MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina) é o nome científico da substância atuante presente nos comprimidos de ecstasy. Droga de efeitos únicos, a cultura clubber popularizou o seu uso, sendo que atualmente o ecstasy é uma das drogas de abuso mais utilizadas no mundo inteiro. Até 2003 o ponto de vista dominante era de que poucas (até mesmo uma) doses podiam causar "danos cerebrais significativos a longo prazo, com consequências funcionais deletérias importantes". Novas pesquisas e retratações nos mostram uma realidade um tanto diferente; os riscos apresentados pelo MDMA podem ser balanceados, e os riscos apresentados no consumo de ecstasy podem ser reduzidos, com medidas simples. Enquanto que, porém, em vários países há uma quantidade de informações, uma simples pesquisa online é o suficiente para perceber que a maioria da informação em português disponível é desatualizada, incompleta ou cheia de vieses. O texto abaixo procura ser uma discussão atualizada e geral sobre os efeitos, usos e consequências desta droga ilegal.
A percepção das coisas e das pessoas não é alterada, ou mesmo intensificada, normalmente, mas as reações negativas que permeam a nossa vida cotidiana além do nosso conhecimento consciente são suspensas e substituídas por aceitação incondicional. Isto é parecido com o amor fati de Nietzsche, o amor pelo destino, o amor pelas circunstâncias particulares de uma pessoa. A realidade imediata parece ser acolhida, nestes estados induzidos pelo MDMA, sem dor ou apego; felicidade não parece depender da situação dada, mas na existência em si mesmo, e em tal estado de espírito tudo é amável da mesma forma...
Claudio Naranjo, The healing journey
Na sala de estar, os exemplos vêm com força e rapidez. "Você sabe o que é um estado de inflação?", Shulgin pergunta, enquanto Ann prepara o chá. Tal estado, ele explica, é como ser Michael Jordan ou o ditador de uma nação de terceiro mundo. É uma sensação que muita gente só pode experimentar artificialmente, embora os Shulgin crêem que há lições a ser aprendidas dali. O mais importante é como retornar ao mundo normal."A coisa mais importante sobre este estado é que, uma vez experimentado, você começa a entender, por contraste, o que é tão importante na sua vida normal, não-inflada", diz Ann.
Ann e "Sasha" Shulgin, entrevista
(com 120 mg) Quando o material começou a atuar eu senti que estava sendo envelopado, e a minha atenção teve de ser dirigida para isto. Fiquei bastante assustado, e a minha face estava fria e pálida. Senti que queria voltar, mas sabia que não havia como voltar atrás. Então o medo começou a me deixar, e eu podia tentar dar passinhos de bebê, como dar os primeiros passos depois de ter renascido. A pilha de lenha é tão bela, quase toda a felicidade e beleza que eu posso suportar. Estou com medo de me voltar e encarar as montanhas, medo de que elas me oprimirão. Mas eu olhei, e estou maravilhado. Todo mundo deve ter a experiência de um estado profundo como este. Sinto-me totalmente em paz. Vivi toda a minha vida para chegar até aqui, e eu sinto que cheguei ao lar. Estou completo.
Alexander Shulgin, PiHKAL: A Chemical Love Story
Generalidades
O MDMA é uma substância psicotrópica de uso proscrito no Brasil, de acordo com a lista F2 da Portaria SVS/MS 344 de 12/05/1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Seu uso, manufatura e tráfico são atividades ilegais, assim como em todos os países que seguem as indicações da Organização Mundial de Saúde.
Em laboratório, o MDMA ((±)-N, µ-dimetil-3,4-(metilendioxi)fenetilamina) é um pó cristalino branco, quimicamente bastante estável em condições ambientais normais. Resiste bem ao calor, luz e ao ar; dissolve-se na água, mas não absorve umidade. Tem um gosto amargo forte e distinto.
Há várias maneiras de síntese conhecidas. A produção clandestina ilegal é mais fácil quando parte do MDP2P, este um produto comercial usado na indústria de flavorizantes e fragrâncias. De outra forma, o MDMA precisa ser sintetizado do piperonal, do isosafrole ou do safrole. O óleo de safrole occorre naturalmente como um dos principais componentes do óleo de sassafrás; este óleo é encontrado na casca da raiz da Sassafras albidum (norte-americana, costa leste) e nas partes lenhosas da Ocotea pretiosa (América do Sul). O safrole também é encontrado na noz-moscada, endro, semente de salsinha, açafrão, açafrão-da-terra, sementes de baunilha e no cálamo.
Há hipóteses sobre o uso ritual de alguns compostos da mesma família do MDMA, como o MDA, ou o MDEA, por comunidades indígenas, através do óleo de sassafrás. Tais hipóteses são ainda muito especulativas.
Grande parte do ecstasy consumido ilegalmente é produzido na Holanda e na Bélgica, com um aparecimento maior recente da Rússia e de Israel, entre outros países.
O MDMA costuma se apresentar, na maioria das vezes, na forma de comprimidos com uma variedade quase infinita de cores e logotipos. É nestes termos que a maioria dos usuários costumam referir-se a eles (Blue Volkswagen, White Dove, etc). Também há outras formas que o MDMA pode assumir, como em pó, ou mesmo gel.
A dose média, para humanos, é em torno de 125 miligramas (aproximadamente 2 mg/kg), via oral. A quantidade encontrada nos comprimidos comercializados na rua, porém, varia muito, costumando ser um tanto menor do que isto, em média 70 mg por comprimido (quando presente, o que não é muito raro acontecer). O uso mais comum é o oral, embora o uso por inalação, da mesma forma que a cocaína, encontra um público razoável. Em pesquisas de laboratório, injeções e microinjeções cerebrais são utilizadas. O uso de injeção intravenosa é praticamente inexistente em usuários humanos, sendo descrita por alguns como muito "anfetamínica" e não-prazeirosa.
O começo da ação é em torno de meia hora depois da ingestão do comprimido. Os efeitos agudos duram por aproximadamente 3-5 horas, dependendo da dose, com os efeitos subjetivos alcançando um ápice entre 90-120 minutos depois da ingestão, declinando lentamente. Uma outra gama de efeitos dura até 24-48 horas depois. Com doses recreativas (aproximadamente 100 mg), a meia vida do MDMA no plasma sanguíneo é de 8 horas, sendo que a excreção completa ocorre em dois dias. Aproximadamente 1/3 do MDMA é excretado intacto com doses recreativas; o restante é metabolizado principalmente pelo fígado, mais especialmente pela enzima CYP2D6. Um dos principais metabólitos é o MDA (similar ao MDMA nos efeitos, mais estimulante e potencialmente neurotóxico).
Os efeitos "fisiológicos" são bem consistentes de pessoa para pessoa. A experiência também costuma ser bastante consistente; "ela pode ser mágica ou mística, mas não costuma ser estranha", como acontece com a grande parte dos psicodélicos. MDMA pode ser muitas coisas para muitas pessoas. Talvez pelo fato de se tratar de uma droga "suja" (os seus efeitos no cérebro são multifatoriais), pode-se encontrar na experiência uma gama variada de efeitos psicológicos.
