Psicodélico: A Significação das Drogas Mentais - Richard P. Marsh

sábado, 9 de junho de 2012

A Significação das Drogas Mentais - Richard P. Marsh


Inúmeros leitores estão familiarizados com os nomes, embora talvez não com os processos característicos, de pelo menos três das novas drogas mentais, isto é: o LSD 25, a psilocibina (chamada correntemente cogumelo mágico) e a mescalina, um derivado do já famoso peyote, utilizado por membros da Native American (Indian) Church em suas cerimônias religiosas. Estas três drogas tornaram-se (para os jornalistas mais interessados no seu valor como notícias sensacionalistas do que nas suas propriedades químicas), o objeto de uma publicidade em prosa muitas vêzes colorida.
O leitor amante de sensações sabe que um grupo de intelectuais suburbanos e de beatniks citianos se desenvolveu para render uma espécie de culto a essas drogas. Sabe que elas produzem estranhas visões e suspeita que acarretem estranhas condutas. Mas não percebe a possibilidade séria de que tais drogas se tornem um dia um benefício para a humanidade.
Quer possa ele constatar isto, ou não, por enquanto há forte controvérsia em torno de uma questão que pode vir a ser uma das mais difíceis da História (para os que estudam seriamente tais drogas).
Alguns afirmam que, graças às drogas e às possibilidades que elas oferecem de ampliar a consciência humana, a psiquiatria se encontra num ponto decisivo de sua história e que a própria utopia nos submergirá mesmo antes que disto tenhamos consciência.
Outros duvidam profundamente; receiam que as novas drogas nos levem, não à utopia, mas à psicose, ou, pior ainda, que sejam usadas por um futuro ditador como um meio insidioso de controlar o pensamento.
Esta divergência de opiniões é refletida por uma divergência de terminologias, como freqüentemente acontece. Os primeiros experimentadores dessas drogas, julgando que elas pudessem provocar uma psicose (com alucinações e ilusões paranóicas de grandeza e perseguição), qualificaram-nas de "psicotomimétricas". As experiências, no entanto, demonstraram que alguns toxicômanos resistiam com persistência à psicose, mesmo de curta duração; ao contrário, descobriram uma variedade de sintomas positivos e começaram a apresentar extraordinário aumento espontâneo da soma de suas descobertas interiores. Aí então as palavras "psicodélico" e "psicotomimético" foram empregadas alternadamente. "Psicodélico" significa, simplesmente, conforme sua origem grega: "manifestação do espírito". Isto implica que as novas drogas, quaisquer que sejam suas características, levam o toxicômano não tanto a uma psicose como a uma abertura de seu espírito, tornando-o apto à introspecção.
A solução encontra-se no fato de que as novas drogas são psicodélicas ou psicotomiméticas (ampliação ou diminuição da consciência). Se elas nos reduzem a um estado de loucura, só podem ter um valor limitado numa perquisa psiquiátrica cuidadosamente controlada e são então pouco promissoreas como veículo de uma libertação das massas. Se, por outro lado, nos dão um conhecimento interior, manifestando-nos nossos próprios sentimentos, suas possibilidades se tornam imensas.
Globalmente, os comentaristas dessas novas drogas tendem a ser psicotomimetistas ou psicodélicos. Demonstraram uma tendência a encarar as drogas com desconfiança, como fontes perigosas de distúrbios mentais, ou a vê-las com otimismo, como sendo úteis, quase que como meios mágicos de descoberta e de encontro de si mesmo. As posições intermediárias foram sustentadas, é claro, mas talvez não tão freqüentemente quanto os fatos no-lo fariam supor.
