Psicodélico: 2010

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Maior especialista do Brasil sobre Cannabis

Fonte : Maior especialista do Brasil sobre Cannabis

Líder da produção científica sobre Cannabis no Brasil, o psicofarmacologista Dr. Elisaldo Carlini estuda os efeitos da Maconha e suas consequências no organismo humano há cinquenta anos. À frente do CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), sediado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ele já foi chefe da antiga Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, atual ANVISA.

Atualmente está no 7˚ mandato como membro do Expert Advisory Panel on Drug and Alcohol Problems, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e também ocupa a Coordenadoria da Câmara de Assessoramento Técnico Científico da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD).

Em relação às pesquisas sobre Cannabis no Brasil, Carlini lembra que foram retomadas há cerca de 50 anos atrás com os estudos pioneiros de José Ribeiro do Valle na Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Ele, inclusive, fez parte da primeira leva de pesquisadores gestados no Departamento de Farmacologia e Bioquímica da Escola Paulista de Medicina, orientados por José do Valle.

O Dr. Carlini lamenta as dificuldades de se manter um programa consistente de pesquisa sobre a planta no país enquanto, no resto do mundo, já existe um enorme incentivo em direção à comercialização de medicamentos a base de Cannabis.

“No Brasil, existe uma dificuldade burocrática imensa em se adquirir a planta. Pois é preciso um endosso da instituição onde é feita a pesquisa, depois uma autorização da ANVISA para que você possa exportar de países que possuem plantações legalizadas e, por fim, o próprio governo desses países precisam analisar e liberar a exportação do produto. Além disso, falta incentivo econômico para se financiar as pesquisas sobre a maconha no Brasil” – esclarece o médico.

Ele explica que a ciência já descobriu como isolar e sintetizar o componente ativo da maconha, que é o delta-9-tetraidrocanabinol. Países como os EUA e Holanda já se beneficiam desta descoberta e comercializam produtos baseados neste componente.

“Na Holanda por exemplo, os médicos tem plena liberdade para prescrever a administração da Cannabis medicinal. O método a ser utilizado vai depender muito do paciente, pois todas as formas são eficazes, seja através de comprimido ou inalação, mas o fumo ainda é mais comum entre paciente jovens. Vai depender da maneira com que cada um se sente mais confortável para utilizar.” – aconselha o Dr. Elisaldo.

Ele completa dizendo ainda que no Reino Unido está se obtendo muito sucesso com a venda de um medicamento em formato de spray borrifador feito de cepas de maconha misturadas, e está sendo comercializado sob o nome de Sativex em mais de 25 países. Indicado para o tratamento de dores neuropáticas e espasmos musculares provocados pela esclerose múltipla, a vantagem deste produto é a liberação da quantidade necessária à administração terapêutica.

O laboratório inglês fez uma associação com a Bayer para produzir e comercializar o Sativex até mesmo no Brasil.

“O pedido de registro já foi aceito pela ANVISA, inclusive, ouvi dizer que a comissão brasileira que foi até a Inglaterra para analisar a produção encontrou uma infraestrutura de ponta por lá, com um rigoroso controle de qualidade. Agora a previsão da autorização final não é possível fazer. Depende da burocracia.”

Além da indicação para o tratamento da esclerose múltipla, a maconha é altamente recomendada em inúmero outros casos. O Dr. Carlini enumerou mais três exemplos como: inibidor de náuseas e vômito, em pacientes que passam por quimioterapia; incentivador do apetite, principalmente em pacientes com AIDS, evitando-se o risco de caquexia (fraqueza extrema); e alterações mentais benéficas em pacientes que se encontram em profunda tristeza devido às rotinas médicas cansativas e estressantes, como é o caso de doentes crônicos.

A maior polêmica sobre o uso de maconha, no entanto, diz respeito à dúvida sobre a existência ou não de dependência química provocada pela droga. O Dr. Elisaldo Carlini afirma que a ciência já chegou a uma conclusão sobre o assunto.

“O uso da maconha enquanto medicamento não causa nenhuma dependência. E mesmo no caso recreativo, um número muito reduzido de usuários apresenta esse sintoma e, ainda assim, de maneira menos potente que o álcool e o tabaco, por exemplo. Em todo o mundo jamais foi diagnosticado um caso de morte por overdose. Agora, o problema da dependência é muito mais amplo. Existem pessoas seriamente dependentes de cenoura, por exemplo. O que nos faz refletir que o problema não é a droga, mas as condições em que o ser humano faz uso dela” – conclui.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Nova equação para as drogas

O filósofo, matemático e ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, fez os cálculos: proibição legal de drogas mais aceitação social das mesmas, não é igual à diminuição do consumo. Por isso apoiou a proposta de legalização do consumo da maconha, formulada pela Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, da qual faz parte junto com os ex-presidentes latino-americanos César Gaviria (Colômbia), Fernando Henrique Cardoso (Brasil) e Ernesto Zedillo (Mèxico).

O homem que implementou temporariamente uma lei seca em que era proibida a venda de bebidas alcóolicas depois de uma da madrugada na capital colombiana, não se caracteriza por ser precisamente um anti-proibicionista. Na verdade, algumas das iniciativas da Cultura Cidadã, programa com o qual pretendeu reeducar os cidadãos de Bogotá, se baseiam no respeito à lei.

Então, o que fez com que Mockus apoiasse a proposta de descriminalizar o consumo desta droga? A ineficácia da lei e sua consequente deslegitimação, afirma. "Não se pode converter a lei em motivo de chacota como ocorre quando a sociedade e o indivíduo sabem que o Estado não pode garantir o cumprimento desta lei", explica.

Em outras palavras, para Mockus, no que diz respeito ao consumo da maconha, em primeiro lugar vem o autocontrole individual – quer dizer, que um jovem não consuma uma droga porque sua própia consciência o indique; em segundo lugar, aa censura social do consumo; e, em terceiro lugar, a intervenção do Estado, primeiro como agente educador e informador e, só em caso extremo, como agente punitivo.

O homem que se casou dentro de uma jaula de circo com sete tigres como ato simbólico, que propôs a economia doméstica de água reutilizando a água do chuveiro, que ensinou aos cidadãos de Bogotá a usar o cinto de segurança e respeitar os sinais de trânsito com a ajuda de atores caracterizados de mímicos e que baseou todas essas propostas na premissa de que "se todos põem, todos ganham", conversou com o Comunidade Segura durante sua visita ao Rio de Janeiro para o lançamento da declaração da Comissão.

Porque o senhor defende a legalização da maconha?

Uma pessoa jovem não deixa de consumir drogas por medo da lei. Não consume drogas porque sua consciência assim o diz ou porque o ambiente social lhe diz que o faça. Atualmente, o consumo de drogas é proibido por lei mas aceito socialmente. Temos que inverter essas premissas. Temos que manter algumas proibições legais mas é preciso fortalecer a proibição moral e cultural. Não vamos fomentar o consumo, ao contrário, vamos estimular a recusa social& às drogas.

Não desprezo a repressão, ela funciona, mas em um contexto pedagógico onde o jovem entenda que a lei foi utlizada porque era a última instância que restava à sociedade. O grande tropeço do proibicionismo foi não ter aprofundado a discussão e, por isso, a lei não é percebida como expressão da vontade geral, quer dizer, a lei ficou sendo somente uma lei sem respaldos cultural e moral suficientes.

Como evitar que aumente o consumo de drogas se elas forem legais?

Temos que trabalhar vários aspectos. Um deles é o emocional. A política repressiva lida com o medo e quando se é adolescente, às vezes o medo se transforma em um desafio. É muito diferente quando as decisões são tomadas com base na própria consciência – ou sentimento de culpa - e pelo medo da rejeição social. Quando eu me imagino um viciado, me vejo terrível aos meus próprios olhos e vejo também a rejeição dos outros e isso é bem mais poderoso.

Então, invertemos a ordem das coisas: já não é o medo de ser preso que me impede de consumir drogas, é o sentimento de culpa e a vergonha. Então, a culpa, a vergonha e o medo de ser preso, as três coisas juntas funcionam muito bem. Mas se você só tem medo da lei, pode jogar com isso, fugir da polícia e até encontrar um pouco de prazer em fazer algo culturalmente aceito mas proibido pela lei.

Com certeza, muitos jovens gostam de desafiar as autoridades…

Sím, e se establece uma estratégia de disputa com a lei. Por isso, criar cenários em que a lei e a cultura estão em aldos opostos – como ocorre com a droga que é legalmente inaceitável mas socialmente aceita -, possibilita o descumprimento da lei sem consequências sérias e a criação de grandes mercados para indústrias ilegais como a da droga.

Não devemos interpretar a ideia da comissão como uma ideia liberalizante, mas acredito que a função desta lei é ingênua, não é realista e temos que fazer muitas mudanças culturais e muita evolução moral para ter melhores resultados frente ao consumo.

E como realizar essa mudança de mentalidade?

O ser humano se orienta por interesses, razões e emoções e podemos dizer ao jovem: se você conhecer bem seus interesses de médio e longo prazos, terá certeza que não interessa cair no vício. Aí, o problema é fazer valer o futuro frente ao presente. A experimentação existe, os prazeres e desprazeres existem e ser experimentatdos na manhã seguinte ou em cinco anos. O jovem tem que aprender a construir a supremacia do futuro.

Como construir essa supremacia do futuro em uma sociedade imediatista?

A melhor metodología que connheço para isso é redigir um projeto de vida, colocá-lo na primera página de um diário e olhar este diário todos os dias se perguntando "o que quero fazer da vida" e construir um horizonte de longo prazo. Está claro que nem todos saberão o que irão fazer, eu mesmo vivi períodos de um ou dois anos em que se me preguntassem o que queria fazer depois, não tinha resposta, mas devemos lutar contra o imediatismo.

Que tipo de informações devemos transmitir aos jovens?

Temos que trabalhar muito para informar e racionalizar o tema. Mostrar aos jovens quais alterações bioquímicas e psicológicas ocorrem sob o efeito da droga e abordar o tema do vício. Nem todoa que experimentam drogas se tornam viciados mas e como uma roleta russa. Tem gente que joga e não acontece nada, mas isso não faz da roleta russa um jogo recomendável porque há uma probabilidade que não é igual a zero.

Temos que dizer ao jovem "se você é muito maduro psicologicamente, tem laços afetivos fortes, tem capital social, uma vida satisfatória e experimenta a doga, talvez não se torne um viciado, mas é só um talvez. Pode ser que algo em sua bioquímica faça com que se torne um viciado."

Na autobiografía de Obama tem algo nesse sentido. Alguns anos de desorden e experimentação depois dos quais ele decidiu que tinha que tomar a vida nas mãos e decide que para isso não poderia recorrer ao álcool e outros psicoactivos. Tem gente que experimenta e retorna, mas tem gente que não retorna. É verdade que a maconha é menos viciante do que a nicotina, mas não recomendo a ninguém correr o risco de se tornar um viciado.

Fonte : http://atividadedamente.blogspot.com/

Em defesa da “Revisão Científica: Maconha e Saúde Mental”


Nas últimas semanas vimos na mídia vários ataques à revisão científica sobre maconha e saúde mental feita pelo Departamento de Dependência Química da ABP. A crítica veio de uma nova associação que a princípio reúne profissionais que abertamente defendem a legalização da maconha e outras drogas e tem como presidente o Dr. Dartiu Xavier da Silveira.
Vale a pena defendermos o que o Departamento de DQ fez. Alguns aspectos dessa revisão merecem destaque:

1 - A revisão científica tentou evitar o tema da legalização da maconha. Tivemos como principio da nossa revisão que ficaríamos restritos ao impacto do uso da maconha na saúde mental. Achamos que muito das informações são perdidas quando ficamos num clima ideológico das pessoas pró e contra a legalização. O foco da ABP deveria ser o do impacto na saúde mental, como fazemos com as consequencias do álcool e mesmo do cigarro. Avaliamos que faltava para o profissional de saúde mental no Brasil esse tipo de informação.

2 – Como a intenção era fazer uma revisão científica com qualidade, convidamos mais de 20 profissionais de vários estados do Brasil, além de inúmeras faculdades e federadas da ABP. Os organizadores tiveram o cuidado de escolher os profissionais com maior experiência nas várias áreas afetadas pelo uso crônico da maconha, psiquiatras (especialistas em DQ, em crianças e adolescentes, em esquizofrenia, psicofarmacologia, epidemiologia das doenças mentais, neuroimagem, etc) , pediatras, psicólogos ( especialistas em tratamento, neuropsicologia, adolescentes, etc).