Através do Atlântico, ida e volta
No meio dos anos noventa começam a aparecer, aqui no Brasil, os boatos de uma nova droga sendo utilizada, principalmente nos grandes centros urbanos. Já no início do século XXI o ecstasy aparece cada vez mais na mídia, como a droga das raves, festas de música eletrônica com profusão de luzes e sons; fotos de pessoas abraçando-se, relatos de apreensões de centenas ou milhares de comprimidos, reportagens sobre dezenas de efeitos adversos. Seu surgimento e o seu uso cada vez mais popularizado podem surpreender o cidadão médio; o Brasil, um país de maconha e cocaína, vê esta novidade aparecer, primeiro parte de uma cultura clubber incipiente, espalhando-se, aos poucos, pela classe média brasileira.
Mas o "cidadão médio" desconhece que o "ecstasy" tem uma longa história: aparece na Europa, antes da Grande Guerra, é redescoberto nos Estados Unidos, e volta para a Europa novamente, desta vez com uma cara bem diferente. O primeiro registro é a patente da companhia alemã Merck, em 1914; o MDMA fora sintetizado dois anos antes, na procura por uma substância com um bom efeito vaso-constritor. Pelo que parece, a proximidade da guerra e a sua aparente inutilidade fizeram com que esta droga fosse relegada a um esquecimento de mais de 30 anos; não consta, em sua patente, nenhuma informação sobre qualquer uso possível, a não ser como precursor para outros produtos mais utilizáveis.
Como sempre surgiu, então, o exército americano na sua busca por quaisquer substâncias que pudessem ser de uso na recém-inventada "guerra fria". O MDMA, contudo, foi utilizado somente em animais; rhesus, porquinhos-da-índia, cachorros e ratos souberam melhor do que ninguém os efeitos, embora não o pudessem dizer. Houve, porém, experimentos humanos com o metabólito mais próximo do MDMA, o MDA, em "voluntários" do exército, inclusive com um caso de overdose.
Depois da sua passagem incólume pelo exército, o MDMA começa a interessar os pesquisadores nas universidades e da indústria química americana. É neste momento que o MDMA conhece o seu "pai adotivo", Alexander Shulgin.
Um químico da Dow Chemicals, ele cria um inseticida muito lucrativo; como recompensa, a Dow dá carta branca para que ele utilize a infra-estrutura para pesquisar o que quer que lhe agradasse. Depois de uma experiência com a mescalina, ele se volta para os psicodélicos, sintetizando e experimentando vários deles; quando a companhia se vê tendo as patentes de várias drogas populares e o bota pra fora, Shulgin continuou sintetizando e experimentando (em si e em outros pessoas de um seleto grupo) centenas de outras substâncias. Ouvindo os relatos de outros pesquisadores, Shulgin se interessa pelo MDMA. É dele uma das descrições mais famosas da experiência do MDMA:
Me sinto absolutamente limpo por dentro, e não há nada mais que pura euforia. Eu nunca havia me sentido tão bem, ou acreditado que isto fosse possível. A pureza, a claridade, e o maravilhoso sentimento de força interior permaneceram durante o resto do dia e da noite. Estou conquistado pela profundidade da experiência...
E realmente ficou. Em 1977 deu um pouco do novo achado para um velho amigo seu, Leo Zeff, psicoterapeuta prestes a se aposentar. Dias depois Leo telefona, dizendo que mudou de idéia sobre a sua aposentadoria e, viajando através dos EUA, apresenta a droga a outros terapeutas, ensinando como usá-la nas suas terapias.
Desde o início todos eles estavam bastante conscientes da poderosa ferramenta que tinham em mãos, e a difusão do uso de algo que eles chamavam de Adam, por remeter a um "estado de inocência original antes da culpa", continua. Mais cautelosos desta vez, porém, este círculo cuidou para que Adam não tivesse o mesmo fim que o LSD havia tido, banido como ilegal desde o início dos setenta.
E por alguns anos tiveram êxito. Uma extensa literatura sobre o uso do MDMA como adjunto terapêutico relata os diversos usos da "penicilina para a alma": depressão, suicídio, fobias, estresse pós-traumático, problemas conjugais, abuso de drogas, e o sofrimento de doentes terminais. Por diferir, em muitos aspectos, dos alucinógenos (que também foram utilizados em psicoterapias), o MDMA foi encarado, por algum tempo, com indiferença pelo governo americano.
Logo depois, porém, o MDMA foi descoberto pelo povo da rua, e em certos campi ele substituiu a cocaína como droga de escolha. Um distribuidor anônimo de Los Angeles batizou a nova droga de ecstasy, pois "ecstasy vende melhor do que chamá-la de 'empathy'. Este último seria mais apropriado, mas quanta gente sabe o que empatia significa?". Em 1983 um grupo situado no Texas começou a comercializar o MDMA, com o nome de "Sassyfras". Durante um par de anos, o seu uso era aberto, sendo distribuído normalmente na porta de bares e boates, vendido por telefone, ou até mesmo em lojas de conveniência, até que em 1985 o MDMA foi colocado na Schedule One pelo Controlled Substances Act.
Schedule One é a categoria reservada para substâncias com nenhum fim médico, cuja produção deve ser constantemente supervisionada. Foi um processo longo e demorado, e muitos estudiosos colocam em dúvida a legitimidade desta classificação "apressada e desesperada". De um lado, estavam os relatos dos psicoterapeutas, clamando para que o uso terapêutico pudesse continuar, e do outro estavam os órgãos governamentais, clamando pelos efeitos nocivos ainda desconhecidos para a juventude americana. Estas audiências ocuparam um espaço significativo na mídia americana, o que deve ter atiçado a curiosidade de muitos, e o consumo de MDMA registrou um aumento considerável. Grande parte dos psicoterapeutas, temendo pela sua carreira e pelos seus clientes, abstiveram-se de usar uma substância ilegal; com a ilegalidade, assim, temos o nascimento do ecstasy como a "droga da balada" que conhecemos hoje, começando a sua carreira meteórica por nada menos que a Europa.
Ibiza é uma ilha espanhola, conhecida por ser um resort turístico de belas praias, e com a fama de ter abrigado o nascimento do Acid House. Os anos oitenta foram profícuos em finais de semana onde milhares de pessoas divertiam-se com o haxixe, o ácido e o E; na volta pra casa, levaram a lembrança do verão e a nova droga consigo, espalhando-a pelo continente, até o Reino Unido. Na Inglaterra o MDMA encontra seu espaço, associado com a "cena" rave. Raves eram festas realizadas em galpões ou no aberto, muitas das vezes um lugar "secreto": nos convites e nos flyers havia somente um número de telefone a ser chamado, quando então era conhecido um lugar donde partiria uma "caravana" para o local da festa. A cultura agora chamada "clubber" nasce ali, marcada pelo pacifismo e pela tolerância.