Há pelo menos três razões semânticas para adiantar esta tomada de posição intermediária. Em primeiro lugar, encontramos um problema de adaptação da linguagem ao assunto: ele não está à altura. O Dr. Timothy Leary escreveu um artigo a respeito. O âmago do problema, segundo ele, é que um processo (mental) não cabe numa caixa. A linguagem estática, predicado do sujeito e descritiva, que herdamos em nossa cultura, não traduz fácilmente a experiência perpetuamente cambiante, dinâmica e abundante, vivida pelos que tomaram a droga. A experiência é una e infinita, a linguagem é dualista. Tentar exprimir uma experiência pela linguagem é o mesmo que querer encerrar o cosmo num tronco de árvore.
Há também a atitude do Ocidente diante do corpo: uma desconfiança puritana. Temos o hábito de acreditar que as coisas mentais e espirituais deveriam, de certo modo, ser imprecisas e sem ressonância física. Seria impertinência sugerir que o espírito é uma função do cérebro e poderia então ser libertado por uma droga. Aquilo que nos apraz não deveria se fácil demais, nem agradável demais. Pior ainda, o espírito deveria ser mantido longe do corpo, ou, então, ignorar o problema.
Finalmente, achamo-nos diante de um sentimento de culpa. Certo número de far out, beat people obteve drogas mentais no mercado negro e usou-as como meio de esquecimento. Alguns, então, falaram de suas experiências com leviandade e incompetência. Isto levou inúmeras pessoas a sentirem-se ao mesmo tempo repelidas e ameaçadas, e a cair, por conseguinte, na armadilha semântica que consiste em imputar às drogas as características do consumidor e a condená-las como intrinsecamente más.
Por estas três razões, entre outras, é difícil a objetividade perante a droga. É também extremamente difícil falar destas drogas. Isto é lamentável, levando-se em consideraação que o modo com que delas se fala determina em larga escala a maneira com que elas operam, quer sejam vistas positivamente como psicodélicas, ou negativamente como psicotomiméticas.
Inúmeros pesquisadores competentes acentuam a importância do set and setting (quadro e orientação) para determinar os efeitos das drogas. As esperanças do indivíduo, seu estado de espírito no momento de tomar a droga, o ambiente físico e social determinam, aparentemente em larga escala, a natureza da experiência subjetiva. Se encararmos a experiência com espírito de curiosidade ciêntifica, aliado a uma espécie de disponibilidade em relação às possibilidades do interior humano, os resultados serão totalmente diversos do que seriam se as drogas tivessem sido tomadas por farra. Como, por outro lado, as atitudes de uma pessoa estão em estreita relação com sua linguagem e podem mesmo ser inseparáveis, a maneira pela qual a experiência é encarada é de importância capital: espera semiculposa de ser ultrapassado, ou confiança serena de ser conduzido a si mesmo.
Em resumo, a experiência da droga é como toda experiência: sua significação encontra-se primeiramente na pessoa, não na substância, que apenas libera. Aquilo que esta liberando nos leva, confusão ou perspicácia extática, depende do indivíduo ou das circunstâncias.
Vista sob este ângulo, a experiência da droga torna-se uma experiência semântica: consiste em crer e descobrir significações. Não há, indubitavelmente, maneira mais proveitosa de considerá-la: ela esclarece grandemente o processo das comunicações e a disciplina das semânticas gerais. E certamente o faz de formas extremamente diferentes e variadas: por falta de espaço, só examinaresmo sete.