3 – Esses colegas tiveram autonomia completa para pesquisar e desenvolver o seu trabalho. A única recomendação é que buscassem informações baseadas em evidências científicas e que ao escrever pensassem no psiquiatra geral e como esse profissional poderia beneficiar-se dessas informações. Buscamos responder informações básicas, que estão disponíveis no nosso site (www.abpbrasil.org.br). Qem olhar com isenção para os temas e autores verá a qualidade do trabalho e que mantivemos o foco no tema sobre saúde mental e que fugimos de qualquer conotação ideológica :

Revisão Científica – MACONHA E SAÚDE MENTAL – LISTA DE AUTORES - Departamento de Dependência Química da ABP
Epidemiologia do uso da maconha no Brasil – José Carlos Galduroz (UNIFESP) e João Carlos Dias (ABP - RJ)
Tendências de uso da maconha no mundo – Marcelo Ribeiro Araújo (UNIFESP)
Evidências da Síndrome de Dependência da Maconha – Ronaldo Laranjeira (UNIFESP) – Analice Giglioti (Santa Casa – RJ)
Evidências da síndrome de abstinência da maconha – Ana Cecília Marques (UNIFESP) e Tadeu Lemos (UFSC)
Maconha e adolescencia - Claudia M. Szobot (UFRGS), Luis Augusto Rohde (UFRGS)
Impacto do uso da maconha da vida acadêmica de adolescentes – Sergio de Paula Ramos (Hospital Mãe de Deus – RS) Lisandra Soldati Fração
O sistema canabideóide – José Alexandre Crippa (USP-RP) Fabrício Moreira (USP-RP)
A ação da maconha no cérebro –Acioly Luiz Tavares de Lacerda (UNICAMP), José Alexandre de Souza Crippa (USP-RP), Rodrigo Affonseca Bressan (UNIFESP)
Neuropsicologia do uso crônico da maconha – Paulo Cunha (USP)
Existe uma psicose específica relacionada ao uso da maconha – Valentim Gentil (USP)
Uso da maconha e as doenças psiquiátricas – Evidências epidemiológicas – Paulo Rossi (USP) – Lílian Rato (Santa Casa – SP)
Uso de maconha e Depressão – Lisia von Diemen (UFRGS), Flavio Pechansky (UFRGS) e Felix Henrique Paim Kessler (UFRGS)
Uso da maconha e Esquizofrenia – Rodrigo Bressan (UNIFESP)
Uso de maconha e ansiedade – José Alexandre Crippa (USP-RP) Antonio Waldo Zuardi (USP-RP)
Uso de maconha e TDAH – Marcos Romano (UNIFESP)
Genética e uso de maconha – Homero Vallada (USP) Quirino Cordeiro (USP)
Tratamento psicológico do uso da maconha – Flávia Jungerman (UNIFESP)
Tratamento farmacológico do uso da maconha – Alessandra Dihel e Ronaldo Laranjeira (UNIFESP)
Uso de maconha e gravidez – Ruth Guinsburg (UNIFESP) Marina Carvalho de Moraes Barros (UNIFESP), Sandro Mitushiro (Hospital Servidor Municipal SP)
Dirigir e uso de Maconha – Ilana Pinsky (UNIFESP) e Marco Bessa (Clinica Heideberg – PR)

4 – Após a produção desses capítulos todos esses colegas apresentaram para um audiência de mais de 200 psiquiatras, na reunião do Departamento de DQ no nosso últimos congresso em Belo Horizonte. Foi uma das melhores reuniões já produzidas pelo Departamento de DQ. Durante toda a manhã um número excelente de colegas ouviram as apresentações, comentaram, criticaram, sugeriram, tudo num clima de extremo respeito, pela qualidade das apresentações e pelo clima de que todos estávamos ali aprendendo sobre um assunto que interessa a todos os profissionais de saúde mental. A aprovação dos textos e da revisão ocorreu tranqüilamente pois os textos eram o retrato do que a ciência tinha e tem a oferecer sobre esse assunto.

Diferente dos ataques rasteiros feitos por essa nova associação que representam o velho discurso da legalização das drogas, não houve nenhuma intenção em: 1- defender a proibição da maconha; 2 – fazer a “pedagogia do terror” explorando os lados negativos da maconha; e 3 – muito menos mostrarmos oposição ao eventual uso terapêutico da maconha. Cremos que fizemos o que uma Associação Brasileira de Psiquiatria com responsabilidade social deva fazer, ou seja compilar cientificamente as melhores informações disponíveis e mostrar aos nossos associados e ao público em geral quais os riscos que se expõem as pessoas que consomem cronicamente maconha, em especial os riscos que os adolescentes ficam expostos.

Essa nova associação começou mal. Atacou a ABP de uma forma desleal e vil. Ao invés de participar dos nossos debates e expor as suas eventuais discordâncias, levou para a mídia uma falsa idéia que os psiquiatras são companheiros do retrocesso e da parcialidade científica. Usaram a ABP para promoverem a sua própria associação que começa com o pé esquerdo. A opinião pública saberá distinguir os aventureiros inflados pelos minutos de fama na mídia dos pesquisadores interessados na saúde mental da nossa população.

Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira
Coordenador do Departamento de Dependência Química da ABP

Provada eficácia da maconha na prevenção do Alzheimer


da Folha Online
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u12973.shtml

Um grupo de investigadores espanhóis demonstrou que o canabinóide pode prevenir a perda de memória e reduzir a inflamação cerebral associada à doença de Alzheimer, indica um estudo publicado hoje .

A coordenadora da investigação, Maria de Ceballos, disse que a descoberta "abre uma nova possibilidade" de tratamento para esta doença do cérebro, que não tem cura.

A eficácia do canabinóide, substância sintética idêntica ao princípio ativo da maconha, foi demonstrada a partir de experiências feitas com um grupo de ratos nos quais foi injetada a substância combinada com a proteína amilóide (a proteína que desencadeia a doença).

Estes ratos foram capazes de lembrar um caminho que os cientistas lhes tinham ensinado dois meses antes, o que não aconteceu com outros ratos, que receberam apenas a proteína amilóide e que, além disso, desenvolveram uma grande inflamação cerebral.

A partir daí, Maria Ceballos, do departamento de Neurodegenerescência do Instituto Cajal do Conselho Superior de Investigações científicas (CSIC) de Espanha, pensou que a substância poderia ser eficaz no tratamento preventivo da doença, depois de conhecer as suas propriedades antiinflamatórias e neuroprotetoras.

O trabalho, publicado no "The Journal of Neuronscience", serviu também para caracterizar os receptores de canabinóides CB1 e CB2 a partir do estudo de tecido cerebral de doentes com Alzheimer.

Os investigadores do CSIC compararam tecido cerebral de pacientes que morreram de Alzheimer com o de pessoas saudáveis que faleceram com idades semelhantes.

A comparação permitiu-lhes observar que os receptores de canabinóides estão associados, na doença, a marcadores de ativação da microglia (célula imune do cérebro) e com alguns neurônios sobreviventes.

O receptor CB1 está presente em todos os tipos de células do cérebro e a sua ativação provoca os efeitos mentais do canabinóide, enquanto o CB2 só está presente na microglia.

A relação descoberta entre os receptores de canabinóides e a referida ativação celular poderá contribuir para aperfeiçoar o tratamento da doença.

A ativação das células da microglia ocorre no cérebro dos doentes de Alzheimer depois da célula amilóide se acumular em depósitos em forma de placas que invadem determinadas zonas do cérebro.

Este processo gera, ao longo dos anos, uma inflamação que culmina com a morte dos neurônios e na conseqüente perda de memória e de capacidade de comunicação com o exterior.

A equipe que realizou este estudo, em que participaram também cientistas da Universidade Complutense de Madri, investiga há anos a doença, com o objetivo de descobrir novos tratamentos.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase

CLÁSSICO DA LITERATURA XAMÂNICA :

Xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase
Mircea Eliade

Desde o início do século, os etnólogos se habituaram a utilizar como sinônimos os termos xamã, medicine-men, feiticeiro e mago (e também pajés e curandeiros - N.da T.) para designar certos indivíduos dotados de prestígio mágico-religioso encontrados em todas as sociedades "primitivas". Por extensão, aplicou-se a mesma terminologia ao estudo da história dos povos "civilizados" e falou-se, por exemplo, em xamanismo indiano, iraniano, germânico, chinês e até babilônico para referir-se aos elementos "primitivos" encontrados nas respectivas religiões. Por várias razões, tal confusão só pode prejudicar a compreensão do fenômeno xamânico em si.

Se por "xamã" se entender qualquer mago, feiticeiro, medicine-men ou extático encontrado ao longo da história das religiões e da etnologia religiosa, chegar-se-á a uma noção ao mesmo tempo extremamente complexa e imprecisa, cuja utilidade é difícil perceber, visto já dispormos dos termos "mago" e "feiticeiro" para exprimir noções tão díspares quanto aproximativas, como as de "magia" ou "mística primitiva".

Consideramos útil o uso dos vocábulos "xamã" e "xamanismo", justamente para evitar equívocos e enxergar com clareza a própria história da "magia e da "feitiçaria". Pois - é preciso deixar claro - o xamã é, ele também, um mago e um medicine-man: a ele se atribui a competência de curar, como aos médicos, assim como a de operar milagres extraordinários, como ocorre com todos os magos, primitivos e modernos. Mas além disso, ele é psicopompo e pode ainda ser sacerdote, místico e poeta. Na massa indiferenciada e "confusionista" da vida mágico-religiosa das sociedades arcaicas considerada em seu conjunto, o xamanismo - tomado em seu sentido estrito e preciso - já apresenta uma estrutura própria e revela uma "história" que é da maior utilidade esclarecer.

O xamanismo strictu sensu é, por excelência, um fenômeno religioso siberiano e centro-asiático. A palavra chegou até nós através do russo, do tungue saman. Nas outras línguas do centro e do norte da Ásia, os termos correspondentes são o iacuto ojun, o mongol bügä, bögä (buge, bü) e ugadan (cf. também o buriate udayan e o iacuto udoyan, a "mulher-xamã"), o turco-tártaro kam (altaico kam, gam; mongol kami etc.). Tentou-se explicar o termo tungue a partir do páli samana.

Em toda essa área que compreende o centro e o norte da Ásia, a vida mágico-religiosa da sociedade gira em torno do xamã. O que não quer dizer, evidentemente, que ele seja o único manipulador do sagrado, nem que a atividade religiosa seja monopolizada pelo xamã. Em muitas tribos, o sacerdote-sacrificante coexiste com o xamã, sem contar que todo chefe de família é também chefe do culto doméstico. Contudo, o xamã é sempre a figura dominante, pois em toda essa região, onde a experiência extática é considerada a experiência religiosa por excelência, é o xamã, e apenas ele, o grande mestre do êxtase. Uma primeira definição desse fenômeno complexo, e possivelmente a menos arriscada, será: xamanismo = técnica do êxtase. (p.15-16)

Se tomamos o cuidado de diferenciar o xamã de outros "magos" e medicine-men das sociedades primitivas, a identificação de complexos xamânicos em determinadas religiões adquire de saída um significado bastante importante. Magia e magos há praticamente em todo o mundo, ao passo que o xamanismo aponta para uma "especialidade" mágica específica como o "domínio do fogo", o vôo mágico, etc. Por isso, embora o xamã tenha, entre outras qualidades, a de mago, não é qualquer mago que pode ser qualificado de xamã. A mesma precisão se impõe a propósito das curas xamânicas: todo medicine-man cura, mas o xamã emprega um método que lhe é exclusivo. As técnicas xamânicas do êxtase, por sua vez, não esgotam todas as variedades da experiência extática registradas na história das religiões e na etnologia religiosa; não se pode, portanto, considerar qualquer extático como um xamã: este é o especialista em um transe, durante o qual se acredita que sua alma deixa o corpo para realizar ascensões celestes ou descensões infernais.(p.17)

Na Sibéria e no nordeste da Ásia, as principais vias de recrutamento dos xamãs são: 1) transmissão hereditária da profissão xamânica e 2) vocação espontânea (o "chamado" ou "escolha"). Há também casos de indivíduos que se tornam xamãs por vontade própria (como, por exemplo, entre os altaicos) ou por vontade do clã (tungues, etc.). Mas estes últimos são considerados mais fracos do que aqueles que herdam a profissão ou atenderam ao "chamado" dos deuses e dos espíritos.

Qualquer que tenha sido o método de seleção, um xamã só é reconhecido como tal após ter recebido dupla instrução: 1) de ordem extática (sonhos, transes, etc.), 2) de ordem tradicional (técnicas xamânicas, nomes e funções dos espíritos, mitologia e genealogia do clã, linguagem secreta, etc.). Essa dupla instrução, a cargo dos espíritos e dos velhos mestres xamãs, equivale a uma iniciação. (pg. 25-26).