No Brasil, as raves chegam por volta do início dos noventa. Tinham um caráter de "festa de sítio", realizadas no meio do mato, com um público muito seleto. Com a popularização da música eletrônica, as raves começaram a ficar maiores e mais populares, chegando ao status que mantêm hoje. Milhares de pessoas conhecem o MDMA sem conhecer a longa e interessante trajetória do entactógeno mais abusado na história da humanidade.
Sexo
"Não se vai numa rave para fazer sexo", diz uma garota. Outra diz que "os dias depois são os bons pra sexo longo e demorado"; outra, que "o E traz pra fora as qualidades femininas no homem". Já aproximadamente metade dos homens se surpreende por problemas em atingir ou manter uma ereção quando usam ecstasy/MDMA. Dos que seguem adiante, muitos têm o orgasmo atrasado, quando presente. No meio disto tudo, de onde surge a fama do ecstasy de ser uma droga afrodisíaca?A maioria das pessoas que experimentam ecstasy sentem-se mais abertas ao contato com estranhos, principalmente as mulheres. Diferente das baladas normais, onde a agressão sexual masculina predomina, em muitos contextos onde o consumo de ecstasy é o mais pronunciado elas podem sentir-se mais à vontade, sem necessitar da presença de um namorado, ou ter de se confinar à panelinha de amigas. Um comportamento considerado como aproximação sexual em outros contextos perde esta característica, para ser somente uma aproximação.Talvez a causa desta confusão da mídia sobre os efeitos do ecstasy sobre o sexo possa ser a diferença entre sensualidade e sexualidade. Muitas das pessoas no E falam se sentir mais sensuais; os beijos, os contatos, as carícias se tornam mais intensas e gostosas, e a sensação de euforia pode fazer com que duas pessoas (ou mais) fiquem nos amassos e nos carinhos. Casais que vão pra cama depois de tomar uma bala falam de ter tido uma experiência mais "profunda e carinhosa", com especial atenção dada para as milhares de formas de dar e receber prazer, e não necessariamente um foco no orgasmo. Esta perda de importância do orgasmo em si, combinada com alguma dificuldade de ereção, pode fazer com que as pessoas se sintam mais sensuais e menos lascivas.O ecstasy/MDMA também aumenta a receptividade à pensamentos sexuais, embora paradoxalmente ele não eleve o desejo de tornar tais pensamentos realidade. Isto quer dizer que o ecstasy/MDMA não faz com que o sexo seja visto de uma forma diferente, como desnecessário ou ruim ou mesmo até não presente (como muitos relatam quando numa experiência psicodélica), mas sim que o copular passa a ser menos premente do que o prazer. Sabendo que uma pessoa no E está plena em si, em termos de prazer corporal, não é surpreendente que ir pra cama com alguém passe a ser tão menos importante do que abraçá-la e beijá-la.Apesar disto, muitos dos rapazes costumam tomar ecstasy juntamente com um vasodilatador periférico, como o Viagra, para evitar qualquer perda na "performance" sexual. Muitos comprimidos de ecstasy podem conter quantidades grandes de compostos anfetamínicos, e os efeitos das anfetaminas sobre o comportamento sexual são reconhecidamente bem diferentes.
Entactógeno
Entactógeno. Desde que foi "saboreado", tem sido sugerido por alguns autores a criação de uma nova classe de agentes psicoativos, da qual o MDMA seria o primeiro membro conhecido; nada melhor que "tocar dentro" para descrever o aspecto psicológico mais proeminente (e sui generis) do MDMA. Proximidade com outros, empatia, bem-estar e insightfulness, com pouca perda de controle ou efeitos alucinatórios percebidos. O MDMA passou para o senso comum, porém, como a hug drug, a "droga do abraço". É comum se ver o MDMA descrito como uma "anfetamina alucinógena". Em termos de configuração química esta expressão pode encontrar uma justificativa, por ser o MDMA uma metanfetamina, e ter uma configuração semelhante à da mescalina (ambas são fenetilaminas); em termos de experiência, contudo, os relatos dizem ser algo totalmente distinto disto.
Falando em termos simples, diz-se que o MDMA envolve alguns aspectos de duas classes de psicotrópicos existentes: os psicoestimulantes e, num âmbito menor, os alucinógenos. Como na figura ao lado [broken link], algumas funções de cada classe são abarcadas pelo MDMA, em potência e duração diferentes. Cada uma destas classes possui uma forma de ação e efeitos psicológicos e fisiológicos específicos e bem conhecidos.
Efeitos agudos
Os efeitos podem começar tão cedo quanto 15 minutos, ou tardar até uma hora. O "ataque" (onset) pode vir lentamente, até assumir força total, ou mesmo "bater de vez". Muitas pessoas relatam, durante este "ataque", uma sensação de formigamento na pele, calor ou frio, ou pequenas ondas de energia ou prazer fluindo pelo corpo. Alguns sentem-se bastante ansiosos. Quando ela atinge os efeitos máximos, hiperatividade e um efeito analgésico central poderoso são comumente vistos, assim como um efeito ansiolítico não-sedante.
Muitos dos efeitos do MDMA parecem-se bastante com aqueles dos estimulantes (como a cocaína e a anfetamina), incluindo aumentos auto-relatados no humor positivo, na auto-estima e na atividade mental e corporal. Os psicoestimulantes são caracterizados, por muitos voluntários, por euforia e aumento no afeto positivo, sentimentos de vigor e de alerta, auto-estima aumentada, ansiedade ocasional, e efeitos cardiovasculares, como pressão alta.
Já as alterações sensoriais e perceptuais que o MDMA produz são modestas, se comparadas com outros alucinógenos; primariamente, uma intensificação das cores e da consciência tátil, e uma mudança na qualidade dos sons. Estas alterações são modestas no sentido de que não provocam um estranhamento em si. As cores são mais brilhantes - as pupilas se dilatam bastante, embora o reflexo pupilar continue presente. A qualidade do som modifica-se positivamente: de acordo com uma pessoa, "Bach fica indescritível".
A consciência tátil é impressionantemente afetada. Atividades como passar a mão por diversas superfícies, esfregar uma mão na outra, ou no próprio corpo, ou de outra pessoa, até abraços, carinhos, cafunés, beijos e demais amassos tornam-se bastante prazeirosos e reforçadores. A sensação da cânfora e do mentol, inalado, soprado ou massageado em várias partes do corpo encontra muitos adeptos nas raves. Dedos corridos pelo rosto e pelo corpo deixam "rastros" atrás de si, rastros que permanecem por vários segundos ou minutos.
Além da mudança na qualidade do som, há um aumento na percepção da qualidade física do som, relacionada com a consciência tátil. As vibrações acústicas dos sons mais graves agitam bastante o ar ao seu redor, e esta sensação na pele é enormemente aumentada, descrita por muitas pessoas como literalmente ouvir a música "na pele". É cena comum ver muita gente de ouvidos grudados nas caixas de som (uma lástima para os tímpanos deste pessoal).