1. O Relaxamento da Função Simbólica

A incrível capacidade do homem de produzir símbolos e imagens manifesta-se fortemente em inúmeras pessoas que tomam uma droga, ou passeiam pela literatura. Huxley, Watts, Leary, Dunlap, Newland e outros escreveram brilhantemente e às vezes eloqüentemente sobre o assunto.
O autor do presente artigo, na época em que tomou o LSD pela primeira vez, ficou atônito com a descoberta da fantástica fertilidade de sua própria imaginação e dos centros produtores de símbolos, sobre o efeito da droga. Sentiu novamente a experiência do nascimento, viu-se transformado em personagens mitológicas, flutuou graciosamente através de belas cavernas de gêlo reluzente e de magníficas catedrais góticas incrustadas de ouro; viu, com respeito, comporem-se e recomporem-se amostras de jóias, numa variedade infinita de mandalas de formas vivas, maravilhas de incrível beleza modulando-se em infinitas variações de si mesmas, dissolvendo-se em galáxias revoluteantes de dimensões e significações infinitas, ou se transformando em formas livres maravilhosamente únicas, dançando com uma espontaneidade total em imprevisíveis construções plenamente extáticas. Houve principalmente a experiência da luz. Surgiu sob inúmeras formas: como um "centro de diamante" de brilho incrível (e, de certo modo, de uma significação incrível); como modelos de chamas vivas, superpondo-se numa espécie de equivalente visual da música que provinha da eletrola; como a própria música, visível, apreendida diretamente pelo olho interior sob uma forma tridimensional, inflamando-se a partir de si mesma; e também como campos, bancos, muros, fortalezas, árvores e riachos cheios de rebentos e de pedras preciosas vivas.
Somos aqui levados diretamente ao problema da intencionalidade. Este esplendor interno, evidentemente, não era, como diria Korzybski, extensivo (extencional). Não convinha a uma verificação ou a uma inspeção pública. Ninguém, a não ser o autor, poderia confirmar a realidade do espetáculo. Esta realidade, no entanto, parecia indubitável; dava mesmo a impressão de uma realidade de ordem superior à realidade extensiva. Parecia também ter uma significação superior - ou antes, ser o próprio significado, não o símbolo de outra realidade, mas o próprio ato da simbolização; não precisamente "significando" qualquer coisa, mas significando o signo como tal.
Kenneth Boulding disse que a possível proliferação, no homem, de imagens internas é ao mesmo tempo sua maior glória e seu maior azar. Isto lhe dá ensejo de elaborar mapas que o fazem atravessar uma vida sensata, mas também os mapas mentirosos que o fazem perder-se na floresta. Em outras palavras, esta proliferação lhe permite tanto extensificar como intensificar. Extensificação e intensificação, o público e o particular vão de um a outro. Os fatos brutos (dados do universo) são caóticos e sem significação, até que uma espécie de estrutura lhe seja imposta; aí, então, adquirem senso e ordem. Esta estrutura nos serve de mapa, permitindo-nos atravessar a vida com uma compensação suficiente.
A significação das coisas, entretanto, não reside nem nelas mesmas, nem totalmente em nós, mas antes num tráfico entre o interno e o externo - com uma preponderância particular do interno. Mas precisamente, as significações aparecem como descobertas, mas, de fato, são construções. Com LSD 25, parece que entramos em confronto com esta parte de nosso ser interior onde o processo de estruturação opera em estado puro. É uma experiência fulminante. Aquele que a conheceu dificilmente a esquecerá; só pode avançar depois de ter visto, uma vez, sua própria intencionalidade numa forma isolada, estando mais apto a usá-la e a não se deixar iludir criando mapas para os quais não há territórios.

2. A Experiência da Unidade

Um dos aspectos mais espantosos da experiência da droga é que, embora a pessoa se lembre claramente dos nomes das coisas, nem sempre os acha apropriados. Este objeto se chama mesa e aquele cadeira, como antes, mas vemos então que há algo de curioso na qualificação nominativa. Os olhos se abrem. Apercebemo-nos sempre da diferença entre a mesa e a cadeira como suficientemente real, mas também como inteiramente arbitrária, distinção convencional que poderia muito bem ser substituída por uma infinidade outras distinções igualmente convencionais.
A unidade de todas as coisas manifesta-se de repente, com espantosa simplicidade. Os contrários se unem. Cada qualidade, tomada à parte, em tempo normal unicamente perceptível pelo contraste com seu oposto, é sempre perceptível como tal, mas a ilusão desta se torna evidente. Grande e pequeno, úmido e seco, sofrimento e prazer não aparecem mais como pares polares, mas antes como pontos de um continuum. O mesmo se dá com o feio e o belo, o amor e o ódio, o feminino e o masculino, etc. Mais exatamente ainda, quem experimentou a droga descobre, com espanto e alegria, que a difenciação estabelecida entre ele e outrem não passa de um disfarce da identidade que o põe em ligação. Isto pode certamente ser visto como uma doutrina mística e como tal será bastante aborrecida e insensata para o positivista mais rígido. Mas uma pessoa de espírito mais largo reconhecerá a côr semântica desta percepção, isto é, que as coisas e as qualificações que enchem nossa vida, pelo menos em certa medida, são contruções verbais que podem passar, tanto quanto os nomes que lhes deram origem.