Nota: (Fonte: Eliade, Mircea. Xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo: Martins Fontes, 1998.)

Essa é uma lista provisória de povos indígenas que utilizam preparados da Banisteria caapi:

Airo-pai (Tukano)
Amahuaca – Huni Kui Alto amazonas
Ashaninka (Aruák)
Barasana (Tukano)
Camsás Encostas andinas do Vale Sibundoy – (Colombia) (Quechumaran)
Cubeo (Tukano)
Chama (Es’e Ejja) – Bolívia
Culinas (Kulinas) (Arawá) *
Colorado – Equador
Coreguage Rio Orteguaza – Alto Amazonas
Cayapa
Chiriruano
Calhahuaya (Bolívia – Peru)
Desana (Tukano)
Embera – (Colombia)
Guahibo (Venezuela)
Huitoto
Ingano (Ingas) Vale Sibundoy – (Colombia) (Quechumaran)
Kofan ( Cofan) Rio Putumaio – San Miguel Equador (Quechumaran)
Kamsá (Quillacigas) Vale Sibundoy – (Colombia) (Quechumaran)
Jivaro - Shwaras – (Colombia) Shuar – Equador
Campa Kampas (Brasil) (Aruák) *
Kaxinauas (Brasil) Pano *
Machigenguas (Aruák)
Muisca
Makuna (Tukano)
Marubo Pano *
Noanama (waunana) – (Colombia)
Piros (Aruák)
Sharanahua
Siona –– Alto Amazonas Rio Putumayo (Colombia) (Tukano)
Siona –– Piemonte (Equador) (Tukano)
Secoya Piemonte (Equador) (Quíchua – Ashuar)
Shipibo Pano *
Tukanos – Rio negro – Brasil
Tariâna (Aruák)
Uitoto (Murui-muinane Rio Caquetá – Alto Amazonas
Yagua (Peru)
Yekuana
Yaminahuás Pano
Zaparos (Peru)

Muito deles, mas não todos utilizam uma decocção da Banisteria caapi (cipó) com folhas do arbusto (Psychotria viridis) Inclui-se entre estes os conjunto de povos denominados como Incas cuju império organizado copunha o Tawantinsuyu.

O Tawantinsuyu tinha como área central a região que hoje corresponde ao Norte do Chile, Sul da Colômbia e os territórios da Bolívia, peru e Equador, abrangendo uma população estimada entre um mínimo de 10 até 30 milhões de habitantes. Essa formação imperial (semelhante as asiáticas), predominava os idiomas Quíchua e Aimará (Quechumaran) deve ser considerada segundo Darcy Ribeiro, 1977, uma só macro etnia, neo-incaica, um único complexo histórico cultural.


Segundo a lista apresentada aqui pelo site ayahuasca.com (What indigenous groups traditionally use Ayahuasca? - http://www.ayahuasca.com/primordial-and ... ayahuasca/) deve-se incluir na lista acima os seguintes grupos:

1. Achuar (Achual, Achuara) – Ecuador / N.Peru
2. Amuesha (Yanesha, Amuese, Amueixa, Amoishe, Amagues, Amage, Amaje, Amajo, Amuetamo) – S. Peru
3. Angutero (Ancutere, Pioje) – N. Peru (note 1)
4. Awajún (Aguaruna) – N. Peru
5. Awishiri – Peru (extinct)
6. Banihua (Baniwa) – Brazil / Venezuela
7. Bora (Boro) – N. Peru / S. Colombia
8. Candoshi-Shapra (Kandoshi) – N. Peru
9. Capanahua (Kapanawa)- N. Peru
10. Carijona (Karijona, Carihona, Umawa, Hianacoto-Umaua) – S. Colombia
11. Cashibo-Cacataibo (Kashibo-Kakataibo) – N. Peru
12. Chachi (Cayapa, Kayapa) – Ecuador (note 3)
13. Chamicura (Chamikura) – N. Peru
14. Chasutino – Peru / Bolivia (exact location unidentified)
15. Chayavita (Chayahuita, Chayawita, Shayabit, Chawi, Tsaawi, Tshaahui, Tschhuito, Paranapura) – N. Peru
16. Chebero (Jebero, Xebero, Xihuila) – N. Peru
17. Choco (Choko) – Colombia (note 4) (note 3)
18. Cofán (Kofan, Kofane, A’i) – Ecuador / S. Colombia
19. Cocama-Cocamilla (Kokama, Huallaga, Pampadeque, Pandequebo, Ucayali, Xibitaoan) – N. Peru
20. Conibo – N. Peru (note 5)
21. Cuiba (Cuiva, Kuiva, Kuiba, Kwiba, Cuiba-Wámonae) – N. Colombia / Venezuela
22. Gwanana (Guanano, Wanana, Uanano, Kotiria, Anana, Kótedia) – N. Colombia
23. Guarani – Bolivia / Brazil (note 3) (note 6)
24. Harambket (Mashco, Amarakaire, Amarakaeri) – S. Peru
25. Hianakota-Umana – Brazil
26. Huambisa (Wambisa) – N. Peru
27. Hupda-Maku (Hupde) – Brazil / S. Colombia
28. Ikito (Iquito, Iquita, Amacacore, Hamacore, Quiturran, Puca-Uma) – N. Peru
29. Isconahua (Iscobaquebu) – N. Peru
30. Ixiamas Chama (Tacana) – Bolivia
31. Kabuvari – Brazil
32. Kacha’ – Peru (location unidentified)
33. Koreguaje (Coreguaje, Correguaje, Ko’reuaju, Caquetá, Chaocha Pai) – N. Colombia
34. Lamistas (Lamista, Lama) – N. Peru (note 7) (note
35. Mai Huna – N. Colombia
36. Maku (Cacua) – S. Colombia
37. Marinahua – S. Peru (note 9)
38. Matses (Mayoruna, Morique) – N. Peru (note 10)
39. Mazan – Peru (extinct)
40. Menimehe – Colombia (apparently extinct)
41. Mojo (Mojos, Moxo, Moxos) – Bolivia
42. Muinane (Murui, Muinana, Muinani, Muename) – S. Colombia
43. Napo Runa, Upper (Quijos, Napo Kichwa, Awa Napo Runa, Quichuas de Tena) – Ecuador (note 7)
44. Napo Runa, Lower (Orellana Runa, Uku Napo Runa) – Ecuador, N. Peru
45. Nheengatu (Ngengatu, Waengatu, Lingua Geral) – S. Colombia / Brazil (note 11)
46. Nomatsiguenga (Nomatsigenka, Atiri)- S. Peru
47. Omagua (Pariana, Anapia, Macanipa, Kambeba, Yhuata, Umaua, Cambela, Cambeeba) – Ecuador / Peru (note 12)
48. Panobo – Peru (extinct)
49. Pastaza Runa (Canelos, Alama) – Ecuador (note 7)
50. Piapoko (Piapoco) – N. Colombia
51. Piaroa (Kuakua, Guagua, Quaqua) – N. Colombia / Venezuela
52. Pioche – Colombia (note 13)
53. Puinave (Puinabe) – N. Colombia
54. Shetebo – N. Peru (note 14)
55. Shiwiar – Ecuador / N. Peru (note 15)
56. Taiwano – S. Colombia (note 16)
57. Takana – Bolivia
58. Tamas – Brazil
59. Tanimuka (Tanimuca-Retuara) – N. Colombia
60. Tatuyo (Pamoa, Oa, Tatutapuyo, Juna) – N. Colombia
61. Tikuna (Ticuna, Tukuna) – Brazil / S. Colombia
62. Tetete – Colombia / Ecuador (extinct)
63. Tsachila (Colorados) – Ecuador
64. Waorani (Huaorani. Auca) – Ecuador
65. Yebasama – N. Colombia
66. Yora (Yura, Yuranahua, Yoranahua, Parquenahua, Nahua) – S. Peru


Entre as fontes bibliográficas da lista anterior estão o Handbook of South American Indians e o estudo de Michael Taussig, 1993 (Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem, um estudo sobre o terror e a cura. RJ, Paz e Terra).

Outra interessante pesquisa sobre esse espectro etnico de utilização da ayhuasca (tomando esse como o nome mais comum dos preparados da Banisteria) é o livro de Débora Pereira Bolsanello, Busca do Santo Graal Brasileiro, (1995 Ed Bertrand do Brasil) onde descreve as tribos da amazônia que bebem vegetal (35 grupos a partir da localização ou nome da tribo) com algumas anotações sobre esse uso em algumas delas (9 destas: Záparo, Barasana; Huni Kui; Kaxinawá; Tukano (11 pgs); Jivaro; Siona; Marubo; Kampa).

A referida autora acreescenta apenas 3 grupos não referidos em nenhuma das listas anteriores: Kayapa (que dão ao vegetal o nome Pinde); os Pira Tapuya (do Papuri) e Tupi (do Pará).

Uma sinonímia e classificação dos grupos por família lingüistica e área cultural deve ser realizada e essa é uma pretensão do presente autor.

Arqueologia da Ayahuasca



Leandro Altheman

Jamais tive acesso a nenhum tipo de bibliografia que satisfizesse meu desejo de conhecimento acerca da historicidade da ayahuasca. Por isso, se alguém souber de algo, por favor, me avise. O que existem por um lado sao trabalhos antropologicos que tratam do uso da ayahuasca em seu contexto original, ou seja, nativo e tradicional e em seu contexto moderno e urbano; e por outro especulaçoes exotéricas sem grande valor científico.
Ayahuasqueiro e amante da história, isso nunca chegou a me satisfazer. Há muito mais a que se descubrir, e assim como os crentes fiés sonham em ir a Terra Santo, adentro o espaço ocupado pelo Tawantinsuyu para recolher fragmentos que como um quebra-cabeça, começo a montá-lo.


As religioes ayahuasqueiras, em especial, a UDV chegam a proclamar a origem incaica da bebida e até arriscam uma espécie de “culto ao Sol” reiventada dentro de um contexto cristao e espírita reencarnacionista.
Em minhas viagens ao Peru descubro que em uma lista centenária de plantas selvagens e domesticadas, incluindo aquelas de uso mágico-medicinal, nao cabe nenhuma referencia as plantas da ayahuasca. Segredo? Talvez.
O quechua designa nao apenas um povo, mas também um ecosistema, a saber dos 2.300 metros do nível do mar aos 3.300. Os incas mantiveram velatorios detalhados sobre os outros ecossistemas ocupados pelo Tawantinsuyu, o que lhes garantio um total e eficiente dominio sobre as “quatro regioes”. Mas mesmo na regiao conhecida como Selva Alta (aonde por exemplo está localizado Machu Picchu) nao encontrei referencias locais à ayahuasca.
Somente na Selva Baixa, regiao do Ucaially e Madre de Dios, as referencias sao abundantes. Regiao que os Incas denominavam Omágua (do quetchua: lugar de peixe de água doce). O fato é que o Imperio Inca teve curta duraçao: apenas 95 anos. Na selva baixa ou omagua, este periodo se reduz a diminutos 35 anos, tempo excesivamente diminuto para que se amalgamasse uma cultura ayahuasqueira entre os incas andinos.
A este respeito é bom fazer uma ressalva: normalmente as pessoas se espantam com os assombrosos vestigios pelos Incas deixados. Mas na verdade, o Tawantinsuyu incaico, foi tributario de culturas andinas cujas origens sao estimadas em 16 mil anos. Estao para o mundo andino, como os Romanos estao apara o munto antigo do mediterrâneo.
Mas por que entao, a bebida é designada por uma palabra quetchua: ayahuasca?
Lendo sobre a historia dos Incas (que é bem distinta de sua mitologia), descubro que uma de suas fronteiras orientais fora fixada por pelo Sapa Inca Huaina Capac no rio Tono (afluente do Madre de Dios)., atual Parque del Manu, em um local denominado Chipenáguas. Com meus parcos conhecimentos de Pano, arrisco deduzir que Chipenaguas é uma acastelhanamento de Shipi Náuas (povo do sauim), ou seja, Shipibo. Parece casualidade demais que entre os Shipibo vivam hoje alguns dos maiores maestros ayuahuasqueiros. Eles próprios detentores de uma extensa tradiçao ayahuasqueira e o conhecimento profundo de outra dezena de plantas mestras.