A despersonalização produzida pelo MDMA é pequena, se comparada com outros alucinógenos, e se parece mais com um prazeiroso "afrouxamento das fronteiras do ego". O usuário permanece "focado" no que está fazendo, muitas vezes distraindo-se, entediando-se ou esquecendo-se com facilidade. Pode haver uma mudança na noção de tempo, leve na maioria das vezes.
Os primeiros investigadores científicos, mesmo sem o conhecimento psicológico suficiente, surpreenderam-se com a capacidade do MDMA de ajudar pessoas a falar abertamente sobre si mesmas e seus relacionamentos, sem o condicionamento defensivo interveniente; por horas, medos e ansiedade pareciam desaparecer. Tal perfil de efeitos psicológicos justificou, para os terapeutas norte-americanos, o seu uso em um setting psicoterapêutico.
A auto-imagem corporal parece magnífica, assim como os outros também parecem magníficos. Com MDMA puro, sujeitos relatam sentir-se em paz consigo mesmos e com o mundo, descobrindo um senso aumentado de auto-estima e auto-aceitação. Pensamentos cínicos e sentimentos "negativos" desaparecem; raiva, irritabilidade e medo também (embora usuários possam defender-se, em última instância, de agressões externas). O prazer corporal sentido é equiparado, por algumas pessoas, como se estivessem "derretendo", muitas vezes de uma forma paralisante; outros relatam "ciclos" alternantes entre prazer extremo/bem-estar físico, e euforia.
De qualquer maneira, a mesma abertura que o MDMA promove para dentro, ele promove para fora. Em vez de proporcionar uma experiência contemplativa e solitária, de acordo com um usuário,
você se sente completo, auto-suficiente; mas o engraçado, e o bom, é que você não quer ficar sozinho com isto; você quer dividir todo este bem-estar e felicidade com os outros.
Os efeitos "sociabilizantes" do MDMA são um eufemismo para os efeitos entactogênicos do MDMA: o senso de proximidade, de empatia, de abertura, o dissolvimento de praticamente todos os medos e bloqueios com relação às outras pessoas promove uma valorização extra do contato social. As pessoas se tornam falantes, e conversar é uma das atividades favoritas:
Foi incrível. Eu não posso dizer exatamente o que era, embora eu possa dizer que era aquilo que eu sempre quis para a minha vida. Estava lá no meio de todas aquelas luzes e sons, e tudo era muito bonito, mas eu me sentei em um lugar qualquer, com uma pessoa que eu estava enrolado na época, e eu me sentia completo, somente em estar sentado lá, falando com ela. Falei e escutei coisas que normalmente eu teria recuado ou bloqueado, e encarei de frente, de peito aberto, afirmações do fundo da alma dela, coisas que eu sabia que tinham um valor imenso para ela, e que normalmente ou ficariam lá, com ela, ou que viriam com uma aura de culpa ou agressividade ostensiva. E para tudo isto, eu queria muito abraçá-la, e peguei em sua mão e falei que sim, eu sentia tudo aquilo, e uma vida inteira de defesas e bloqueios desapareceu, e eu nem percebi. Não sentia falta deles, e percebi que eles nunca foram realmente sinceros, embora tenham sido sempre necessários, como eu sei que são aqui, na minha vida real. Foi uma experiência sublime, e é ela que eu procuro todas as vezes que eu tomo bala.
Os efeitos agudos que não se relacionam diretamente com a experiência em si (ou seja, são "neutros") são vários. Os três mais comuns são falta de apetite, aperto das mandíbulas e/ou bruxismo, boca seca, taquicardia e dificuldade de urinar. Estes estão presentes, em maior ou menor grau, em todas as pessoas. Há outros bem menos ocorrentes, como tonturas, ansiedade, confusão, sudorese excessiva, entre outros.
Efeitos residuais
Os efeitos que ocorrem até 72 horas depois. Mais conhecidos como a "ressaca do E", consistem basicamente em fadiga (cansaço generalizado, não somente físico). Muitas pessoas realmente sentem um desânimo uns dois, três dias depois, e outras apresentam um leve quadro de depressão. É importante salientar que pessoas com tendência à depressão deviam pensar melhor antes de se expor a doses excessivas. O midweek blues, como é chamado, pode ser de apenas um dia, ou dois, mas há vários relatos de alterações de humor recorrentes por dias ou mesmo semanas. Muitas pessoas relatam também dificuldades para dormir.
O MDMA também provoca uma supressão temporária do sistema imune, por um ou dois dias, além de efeitos anti-inflamatórios.
A longo prazo
O uso do MDMA tem mais de vinte anos, e não se sabe de qualquer diminuição significativa de capacidades cognitivas, ou do bem-estar psicológico. Embora a "regra" nestes casos seja sempre a precaução, as evidências levam a crer que, se presentes, os danos são pequenos se comparados com outras drogas de abuso.
(A opinião geral agora é de que não há evidência epidemiológica de qualquer anormalidade neurológica, com exceção de uma perda leve de memória, ser uma consequência persistente - meses a anos depois - do consumo de ecstasy. Usuários de ecstasy têm performances ligeiramente menores em certos tipos de testes neurocognitivos, embora este "ligeiramente menor" esteja tão próximo do normal que muitos se perguntam se chega a ser um déficit verdadeiro; há também outros testes em que os usuários saem-se ligeiramente melhor que o grupo controle. Pretendo completar estas informações em breve.)
Aqui pode entrar o que muita gente chama de "a perda da mágica" do MDMA/ecstasy. Muitas pessoas afirmam que, com o passar do tempo, os efeitos entactógenos tendem a ficar cada vez mais inexpressivos, com um aumento dos efeitos dopaminérgicos e de efeitos colaterais negativos. Isto leva ao consumo de uma dose maior para ter os mesmos efeitos de uma dose anteriormente menor. Segundo eles, "a primeira vez é sempre a mais mágica de todas". Alguns outros fatores podem explicar este fato, como a própria experiência com o MDMA/ecstasy (a familiarização com os efeitos), ou até mesmo um efeito placebo; muitas das pessoas, em sua primeira vez, têm expectativas bastante elevadas a respeito da experiência, por parte do relato de outras pessoas, ou de informações no meio científico e na mídia. Alguns dos estudiosos recomendam que, se usado, é preferível que se faça um intervalo de, em média, seis semanas entre um episódio de uso e outro, o que parece ser o tempo necessário para diminuir tal "tolerância".