3. Ver o Jogo

De todos os benefícios da esperiência da droga, este é sem dúvida o maior e o mais persistente. O autor (professor da universidade) lembra-se de que por ocasião de sua terceira experiência lisérgica, ele encarava o médico que lhe ministrara a droga com a consciência aterradora, mas também libertadora, de que aquele homem não era mais um doutor, e nem ele próprio era professor. O "professor" e o "doutor", embora corretamente diplomados, apareceram claramente como impostores. Ainda mais, esta descoberta se revelou extremamente libertadora e "refrescante". Dois jogadores, um disfarçado no papel de doutor, o outro representando o professor, haviam despido seus trajes e abandonado o jogo e, graças ao LSD, tinham-se sentado, confrontando-se numa atmosfera de realidade nua e incondicionada. As sensações de liberdade e relaxamento eram incríveis.
Timothy Leary foi um dos que mais se estenderam sobre a natureza lúcida de todo comportamento (behavior) humano, assim como sobre as possibilidades libertadoras do LSD diante destes jogos. Definiu o jogo como uma ordem cultural adquirida, caracterizada por regras, papéis, objetivos, rituais, uma linguagem, valores e estratégias. É uma definição muito ampla, que abrange virtualmente todas as formas de conduta humana e em particular as que o homem não tem em comum com os outros anumais. A este repeito Leary foi atacado por críticos que observavam que abandonar o jogo seria abandonar a maioria das atividades humanas sensatas, inclusive, por exemplo, o "jogo" da ciência.
Evidentemente, não se abandona o "jogo" científico ou qualquer "ordem cultural adquirida", na medida e que haja utilidade. Mas uma pessoa inteligente procurará ver através destes jogos, fazendo a si mesma a pergunta: Será este jogo agora o mais adaptado ao desenvolvimento de minhas faculdades humanas? Reijeitar todos os jogos, rejeitar "regras, papéis, objetivos, rituais, linguagem, valores e estratégias" significa rejeitar a própria civilização, com o que ela encerra de sadio, de maturidade, de significações, e todas as possibilidades de ser humano, em vez de ser simplesmente animal. Mas levá-los todos a sério seria igualmente destruidor, ou talvez mais que isto. Há argumentos tanto para o conservantismo como para o liberalismo, e podemos escolher entre morrer de ossificação, ou morrer de amorfia. Pensando bem, a primeira perspectiva parece a mais aterradora.
De qualquer maneira, é verossímil que uma liberdade de seis horas da tirania do ego (férias apreciadas por inúmeras pessos entre as que tomaram LSD) predisporá desfavoravelmente qualquer um a afirmar este ego no absoluto ao qual está habituado. O ego é o jogo social por excelência, absolutamente necessário à nossa sobrevivência e, no entanto, oposto tirânicamente ao nosso crescimento e à nossa profunda satisfação. Jay Haley expôs, no seu modo divertido mas perspicaz, suas manobras infinitamente sutis neste jogo chamado psicanálise (no qual um só homem é pôsto em destaque - one-up-manship). O ego, diz ele, é o instrumento de valorização de um homem que se debate continuamente para fazer-se valer ou para chamar atenção e, portanto, é inesgotável e angustiado. De acordo com um perquisador inglês, Haley propões que se considere análise como espontâneamente terminada com sucesso quando o paciente chega ao "momento onde não se importa mais em saber se é o analista ou ele quem dirige a sessão". O paciente que chega a este ponto deve considerar-se curado. Viu além do jogo e, embora seu ego continue a trabalhar como princípio integrante do conjunto de sua personalidade, tornou-se transparente e não domina mais o eu.
Uma psicoterapia prolongada é, sem dúvida, necessária antes que o ego aceite com permanência seu papel de servidor, e não de diretor-senhor do eu. A experiência do LSD, entretanto, pode dar a quem tomou uma espantosa idéia do que seria a vida se pudéssemos convencer o ego a frouxar as rédeas. O processo terapêutico pode ser facilitado, podendo ao mesmo tempo ajudar a tornar a experiência do LSD mais rica e mais profunda. Em todo o caso, a natureza lúdica, lingüística e convencional do ego aparece freqüentemente com lucidez à pessoa que tomou a droga.

