

G1 - Estamos muito longe de um remédio como esse?
Piomelli - Essa é a grande meta de todas as pesquisas científicas que usam a maconha. No momento, o foco está, principalmente, em se encontrar um meio de aumentar o efeito dos endocanabinóides do cérebro naturalmente. Encontrar algo que faça o próprio corpo liberar os efeitos positivos desses compostos, sem que seja necessário fumar nada. É nisso que maioria das pesquisas está trabalhando no momento.

G1 - Voltando um pouco aos efeitos negativos da maconha. Há pesquisas que dizem que maconha mata neurônios. Outras dizem que não. Afinal de contas, mata ou não mata?
Piomelli - Esse é o grande problema, não é? Temos pesquisas de um lado falando uma coisa e daí vêm pesquisas do outro falando exatamente o oposto.

O que eu posso dizer é que conforme as pesquisas avançam está ficando cada vez mais claro para os cientistas que a maconha não tem nenhum efeito tóxico no cérebro, na quantidade em que é normalmente consumida.

Existem pesquisas que mostram que grandes quantidades de maconha em um curto período de tempo vão gerar uma série de estragos. E elas estão certas. Mas isso também é certo para qualquer coisa. Se você tomar uma grande quantidade de aspirina em um intervalo pequeno, também terá muitos problemas.

Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas, mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem.

É impossível você matar alguém com maconha. O máximo que você vai fazer é botar a pessoa para dormir. Nós temos uma gigantesca lista de remédios usados normalmente muito mais perigosos que isso. A maioria desses analgésicos que são prescritos como água por aí são capazes de matar alguém -- em doses não muito maiores do que as consumidas normalmente. E você não mata ninguém com maconha.

G1 - Maconha, então, não faz mal?
Piomelli - Para o cérebro? Não. Para o cérebro de um adulto. Vamos sair por aí permitindo que nossas crianças e adolescentes fumem? Não. O cérebro de um adolescente ainda está em formação. Você diz isso para eles e eles não entendem, mas o fato é que no cérebro de alguém nessa idade ainda falta um monte de coisas. O sistema que é acionado em comportamentos de vício, por exemplo, não está pronto antes da idade adulta. Fumar maconha nessa idade pode fazer um dano enorme. Qual a extensão desse dano? Não sei. As pesquisas ainda não conseguiram definir. Mas, pelo princípio da precaução, adolescentes deveriam passar bem longe disso.

Agora, para um adulto, é outra questão. Por enquanto, não temos evidência de nenhum estrago que seja feito pela maconha no cérebro. Mas fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria.

A maconha deveria ser liberada? Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos.

G1- Na sua opinião, o que podemos esperar do futuro das pesquisas com maconha?
Piomelli - Eu acho, e defendo isso exaustivamente, que chegou a hora de irmos além da maconha. Se temos o composto e temos como ele age no cérebro, já está na hora de podermos dispensar a maconha. Quando isso acontecer, tudo ficará mais fácil. Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.

No passado, o ópio era consumido para curar e aliviar de tudo. Tínhamos milhares de pessoas por aí usando. Hoje, o consumo do ópio caiu bruscamente. Ninguém mais usa. Por quê? Porque avançamos. Porque fomos além do ópio. Desenvolvemos uma série de medicamentos muito melhores, e daí ninguém mais precisava disso. É o que precisa acontecer com a maconha.

Estudo descobre como LSD afeta o cérebro

Junto com outros alucinógenos, droga atinge forma específica de fechadura química. Efeito perturba ação de neurônios do córtex que coordenam consciência e percepção.

Reinaldo José Lopes Do G1, em São Paulo

O LSD alcançou um status quase lendário entre a contracultura dos anos 1960 e acabou banido no mundo todo por causa de efeitos psicológicos considerados devastadores. Agora, cientistas americanos conseguiram elucidar como o LSD afeta as células do cérebro, causando um conjunto impressionante de distorções na percepção da realidade de seus usuários.

A descoberta também vale para uma série de outras drogas alucinógenas, desde as desenvolvidas em laboratório, como o próprio LSD (veja a estrutura molecular dele ao lado), até outras usadas há milênios por tribos indígenas. Há indícios de um mecanismo de ação comum entre elas.


O estudo, que está na edição desta semana da revista científica "Neuron", é liderado por Stuart Sealfon, da Escola de Medicina Monte Sinai, em Nova York. "É importante frisar que o quadro ainda não está totalmente claro", declarou Sealfon ao G1. "Mas ele é consistente com os efeitos que vemos e, portanto, deve ser verdadeiro."


O LSD (sigla de dietilamida do ácido lisérgico), assim como a mescalina (droga derivada de alguns cactos e usada originalmente pelos índios do sudoeste dos EUA) e outros alucinógenos, afetam o mesmo tipo de "fechadura" química dos neurônios. Trata-se de um sistema conhecido pela sigla 2AR.