Set e setting
Aqui é importante introduzir dois conceitos para nos guiar na discussão abaixo: set e setting. Os dois fazem diferença em praticamente qualquer coisa que uma pessoa pode fazer, de tomar banho a tomar café, ou fumar charuto. Setting é a disposição de fatores "externos", como o lugar, o momento; se há alguém por perto, se este alguém é a família, estranhos, ou as pessoas numa rave ou num concerto de música erudita; as condições físicas, como a temperatura, se é dia ou noite, se é uma sauna ou uma piscina... enfim. Por outro lado, o set é a pessoa mesma: toda a história de vida que pode ser relevante no momento, além das expectativas, do estado de espírito, o caráter, e o churrasquinho do almoço, lá no seu estômago. Imagine o rapaz que pegou um cigarro escondido da carteira da mãe e vai fumar em segredo no quarto, com a janela bem aberta. Ele sabe que o seu pai não aprova, e fica imaginando o que aconteceria se o pegassem no flagra. Os irmãos pequenos correm pela casa, pra cima e pra baixo, fazendo barulho, e a sua mãe vem pelo corredor e bate na porta do quarto. Ele fumou em tragos rápidos, e não gostou muito do gosto. Está começando a passar um tanto mal, enjoado; é a primeira vez. "Mas parece tão legal fumar..." Apaga rapidinho, meio tonto, vê se não ficou cheiro de fumaça, dá uma olhada no hálito, e então abre. "Ai ai ai, ela percebeu!"
Que viagem ruim, hein? quer dizer, embora os efeitos fisiológicos de muitas coisas que ingerimos, entre sólidos e líquidos, sejam bem consistentes, para mais ou menos, as experiências podem ser bastante diferentes, dependendo de várias coisinhas do dia-a-dia. Não é simplesmente um toma lá, dá cá; é uma interação multifacetada e multifatorial entre um organismo (você, eu, o Rex) e o ambiente (um planeta, uma casa de praia, uma rave). A neurofarmacologia do MDMA, por mais consistente que possa ser, de indivíduo para indivíduo, não explica tudo da experiência em si. Mas ajuda.
Neuropsicofarmacologia
O MDMA é uma droga serotonérgica. A serotonina é um neurotransmissor cerebral, um entre os mais importantes deles. Pertence ao grupo das aminas biogênicas, do qual faz parte também a dopamina e outras; estas aminas são responsáveis por apenas 5 porcento da comunicação dos neurônios do cérebro, mas fazem uma diferença... Doenças como depressão e transtorno obsessivo-compulsivo tem suas raízes, muitas vezes, relacionada com a serotonina, e as drogas que tratam destas desordens tendem a afetar a serotonina. Já o mal de Parkinson, por exemplo, está relacionado com uma produção muito pequena de dopamina.
Dê uma olhada neste cérebro [broken link], que é muito parecido com este aí na sua cabeça. A maioria das pessoas pensa que os neurônios são células minúsculas, que estão enroladas aos bilhões no cérebro. A segunda parte é verdade: são bilhões de neurônios fazendo, uns com os outros, cerca de 100 trilhões de conexões. Um número impressionante. Mas eles não são necessariamente sempre pequenos, como as células "normais", de livro de escola. Assim como as células musculares estriadas, alguns neurônios podem medir centímetros (uns 15 centímetros, por exemplo). Este é o caso de muitos neurônios serotonérgicos, que se estendem do núcleo da rafe, no tronco cerebral, para todo o cérebro, até o córtex. Se eu estendesse um na sua frente, porém, você não o veria, por ser infimamente espesso.
A molécula de serotonina vem de antes do cérebro: pode ser encontrada em vegetais, e em outros animais. A presença de neurônios produtores de serotonina no cérebro humano, porém, é característico. Ela está na base da regulação de coisas como o sono, o humor, sociabilidade, agressão, temperatura, cognição, ritmos circadianos, responsividade e resiliência emocional, atividade sexual, integração sensório-motora, e o amor romântico.
A dopamina, por sua vez, está ligada intimamente com o circuito de recompensa do cérebro; é ela que está presente quando se trata do "gostar" e do "desejar" ou não algo "no mundo", e a experiência de prazer em si.
Existem quatro tipos de comunicação entre os neurônios. Uma delas é a sináptica, ou química, referindo-se ao espaço entre um neurônio e o outro utilizado para a troca de mensagens: a sinapse. Os neurotransmissores fazem seu trabalho nesta "terra de ninguém" entre os neurônios. Uma "mensagem" chega a um neurônio a partir de outro, pelo dendritos; ela viaja pelo corpo neuronal, chegando até os axônios, terminando nas sinapses; neste ponto, os neurotransmissores são liberados, através de pequenas vesículas, na sinapse. No outro neurônio (pós-sináptico) existem receptores para vários tipos de neurotransmissores; assim, quando a serotonina é lançada na sinapse, ela se "encaixa" nos receptores serotonérgicos, e desta forma a mensagem pode continuar o seu caminho.
O excesso de neurotransmissores na sinapse pode ser reabsorvido pelo axônio do primeiro neurônio (pré-sináptico), através de uma "bomba de reabsorção", como o transportador de serotonina (SERT). O neurotransmissor volta para dentro do neurônio de origem e pode, então, ser utilizado novamente, ou ser reciclado
Embora não possamos dizer que "é assim que funciona", o que sabemos até agora sobre o papel dos neurotransmissores em várias atividades do cérebro pode nos ajudar bastante a compreender "como as coisas funcionam". É uma explicação incompleta e um tanto simplista, mas bastante útil.
Muitas das drogas conhecidas trabalham essencialmente com a maneira como os neurotransmissores são liberados na sinapse. A cocaína, por exemplo, bloqueia o transportador de reabsorção da dopamina, de modo que mais dopamina permanece "livre" na sinapse. A fluoxetina (mais conhecida como Prozac, o famoso antidepressivo) faz a mesma coisa, só que com a serotonina. A anfetamina, da mesma forma que a cocaína, impede a reabsorção da dopamina; além disto, porém, ela age diretamente nos neurônios dopaminérgicos, fazendo com que eles liberem mais dopamina ainda.
O MDMA tem uma ação muito parecida com a da anfetamina, atuando, porém, em sua maior parte, nos neurônios serotonérgicos. Eu disse parecida por que o MDMA não inativa o SERT, mas sim faz com que ele inverta a direção do processo, de modo que o transportador, em vez de recolher, bota pra fora a serotonina que existe dentro do neurônio. De alguma forma, a molécula de MDMA entra dentro do neurônio, talvez por difusão passiva ou pelo SERT, e lá dentro estimula a liberação de serotonina (provavelmente do retículo endoplasmático) através dos canais dos SERTs (e não pela via "normal"). Esta liberação é cálcio-independente, o que quer dizer que independe da descarga (firing) do neurônio.
À esquerda, sinapse serotonérgica normal, e à direita, com o MDMA. Os vermelhinhos são serotonina, os rosinhas são MDMA, as bolonas são as vesículas com serotonina, a coisa esquisita verde-azul é o SERT (proteína transportadora da serotonina, que está com a direção de fluxo invertida com o MDMA); embaixo, no dendrito do neurônio pós-sináptico, os diversos receptores de serotonina, com destaque para o 5-HT2 (azul) e a sua afinidade com o MDMA.