Isso nao resolve ainda a questao de por que uma planta da selva acabou sendo denominada com uma palavra quétchua, ou seja, andina. Ainda no campo da especulaçao, me parece que a influência quetchua poderia ter chegado a selva tardiamente, em sua lenta penetraçao a medida que grupos cada vez mais isolados, buscavam escapar da fastidiosa influência do cristianismo espanhol. Em termos historicos (e mais uma vez, nao mitológicos), me parece mais apropriado que tal influencia tenha se dado nos séculos posteriores a invasao espanhola, penetrando no lado brasileiro da fronteira via Madre de Dios (Madeira) durante o ciclo do caucho-borracha. Excessao feita, é claro, aos demais nativos “Náuas”(ou seja, família lingüística pano) que já compartilhavam a tradiçao do Uni antes que fossem definidas as fronteiras. Assunto vasto e inesgotavel, que de maneira alguma retira a importancia dos relatos mitologicos, que trazem o sentido pessoal, subjetivo para quem a utiliza. Os mitos sempre foram e sao, os fios condutores que dao um sentido maism elevado à existencia, o que nao nos impede de tentar refazer os seus passos a través da História.

Arqueologia da Ayahuasca (2)


Leandro Altheman

Os Incas adoravam ao Sol?

Os arqueólogos descobriram vestígios suficientes para responder a esta pergunta com um veemente, sim.

Mas o que diriam os arqueólogos do futuro quando percebessem que nas ruínas de todos os templos e igrejas de nossa era existe um relógio. Poderiam intuir que fossemos "adoradores do tempo"? Uma questao meramente provocativa, uma vez que muito provavelmente existirao indicios suficientes para lhes revelar a natureza das crenças atuais. Infelizmente, os cristaos nao nos deram esta oportunidade de conhecer a legítima fé dos antigos andinos, uma vez que a destruiram por completo. Em nossa era conhecer a medida exata do tempo é imperioso para que a possamos cumprir nossas atividades diárias. De modo análogo em sociedades agrícolas como as andinas, conhecer o Sol significa prever as estaçoes e melhor planejar os trabalhos no campo, da semeia à colheita. Uma questao prática de sobrevivência, assim como hoje.

É certo que suas instituiçoes políticas refletiram a sua visao de mundo: se a natureza nos mostra que tudo depende do Sol, criemos entao o reflexo dela em nossas instituiçoes. O Sol está para o Universo assim como o Inca está para o Tawantinsuyu. "Assim na terra, como no céu."

Em minhas viagens pelo Peru andino, percebo que muitos estudiosos já contestam este "culto ao Sol", como se fosse este o absoluto. É certo que lhe rendiam homenagens, do mesmo modo que se fossemos inteligentes o bastante para perceber a sua importância, talvez também lhe renderíamos.

Mas é quase certo também que creessem em um princípio criador imanifestado. Há quem sustente que este seria Wiracocha, cujo culto é muito anterior ao "culto ao Sol". Talvez este principio abstrato, invisivel, mas reconhecivel na perfeiçao das coisas fosse de conhecimento apenas de sabios e reis do império, enquanto a massa continuava satisfazendo-se com suas superstiçoes e crenças cotidianas.

E a ayahuasca, aonde entra nisso tudo?


A idéia de que a ayahuasca tenha surgido de um misterioso e antigo rei, nao é nada nova. Ela é repetida com diferentes temas e variaçoes por praticamente todos os povos que a utilizam. Tal princípio é determinado em um tempo mítico : "antes de existir a morte", dizem alguns. Talvez em sua lenta penetraçao na floresta, os remanescentes do Tawantinsuyu poderiam ter adaptado um mito muito mais antigo à sua própria idéia de ressurgimento do império, a partir da idéia do "Inca Encantado". Uma espécie de "Sebastianismo" à incaica.
Bem, há muito mais do que isso dentro da própria ayahuasca e sao interminaveis as indagaçoes acerca do misterio. Certamente que para o ayahuasqueiro, mais importante do que especular é viver este mistério e nele se transformar. Mas conhecer diferentes pontos de vista impede que se cristalizem dogmas, aonde deveria haver tao somente o prazer de descobrir e caminhar em direçao ao conhecimento profundo, verdadeiro e essencial da realidade que nos cerca.

"O fim das drogas é um ideal impossível, indesejável e totalitário" - ENTREVISTA COM HENRIQUE CARNEIRO


Historiador da USP aponta que política anti-drogas no Brasil é inspirada em modelo dos EUA

10/12/2010

A guerra às drogas tem um efeito paradoxal. Ao mesmo tempo em que as apreensões de toneladas de drogas prejudica um determinado grupo, ela favorece traficantes rivais, já que o preço das substâncias tende a aumentar. Esta é análise do professor Henrique Carneiro, historiador da USP e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip).

O historiador também ressalta que a proibição da maconha está ligada a sua origem africana na cultura brasileira. Confira entrevista abaixo.

Brasil de Fato - As ações recentes no Rio de Janeiro parecem ter como finalidade - ao menos tentam passar essa impressão - o fim de todas as drogas, com a apreensão e incineração. Existe, historicamente, relatos de alguma sociedade que tenha vivido sem substâncias psicoativas?

Henrique Carneiro - São muito raras as sociedades que tinham um ideal de completa abstinência, em geral eram estados militaristas como Esparta. A grande maioria das sociedades tem no uso de drogas, seja álcool ou outras, um comportamento universal, com enorme importância cultural e econômica. O "fim das drogas" é um ideal impossível, indesejável e totalitário.
No RJ as operações só fortalecem o tráfico, elevam o preço, eliminam ou enfraquecem uma facção, mas as outras e a própria corrupção no interior da polícia, associada com as milícias, faz o negócio continuar florescente. Na medida em que houver demanda, haverá mercado, se houver proibição, o mercado dará mais lucros.
As políticas no Brasil seguem um modelo global imposto pelos EUA em que o álcool e o tabaco, que são as drogas mais perniciosas, não são objeto de controle, mas outras substâncias derivadas de plantastradicionais como a papoula, a coca e a Cannabis são condenadas à erradicação. A estigmatização em particular da maconha tem a ver também com sua origem africana na cultura brasileira.

Qual é a sua avaliação sobre a política de combate às drogas no Brasil?

As políticas no Brasil seguem um modelo global imposto pelos EUA em que o álcool e o tabaco, que são as drogas mais perniciosas, não são objeto de controle, mas outras substâncias derivadas de plantastradicionais como a papoula, a coca e a Cannabis são condenadas à erradicação. A estigmatização em particular da maconha tem a ver também com sua origem africana na cultura brasileira.

A massa empregada hoje no tráfico de drogas não seria prejudicada com a legalização das drogas? O que o senhor acredita que possa acontecer com essas pessoas em um processo de legalização? O senhor crê em uma retaliação do crime organizado contra a legalização?

A legalização apenas, isolada de mudanças estruturais nas políticas públicas que combatam a desigualdade social, não irá trazer mudanças estruturais, mas irá deslocar um dos pretextos de alta lucratividade para especuladores financeiros e para o próprio aparato repressivo, irá tirar um instrumento de repressão social e de criminalização da pobreza e irá desvincular a circulação das drogas do tráfico de armas.

As pesquisas de opinião sempre apontam a contrariedade da população em relação à legalização das drogas. Essa opinião parece ser guiada mais por um aspecto moral do que racional. Há um caminho para inverter esse quadro?

O caminho é a explicação científica da universalidade e diversidade das drogas, da periculosidade comparada e das políticas diferenciadas para cada uma. A educação para uma cidadania autônoma, responsável e com liberdades garantidas exige um modelo de auto-controle baseado em ideais de temperança e não de abstinência.

"O tráfico é o maior interessado na proibição das drogas"


ENTREVISTA COM JÚLIO DELMANTO DO DAR (DESENTORPECENDO A RAÇÃO)

Guerra às drogas é um pretexto para ampliar controle social sobre comunidades, afirma ativista

10/12/2010

Renato Godoy de Toledo
da Redação

Para Júlio Delmanto, mestrando em história social e membro do Coletivo anti-proibicionista DAR (Desentorpecendo a Razão), o pano de fundo para as ações militares no Rio de Janeiro são os eventos esportivos que ocorrerão na cidade em 2014 (Copa do Mundo) e 2016 (Olimpíadas). O DAR é um dos organizadores da Marcha da Maconha que vem sendo sistematicamente proibida pela Justiça. Delmanto fala sobre a guerra às drogas e às restrições à liberdade de expressão dos anti-proibicionistas em entrevista abaixo.

Brasil de Fato - As ações recentes no Rio de Janeiro parecem ter como finalidade - ao menos tentam passar essa impressão - o fim de todas as drogas, com a apreensão e incineração de toneladas de substâncias ilícitas. O que representa essa postura para você?

Júlio Delmanto- A ficção do combate às “drogas”, como se as substâncias fossem dotadas de propriedades malignas por si, tem sustentado uma série de atrocidades nos últimos 40 anos, no Brasil e no mundo. O entendimento internacional caminha cada vez mais para um consenso quanto ao fracasso do proibicionismo, e esse parecia ser um caminho trilhado também por aqui, até os recentes eventos no Rio de Janeiro. Mesmo as UPP's tinham mais como objetivo desarmar o tráfico do que extingui-lo, talvez partindo da óbvia constatação de que as drogas ilícitas nunca vão acabar pelo simples motivo de que a demanda nunca vai acabar, queira o Estado ou não. Neste momento do Rio me parece que as drogas voltam a ser colocadas como responsáveis por todos os males sociais cujas origens são complexas e fundadas na desigualdade social, mas novamente fica claro que o problema não é coibir tráfico e uso de drogas ilícitas. É impensável que uma estratégia que visasse esse objetivo tivesse como foco somente o setor varejista, seria ridículo. O que há no Rio de Janeiro é uma disputa por território e uma tentativa militarizada de acirrar o controle social sobre as populações pobres, com vistas a garantir os interesses políticos e econômicos envolvidos nos mega-eventos esportivos que o Brasil vai sediar, e que já estão rendendo milhões para a iniciativa privada brasileira e estrangeira e para os políticos e líderes esportivos corruptos. Assim, do mesmo modo como “a droga” foi desde muito tempo usada como máscara para disfarçar estratégias de criminalização da pobreza e racismo, novamente o seu suposto combate é utilizado para justificar intervenções que não só são incapazes de afetar o comércio de substâncias ilícitas como estão longe de ter esta intenção.



Na sua opinião, essa postura não pode estar inflacionando a droga em territórios comandados por outros grupos?

Esse é um aspecto interessante, e do qual não tenho dados precisos para afirmar nada com certeza. Mas parece fundamental entender os diferentes tratamentos dados pela polícia carioca aos diferentes comandos, e também a forma mais branda como esta atua em territórios controlados por milícias. Não sei se necessariamente há uma atuação deliberada no sentido de fortalecer um ou outro comando ou de privilegiar milícias, mas tudo indica que ao menos existem acordos de convivência, certamente permeados por interesses políticos e muita corrupção. Salientando sempre que o chamado tráfico de drogas é o maior interessado na proibição das drogas, uma vez que é esta que maximiza seus lucros.



A massa empregada hoje no tráfico de drogas não seria prejudicada com a legalização das drogas? O que o senhor acredita que possa acontecer com essas pessoas em um processo de legalização? O senhor crê em uma retaliação do crime organizado contra a legalização?

Em primeiro lugar temos que diferenciar os grandes líderes do tráfico dos trabalhadores, da “massa” empregada neste serviço. Hoje mesmo (4 de dezembro) saiu na Folha um dado de que mais da metade destas pessoas não chega a ganhar 800 reais, que sua expectativa de vida é baixíssima e suas jornadas de trabalho muito intensas (10 horas diárias, sem folga semanal). Obviamente que eles se sujeitam a isso diante da total ausência de oportunidades, não estão ali obrigados, mas saliento isso para pensarmos que quem está ganhando mesmo com o tráfico são poucas pessoas, e certamente elas não estão nos morros. Assim, são estes grandes lucradores do comércio de drogas os principais interessados na ilegalidades destas substâncias. No entanto, uma legalização obviamente retira os meios de subsistência desta outra parcela, os empregados do comércio varejista de drogas, e daí podemos supor sim algum tipo de resistência por parte destas pessoas. Fica claro neste exemplo um aspecto importante que nós do Coletivo DAR fazemos questão de ressaltar: na mesma medida em que não concordamos com a fetichização que toma as drogas como entes malignos causadores de todos os problemas sociais, não vemos na legalização e regulamentação destas substâncias a salvação para todos estes problemas sociais. A legalização representa um golpe na violência do crime e do Estado, mas não resolve problemas causados por séculos de desigualdade social, corrupção e exploração. Portanto, não podemos esperar que uma mudança na política de drogas responda a problemas que são somente potencializados pela proibição das drogas, e não causados por ela.



As pesquisas de opinião sempre apontam a contrariedade da população em relação à legalização das drogas. Essa opinião parece ser guiada mais por um aspecto moral do que racional. Há um caminho para inverter esse quadro?