Os alucinógenos fazem esse sistema funcionar muito acima do que deveria, mas o curioso é que outras substâncias sem nenhum efeito alucinógeno também agem sobre ele. Assim, ficava difícil saber se esses receptores eram mesmo a chave da ação do LSD.


Assim, experimentos feitos com neurônios de camundongos em placas de vidro e nos animais vivos exploraram as diferenças de ação das substâncias alucinógenas e não-alucinógenas sobre os receptores. Ao analisar que genes eram "ligados" ou "desligados" pela ação do LSD, Sealfon e seus colegas descobriram que, apesar do receptor em comum, o alucinógeno gera um conjunto específico de efeitos sobre os neurônios.


Eles até arriscam uma área-alvo que deve ser responsável pela maior parte dos efeitos da droga, como a impressão de que objetos inanimados ganham vida ou de perda da diferenciação entre o "eu" da pessoa e o mundo exterior. As células mais afetadas seriam os chamados neurônios piramidais da camada V. Esses neurônios parecem fazer a ponte entre o córtex cerebral, a área mais "nobre" do órgão, que comanda a consciência, e regiões que coordenam percepções e movimentos.


"É uma especulação razoável imaginar que haja um problema na capacidade de filtrar o que entra na consciência a partir dos sentidos", diz Sealfon, ressaltando que mais estudos ainda são necessários para confirmar a hipótese. Assim, a ação do LSD poderia ser comparada a certas doenças, como a esquizofrenia.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Uso Ritual da Ayahuasca - Grupo Multidisciplinar de Trabalho - Relatório Final

O relatório e o parecer final do grupo foi apresentado ao Ministro de Segurança Institucional, Gal. Armando Félix, no dia 23 de novembro de 2006 e aprovado no Plenário do CONAD no dia 6 de dezembro.

GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO - GMT- AYAHUASCA
RELATÓRIO FINAL

I - INTRODUÇÃO

1. O CONAD é o órgão normativo do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD – e suas decisões “deverão ser cumpridas pelos órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema” (arts. 3o, I, 4o, 4o, II e 7o, do Decreto no 3.696, de 21/12/2000). Assim, no exercício de sua competência legal aprovou parecer da CATC que, por sua vez, adotou pareceres do colegiado que o precedeu – o CONFEN – e abordou outros aspectos pertinentes ao tema “o uso religioso da ayahuasca” cumprindo destacar a observação final e as conclusões do parecer que o CONAD aprovou: “que fique registrado em ata, para fins, inclusive de utilização pelos interessados, que não pode haver restrição, direta ou indireta, às práticas religiosas das comunidades, baseada em proibição do uso ritual da Ayahuasca”.

2. O referido parecer concluiu: “a) a câmara ratifica as decisões anteriores do colegiado, com os aditamentos do presente parecer, conforme referido no ponto no 4; b) recomenda-se a consolidação, em separata, de todas as decisões supracitadas, para acesso e utilização dos interessados; c) a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir à paz social, à qual se submete a autonomia individual; d) deve ser reiterada a liberdade do uso religioso da Ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das decisões do colegiado, em sua composição antiga e atual, considerando a inviolabilidade de consciência e de crença e a garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base nos arts. 5o, VI e 215, § 1o da Constituição do Brasil, evitada, assim, qualquer forma de manifestação de preconceito”.

3. A Resolução nº 05 – CONAD, de 10 de novembro de 2004, tem por objetivo contribuir para a plena implementação do que foi discutido e aprovado ”sobre o uso religioso da Ayahuasca”, e para tanto foi constituído o GMT que, assim, terá por premissas as questões decididas pelo CONAD, para laborar, com ampla liberdade, no “estudo do que é preciso fazer”, ou seja, na formulação de documento que “traduza a deontologia do uso da Ayahuasca”.

4. O Grupo Multidisciplinar de Trabalho, instituído pela Resolução nº. 5 CONAD, de 04 de novembro de 2004, para levantamento e acompanhamento do uso religioso da Ayahuasca, bem como para a pesquisa de sua utilização terapêutica, em caráter experimental, foi oficialmente instalado pelo Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e Presidente do Conselho Nacional Antidrogas, JORGE ARMANDO FELIX, em 30 de maio de 2006, no Palácio do Planalto, em Brasília-DF, e teve como objetivo final a elaboração de documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado.

5. AYAHUASCA, aqui, é referida de modo genérico, para manter a uniformidade do texto e a harmonia com a nomenclatura utilizada nos atos oficiais do CONAD, mas é conhecida por diversos outros nomes, conforme a comunidade que o usa no Brasil ou no Exterior, destacando-se as expressões mais conhecidas “HOASCA”, “SANTO DAIME” e “VEGETAL”, compostos, indistintamente, pelo cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc) e pela folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.).