A natureza dos receptores pós-sinápticos também pode nos dar pistas do como o MDMA atua de forma mais específica. Não existe um só receptor para a serotonina, no cérebro; existem alguns, e cada um deles com uma ação diferente. Estudos recentes mostram que o MDMA possui afinidade com os receptores serotonérgicos 5-HT2, muscarínicos M1, adrenérgicos alfa-2 e histamínicos H1. Os receptores 5-HT2 são os mesmos receptores envolvidos no LSD, o que pode aventar por algumas capacidades "psicodélicas" do MDMA.
É basicamente toda esta serotonina extra que define a experiência com o MDMA? Provalvemente não, embora ela desempenhe grande parte da ação. O MDMA faz com que uma pequena descarga de dopamina seja liberada, usualmente logo no início dos seus efeitos. Esta dopamina é a responsável pela euforia e motivação (para dançar, abraçar as pessoas), ou a sensação mais "anfetamínica". Sem esta dose a mais de dopamina, a "mágica do E" seria talvez um pouco diferente, como apontam os estudos com outras drogas de ação semelhante, mas que não afetam a dopamina. É necessariamente o fato de o MDMA ser uma droga "suja" que faz com que os seus efeitos sejam tão específicos e especiais.
O drama de Ricaurte
Durante toda a década de 90 perdurou, na mentalidade acadêmica oficial, a certeza de que o MDMA era substancialmente neurotóxico, até mesmo em pequenas doses, ou em aplicações únicas. Era frase comum dizer que o MDMA podia fazer mal, mesmo uma única dose, e que este dano era irrecuperável. Tais opiniões eram baseadas nas pesquisas feitas, primariamente, por um casal de pesquisadores norte-americanos, George Ricaurte e Una McCann. Ricaurte é pesquisador no John Hopkins, com um orçamento que o NIDA (National Institute for Drug Abuse) lhe oferece. Em 1998, ele e McCann, sua mulher, publicaram o conhecido artigo em que detectaram "evidência direta de uma diminuição dos componentes estruturais nos neurônios de 5-HT (serotonina) no cérebro de usuários humanos de MDMA". A pesquisa utilizava exames de PET (tomografia por emissão de pósitrons, uma forma de imageamento funcional do cérebro) para detectar diferenças na densidade dos transportadores de serotonina (SERTs) em usuários de ecstasy/MDMA.
Este estudo serviu de base a uma campanha nos EUA, em que eram entregues folhetos com duas fotos tiradas dos exames de PET do artigo. Uma delas retratava uma pessoa controle ("plain brain"), e outra um dos usuários ("brain after ecstasy"), implicando que os usuários tinham uma densidade de SERTs muito menor que os do grupo controle (e, consequentemente, deviam estar na pior - veja a figura). A metodologia do trabalho, porém, foi criticada por muitos especialistas. Marc Laruelle, especialista em PET, diz que o trabalho é tão falho metodologicamente que é melhor "colocá-lo debaixo do tapete". McCann et al tiveram de fazer modificações extras nos dados, o que outros pesquisadores com o PET não costumam fazer. O mais interessante, contudo, é que mesmo entre os sujeitos do grupo controle, os de maior densidade tinham vinte vezes mais SERTs do que os de menor densidade; como esta discrepância não é possível em sujeitos humanos "normais", a possibilidade restante é que os dados não eram corretos. Mesmo se o fossem, e o erro fosse de um cálculo errado, dois dos usuários "severos" estavam no grupo que tinha a maior densidade de SERTs. Isto, somado com a falta de resultados remotamente parecidos com estes, em outras pesquisas, levam a crer que os resultados do estudo não são válidos.
Ricaurte decolou em sua carreira justamente em 1985, quando um artigo seu, demonstrando uma depleção de serotonina em ratos com o MDA, um análogo do MDMA, foi utilizado pelo DEA na campanha para tornar o MDMA ilegal.Em 2002 a prestigiosa Science publica um artigo de Ricaurte de fazer tremer o mais empedernido raver. Ricaurte descobre que cobaias drogadas com MDMA sofreram danos cerebrais extensos, relacionados com a dopamina, exibindo sintomas similares ao mal de Parkinson. Mais contundente ainda, ele relata a morte de 2 dos 10 cobaias. A conclusão imediata disto tudo: o MDMA pode causar parkinsonismo. Tais resultados publicados em uma publicação com o pedigree da Science não deixaram dúvidas para o ex-diretor do NIDA, Alan Leshner: "mesmo um uso ocasional de ecstasy pode levar a um dano significante aos sistemas cerebrais".Muitos estudiosos criticaram o artigo de Ricaurte, tentando replicar os resultados, sem sucesso. Não foi à toa: em setembro de 2003 Ricaurte e seus colegas retrataram-se na Science. Os ratos cobaias foram injetados com metanfetamina, e não com MDMA; segundo os autores, uma confusão com relação aos rótulos dos frascos, vindos da fábrica. Em sua própria retratação Ricaurte fala de pesquisas subsequentes com MDMA verdadeiro, nas quais não encontraram nenhuma evidência de toxicidade dopaminérgica e, portanto, nada de parkinsonismo.
Neurotoxicidade
A questão da neurotoxicidade do MDMA costuma causar polêmica, tanto nos resultados encontrados, nas conclusões falazes e apressadas, e até mesmo no próprio conceito de toxicidade. A maioria da pesquisa sobre o MDMA se relaciona, de alguma forma, a este assunto. Com o drama de Ricaurte, um mito foi construído, com base em muita pesquisa metodologicamente falha, de que o MDMA é uma neurotoxina quase-fatal: se não se vê gente morrendo nas pistas de dança, espere para ver quando elas ficarem um caco quando mais velhas. Quer dizer, além de se basear nestes dados duvidosos, havia de se contar também com o medo presente quando se traça uma perspectiva de um futuro sombrio. Infelizmente faltou, para muita gente, perceber que a neurotoxicidade de uma substância é clara, e fácil de se perceber, no contexto da pesquisa atual.
Toxicidade é uma propriedade intrínseca de uma substância, como a capacidade de perturbar o equilíbrio fisiológico de um organismo numa escala em que este organismo não pode ser considerado saudável. Muitas vezes é preciso um bom estrago do cérebro para que disfunções graves possam vir a acontecer, como no caso do parkinsonismo, cuja manifestação ocorre quando o sujeito apresenta um déficit de dopamina de mais de 70% (por causa da morte dos neurônios produtores de dopamina). Se considerarmos a relação entre a serotonina e transtornos afetivos, que é bem menos clara e específica, perceberemos que sujeitos com depressão maior apresentam, em média, um déficit de 30 a 40 porcento de serotonina. Estes números representam um bom pedaço da química cerebral, e todas as pesquisas com o MDMA nos apresentam cifras muito mais modestas do que estas.