Certamente vivemos um ambiente de conservadorismo muito grande da sociedade brasileira, o que ficou claro nas eleições e também no grande apoio às intervenções militares absurdas do Rio. Tendo isso em vista, nós do Coletivo DAR pautamos nossa atuação no momento para uma busca de mudança de mentalidade, pois só depois disso é que mudanças de lei podem ser viáveis. De fato não é simples lidar com esse moralismo, evidente não só nesta questão mas em diversas outras, como o forte movimento contrário à legalização do aborto ou a enorme homofobia presente no brasileiro, mas acreditamos que é possível dialogar com estes entendimentos no sentido tanto de problematizar tanto o direito individual quanto os danos nefastos da proibição das drogas. Uma problematização do tratamento injustificavelmente diferenciado dado a drogas legais e ilegais também é um caminho interessante para desbancar este moralismo absolutamente sem argumentos. Sem dúvida é um processo lento.



A marcha da maconha vem sendo sistematicamente proibida no Brasil. Como vocês avaliam essa atitude do judiciário?

Aí já estamos falando de outra questão, que vai além do debate sobre políticas de drogas. Entendo que alguém possa ser contrário à mudanças neste sentido, apesar de discordar, mas é absolutamente inaceitável que alguém possa se posicionar contra a liberdade de expressão e de manifestação, pilastras básicas de sustentação de qualquer democracia minimamente respeitável. Este entendimento ridículo acontece somente em alguns Estados brasileiros, como São Paulo, enquanto outros realizam suas marchas tranquilamente, como Pernambuco e Rio. A expectativa é que o STF julgue logo esta questão, e me parece impensável que ele se posicione contra a liberdade de expressão. Por enquanto, só posso avaliar essa atitude do judiciário como revoltante e injustificável, e não posso entender que alguém concorde com isso, mesmo que discorde de nossas posições e proposições.



O evento é sempre estigmatizado como uma apologia à maconha e sendo organizado por "maconheiros". Qual estratégia vocês usam para deixar de lado a pecha de "evento de usuários" para tornar-se uma manifestação daqueles que se opõem ao proibicionismo, usuários ou não?

O argumento de que a Marcha é uma apologia ao crime é muito fraco, uma vez que o evento visa exatamente discutir propostas de alteração na lei para que esta conduta deixe de ser crime. Ninguém utiliza substâncias ilícitas nem incentiva este uso durante a Marcha. No entanto, ainda existe este entendimento de que a Marcha é um evento focado simplesmente nos direitos do usuário, inclusive entre alguns participantes do evento, mas isso parece estar ficando cada vez mais secundarizado frente ao entendimento de que esta é uma questão que vai muito além desta questão, que por si só já seria importante o bastante. Assim como a legalização do aborto é uma demanda que abrange muito mais do que as reivindicações de mulheres grávidas que queiram interromper sua gestação, o mesmo se dá neste debate, que para mim é composto de dois pontos fundamentais a serem combatidos: a ingerência do Estado na vida privada dos cidadãos e os danos sociais causados pela proibição das drogas, que são infinitamente maiores e mais sérios do que os POSSÍVEIS (e é importante ressaltar que drogas – legais e ilegais – são sim potencialmente danosas, mas apenas potencialmente, assim como carros e alimentos) danos causados pelas substâncias. É este debate que a Marcha e o movimento antiproibicionista como um todo tem tentado passar, no caso do DAR temos especificamente uma preocupação muito grande com ampliar nossa intervenção para além de demandas restritas aos interesses dos usuários (que poderiam por exemplo ser contemplados com a mera descriminalização, o que não resolveria em nada o problema da violência) e para além também da mera legalização da maconha, uma vez que a violência e a repressão concentram-se também na proibição de outras drogas.

"Guerra às drogas encarcera mais negros do que apartheid"


ENTREVISTA COM A JURISTA MARIA LUCIA KARAM

Para jurista, guerra se dirige aos mais vulneráveis socialmente

10/12/2010

Renato Godoy de Toledo

da Redação

A juíza aposentada do Rio de Janeiro, Maria Lucia Karam, afirma que a criminalização do usuário que ainda persiste no Brasil viola declarações internacionais e e a própria Constituição brasileira. Karam faz parte da Apilcação da Lei contra a Proibição (Leap, na sigla em inglês). Segundo a juíza, a guerra às drogas nos EUA - que serve de referência para outros países - já propicia um quadro de encarceramento da população negra que ultrapassa os indíces do regime do apartheid na África do Sul.

Judicialmente, o usuário de drogas ainda é tratado como criminoso? Na sua opinião, quais mudanças na legislação poderiam tornar o relacionamento do judiciário com o usuário mais humano?

Maria Lucia Karam: Sim, o usuário de drogas ilícitas ainda é tratado como criminoso no Brasil. A Lei 11.343/2006 – a vigente lei brasileira em matéria de drogas – ilegitimamente criminaliza a posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas em seu artigo 28, ali prevendo penas de advertência, prestação de serviços à comunidade, comparecimento a programa ou curso educativo e, em caso de descumprimento, admoestação e multa. A Lei 11.343/2006 apenas afastou a previsão de pena privativa de liberdade.

Não se trata de tornar o relacionamento do Poder Judiciário com o usuário mais humano. Na realidade, o mero fato de usar drogas ilícitas não deveria levar ninguém a se relacionar com o Poder Judiciário. A criminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas viola princípios garantidores de direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas, aí naturalmente incluída a Constituição Federal brasileira. A simples posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros são condutas que dizem respeito unicamente ao indivíduo que as realiza, à sua liberdade, às suas opções pessoais. Condutas dessa natureza não podem sofrer nenhuma intervenção do Estado, não podem sofrer nenhuma sanção. Em uma democracia, a liberdade do indivíduo só pode sofrer restrições quando sua conduta atinja direta e concretamente direitos de terceiros.

A guerra às drogas tem um cunho social? Isto é, ela atinge majoritariamente os mais pobres? Se sim, a sra. considera que essa é uma estratégia pensada propositadamente para atingir os mais pobres?

A “guerra às drogas” não se dirige propriamente contra as drogas. Como qualquer outra guerra, dirige-se sim contra pessoas – nesse caso, os produtores, comerciantes e consumidores das drogas tornadas ilícitas. Como acontece com qualquer intervenção do sistema penal, os mais atingidos pela repressão são – e sempre serão – os mais vulneráveis econômica e socialmente, os desprovidos de riquezas, os desprovidos de poder.

No Brasil, os mais atingidos são os muitos meninos, que, sem oportunidades e sem perspectivas de uma vida melhor, são identificados como “traficantes”, morrendo e matando, envolvidos pela violência causada pela ilegalidade imposta ao mercado onde trabalham. Enfrentam a polícia nos confrontos regulares ou irregulares; enfrentam os delatores; enfrentam os concorrentes de seu negócio. Devem se mostrar corajosos; precisam assegurar seus lucros efêmeros, seus pequenos poderes, suas vidas. Não vivem muito e, logo, são substituídos por outros meninos igualmente sem esperanças. Os que sobrevivem, superlotam as prisões brasileiras.

Nos EUA, pesquisas apontam que, embora somente 13,5% de todos os usuários e “traficantes” de drogas naquele país sejam negros, 37% dos capturados por violação a leis de drogas são negros; 60% em prisões estaduais por crimes relacionados a drogas são negros; 81% dos acusados por violações a leis federais relativas a drogas são negros. Os EUA encarceram 1.009 pessoas por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens brancos, são 948 por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens negros, são 6.667 por cem mil habitantes. Sob o regime mais racista da história moderna, em 1993 – sob o apartheid na África do Sul – a proporção era de 851 negros encarcerados por cem mil habitantes. Como ressalta Jack A. Cole, diretor da Law Enforcement Against Prohibition-LEAP – organização internacional que reúne policiais, juízes, promotores, agentes penitenciários e da qual orgulhosamente faço parte – é o racismo que conduz a “guerra às drogas” nos EUA.

Na Europa, a mesma desproporção se manifesta em relação aos imigrantes vindos de países pobres.

A função da “guerra às drogas” – ou do sistema penal em geral – de criminalização dos mais vulneráveis e de conseqüente conservação e reprodução de estruturas de dominação não é exatamente uma estratégia pensada propositadamente pelo político A ou B; é sim algo inerente ao exercício do sempre violento, danoso e doloroso poder punitivo.

As experiências de legalização/descriminalização das drogas têm ajudado a diminuir a violência em função do tráfico?

As experiências menos repressivas na atualidade limitam-se à descriminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas. A descriminalização da posse para uso pessoal das drogas ilícitas é um imperativo derivado da necessária observância dos princípios garantidores dos direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas. A posse de drogas para uso pessoal, como antes mencionado, é uma conduta que não atinge concretamente nenhum direito de terceiros e, portanto, não pode ser objeto de qualquer intervenção do Estado.

Mas essa imperativa descriminalização não é suficiente. Não haverá nenhuma mudança significativa, especialmente no que concerne à violência, a não ser que a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas possam se desenvolver em um ambiente de legalidade. Para afastar os riscos e os danos da proibição, para pôr fim à violência resultante da ilegalidade, é preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas.

A legalização da produção e do comércio de todas as drogas afastará a violência que hoje acompanha tais atividades, pois essa violência só se faz presente porque o mercado é ilegal. ão são as drogas que causam violência. A produção e o comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas. É a ilegalidade que cria a violência. A produção e o comércio de drogas só se fazem acompanhar de armas e de violência quando se desenvolvem em um mercado ilegal. A violência não provem apenas dos enfrentamentos com as forças policiais, da impossibilidade de resolução legal dos conflitos, ou do estímulo à circulação de armas. Além disso, há a diferenciação, o estigma, a demonização, a hostilidade, a exclusão, derivados da própria ideia de crime, a sempre gerar violência, seja da parte de agentes policiais, seja da parte daqueles a quem é atribuído o papel do “criminoso” – ou pior, do “inimigo”.

A produção e o comércio de álcool ou de tabaco se desenvolvem sem violência – disputas de mercado, cobranças de dívidas, tudo se faz sem violência. Por que é diferente na produção e no comércio de maconha ou cocaína? A óbvia diferença está na proibição, na irracional política antidrogas, na insana e sanguinária “guerra às drogas”.

Aliás, o exemplo de legalização que podemos invocar é o que ocorreu nos EUA na década de 1930, com o fim da proibição do álcool. O proibicionismo produziu e inseriu no mercado produtor e distribuidor do álcool empresas criminalizadas; fortaleceu a máfia de Al Capone e seus companheiros; provocou a violência que caracterizou especialmente a cidade de Chicago daquele tempo. Com o fim da chamada Lei Seca (o Volstead Act), o mercado do álcool se normalizou e aquela violência que o cercava simplesmente desapareceu.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Arte de Ver – Aldous Huxley

Este é um curto ensaio de Aldous Huxley que vim a conhecer através de uma palestra de Terence Mckenna (que até algum tempo atrás ainda estava disponível no youtube mas foi removido). Na ocasião Mckenna falava sobre experiências com psicodélicos e seu potencial de expansão sensorial dos sentidos humanos e além deles. Num determinado momento ele falava sobre nossa cultura, baseada em escrita, em símbolos, palavras, e da intrínsica “falha” na comunicação da sociedade ocidental moderna e sua incapacidade de ver importância na capacidade visual como linguagem (visão que é nosso mais desenvolvido sentido). Daí Mckenna falava de um livro curto no entanto dos que mais tiveram impacto em sua vida: A Arte de Ver de Aldous Huxley.

Do prefácio:

Aos dezesseis, eu tive um violento ataque de keratitis punctata (NT: queratite ou ceratite em português), que me deixou (depois de dezoito meses de quase-cegueira, durante o período que tive que depender de Braile para ler e um guia para andar) com apenas um olho capaz de percepção à luz e o outro com visão suficiente para permitir detectar a letra de 60 metros na tabela de Snellen a 1 metro de distância. Minha não-habilidade para ver era principalmente devido a presença de opacidades na córnea. Mas essa condição para ver era complicada por hipermetropia e astigmatismo. Pelos primeiros anos, meus médicos me advertiram para fazer minhas leituras com a ajuda de uma poderosa lupa. Mas mais tarde eu estaria promovido aos espetáculos. Com a ajuda disso eu podia reconhecer a linha de cinco metros à três metros de distância toleravelmente bem – sempre providenciado que mantivesse minhas pupilas dilatadas por atropina, tal que eu podia ver pelo redor de uma particular denso adesivo de opacidade no centro da córnea. (…) As coisas foram assim até o ano de 1939, quando, a despeito de um grandioso e reforçado óculos, eu vi a tarefa de ler cada vez mais difícil e fatigante. Não poderia haver dúvida disso: minha capacidade de ver estava firmemente e bem rapidamente deteriorando. Mas assim como eu imaginava apreensivo o quê na terra eu poderia fazer, se ler tornasse impossível, aconteceu de eu ouvir falar de um método de re-educação visual e de um professor que foi dito ter usado esse método com notável sucesso.