6. Nos termos da referida Resolução, o GMT foi composto por seis estudiosos , indicados pelo CONAD, das áreas que atenderam, dentre outros, os seguintes aspectos: antropológico (representado pelo Dr. Edward John Baptista das Neves MacRae), farmacológico/bioquímico (Dr. Isac Germano Karniol), social (Drª Roberta Salazar Uchoa), psiquiátrico (Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho) e jurídico (Drª Ester Kosovski) e seis membros, convidados pelo CONAD, representantes dos grupos religiosos que fazem uso da Ayahuasca, eleitos em Seminário realizado em Rio Branco nos dias 9 e 10 de março de 2006, a saber: Linha do Padrinho Sebastião Mota de Melo: Alex Polari de Alverga; Linha do Mestre Raimundo Irineu Serra: Jair Araújo Facundes e Cosmo Lima de Souza; Linha do Mestre José Gabriel da Costa: Edson Lodi Campos Soares; Linha Independente (Outras Linhas): Luis Antônio Orlando Pereira e Wilson Roberto Gonzaga da Costa. Considerando que a linha do Mestre Daniel Pereira de Matos, popularmente conhecida como linha da Barquinha, decidiu não participar do GMT, conforme carta endereçada ao CONAD, foi realizada durante o seminário eleição entre os suplentes já eleitos das linhas presentes para o preenchimento da vaga em aberto. Nesta ocasião foi eleito mais um representante da linha do Mestre Raimundo Irineu Serra.

7. O GMT contou com o apoio da Secretaria Nacional Antidrogas, representada pela Diretora de Políticas de Prevenção e Tratamento, Drª Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, e da Assessoria Executiva do CONAD, representada pelas Sras. Déborah de Oliveira Cruz e Maria de Lourdes Carvalho. Em suas reuniões ordinárias contou com o apoio do Dr. Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, Jurista, Membro Titular do CONAD e da Câmara de Assessoramento Técnico Científico, também representada pelo Dr. Marcelo de Araújo Campos e pela Drª Maria de Lourdes Zenel.

8. Além da primeira reunião em que os membros do GMT foram empossados, foram realizadas mais seis reuniões de trabalho na Sala de Reuniões da Secretaria Nacional Antidrogas, nos dias 28/06, 28/07, 28/08, 23 e 24/10 e 23/11, todas registradas em atas, durante as quais se discutiu a seguinte pauta: cadastramento das entidades; aspectos jurídicos e legais para regulamentação do uso religioso e amparo do direito à liberdade de culto; regulação de preceitos para produção, uso, envio e transporte da Ayahuasca; procedimentos de recepção de novos interessados na prática religiosa; definição de uso terapêutico e outras questões científicas; Ayahuasca, cultura e sociedade; e, sistematização do trabalho para elaboração do documento final.

9. O objetivo final do GMT, nos termos da Resolução nº 05/04, do CONAD, é identificar “o que é preciso fazer” para atender aos diversos itens que integram os direitos e obrigações pertinentes ao “uso religioso da Ayahuasca”. O “estudo” desse “o que é preciso fazer” constituiu-se, exatamente, nas atividades desenvolvidas pelo GMT, traduzindo, assim, a “deontologia do uso da Ayahuasca”: (deon, do grego: “o que é preciso fazer” + logos, também do grego: “estudo” ).

II - HISTÓRICO DA REGULAMENTAÇÃO DO USO DA AYAHUASCA

10. A instituição do Grupo Multidisciplinar de Trabalho expressa dever constitucional do Estado Brasileiro de proteger as manifestações populares e indígenas e garantir o direito de liberdade religiosa. Representa o coroamento do processo de legitimação do uso religioso da Ayahuasca no país, iniciado há mais de vinte anos, com a criação do 1º Grupo de Trabalho do CONAD (na época CONFEN), designado para examinar a conveniência da suspensão provisória da inclusão da substância Banisteriopsis caapi na Portaria nº 02/85, da DIMED (Resolução nº. 04/85, do CONFEN).

11. Este primeiro estudo, após dois anos, com a realização de várias pesquisas e visitas às comunidades usuárias em diversos Estados da Federação, principalmente ao Acre, Amazonas e Rio de Janeiro, resultou em extenso relatório , de setembro de 1987, subscrito pelo então Conselheiro do CONFEN, Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, Presidente do Grupo de Trabalho, que concluiu que as espécies vegetais que integram a elaboração da bebida denominada de Ayahuasca ficassem excluídas das listas de substâncias proscritas pela DIMED.