Colocado de forma simples, há duas maneiras de assegurar a neurotoxicidade do MDMA. Uma delas é o exame direto do tecido cerebral, como nos casos dos exames com os animais, tanto de forma direta (coleta de tecido, análise em microscópio) quanto indireta (técnicas de imageamento cerebral, como o PET e o fMRI); a outra, análise do comportamento dos sujeitos (depressão, ansiedade, perda de memória). Pessoalmente (como leigo), eu creio que a primeira deve ser priorizada, no estado atual, pois pela segunda é bastante tentador chegar a conclusões precipitadas. É importante deixar claro algumas questões com relação a esta história de neurotoxicidade. Uma delas é a questão das doses elevadas, e outra é uma diferenciação entre neurotoxicidade e neuroadaptação.
Está comprovado, à bastante tempo, que doses elevadas de MDMA, em cobaias animais, provocam a destruição dos axônios de neurônios serotonérgicos (só os axônios, não os corpos celulares inteiros). No caso de ratos (mice) trata-se de axônios dopaminérgicos. O quadro é complicado pela temperatura ambiente elevada. Há bastante especulação de qual seria o mecanismo responsável por isto, como "estresse oxidativo" e/ou decomposição metabólica do MDMA pela monoaminaoxidase, entre outras hipóteses.
Nos estudos animais, os cobaias são, via de regra, injetados com o MDMA em vários regimes, com diferentes concentrações e intervalos. Quando é encontrada uma ação neurotóxica, o regime usado é chamado de "regime neurotóxico", e é a partir deles que os dados são extrapolados para os seres humanos.
É aí que entra um grande pequeno problema: a escala interespécies. Esta é uma fórmula matemática para predizer, a partir de um animal menor, o quanto é necessário em um animal maior para se alcançar o mesmo efeito (neste caso, a neurotoxicidade). É a mesma lógica usada na diferença de dosagem de remédios entre crianças e adultos. Contudo, esta escala se baseia em mecanismos simples de ação, e os mecanismos de ação do MDMA são mais complexos.
De acordo com esta escala, portanto, vários pesquisadores (Ricaurte) estimaram a "dose fatal" para humanos a partir de 1,28 mg/kg. Neste sentido, praticamente todos os consumidores de MDMA/ecstasy estariam tomando doses neurotóxicas, dados que pareciam condizer muito pouco com a realidade.
Estudos atuais, onde primatas não-humanos se auto-administram MDMA, parecem fornecer uma linha melhor de avaliação de uma "escala interespécies". Nestes estudos, não foram encontrados qualquer evidência de redução da dopamina, redução mínima da serotonina, e nenhum sinal de dano aos axônios.
O sistema nervoso tenta sempre se recuperar de níveis anormais de atividade, de várias maneiras; este fenômeno tem o nome de neuroadaptação, e está envolvido desde tolerância a substâncias até dependência física. Embora o fumante novato possa ter reações adversas ao fumo, como náusea e vômitos, o fumante experiente não as apresenta; este, contudo, apresentará um quadro de abstinência física muito maior, e mais duradouro. Neuroadaptação não é um dano; como o fumante pode parar de fumar e retornar aos níveis normais de atividade, isto é bastante diferente do que se costuma chamar de "neurotoxicidade". A neuroadaptação também é usada para fins positivos, como em muitos tratamentos antidepressivos (com os ISRS - fluoxetina, etc).
No caso do uso recreativo de uma substância, contudo, o efeito é, na maioria das vezes, disruptivo: no caso do MDMA, o cérebro se torna menos sensível à serotonina, devido ao excesso de serotonina liberado pela droga, e esta falta de sensibilidade pode durar de dias até semanas para voltar ao nível normal. Com um uso contínuo de MDMA/ecstasy, este tempo de recuperação pode não estar disponível, e muitas pessoas podem desenvolver então casos de depressão, ansiedade, etc, quadros que são relacionados, tradicionalmente, a danos estruturais nos neurônios. Embora estes danos estruturais podem estar presentes, há também uma explicação alternativa para esta questão. A linha divisória entre neuroadaptação e neurotoxicidade (ou, para deixar em termos mais claros, entre "danos passageiros" e "danos permanentes") não é tão clara quanto muitas pessoas gostariam que fosse.
Riscos
Os espertinhos podem ter percebido que eu usei, muitas vezes, o termo MDMA em vez de ecstasy. Não seria melhor falar de ecstasy de uma vez, já que deste comprimido que estamos falando aqui? Não, não seria, pois para falar de ecstasy temos de falar de mais de uma substância.
Como assim? Ora, praticamente a maioria dos comprimidos de ecstasy não contém MDMA puro. Em média, 70% dos comprimidos têm algum MDMA; e, dentre estes, muitos estão misturados com diversas outras substâncias. A lista é extensa: nela entram (em ordem de ocorrência) MDA, MDEA ou MDE, MBDB, metanfetamina, parametoxianfetamina, anfetamina, efedrina, pseudoefedrina, procaína, cafeína, quetamina, indo até paracetamol e aspirina. Isto faz uma diferença enorme, em muitos sentidos. Em primeiro lugar, na questão dos efeitos relatados; como dito anteriormente, o MDMA pode ser o primeiro de uma classe nova de "entactógenos", e segundo as pesquisas, nem mesmo o seu análogo mais próximo, o MDA, funciona da mesma maneira que o MDMA. Em segundo lugar, muitos dos problemas relatados podem estar relacionados a outros produtos; lembre-se da troca entre MDMA e metanfetamina, nos experimentos de Ricaurte. Há também um perigo intrínseco na combinação de MDMA com outras substâncias.
Além desta incerteza quanto à qualidade dos comprimidos de ecstasy, o próprio padrão de uso pode ser uma fonte de risco. Muita da pesquisa científica sobre o MDMA é conduzida com sujeitos em ambientes controlados (clinical trials), ou seja, um ambiente calmo, com temperatura e dose controlados, sem uso de outras substâncias, acesso à bebidas e ajuda especializada. São nestas condições "especiais" que pode-se afirmar que os riscos, mesmo se muitos, são inexpressivos. A situação muda, porém, quando se trata do uso "real" do ecstasy. Praticamente todos os estudos retrospectivos realizados com usuários abrem o mesmo parêntese nas suas conclusões: há muitos fatores em jogo, de modo que é difícil assegurar "de quem é a culpa". O padrão de uso ilegal da maioria dos usuários (exercício físico ininterrupto por várias horas, história de uso de diversas outras drogas, estilo de vida, existência de predisposição de fatores de risco) deve ser considerado, em todos estes casos.
De qualquer maneira, os problemas médicos mais ocorrentes relatados com o uso do MDMA/ecstasy são a hipertermia, hiponatremia, problemas psiquiátricos e hepatoxicidade. Ocorreram várias mortes associadas com o ecstasy/MDMA, e entre elas a maioria teve o caso complicado por um quadro de hipertermia. Estatisticamente, contudo, o risco de morte por ecstasy/MDMA é muito baixo, e no geral a porcentagem das pessoas que relatam problemas médicos graves com o ecstasy também o é.
Hiponatremia e hipertermia são usualmente desdenhados, embora já se saiba que eles são os responsáveis pelos maiores danos.