Este curto ensaio é basicamente sobre a técnica desenvolvida pelo Dr. W.H. Bates, o método Bates. Tal método é usado para readaptar os olhos humanos à visão. Mesmo quem possui “doenças” crônicas e necessite o uso de ferramentas mecânicas como óculos teriam a oportunidade de reabilitar a visão, normal e natural, segundo Huxley. É basicamente isso que Huxley trata neste trecho.

A Natureza de Uma Arte*

(trecho do Capítulo II – Um Método de Re-educação Visual)

Toda habilidade psíquico-física, incluindo a arte de ver, é governada por suas próprias leis.
Essas leis são estabelecidas empiricamente por pessoas que queriam realizar algo, tal como tocar piano, ou cantar, ou andar sobre corda, e que descobriram, como resultado de longa prática, o melhor e mais econômico método de usar seu organismo psíquico-físico para este fim particular. Tais pessoas devem ter tido as mais fantásticas visões sobre fisiologia; mas isso não faz diferença desde que sua teoria e prática de funcionamento psíquico-físico permaneça adequada ao seu propósito. Se a habilidade psíquico-física depende de seu desenvolvimento num conhecimento correto de fisiologia, então ninguém teria nunca aprendido algo sobre arte de modo algum. É provável, por exemplo, que Bach nunca pensou sobre a fisiologia da atividade muscular; se ele tivesse pensado, é quase certo que ele pensaria incorretamente. Aquilo, de qualquer forma, não o previne de usar seus músculos para tocar o órgão com incomparável destreza. Qualquer arte dada, eu repito, obedece apenas suas próprias leis; e essas leis são as leis do efetivo funcionamento psíquico-físico, como aplicadas às atividades particulares conectadas com a arte.

A arte de ver é como as outras habilidades psíquico-físicas primárias ou fundamentais, tal como conversar, andar e usar as mãos. Essas habilidades fundamentais são normalmente adquiridas ainda pequeno ou na infância por um processo basicamente inconsciente e auto-instruído. Isso leva aparentemente vários anos para que os hábitos de ver adequados estejam formados. Uma vez formados, de qualquer forma, o hábito de usar mental e psicologicamente órgãos de visão corretamente se torna automático – na mesma exata forma que ocorre com o hábito de usar a garganta, língua e gosto para conversar, ou as pernas para andar. Mas, mesmo que necessite de um sério choque mental físico para parar o hábito automático de falar e andar corretamente, o hábito de usar os órgãos de visão como eles deveriam ser usados pode ser perdido como resultado de distúrbios relativamente triviais.
Hábitos de uso correto são substituídos por hábitos de uso incorreto; a visão sofre, e em alguns casos o mal funcionamento contribui para o surgimento de doenças e defeitos crônicos dos olhos. Ocasionalmente naturalmente ocorre a cura espontânea, e os velhos hábitos de uso correto da visão são refeitos quase instantaneamente. Mas a maioria deve conscientemente readquirir a arte da qual, enquanto bebês, eles éram hábeis em aprender inconscientemente. A técnica desse processo de re-educação foi desenvolvida pelo Dr. Bates e seus seguidores.

"Ayahuasca Session" por Pablo Amaringo.

Princípio básico por trás da prática de toda arte

Como podemos ter certeza, se questionados, que essa é a técnica correta? A prova do pudim está ao comer, e o primeiro e mais convincente teste do sistema é o que funciona. Além disso, a natureza de treinar, é tal que nós deveríamos esperar que funcione. O método Bates é baseado precisamente nos mesmos princípios como os que estão por trás de todo sistema de sucesso que já foi planejado para se ensinar a habilidade psíquico-física. Seja qual for a arte que queira aprender – mesmo que seja acrobacias ou tocar violino, oração mental ou golfe, atuar, cantar, dançar ou o que quiser – há uma coisa que todo bom professor vai sempre dizer; Aprenda a combinar o relaxamento com atividade; aprenda a fazer o que tem de fazer sem tensão. Trabalhe duro, mas nunca sob tensão.

Falar da atividade combinada com relaxamento deve parecer paradoxal; mas de fato não é. O relaxamento é de dois tipos, passivo e dinâmico. Relaxamento passivo é ativado em estado de completo repouso, por um processo de conscientemente “deixar ir”. Como um antídoto à fadiga, como um método de aliviar temporariamente as excessivas tensões musculares, junto com as tensões psicológicas que sempre as acompanha, o relaxamento passivo é excelente. Mas isso não pode nunca, na natureza das coisas, ser suficiente. Nós não podemos gastar nossa vida inteira descansando, conseqüentemente não pode haver relaxamento passivo sempre. Mas há ainda algo ao qual isso é legítimo em dar o nome de relaxamento dinâmico. Relaxamento dinâmico é o estado do corpo e mente que estão associadas ao funcionamento normal e natural. No caso daquilo que chamei de habilidades psíquico-físicas fundamentais ou primárias, o funcionamento normal e natural dos órgãos envolvidos pode às vezes ser perdidos. Mas tendo sido perdidos, isso deve subseqüentemente ser readquirido conscientemente por qualquer um que tenha aprendido as técnicas que cumprem tal papel. Quando isso for readquirido, a tensão associada com o funcionamento comprometido desaparece e os órgãos envolvidos fazem seu trabalho numa condição de relaxamento dinâmico.
Mau funcionamento e tensão tende a aparecer mesmo que o ‘Eu’ consciente interfira com hábitos de uso apropriado adquiridos instintivamente, mesmo por insistir duramente em fazer que funcione, ou por sentir ansiedade indevida sobre possíveis erros. Na construção de qualquer habilidade psíquico-física o ‘Eu’ consciente deve dar ordens, – mas não muitas ordens – deve supervisionar a formação de hábitos de uso apropriado, mas sem barulho e numa forma modesta, que se nega. A grande verdadeira descoberta no nível espiritual pelos mestres de orar, é a que quanto mais há de ‘Eu’ menos sem tem de ‘Deus’, tem sido descoberta de novo e de novo no nível psicológico pelos mestres de várias artes e habilidades. Quanto mais há de ‘Eu’, menos há de Natureza – do funcionamento correto e normal do organismo. O papel cumprido pelo ‘Eu’ consciente* na diminuição da resistência e no preparo do corpo para a doença foi longamente reconhecida pela ciência médica. Quando há muito atrito, ou é amedrontado, ou lamenta e desgosta por muito tempo e intensivamente, o ‘Eu’ consciente deve reduzir seu corpo a tal estado que a pobre coisa irá desenvolver-se, por exemplo, úlceras gástricas, tuberculose, doença coronária e toda uma gama de hospedeiros de desordens funcionais de todo tipo e nível de seriedade. Mesmo a perda de dente foi mostrada, no caso de crianças, ser freqüentemente relacionado com tensões emocionais vividas pelo ‘Eu’ consciente. Que uma função tão intimamente relacionada à nossa vida psicológica como visão deveria permanecer inalterada por tensões que tiveram suas origens no ‘Eu’ consciente é inconcebível. E, de fato, isso é uma questão de experiência comum que a arte de ver é grandemente diminuída pelos estados emocionais aflitivos. À medida que alguém pratica as técnicas de educação visual, ele descobre a extensão à qual esse mesmo ‘Eu’ consciente pode interferir com processos de ver mesmo em épocas que as emoções aflitivas não estão presentes. E isso interfere, nós descobrimos na mesma exata forma que interfere com processos como jogar tênis, por exemplo, ou cantar – por estar muito ansioso para alcançar o fim desejado. Mas no olhar, assim como em todas outras habilidaes psíquico-físicas, o esforço ansioso para ir bem derrota seu próprio objeto; essa ansiedade produz tensões psicológicas e fisiológicas, e tensão é incompatível com a maneira apropriada para atingir nosso fim, chamado funcionamento normal e natural.

Na construção de qualquer habilidade psíquico-física o ‘Eu’ consciente deve dar ordens, – mas não muitas ordens – deve supervisionar a formação de hábitos de uso apropriado, mas sem barulho e numa forma modesta, que se nega. A grande verdadeira descoberta no nível espiritual pelos mestres de orar, é a que quanto mais há de ‘Eu’ menos sem tem de ‘Deus’, tem sido descoberta de novo e de novo no nível psicológico pelos mestres de várias artes e habilidades. Quanto mais há de ‘Eu’, menos há de Natureza – do funcionamento correto e normal do organismo.

* Tradução livre da edição de 1974, CHATTO & WINDUS, LONDON. © Mrs. Laura Huxley 1943.

Psicodélicos e a Experiência Religiosa, por Alan Watts

Originalmente publicado no California Law Review, Vol. 56, No. 1, Janeiro de 1968, p; 74-85)

(Tradução livre do original em inglês)

As experiências resultantes do uso de drogas psicodélicas são comumente descritas em termos religiosos. Por causa disso elas são de interesse aqueles como eu que, na tradição de William James, estão preocupadas com a psicologia da religião. Por mais de trinta anos estive estudando as causas, as conseqüências e as condições dos estados peculiares de consciência nos quais o indivíduo descobre ele mesmo ser um processo contínuo com Deus, com o Universo, com o Fundamento do Ser, ou qualquer outro nome que ele possa usar sob condição cultural ou preferência pessoal para a última e eterna realidade. Nós não temos nomes satisfatórios e definitivos para experiências desse tipo. Os termos “experiência religiosa”, “experiência mística”, e “consciência cósmica” são todas demasiado vagas e abrangente pra indicar alguma forma de consciência específica que, para aqueles que conheceram isso, é tão real e esmagador como se apaixonar. O artigo descreve tais estados de consciência induzidos por psicodélicos, mesmo sabendo que eles são virtualmente indiferenciáveis de experiências místicas. O artigo então discute questionamentos ao uso de psicodélicos que surgiram principalmente da oposição entre valores místicos e religiões tradicionais e valores laico-seculares da sociedade ocidental.


A Experiência Psicodélica

A idéia de experiências místicas resultantes de uso de drogas não tem uma leitura aceitável nas sociedades ocidentais. A cultura ocidental tem historicamente, um fascínio particular com o valor e virtude do homem como indivíduo, autodeterminante, ego responsável, controlando ele próprio e seu mundo pela força do esforço consciente e vontade. Nada então, poderia ser mais repugnante a essa tradição cultural do que a noção de crescimento espiritual e psicológico através do uso de drogas. Um “drogado” é por definição esmaecido em consciência, com seu julgamento em névoas e privado de vontade. Mas nem todos psicotrópicos (alteradores de consciência) químicos ou narcóticos e inebriantes, como são o álcool, opiáceos e barbitúricos. Os efeitos do que são agora chamados psicodélicos (manifestação da mente) químicos diferem dos iguais ao álcool como a risada se difere da raiva, o regojizo se difere da depressão. Realmente não há analogia entre estar “viajando” sob o efeito do LSD ou “bêbado” de um Bourbon. Fato, ninguém em quaisquer dos estados deveria dirigir um carro, mas também não deveria dirigir enquanto lê um livro, toca um violino ou faz amor. Certas atividades criativas da mente demandam concentração e devoção que são simplesmente incompatíveis com operar uma máquina letal numa estrada.

Eu mesmo experimentei cinco dos principais psicodélicos: LSD-25, mescalina, psilocibina, dimetil-triptamina (DMT) e cannabis. Tenho feito então, assim como William James experimentou óxido nitroso, pra ver se eles poderiam me ajudar em identificar o que pode ser chamado de o “essencial” ou ingrediente “ativo” da experiência mística. Quase toda literatura clássica sobre misticismo é vaga, não só em descrever a experiência, mas também em mostrar conexão racional entre a experiência ela própria e os vários métodos tradicionais recomendados pra induzir isso, jejum, concentração, exercícios de respiração, orações, encanamentos e danças. Um mestre tradicional do Zen ou Yoga, quando questionado porque tal e tal prática leva ou predispõe alguém à experiência mística, sempre respondem, “Esta é a forma que meu mestre passou pra mim”. Essa é a forma que eu encontrei. Se você está seriamente interessado, tente você mesmo “. Essa resposta dificilmente satisfaz um impertinente, de mente científica e intelectualmente curioso ocidental. Isso o lembra de prescrições arcaicas que se resumem a cinco salamandras, pó de corda de forca, três morcegos cozidos, escrúpulos de fósforos, três pitadas de escopolamina e um monte de esterco de dragão feito quando a lua estava em peixes. Talvez funcionasse, mas qual era o ingrediente essencial?”.