12. Esta conclusão foi aprovada pelo plenário do antigo Conselho Federal de Entorpecentes, em reunião de setembro de 1987, de sorte que a suspensão provisória da interdição do uso da Ayahuasca, levada a termo pela Resolução nº 06, do CONFEN, de 04 de fevereiro de 1986, tornou-se definitiva, com a exclusão da bebida e das espécies vegetais que a compõem das listas da DIMED.

13. A despeito disso, em 1991, em face de denúncia anônima, por iniciativa do então Conselheiro do CONFEN, Paulo Gustavo de Magalhães Pinto, Chefe da Divisão de Repressão a Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal, a “questão do uso da Ayahuasca” foi reexaminada.

14. Disso resultou mais uma vez, por parte do CONFEN, a realização de estudos acerca do contexto de produção e do consumo da bebida, desenvolvidos pelo Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, o qual, em parecer conclusivo de 02/06/92, aprovado por unanimidade na 5ª Reunião Ordinária do CONFEN realizada na mesma data, considerou que não havia razões para alterar a conclusão proposta em 1987, no relatório final já mencionado .

15. Dez anos depois, em face de denúncias de uso inadequado da bebida Ayahuasca, a maior parte divulgada na imprensa e outras tantas dirigidas aos órgãos do Poder Público, notadamente CONAD, Polícia Federal e Ministério Público, fato que está amplamente documentado na consolidação das decisões e estudos do CONAD e de outras instituições acerca do uso da Ayahuasca, novo Grupo de Trabalho foi definido pela Resolução nº 26, de 31 de dezembro de 2002.

16. De acordo com esta resolução, o GT deveria ser composto por diversas instituições , com base no princípio da responsabilidade compartilhada, agora com o objetivo de fixar normas e procedimentos que preservassem a manifestação cultural religiosa, observando os objetivos e normas estabelecidas pela Política Nacional Antidrogas e pelos diplomas legais pertinentes. Não há registro de que este grupo tenha sido constituído.

17. Em 24 de março de 2004 o CONAD solicitou à Câmara de Assessoramento Técnico Científico a elaboração de estudo e parecer técnico-científico a respeito de diversos aspectos do uso da Ayahuasca, ocasião em que o referido órgão de assessoramento do CONAD emitiu parecer apresentado e aprovado na Reunião do CONAD de 17/08/04, o qual serviu de fundamento à Resolução nº 5, do CONAD, de 04/11/04, que institui o atual Grupo Multidisciplinar de Trabalho.

III - ANDAMENTO DAS REUNIÕES

18. A fim de atender aos termos da resolução que o instituiu, o GMT teve como primeira tarefa, depois de eleger o Presidente e o Vice-Presidente do Grupo, respectivamente Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho e Edson Lodi Campos Soares, a elaboração do Cadastro Nacional das Entidades Usuárias da Ayahuasca - CNEA.

19. Acerca desse tema, muitos foram os questionamentos levados em consideração pelo grupo, a começar pela finalidade do referido cadastro, que não deve servir de mecanismo de controle estatal sobre o direito constitucional à liberdade de crença (art. 5º, VI, CF). Discutiu-se também acerca de sua objetividade, de sorte que não constassem exigências que viessem a invadir o direito individual à intimidade, vida privada e imagem dos usuários (art. 5º, X, CF). Nesse sentido, chegou-se ao consenso de que responder ou não ao cadastro seria uma faculdade das entidades.

20. Fixados esses parâmetros, o formulário de cadastro foi colocado à disposição dos interessados, acompanhado de carta explicativa e cópia da Resolução nº. 05/04, do CONAD. Até a presente data foi cadastrada quase uma centena de entidades, dando também uma dimensão parcial das diversas práticas que são adotadas pelas entidades que fazem uso da Ayahuasca no Brasil. O cadastro continua disponível às entidades interessadas.

21. O GMT procurou destacar e consolidar as práticas que para as próprias entidades representam o uso religioso adequado e responsável, anteriormente estabelecidos na “Carta de Princípios”, resultado do 1º Seminário das entidades da Ayahuasca, realizado em Rio Branco em 24 de novembro de 1991. Nas discussões priorizaram-se os seguintes temas: definição de uso ritual, comércio, turismo, publicidade, associação da Ayahuasca com outras substâncias, criação de novos centros, auto-sustentabilidade das entidades, procedimentos de recepção de novos interessados, curandeirismo, uso terapêutico, assim como definição de mecanismos para tornar efetivos os princípios deontológicos formulados. A maior parte das deliberações do grupo foi consensual e estão sintetizadas no item V – Conclusão.