Hiponatremia ("intoxicação por água") é a concentração anormalmente baixa de sódio no plasma sanguíneo, e pode até causar a morte. Não é uma condição causada pelo consumo de ecstasy; corredores de maratona costumam tê-la de vez em quando. Ao contrário do álcool, o MDMA tem uma ação de liberação do hormônio anti-diurético, até mesmo em pequenas doses; isto se reflete, então, no comportamento de passar horas sem sentir a necessidade de urinar. Pela hipertermia induzida, a quantidade de líquidos ingerida por uma pessoa costuma ser bastante grande; acontece que, como este líquido costuma ser água, a quantidade de sais no corpo pode baixar, e a hiponatremia tem então o seu lugar.
A hipertermia parece ser uma condição indissociável dos efeitos do MDMA, embora ela possa ser reduzida e cuidada em condições controladas; o MDMA afeta a termoregulação, levando para um caso de hipertermia na maioria das condições. Em condições de temperatura normal esta elevação nunca passa de um grau centígrado; em lugares fechados e/ou mal-ventilados, ou em caso de desidratação, tal condição pode ser bastante aumentada, ocasionando alguns casos graves. Sabe-se também que muito da ainda estudada neurotoxicidade do MDMA está relacionada diretamente com quadros de hipertermia.
O ecstasy também apresenta riscos de hepatoxicidade, e de complicações psiquiátricas; entre elas, depressão, esquizofrenia e transtornos de pânico. A visão geral é de que muitas destas condições estão relacionadas com uma história anterior. Uma pesquisa chegou a conclusão de que 68% das pessoas que tomaram ecstasy tinham problemas psiquiátricos; 90% destas, contudo, já os apresentavam antes do consumo da droga. O MDMA, como qualquer substância psicotrópica, pode aumentar significativamente as chances de surgimento ou de agravamento de quadros psiquiátricos.
Cuidados
Dados os riscos acima, não é difícil concluir quais as precauções a ser tomadas no caso de uso do MDMA. Lembrando que, obviamente, nenhuma delas irá garantir a segurança total; os riscos estão presentes, e se pode fazer o possível para minimizá-los. Assim como quase todas as atividades do dia-a-dia, o uso do MDMA é relativamente seguro, mas não totalmente.
Em primeiro lugar, evitar a hipertermia, evitando qualquer lugar ou demasiado abafado, sem ventilação ou muito lotado. Esta é um cuidado primordial, pois, como visto acima, a hipertermia pode estar relacionada com muitos dos efeitos colaterais negativos do MDMA.
Tomar líquidos, mas não em exagero. Embora o MDMA/ecstasy não provoque uma "sede terrível", muitas pessoas costumam tomar bastante líquido. É bom pegar leve neles; adote, de preferência, uma bebida isotônica ("Gatorade"), para evitar ainda mais o risco de hiponatremia.
Preloading: é comum o uso prévio de antioxidantes (vitamina C, vitamina E, entre outros) por alguns usuários, especificamente para evitar alguns supostos danos por estresse oxidativo (ver Neurotoxicidade). Há também quem tome, antes de tomar MDMA, uma dose de 5-HTP, o precursor da serotonina, ou mesmo triptofano, o aminoácido (presente em grande quantidade no amendoim) precursor do 5-HTP, para se "carregar". (Tal prática não apresenta vantagens no caso de deficiências nutricionais.)
Atenção à quantidade tomada: pela farmacodinâmica do MDMA ser não-linear, aumentos pequenos na dose provocam aumentos exponenciais na concentração no plasma sanguíneo; este aumento pode tanto aumentar os efeitos fisiológicos, como aumentar a quantidade de metabólitos no fígado, o que pode contribuir para a hepatoxicidade.
Como com todas as outras drogas de abuso, podem ocorrer "viagens ruins" com o MDMA/ecstasy, caracterizadas por fortes sentimentos de ansiedade, e de que "algo muito ruim vai acontecer". No caso de insegurança quanto aos efeitos da droga, é importante a presença de uma pessoa de confiança. Qualquer preocupação ou ocorrência muito "esquisita" ou fora do normal deve ser comunicada. É importante procurar manter a calma; não dirija ou se envolva em qualquer atividade que exija reflexos ou tomada rápida de decisões.
A combinação de MDMA com outras substâncias é comum. As mais populares são a combinação com a maconha, com anfetaminas, com nitritos e com o LSD (candyflip). A combinação com outras substâncias, contudo, deveria ser evitada, incluindo o álcool, por várias razões. Compostos anfetamínicos, ou cocaína, podem aumentar os riscos de ataque cardíaco e crise hipertensiva, além dos riscos de aumento de temperatura, sendo então contraindicados.
O MDMA é altamente contraindicado para pessoas que estejam em tratamento com algum tipo de inibidor da monoaminaoxidase (iMAO, um tipo de antidepressivo). Pessoas com problemas cardíacos deveriam pensar duas vezes, assim como pessoas com disfunções no fígado. Embora o MDMA não possua nenhum efeito teratogênico comprovado, no útero, é desaconselhável o seu uso por gestantes ou mulheres que estejam amamentando, pois o MDMA é excretado junto com o leite. É de bom tom que qualquer gestante se abstenha de aventurar com os riscos de qualquer substância.
Embora não haja nenhum perigo relacionado, pessoas que tomam fluoxetina (Prozac) relatam uma perda (de "70%" - como é que eles calculam isto?) da intensidade dos efeitos relacionados à serotonina.
OUTRAS INFORMAÇÕES :
Para os leitores de inglês, recomendo uma olhadela prolongada nos sites abaixo, la crème de la crème do MDMA online. São muito mais completos e sempre se mantém atualizados, e me ajudaram muita na escrita deste texto.
As referências de artigos que foram aqui citados amontam a dúzias (e, por enquanto, não pretendo colocá-las junto ao texto); agradeço, portanto, ao bom trabalho que Lisa Jerome e Matthew Baggot fizeram, ao apresentar revisões atualizadíssimas da literatura científica sobre o ecstasy/MDMA, patrocinados pelo MAPS. Imprescindível para o interessados nos mais recentes estudos científicos.
Desde 1986, o MAPS (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies) tem tentado aprovar, junto ao FDA americano, testes clínicos para uso do MDMA como adjunto psicoterápico em casos agudos de transtorno de estresse pós-traumático. Ano passado o projeto foi aprovado, estando agora em fase inicial. Os documentos de todo o projeto, além de muita documentação sobre o MDMA e o seu agendamento pelo DEA, na página do MAPS.
O indispensável Erowid.
ONG voltada para, como o próprio nome diz, dançar em segurança.
Testagem de comprimidos de ecstasy, somente para os EUA.
Entre outras coisas, versão online do E for Ecstasy.
A maior piração sobre o MDMA que eu já li; cheio de informações.
Em português, uma das pouquíssimas páginas inteligentes sobre o assunto; acesso para a legislação e afins.