Isso me atingiu, portanto, e se qualquer químico psicodélico de fato tornaria minha consciência predisposta à experiência mística, eu poderia vê-las como instrumentos de estudo e descrição, como alguém usa um microscópio na bacteriologia, mesmo que o microscópio seja “artificial” e “não-natural” e invenção que deve se dizer que “distorce” a visão do olho nu. De qualquer forma, quando fui primeiramente convidado a testar as qualidades místicas do LSD-25 pelo Dr. Keith Ditman da Neuropsiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina da UCLA, eu estava pouco disposto a acreditar que qualquer mera substância química poderia induzir à genuína experiência mística. No máximo, isso deve levar a um estado de insight espiritual, análogo a nadar com asas de água. De fato, minha primeira experiência com LSD-25 não foi mística. Foi uma intensa e interessante experiência estética e intelectual que levou minha força de análise e descrição cuidadosa ao máximo.

Alguns meses depois, em 1959, eu tentei LSD-25 de novo com os doutores Sterling Brunnell e Michael Agraon, que eram associados à Clínica Langley-Porter em São Francisco. No curso de dois experimentos eu estava maravilhado e de alguma forma embaraçado em me ver indo através de estados que correspondiam precisamente com todas descrições de grandes experiências espirituais que já tive.

Ademais, eles excediam, ambos em profundidade e numa qualidade peculiar de não-expectativa às três “naturais e espontâneas” experiências desse tipo que ocorreram comigo nos anos anteriores.

Através do subseqüente experimento com LSD-25 e outras substâncias citadas acima (com exceção de DMT, que achei divertido, mas relativamente não-interessante), eu acho que posso com facilidade me mover com o estado “cósmico de consciência”, e no devido tempo tornar menos e menos dependente de substâncias elas mesmas pra “entrar” nessa particular onda de duração de experiência. Dos cinco psicodélicos que usei, eu achei que LSD-25 e cannabis sem encaixam em meus propósitos melhores. Desses dois, o último – cannabis – que eu tive de usar no exterior em países que não é ilegal, provei ser o melhor. Isso não induz a alterações bizarras de percepção sensorial, e estudos médicos indicam que isso não deve ter, salvo em quantidades excessivas, ter os efeitos colaterais perigosos do LSD.

Para os propósitos desse estudo, ao descrever minhas experiências com drogas psicodélicas eu evitei as ocasionais e incidentais bizarras alterações de senso de percepção que as substâncias psicodélicas podem induzir. Estou interessado, antes, com as alterações fundamentais da normal, socialmente induzida consciência de cada um e a relação com o mundo externo. Estou tentando delinear os princípios básicos da consciência psicodélica. Mas eu devo mencionar que eu posso falar por mim. A qualidade dessas experiências depende consideravelmente na atitude de cada um para com a vida, apesar de agora existir uma volumosa literatura dessas experiências em notável acordo com minhas próprias.

Quase invariavelmente, meus experimentos com psicodélicos tiveram quatro características dominantes. Eu devo tentar explicá-las – na expectativa que o leitor dirá, pelo menos do segundo e terceiro, “Porquê, isso é óbvio! Ninguém precisa de uma droga pra ver aquilo”.Bem assim, mas cada insight tem níveis de intensidade. Pode haver o óbvio-1 e óbvio-2 – e o último vem numa claridade destruidora, manifestando suas implicações em cada esfera e dimensão de nossa existência.

A primeira característica é a aumento da lentidão do tempo, uma concentração no presente. A compulsão de alguém na preocupação com o futuro diminui, e ele se torna ciente da grande importância e interesse no que está acontecendo no momento. Outras pessoas levando conduzindo seus negócios na rua parecem ser levemente loucos, não percebendo que a questão toda da vida é estar completamente consciente de algo à medida que acontece. Então ele relaxa, quase que luxuriamente, em estudar as cores no copo d’água, ou em ouvir o que é agora vibração altamente articulada de cada nota tocada num oboé ou cantada por uma voz.

Do ponto de vista pragmático de nossa cultura, tal atitude é muito ruim pros negócios. Deve levar a improvidência, falta de conhecimento antecipado, diminui as vendas de apólices de seguro e leva ao abandono de contas de poupança. Mas isso é ainda apenas a correção que nossa cultura necessita. Ninguém é fatidicamente mais menos prático do que o “bem sucedido” executivo que gasta toda sua vida absorto em fanáticos papéis de trabalho com o objetivo de se aposentar em conforto aos sessenta e cinco, quando isso tudo será tarde demais. Só aquele que cultivaram a arte de viver completamente no presente tem alguma utilidade pra fazer planos para o futuro, para quando os planos estiverem maduros eles estarão hábeis para desfrutar dos resultados. ”O amanhã nunca chega”. Eu nunca ouvi um pregador incitando sua congregação a praticar a parte do Sermão da Montanha que começa, “Não anseie pelo dia seguinte…” A verdade é que pessoas que vivem pro futuro são, como chamamos os loucos, “não estão completamente ali— ou aqui”: pela sobre-ansiedade eles estão perpetuamente perdendo o ponto. Previsão é comprada ao preço da ansiedade, e quando é usada demais ela destrói todas suas vantagens.

“O amanhã nunca chega”

A segunda característica eu chamarei de consciência de polaridade. É o vívido entendimento que estados, coisas e eventos que ordinariamente são chamados de opostos são interdependentes, como trás e frente, ou os pólos magnéticos. Por consciência de polaridade se vê que as coisas que são explicitamente diferentes são implicitamente uma só: eu próprio e o outro, sujeito e objeto, direita e esquerda, masculino e feminino, e então, um pouco mais surpreendente, o sólido e o espaço, figura e paisagem de fundo, pulso e intervalo, santos e pecadores, polícia e criminosos, em-grupos, fora-de-grupos. Cada um é definido em termos do outro, e eles vão juntos transacionalmente, como comprar e vender, porque não há venda sem compra. Com o passar do tempo essa consciência se torna mais intensa, você sente que você é polarizado com o universo externo de tal forma que você implica cada outro. Se você empurra é o movimento inverso dele, e o empurrão dele é você puxando — como você move dirigindo o volante de um carro. Você está empurrando ou puxando isso?

No início, essa é uma sensação bem estranha, não muito diferente de ouvir sua própria voz sendo tocada pra você num sistema eletrônico, imediatamente depois que você falou. Você se torna confuso, e espera que isso se vá. Similarmente, você sente que é algo feito pelo universo, ainda que o universo seja algo feito por você – que é verdade, pelo menos no senso neurológico que a estrutura peculiar de nosso cérebro traduz o sol em luz, e em vibração do ar em som. Nossa sensação normal de relação como o mundo externo é que às vezes eu empurro isso, e algumas vezes que isso me empurra. Mas se os dois são de fato um, onde a ação começa e a responsabilidade pausa? Se o universo está me fazendo, como posso ter certeza que, daqui há dois segundos, eu ainda lembrarei da língua inglesa? Se eu estou fazendo isso, como posso ter certeza que, daqui há dois segundos, meu cérebro saberá como transformar o sol em luz? De sensações não-familiares como essas, a experiência psicodélica pode gerar confusão, paranóia e terror mesmo que o indivíduo sinta sua relação com o mundo exatamente a mesma descrita por um biólogo, ecologista, físico, por ele sentir a si mesmo como um campo unificado de organismo e ambiente.

A terceira característica, que surge com a segunda, é a consciência da relatividade. Eu vejo que sou uma ligação numa hierarquia infinita de processos e seres, variando de moléculas a bactérias e insetos aos seres humanos e, talvez, para anjos e demônios – uma hierarquia que cada nível é em efeito a mesma situação. Por exemplo, o homem pobre lamenta sobre o dinheiro enquanto o rico lamenta por sua saúde: o lamento é o mesmo, mas a diferença está na sua substância ou dimensão. Eu percebo que moscas de frutas devem pensar sobre elas como pessoas, porque, como nós, elas se encontram no meio de seu próprio mundo – com coisas imensuravelmente maiores sobre coisas menores embaixo. Para nós, elas são todas parecidas e parece não terem personalidade – como os chineses quando não vivemos com eles. Ainda as moscas devem ver apenas distinções sutis entre elas como nós mesmos.

A partir disso, é um passo curto para a compreensão de que todas formas de vida são simples variações de um único tema: nós somos de fato um mesmo ser fazendo a mesma coisa de muitas diferentes formas tanto quanto possíveis. Como o provérbio francês diz: plus ca change, plus c’est la meme chose (quanto mais varia, mais é único). Eu vejo, ainda mais, que se sentir ameaçado pela inevitabilidade da morte é realmente a mesma experiência que se sentir vivo, e que como todos os seres estão sentindo isso em todo lugar, eles são tanto “eu” quanto eu próprio. Ainda, o sentimento “eu”, pra ser sentido, deve ser sempre uma sensação relativa ao “outro” – pra algo além de seu controle e experiência. Pra chegar a ser, deve começar e terminar. Mas o pulo intelectual que as experiências místicas e psicodélicas fazem aqui é propiciar que você veja toda miríade “eu” – centros são você mesmo – não, de fato, seu superficial e consciente ego, mas o que os hindus chamam de paramatman, o Ser de todos seres. Como a retina nos permite ver incontáveis pulsos de energia como uma única luz, da mesma forma a experiência mística nos mostra inumeráveis indivíduos como um único Ser.

A quarta característica é a consciência da energia eterna, geralmente em forma de uma intensa luz branca, que parece ser tanto o que está nos nossos nervos e o misterioso “e” que equaciona mc2. Isso pode soar como megalomania ou ilusão de grandeza – mas se vê bem claramente que toda existência é uma única energia, e que essa energia é o nosso próprio ser. Claro que existe morte, tanto como vida, porque energia é pulsação, e assim como as ondas devem ter cristas e calhas, a experiência de existir deve seguir e parar. Basicamente, portanto, não há nada a que lamentar, porque você é a energia eterna do universo brincando de esconde-esconde (ligado-e-desligado) com ele mesmo. Na raiz, você é a “Cabeça- Deus”, pra Deus é tudo o que é. Citando Isaias um pouco fora de nosso contexto: “Eu sou o Senhor, e não há nada mais. Eu formo a luz e crio a escuridão: Eu faço paz, e crio o mal. Eu, o Senhor, faço todas essas coisas.” Este é o senso fundamental do princípio do hinduísmo,Tat tram asi – “aquilo” (n.t.: “THAT” em inglês, “aquele sutil Ser que todo esse universo é composto”). Um caso clássico dessa experiência, do Ocidente, são as memórias de Tennyson:

Um tipo de caminhar em transe que eu tenho tido freqüentemente, desde quando era garoto, quando estive sozinho. Isso geralmente ocorre quando eu geralmente repito meu nome duas ou três vezes a mim mesmo em silêncio, até tudo de uma só vez, como se isso estivesse fora da intensidade da consciência ou individualidade, a individualidade ela mesma parece se dissolver e apagar num ser sem limites, e esse não é um estado confuso, mas ao mais clareza da clareza, a certeza da certeza, a estranheza da estranheza, profundamente além de palavras, onde a morte foi risivelmente impossível, a perda de personalidade (se fosse isso) que parece não a extinção, mas a única e verdadeira vida .

Obviamente essas características da experiência psicodélica, como eu conheci, são aspectos de um único estado de consciência – para a qual estive descrevendo sob diferentes ângulos. As descrições se esforçam em transmitir a realidade da experiência, mas ao fazer isso também sugere algumas das inconsistências entre tais experiências e os valores correntes da sociedade.

Oposição às Drogas Psicodélicas

As resistências em liberar o uso de drogas psicodélicas originam-se em valores ambos religiosos e laico-seculares. A dificuldade em descrever experiências psicodélicas em termos das religiões tradicionais sugere um grau de oposição. O ocidental deve emprestar tais palavras como samadhi ou moksha dos hindus, ou satori ou kensho dos japoneses, para descrever a experiência de unidade com o universo. Nós não temos palavra apropriada, pois nossas teologias judaico-cristãs não aceitam a idéia que o ser íntimo do homem pode ser idêntico à “Cabeça-Deus”, mesmo apesar dos cristãos insistirem que isso foi verdadeiro e único na instância de Jesus Cristo. Judeus e cristãos pensam em Deus em termos políticos e monárquicos, como o governante supremo do universo, o mais alto chefe. Obviamente, isso é tanto socialmente inaceitável e logicamente absurdo para um indivíduo particular clamar que ele, em pessoa, é o onipotente e onisciente que manda no mundo – pra estar de acordo com o reconhecimento adequado e honrável.