IV – TEMAS DISCUTIDOS
IV.I – USO RELIGIOSO DA AYAHUASCA


22. Ao longo de décadas o uso ritualístico da Ayahuasca – bebida extraída da decocção do cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc.) e da folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.) – tem sido reconhecido pela sociedade brasileira como prática religiosa legítima, de sorte que são mais do que atuais as conclusões de relatórios e pareceres decorrentes de estudos multidisciplinares determinados pelo antigo CONFEN, desde 1985, que constatavam que “há muitas décadas o uso da Ayahuasca vem sendo feito, sem que tenha redundado em qualquer prejuízo social conhecido” .

23. A correta identificação do que é uso religioso, segundo os conceitos e práticas ditadas, a partir das próprias entidades que fazem uso da Ayahuasca, permitirá assegurar a proteção da liberdade de crença prevista na Constituição Federal. Considerando a ocorrência de registros de uso não religioso da Ayahuasca, sua identificação possibilitará prevenir práticas que não se amoldam à proteção constitucional.

24. Trata-se, pois, de ratificar a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca como rica e ancestral manifestação cultural que, exatamente pela relevância de seu valor histórico, antropológico e social, é credora da proteção do Estado, nos termos do art. 2o, “caput”, da Lei 11.343/06 e do art. 215, §1º, da CF. Devem-se evitar práticas que possam pôr em risco a legitimidade do uso religioso tradicionalmente reconhecido e protegido pelo Estado brasileiro, incluindo-se aí o uso da Ayahuasca associado a substâncias psicoativas ilícitas ou fora do ambiente ritualístico.

IV.II – COMERCIALIZAÇÃO

25. O GMT reconhece o caráter religioso de todos os atos que envolvem a Ayahuasca, desde a coleta das plantas e seu preparo, até seu armazenamento e ministração, de modo que seu praticante de tudo participa com a convicção de que pratica ato de fé e não de comércio. Daí decorre que o plantio, o preparo e a ministração com o fim de auferir lucro é incompatível com o uso religioso que as entidades reconhecem como legítimo e responsável.

26. Quem vende Ayahuasca não pratica ato de fé, mas de comércio, o que contradiz e avilta a legitimidade do uso tradicional consagrado pelas entidades religiosas.

27. A vedação da comercialização da Ayahuasca não se confunde com seu custeio, com pagamento das despesas que envolvem a coleta das plantas, seu transporte e o preparo. Tais custos de manutenção, conforme seja o seu modo de organização estatutária, são suportados pela comunidade usuária. E é evidente, também, que a produção da Ayahuasca tem um custo, que pode variar de acordo com a região que a produz, a quantidade de adeptos, a maior ou menor facilidade com que se adquire a matéria prima (cipó e folha), se se trata de plantio da própria entidade ou se as plantas são obtidas na floresta nativa, e tantas outras variáveis.

28. Historicamente, porém, de acordo com a experiência das entidades religiosas chamadas a compor o Grupo Multidisciplinar de Trabalho, esse custo é partilhado no seio da instituição por meio das contribuições dos membros de cada entidade. Os sócios respondem pelas despesas de manutenção da organização religiosa, nas quais estão incluídos os gastos com a produção da Ayahuasca, com prestação de contas regular.

29. O uso religioso responsável na produção da Ayahuasca é delineado a partir da constatação das práticas das entidades: a) cultivar as plantas e preparar a Ayahuasca, em princípio, para seu próprio consumo; b) buscar a sustentabilidade na produção das espécies; e, c) quando não possuir cultivo próprio e nenhuma forma de obtenção da matéria prima na floresta nativa – sem prejuízo de buscar a auto-suficiência em prazo razoável – nada obsta obter o chá mediante custeio das despesas tão somente, evitando-se que pessoas, grupos ou entidades se dediquem, com exclusividade ou majoritariamente, ao fornecimento a terceiros.

IV.III – SUSTENTABILIDADE DA PRODUÇÃO DA AYAHUASCA

30. A cultura do uso religioso da Ayahuasca, por se tratar de fé baseada em bebida extraída de plantas nativas da Floresta Amazônica, pressupõe responsabilidade ambiental na extração das espécies. As entidades religiosas devem buscar a auto-sustentabilidade na produção da bebida, cultivando o seu próprio plantio.

IV.IV – TURISMO

31. Turismo, como atividade comercial, deve ser evitado pelas entidades, que por se constituírem em instituições religiosas, não devem se orientar pela obtenção de lucro, principalmente decorrente da exploração dos efeitos da bebida.

32. A Constituição Federal garante o livre exercício dos cultos religiosos, que tem como conseqüência o direito à propagação da fé através do intercâmbio legitimo de seus membros. Neste sentido todos têm direito de professar a sua fé livremente e de promover eventos dentro dos limites legais estabelecidos. O que se quer evitar é que uma prática religiosa responsável, séria, legitimamente reconhecida pelo Estado, venha a se transformar, por força do uso descomprometido com princípios éticos, em mercantilismo de substância psicoativa, enriquecendo pessoas ou grupos, que encontram no argumento da fé apenas o escudo para práticas inadequadas.

