Psicodélico: Arqueologia da Ayahuasca

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Arqueologia da Ayahuasca



Leandro Altheman

Jamais tive acesso a nenhum tipo de bibliografia que satisfizesse meu desejo de conhecimento acerca da historicidade da ayahuasca. Por isso, se alguém souber de algo, por favor, me avise. O que existem por um lado sao trabalhos antropologicos que tratam do uso da ayahuasca em seu contexto original, ou seja, nativo e tradicional e em seu contexto moderno e urbano; e por outro especulaçoes exotéricas sem grande valor científico.
Ayahuasqueiro e amante da história, isso nunca chegou a me satisfazer. Há muito mais a que se descubrir, e assim como os crentes fiés sonham em ir a Terra Santo, adentro o espaço ocupado pelo Tawantinsuyu para recolher fragmentos que como um quebra-cabeça, começo a montá-lo.


As religioes ayahuasqueiras, em especial, a UDV chegam a proclamar a origem incaica da bebida e até arriscam uma espécie de “culto ao Sol” reiventada dentro de um contexto cristao e espírita reencarnacionista.
Em minhas viagens ao Peru descubro que em uma lista centenária de plantas selvagens e domesticadas, incluindo aquelas de uso mágico-medicinal, nao cabe nenhuma referencia as plantas da ayahuasca. Segredo? Talvez.
O quechua designa nao apenas um povo, mas também um ecosistema, a saber dos 2.300 metros do nível do mar aos 3.300. Os incas mantiveram velatorios detalhados sobre os outros ecossistemas ocupados pelo Tawantinsuyu, o que lhes garantio um total e eficiente dominio sobre as “quatro regioes”. Mas mesmo na regiao conhecida como Selva Alta (aonde por exemplo está localizado Machu Picchu) nao encontrei referencias locais à ayahuasca.
Somente na Selva Baixa, regiao do Ucaially e Madre de Dios, as referencias sao abundantes. Regiao que os Incas denominavam Omágua (do quetchua: lugar de peixe de água doce). O fato é que o Imperio Inca teve curta duraçao: apenas 95 anos. Na selva baixa ou omagua, este periodo se reduz a diminutos 35 anos, tempo excesivamente diminuto para que se amalgamasse uma cultura ayahuasqueira entre os incas andinos.
A este respeito é bom fazer uma ressalva: normalmente as pessoas se espantam com os assombrosos vestigios pelos Incas deixados. Mas na verdade, o Tawantinsuyu incaico, foi tributario de culturas andinas cujas origens sao estimadas em 16 mil anos. Estao para o mundo andino, como os Romanos estao apara o munto antigo do mediterrâneo.
Mas por que entao, a bebida é designada por uma palabra quetchua: ayahuasca?
Lendo sobre a historia dos Incas (que é bem distinta de sua mitologia), descubro que uma de suas fronteiras orientais fora fixada por pelo Sapa Inca Huaina Capac no rio Tono (afluente do Madre de Dios)., atual Parque del Manu, em um local denominado Chipenáguas. Com meus parcos conhecimentos de Pano, arrisco deduzir que Chipenaguas é uma acastelhanamento de Shipi Náuas (povo do sauim), ou seja, Shipibo. Parece casualidade demais que entre os Shipibo vivam hoje alguns dos maiores maestros ayuahuasqueiros. Eles próprios detentores de uma extensa tradiçao ayahuasqueira e o conhecimento profundo de outra dezena de plantas mestras.

Isso nao resolve ainda a questao de por que uma planta da selva acabou sendo denominada com uma palavra quétchua, ou seja, andina. Ainda no campo da especulaçao, me parece que a influência quetchua poderia ter chegado a selva tardiamente, em sua lenta penetraçao a medida que grupos cada vez mais isolados, buscavam escapar da fastidiosa influência do cristianismo espanhol. Em termos historicos (e mais uma vez, nao mitológicos), me parece mais apropriado que tal influencia tenha se dado nos séculos posteriores a invasao espanhola, penetrando no lado brasileiro da fronteira via Madre de Dios (Madeira) durante o ciclo do caucho-borracha. Excessao feita, é claro, aos demais nativos “Náuas”(ou seja, família lingüística pano) que já compartilhavam a tradiçao do Uni antes que fossem definidas as fronteiras. Assunto vasto e inesgotavel, que de maneira alguma retira a importancia dos relatos mitologicos, que trazem o sentido pessoal, subjetivo para quem a utiliza. Os mitos sempre foram e sao, os fios condutores que dao um sentido maism elevado à existencia, o que nao nos impede de tentar refazer os seus passos a través da História.