Um conceito Imperial e Real como tal da realidade última, de qualquer forma, não é nem necessário ou universal. Os hindus e os chineses não têm dificuldade em conceber uma identidade do ser e de “Cabeça-Deus”. Para a maioria dos asiáticos, exceto os muçulmanos, o Cabeça-Deus” move e manifesta o mundo de forma muito parecida como a centopéia manipula centenas de pernas espontaneamente, sem deliberação ou cálculo. Em outras palavras, eles concebem o universo em analogia com um organismo como distinto de um mecanismo. Eles não vêem isso como um artefato de construção sob a direção consciente de algum técnico supremo, engenheiro, arquiteto.

Se, de qualquer forma, no contexto da tradição cristã ou judaica, um indivíduo declara ele mesmo ser um com Deus, ele deve ser entendido como blasfemo (subversivo) ou insano. Tal experiência mística é uma ameaça clara aos conceitos religiosos tradicionais. A tradição judaico-cristã tem uma idéia monárquica de Deus, e monarcas, que governam pela força, não temem nada além da insubordinação. Por isso a Igreja sempre viu com suspeita o misticismo, porque eles se mostram como insubordinados e clamam igualdade ou pior, identidade com Deus. Por essa razão, John Scotus Erigena e Meister Eckhart foram condenados como hereges. Isso foi também porque os Quakers (n.t.: linha de evangélicos protestantes) encontraram oposição à sua doutrina da Luz Interior, e por sua recusa em remover chapéus em igrejas e cortes. Algum misticismo ocasional deve ser aceitável, tanto quanto eles se aterem em sua língua, como Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz, que mantiveram, devemos dizer, uma distância metafísica de respeito entre eles próprios e seu Rei dos Céus. Nada, de qualquer forma, poderia ser mais alarmante à hierarquia eclesiástica do que a eclosão popular do misticismo, que deve ser o suficiente para estabelecer a democracia no reino dos céus e, tal alarme seria compartilhado igualmente por católicos, judeus e protestantes fundamentalistas.

A imagem monárquica de Deus, com seu implícito desgosto por insubordinação religiosa, tem o impacto mais penetrante do que muitos cristãos podem admitir. O trono de reis tem paredes logo atrás deles, e todos que se apresentam à corte deve se prostrar eles mesmos ou ajoelhar-se, porque essa é uma posição inábil de cometer qualquer ataque. Talvez nunca tenha ocorrido aos cristãos que quando eles desenham a uma igreja no modelo de uma corte real (basílica) e prescrevem um ritual de igreja, eles estão implicando que Deus, como na monarquia humana, está com medo. Isso também está implícito na adulação nas orações:

Ó Deus, nosso pai do céu, alto e poderoso, Rei dos reis, Senhor dos senhores, o único rei dos príncipes, aquele que faz seu trono guarda todos moradores na terra: de coração nós O suplicamos com seu favor a guardar…

O homem ocidental que clama consciência de unidade com Deus com o universo dessa forma confronta com a concepção religiosa de sua sua sociedade. Na maior parte das culturas asiáticas, de qualquer forma, tal homem será felicitado em penetrar no verdadeiro significado da vida. Ele chegou, por oportunidade ou por alguma disciplina como yoga ou meditação zen, num estado de consciência que ele experiencia diretamente e vividamente o que nossos próprios cientistas sabem ser verdadeiro em teoria. O ecologista, o biólogo e o físico sabem (sentem raramente) que todo organismo constitui um único campo de comportamento, ou processo, com seu ambiente. Não há como separar o que o ambiente está fazendo, por essa razão ecologistas falam não em organismos em ambientes mas organismos-ambientes. Assim as palavras “eu” e “ser” deveriam propriamente significar que todo o universo está indo junto nesse “aqui-e-agora”chamado João-Ninguém.

O conceito monárquico de Deus faz a identidade de Ser e Deus, ou Ser e Universo, inconcebível em termos religiosos ocidentais. A diferença entre conceitos orientais e ocidentais de homem e seu universo, de qualquer forma extendem além do conceito religioso estrito. O cientista ocidental pode perceber racionalmente a idéia de organismo-ambiente, mas ele ordinariamente não sente isso como sendo verdade. Por condicionamento cultural e social, ele foi hipnotizado em experienciar ele próprio como um ego – como um centro isolado de consciência e vontade dentro de um saco de pele, confrontando um mundo alheio e exterior. Nós dizemos, “Eu vim a esse mundo”. Mas não fizemos nada disso. Nós saímos dele, assim como uma fruta sai das árvores. Nossa galáxia, nosso cosmos, “povoa” da mesma forma que as macieiras “geram maçãs”.

O cientista ocidental pode perceber racionalmente a idéia de organismo-ambiente, mas ele ordinariamente não sente isso como sendo verdade.

Tal visão do universo confronta com a idéia monárquica de Deus, como conceito de ego separado, e mesmo com a mentalidade laico-secular, ateísta/agnóstica, que é derivada do senso comum da mitologia da ciência do século XIX, de acordo com essa visão, o universo é um mecanismo cego e o homem um tipo acidental de microorganismo que infesta um diminuto globo de pedra que gira em torno de uma estrela nada importante na franja que sai de uma galáxia menor. Essa teoria ”abalizadora” do homem é extremamente comum entre tais quasi cientistas como sociólogos, psicólogos e psiquiatras, que mais pensam o mundo em termos da mecânica newtoniana, e nunca realmente foram capturados por idéias de Einstein e Bohr, Oppenheimer e Schrodinger. Assim para o psiquiatra de tipo de instituição padrão, qualquer paciente que dá qualquer sugestão de experiência mística ou religiosa é automaticamente classificado como demente. Do ponto de vista da religião mecanicista, ele é herege e lhe é dado terapia de eletrochoque como a forma mais atual de parafuso e porca. E, incidentalmente, é apenas esse tipo de quasi cientista que, como consultor do governo e agências de aplicação de leis, ditam as políticas oficiais do uso de substâncias psicodélicas.

Inabilidade em aceitar a experiência mística é mais do que uma desvantagem intelectual. Falta de consciência da unidade básica de organismo e ambiente é uma séria e perigosa alucinação. Para uma civilização equipada com imenso poder tecnológico, o senso de alienação entre homem e natureza leva ao uso da tecnologia num espírito hostil — à “conquista” da natureza ao invés da cooperação inteligente com a natureza. O resultado é que nós estamos erodindo e destruindo nosso ambiente, espalhando “Los Angelização” ao invés de civilização. Essa é a maior ameaça o que o ocidente carrega, cultura tecnológica, e não adianta nada toda quantidade da razoável pregação do fim do mundo. Nós simplesmente não respondemos às técnicas moralizantes e proféticas que judeus e cristãos sempre invocaram. Mas as pessoas tem um senso obscuro do que é bom pra eles chamarem isso de “auto-cura inconsciente”, “instinto de sobrevivência”, “crescimento potencial positivo” o que queira. Entre os jovens educados há assim um esporão sem precedentes de interesse na transformação da consciência humana. Por todo mundo ocidental editoras estão vendendo milhões de livros sobre yoga, vedanta, zen budismo e a química mística das drogas psicodélicas, e eu acredito que toda a subcultura “hip”, todavia descambou e algumas dessas manifestações, são esforços sérios e responsáveis de jovens pra corrigir o auto-destrutivo curso da civilização industrial.

O conteúdo da experiência mística é assim inconsistente ambos para as concepções laicas e de tradições religiosas do pensamento ocidental. Além disso, experiências místicas costumam resultar em atitudes que ameaçam a autoridade, não só de igrejas estabelecidas, mas também da sociedade laica. Sem medo da morte e deficiente de ambição mundana, aqueles que se submeteram às experiências místicas são inacessíveis à ameaças e promessas. Mais ainda, seu senso da relatividade de bem e mal desperta a suspeita que lhes falta, tanto consciência quanto respeito à lei. Uso de psicodélicos nos Estados Unidos por uma burguesia letrada significa que um segmento importante da população é indiferente às sanções e recompensas da sociedade.

Em teoria, a existência dentro da nossa sociedade laica de um grupo que não aceita os valores convencionais é consistente com nossa visão política. Mas um dos grandes problemas dos Estados Unidos, legalmente e politicamente, é que nós nunca tivemos realmente a coragem de nossas convicções. A República é fundada no maravilhoso e são princípio que a comunidade humana pode existir e prosperar somente com base de confiança mútua. Metafisicamente, a Revolução Americana foi uma rejeição ao dogma do pecado original, que é a noção que, por não poder confiar em você ou outras pessoas, deve haver uma autoridade superior para nos manter em ordem. O dogma foi rejeitado porque, se isso for verdade que não podemos confiar em nós mesmos e nos outros, também não podemos confiar numa autoridade superior que nós mesmos concebemos e obedecemos, e que a própria idéia de incapacidade de confiar é falível!

Cidadãos dos Estados Unidos acreditam, ou deveriam supostamente acreditar, que a república é a melhor forma de governo. Uma confusão ainda maior surge ao tentar ser republicano na política e monarca na religião. Como pode uma república ser a melhor forma de governo se o universo, o céu, o inferno, são uma monarquia? Ademais, apesar da teoria de governo por consenso, baseado na confiança mútua, as pessoas nos Estados Unidos mantém, do pano de fundo autoritários de suas religiões e origens nacionais, uma fé completamente ingênua na lei como algum tipo de poder paternalista sobrenatural. “Deveria ter uma lei contra isso!”

“Deveria ter uma lei contra isso!”

Nossos oficiais que aplicam leis estão assim confusos, em dificuldades, aturdidos, pra não dizer corruptos – por serem requisitados à cumprir leis sagradas, comumente de origem eclesiástica, que um vasto número de pessoas não tiveram intenção de obedecer e que, de qualquer forma, são imensamente difíceis ou simplesmente impossíveis de aplicar – por exemplo, barrar algo tão indetectável como LSD-25 do comércio internacional e interestadual.

Por fim, há duas objeções específicas ao uso de drogas psicodélicas. Primeiro, o uso dessas drogas pode ser perigoso. De qualquer maneira, qualquer exploração que vale a pena é uma escalada perigosa à uma montanha, testando naves, mísseis no espaço, mergulho sem equipamento ou capturando espécies botânicas nas selvas. Mas se você valoriza o conhecimento e o fato de uma exploração excitante mais do que mera duração de uma vida sem eventos, você está disposto à correr os riscos. Não é realmente saudável para monges praticar o jejum, e foi dificilmente higiênico pra Jesus ao ser crucificado, mas esses são os riscos que são levados no curso de aventuras espirituais. Hoje a juventude aventureira está levando os riscos em explorar a psique, testando seu fervor numa tarefa assim como em tempos passados testaram – mais violentamente – em caçar, duelar, competir em carros velozes, jogando futebol. O que eles precisam não é proibições e políciais mas, o mais inteligente e encorajador conselho que possa ser encontrado.

Em segundo lugar, a droga pode ser criticada como uma fuga da realidade. De qualquer forma, essa crítica assume injustamente que experiências místicas por si são escapistas e irreais. LSD, em particular, é em hipótese alguma uma leve e confortável fuga da realidade. Ele pode ser facilmente uma experiência que você terá de testar sua alma contra todos demônios no inferno. Para mim, tem sido em algumas vezes uma experiência que eu estava completamente perdido em corredores da mente e ainda relatando como é estar perdido, na exata ordem de lógica e linguagem, simultaneamente muito louco e muito são. Mas além desses episódios de estar perdido e louco, há a eperiência do mundo como um sistema de total harmonia e glória, e a disciplina de relatar isso à ordem de lógica e linguagem deve de alguma forma explicar como o que William Blake chamou de “energia que é puro deleite” pode consistir na miséria e sofrimento do dia-a-dia.

A indubitável intenção mística e religiosa da maior parte de usuários de psicodélicos, mesmo se algumas dessas substâncias fossem provadas como nocivas à saúde física, requerem que seu uso livre responsável seja isento de restrições legais de qualquer república que mantém uma constituição separada da igreja e Estado. À medida que a experiência mística conforma um envolvimento com tradições religiosas genuínas, e à medida que psicodélicos induzem à essa experiência, usuários são entitulados à alguma proteção constitucional. Também, à medida que pesquisas na psicologia da religião pode utilizar tais drogas, estudantes da mente humana devem ser livre para usá-los. Sob a lei presente, eu, como um estudante experiente de psicologia da religião, não posso mais buscar pesquisar na área. Essa é uma bárbara restrição da liberade espiritual e intelectual, sugerindo que o sistema legal dos Estados Unidos está, acima de tudo, em aliança tácil com a teoria monárquica do universo, e irá ademais, proibir e perseguir idéias religiosas e práticas baseadas numa visão orgânica e unitária do universo.

O que eles precisam não são proibições e policiais mas, o mais inteligente e encorajador conselho que possa ser encontrado.

- Alan Watts