IV.V - DIFUSÃO DAS INFORMAÇÕES

33. A publicidade da Ayahuasca também tem sido motivo de deturpações e abusos, notadamente na Internet. Observa-se, principalmente neste meio de comunicação, o oferecimento de toda espécie de cursos e oficinas remuneradas, cujo elemento central é o uso da Ayahuasca associado a promessas de experiências transformadoras descomprometidas com o ritual religioso.

34. A partir das experiências das entidades e de suas práticas rituais, verifica-se que o uso ritual responsável é incompatível com a publicidade e a oferta de promessas de curas milagrosas, de transformações pessoais arrebatadoras e com a indução das pessoas a acreditarem que a Ayahuasca é o remédio para todos os males. É consenso no GMT que quem faz uso religioso responsável não divulga informações que possam induzir as pessoas a terem uma imagem fantasiosa da Ayahuasca e trata do tema com discrição, sem fazer alardes dos efeitos da substância.

IV.VI - USO TERAPÊUTICO

35. Para fins deste relatório “terapia” é compreendida como atividade ou processo destinado à cura, manutenção ou desenvolvimento da saúde, que leve em conta princípios éticos científicos.

36. Tradicionalmente, algumas linhas possuem trabalhos de cura em que se faz uso da Ayahuasca, inseridos dentro do contexto da fé. O uso terapêutico que tradicionalmente se atribui à Ayahuasca dentro dos rituais religiosos não é terapia no sentido acima definido, constitui-se em ato de fé e, assim sendo, ao Estado não cabe intervir na conduta de pessoas, grupos ou entidades que fazem esse uso da bebida, em contexto estritamente religioso. Em outra condição se encontram aqueles que se utilizam da bebida fora do contexto religioso. Isto nada tem que ver com uso religioso, e tal prática não está reconhecida como legítima pelo CONAD, que se limitou a autorizar o uso da substância em rituais religiosos.

37. A utilização terapêutica da Ayahuasca em atividade privativa de profissão regulamentada por lei dependerá da habilitação profissional e respaldo em pesquisas científicas, pois de outra forma haverá exercício ilegal de profissão ou prática profissional temerária.

38. Qualquer prática que implique utilização de Ayahuasca com fins estritamente terapêuticos, quer seja da substância exclusivamente, quer seja de sua associação com outras substâncias ou práticas terapêuticas, deve ser vedada, até que se comprove sua eficiência por meio de pesquisas científicas realizadas por centros de pesquisa vinculados a instituições acadêmicas, obedecendo às metodologias científicas. Desse modo, o reconhecimento da legitimidade do uso terapêutico da Ayahuasca somente se dará após a conclusão de pesquisas que a comprovem.

39. Com fundamento nos relatos dos representantes das entidades usuárias, verificou-se que as curas e soluções de problemas pessoais devem ser compreendidas no mesmo contexto religioso das demais religiões: enquanto atos de fé, sem relação necessária de causa e efeito entre uso da Ayahuasca e cura ou soluções de problemas.

IV.VI - ORGANIZAÇÃO DAS ENTIDADES

40. O crescimento do uso da Ayahuasca e a facilidade com que se pode comprar a bebida de pessoas que a produzem sem compromisso com a fé têm levado ao surgimento de novas entidades, que não possuem experiência no lidar com a bebida e seus efeitos, assim como fazem mau uso da Ayahuasca, associando-a a práticas que nada têm a ver com religião. O uso ritual caracterizado pela busca de uma identidade religiosa se diferencia do uso meramente recreativo.

41. O uso religioso responsável da Ayahuasca pressupõe a presença de pessoas experientes, que saibam lidar com os diversos aspectos que envolvem essa prática, a saber: capacidade de identificar as espécies vegetais e de preparar a bebida, reconhecer o momento adequado de servi-la, discernir as pessoas a quem não se recomenda o uso, além de todos os aspectos ligados ao uso ritualístico, conforme sua orientação espiritual.

42. Embora se reconheça o ato de fé solitário e isolado, usualmente a prática religiosa se desenvolve coletivamente. É recomendável que os grupos constituam-se em organizações formais, com personalidade jurídica, consolidando a idéia de responsabilidade, identidade e projeção social, que possibilite aos usuários a prática religiosa em ambiente de confiança.

IV.VII - PROCEDIMENTOS DE RECEPÇÃO DE NOVOS ADEPTOS

43. Além dos princípios inerentes a cada uma das linhas doutrinárias na recepção de novos membros, é razoável e prudente que ao se ministrar a Ayahuasca seja levado em conta o relato de alterações mentais anteriores, o estado emocional no momento do uso e que eles não estejam sob efeito de álcool ou outras substâncias psicoativas.