Arqueologia da Ayahuasca (2)


Leandro Altheman

Os Incas adoravam ao Sol?

Os arqueólogos descobriram vestígios suficientes para responder a esta pergunta com um veemente, sim.

Mas o que diriam os arqueólogos do futuro quando percebessem que nas ruínas de todos os templos e igrejas de nossa era existe um relógio. Poderiam intuir que fossemos "adoradores do tempo"? Uma questao meramente provocativa, uma vez que muito provavelmente existirao indicios suficientes para lhes revelar a natureza das crenças atuais. Infelizmente, os cristaos nao nos deram esta oportunidade de conhecer a legítima fé dos antigos andinos, uma vez que a destruiram por completo. Em nossa era conhecer a medida exata do tempo é imperioso para que a possamos cumprir nossas atividades diárias. De modo análogo em sociedades agrícolas como as andinas, conhecer o Sol significa prever as estaçoes e melhor planejar os trabalhos no campo, da semeia à colheita. Uma questao prática de sobrevivência, assim como hoje.

É certo que suas instituiçoes políticas refletiram a sua visao de mundo: se a natureza nos mostra que tudo depende do Sol, criemos entao o reflexo dela em nossas instituiçoes. O Sol está para o Universo assim como o Inca está para o Tawantinsuyu. "Assim na terra, como no céu."

Em minhas viagens pelo Peru andino, percebo que muitos estudiosos já contestam este "culto ao Sol", como se fosse este o absoluto. É certo que lhe rendiam homenagens, do mesmo modo que se fossemos inteligentes o bastante para perceber a sua importância, talvez também lhe renderíamos.

Mas é quase certo também que creessem em um princípio criador imanifestado. Há quem sustente que este seria Wiracocha, cujo culto é muito anterior ao "culto ao Sol". Talvez este principio abstrato, invisivel, mas reconhecivel na perfeiçao das coisas fosse de conhecimento apenas de sabios e reis do império, enquanto a massa continuava satisfazendo-se com suas superstiçoes e crenças cotidianas.

E a ayahuasca, aonde entra nisso tudo?


A idéia de que a ayahuasca tenha surgido de um misterioso e antigo rei, nao é nada nova. Ela é repetida com diferentes temas e variaçoes por praticamente todos os povos que a utilizam. Tal princípio é determinado em um tempo mítico : "antes de existir a morte", dizem alguns. Talvez em sua lenta penetraçao na floresta, os remanescentes do Tawantinsuyu poderiam ter adaptado um mito muito mais antigo à sua própria idéia de ressurgimento do império, a partir da idéia do "Inca Encantado". Uma espécie de "Sebastianismo" à incaica.
Bem, há muito mais do que isso dentro da própria ayahuasca e sao interminaveis as indagaçoes acerca do misterio. Certamente que para o ayahuasqueiro, mais importante do que especular é viver este mistério e nele se transformar. Mas conhecer diferentes pontos de vista impede que se cristalizem dogmas, aonde deveria haver tao somente o prazer de descobrir e caminhar em direçao ao conhecimento profundo, verdadeiro e essencial da realidade que nos cerca.

Um comentário:

Terra Náuas disse...

Inicialmente expressar minha gratidão aos blogueiros do "Avisos Psicodélicos" por terem reproduzido meu texto com os devidos créditos.

Em segundo, me vejo impelido a atualizar as informações contidas neste texto, que é datado de 2009, quando visitei o Peru.

Posterio a isso, tomei contato com o trabalho da etnobotânica Gayle Higpine que responde à maioria destes questionamentos.

Publiquei uma tradução no meu blog Terranáuas. Caso queiram localizá-lo digitem na google "Desvendendo os Mistérios da Ayahuasca"

Saudações!