44. Antes de ingerir pela primeira vez, o interessado deve ser informado acerca de todas as condições que se exigem para o uso da Ayahuasca, conforme a orientação de cada entidade. Uma entrevista prévia, oral ou escrita, deve ser realizada no sentido de averiguar as condições do interessado e a ele devem ser dados os esclarecimentos necessários acerca dos efeitos naturais da bebida.

45. É recomendável que cada entidade acompanhe os participantes até a finalização de seus rituais, excetuada a saída previamente solicitada em casos excepcionais e com a anuência do responsável.

IV.VIII – USO DA AYAHUASCA POR MENORES E GRÁVIDAS

46. Tendo em vista a inexistência de suficientes evidências cientificas e levando em conta a utilização secular da Ayahuasca, que não demonstrou efeitos danosos à saúde, e os termos da Resolução nº 05/04, do CONAD, o uso da Ayahuasca por menores de 18 (dezoito) anos deve permanecer como objeto de deliberação dos pais ou responsáveis, no adequado exercício do poder familiar (art. 1634 do CC); e quanto às grávidas, cabe a elas a responsabilidade pela medida de tal participação, atendendo, permanentemente, a preservação do desenvolvimento e da estruturação da personalidade do menor e do nascituro.

V - CONCLUSÃO:

a. Considerando que o CONAD, acolhendo parecer da Câmara de Assessoramento Técnico Científico, reconheceu a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca, nos termos da Resolução nº 05/04, que instituiu o GMT para elaborar documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado;

b. Considerando que o GMT, após diversas discussões e análises, onde prevaleceu o confronto e o pluralismo de idéias, considerou como uso inadequado da Ayahuasca a prática do comércio, a exploração turística da bebida, o uso associado a substâncias psicoativas ilícitas, o uso fora de rituais religiosos, a atividade terapêutica privativa de profissão regulamentada por lei sem respaldo de pesquisas cientificas, o curandeirismo, a propaganda, e outras práticas que possam colocar em risco a saúde física e mental dos indivíduos;

c. Considerando que a dignidade da pessoa humana é princípio fundante da República Federativa do Brasil, e dentre os direitos e garantias dos cidadãos sobressai-se a liberdade de consciência e de crença como direitos invioláveis, cabendo ao Estado, na forma da lei, garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (CF, arts. 1º, III, 5º, VI);

d. Considerando a decisão do INCB (International Narcotics Control Board), da Organização das Nações Unidas, relativa à Ayahuasca, que afirma não ser esta bebida nem as espécies vegetais que a compõem objeto de controle internacional;

e. Considerando, por fim, que o uso ritualístico religioso da Ayahuasca, há muito reconhecido como prática legitima, constitui-se manifestação cultural indissociável da identidade das populações tradicionais da Amazônia e de parte da população urbana do País, cabendo ao Estado não só garantir o pleno exercício desse direito à manifestação cultural, mas também protegê-la por quaisquer meios de acautelamento e prevenção, nos termos do art. 2o, “caput”, Lei 11.343/06 e art. 215, caput e § 1º c/c art. 216, caput e §§ 1º e 4º da Constituição Federal.

O Grupo Multidisciplinar de Trabalho aprovou os seguintes princípios deontológicos para o uso religioso da Ayahuasca:

1. O chá Ayahuasca é o produto da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas;

2. Todo o processo de produção, armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca integra o uso religioso da bebida, sendo vedada a comercialização e ou a percepção de qualquer vantagem, em espécie ou in natura, a título de pagamento, quer seja pela produção, quer seja pelo consumo, ressalvando-se as contribuições destinadas à manutenção e ao regular funcionamento de cada entidade, de acordo com sua tradição ou disposições estatutárias;

3. O uso responsável da Ayahuasca pressupõe que a extração das espécies vegetais sagradas integre o ritual religioso. Cada entidade constituída deverá buscar a auto-sustentabilidade em prazo razoável, desenvolvendo seu próprio cultivo, capaz de atender suas necessidades e evitar a depredação das espécies florestais nativas. A extração das espécies vegetais da floresta nativa deverá observar as normas ambientais;

4. As entidades devem evitar o oferecimento de pacotes turísticos associados à propaganda dos efeitos da Ayahuasca, ressalvando os intercâmbios legítimos dos membros das entidades religiosas com suas comunidades de referência;

5. Ressalvado o direito constitucional à informação, recomenda-se que as entidades evitem a propaganda da Ayahuasca, devendo em suas manifestações públicas orientar-se sempre pela discrição e moderação no uso e na difusão de suas propriedades;

6. A prática do curandeirismo é proibida pela legislação brasileira. As propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca – que as entidades conhecem e atestam – requerem uso responsável e devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se toda e qualquer propaganda que possa induzir a opinião pública e as autoridades a equívocos;

7. Recomenda-se aos grupos que fazem uso religioso da Ayahuasca que se constituam em organizações jurídicas, sob a condução de pessoas responsáveis com experiência no reconhecimento e cultivo das espécies vegetais sagradas, na preparação e uso da Ayahuasca e na condução dos ritos;

8. Compete a cada entidade religiosa exercer rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proceder entrevista dos interessados na ingestão da Ayahuasca, a fim de evitar que ela seja ministrada a pessoas com histórico de transtornos mentais, bem como a pessoas sob efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas;

9. Recomenda-se ainda manter ficha cadastral com dados do participante e informá-lo sobre os princípios do ritual, horários, normas, incluindo a necessidade de permanência no local até o término do ritual e dos efeitos da Ayahuasca.

10. Observados os princípios deontológicos aqui definidos, cabe a cada entidade e a seus membros indistintamente, no relacionamento institucional, religioso ou social que venham a manter umas com as outras, em qualquer instância, zelar pela ética e pelo respeito mútuo.

PROPOSIÇÕES:

1. QUANTO ÀS PESQUISAS DO USO TERAPÊUTICO DA AYAHUASCA EM CARÁTER EXPERIMENTAL:

a. Devem-se fomentar pesquisas cientificas abrangendo as seguintes áreas: farmacologia, bioquímica, clínica, psicologia, antropologia e sociologia, incentivando a multidisciplinaridade;

b. Sugere-se ao CONAD que promova e financie, a partir de 2007, pesquisas relacionadas com o uso e efeitos da Ayahuasca.

2. QUANTO À QUESTÃO AMBIENTAL E AO TRANSPORTE:

a. Sugere-se ao CONAD que considere a possibilidade de intercâmbio com o CONAMA, se possível lançando mão do auxílio das entidades religiosas, no sentido de estabelecer medidas de proteção às espécies vegetais que servem de matéria prima à Ayahuasca, por meio de legislação específica para essas plantas de uso ritualístico religioso, as quais não podem ser tratadas indistintamente como um produto florestal não madeireiro.

b. Sugere-se ao CONAD ainda, que faça os encaminhamentos devidos junto aos órgãos competentes do Estado, no sentido de regulamentar o transporte interestadual da Ayahuasca entre as entidades, ouvindo-se previamente os interessados.

3. QUANTO À EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS DEONTOLÓGICOS:

a. Sugere-se ao CONAD que estude a possibilidade de fixar mecanismos de controle quanto ao uso descontextualizado e não ritualístico da Ayahuasca, tendo como paradigma os princípios deontológicos ora fixados, com efetiva participação de representantes das entidades religiosas.

b. Solicita-se ao CONAD apoio institucional para a criação de instituição representativa das entidades religiosas que se forme por livre adesão, para o exercício do controle social no cumprimento dos princípios deontológicos aqui tratados.

c. Sugere-se ainda, caso os princípios deontológicos aqui definidos sejam acatados, que disto seja dada ampla publicidade, preferencialmente com a realização de um segundo seminário organizado pelo próprio CONAD auxiliado pelo Grupo Multidisciplinar de Trabalho, do qual devem participar todas as entidades, sem prejuízo do encaminhamento formal do ato a todos os órgãos dos Ministérios Públicos e da Magistratura Federal e Estaduais, Polícia Federal e Secretarias de Segurança Pública dos Estados.

Brasília, 23 de Novembro de 2006.

Dartiu Xavier da Silveira Filho
Presidente do GMT – Representante do CONAD

Edson Lodi Campos Soares
Vice-Presidente do GMT - Representante de Mestre José Gabriel da Costa

Paulina do Carmo Arruda V.Duarte
Representante da Secretaria Nacional Antidrogas/GSIPR

Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá
Representante da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico do CONAD

Ester Kosovsky
Universidade Federal do Rio de Janeiro e OAB-RJ

Edward John Baptista das Neves MacRae
Membro do GMT - Representante do CONAD

Roberta Salazar Uchoa
Membro do GMT - Representante do CONAD

Isac Germano Karniol
Membro do GMT – Representante do CONAD

Jair Araújo Facundes .
Membro do GMT - Representante de Mestre Raimundo Irineu Serra

Cosmo Lima de Souza
Membro do GMT - Representante de Mestre Raimundo Irineu Serra

Alex Polari de Alverga
Membro do GMT - Representante de Padrinho Sebastião

Luis Antônio Orlando Pereira
Membro do GMT - Representante de Outras Linhas

Wilson Roberto Gonzaga da Costa
Membro do GMT - Representante de Outras Linhas