4. A Receptividade

Todos os elementos do conjunto de comunicações são importantes, mas talvez, em nossa época de ansiedade, a recepção das mensagens nos crie dificuldades particulares. A maioria das pessoas codificam com suficiente boa vontade, mas em geral não estamos particularmente interessados em sair de certa forma da codificação. Falamos, porém não escutamos. Ligamos o rádio e depois o ignoramos. Desejamos àvidamente impressionar os outros, mas não desejamos escutá-los.
Sob a ação do LSD, inúmeras pessoas apredem pela primeira vez o que significa estar absolutamente presente. Tendo temporariamente renunciado a seus jogos e destruído sua própria necessidade de prestígio, podem dar-se o luxo de ter consciência do que apresenta o ambiente externo e interno, sem desejar mudá-lo. Na ocasião, pelo menos, nada têm a perder em escutar. Porém até ousar escutar-se a si mesmas, pela primeira vez.
Em tais condições, coisas extraordinárias podem acontecer. Outras pessoas podem parecer preciosas, infinitamente complexas e totalmente maravilhosas. O ambiente físico pode, de repente, tornar-se espantoso. Chegamos a sentir que não olhamos um livro, uma mesa, uma cadeira, e sim o Livro, a Mesa, a Cadeira. Parafraseando Aldous Huxley, o absoluto parece ofuscar, a partir de tudo que cerca o indivíduo. A música torna-se incrível: velhos cavalos de batalha como a Quinta Sinfonia de Beethoven tornam-se sadios e poderosos. Um disco superado, gravado por um coral apinhado ao microfone, num estúdio, enche literalmente a sala de "anjos". A música adquire vida e textura. Pode mesmo tornar-se visível e brilhar com uma luz interior.
As pinturas movem-se e abrem-se para deixar que apareçam novas dimensões. As cores tornam-se intensas e vibram de maneira sobrenatural. Os objetos da natureza, como as montanhas e as árvores, impressionam por sua beleza e enchem-se de significações. O indivíduo interior abre-se a um mundo que é ao mesmo tempo o mundo abafado de seu próprio inconciente coletivo. A pessoa inclina-se sobre aquilo que Huxley chama "os antípodas do psiquismo", isto é, o mundo da Experiência Visionária (Visionary Experience). As criaturas, os jardins, as manchas de luz que se vêem, enchem de medo e paz.
Do ponto de vista semântico, estar absolutamente presente à realidade interior e exterior tem, pelo menos, duas vantagens. Esta experiência, primeiramente, permite que qualquer um se ponha à escuta desta relação externa e interna, permitindo-lhe assim corrigir seus próprios erros de codificação; ele é capaz de reduzir o nível de intensidade dos diferentes sistemas de comunicação nos quais está implicado, recodificando suas correntes de percepção das mensagens, até que exprimam as significações que ele daí desejar tirar. Por outro lado, a experiência permite a essa pessoa habitar o mundo real, o mundo de fato, de preferência ao mundo irreal e vazio da abstração pré-fabricada; isto lhe faz experimentar o mundo, em vez de contentar-se de nele pensar, e, portanto, começar enfim a viver. Diz Huxley: "Ser sacudido para fora dos trilhos da percepção ordinária, ter ocasião de ver durante algumas horas intemporais o mundo exterior e o mundo interior, não como aparecem a um animal obcecado pela sobrivivência, ou a um ser humano obcecado pelas palavras e pelas idéias, mas tais como apreendidos, direta e incondicionalmente, pelo Espírito em geral, eis uma esperiência de valor inestimável para cada um e em particular para o intelectual"1.

5. Consciência da Sombra

Esta expressão jungiana é usada por causa de seu vigor. Segundo Jung, a sombra é o lado confuso e abafado da personalidade, uma antítese do lado coletivo e adaptado que se banha, por assim dizer, na luz da consciência. É a origem de uma grande parte do que é desajeitado e "mau" no comportamento humano, embora, paradoxalmente, sua liberação possa proporcionar o "bom". Isto acontece porque a sombra não contém apenas em si elementos destruidores e viciosos da personalidade, mas também inúmeros elementos que aparecem unicamente como perversos e demoníacos, mas que são de fato siplesmente desconhecidos, não experimentados, não aceitos. No simbolismo teológico, Deus está perdido sem a cooperação ávida, para não dizer ardente, de Satanás, conforme o atestam o Gênese, o Livro de Jó, o relato das tentações de Jesus, o da tentação de Buda, por Mara, e outros textos e mitos religiosos.
Sob a ação do LSD, a sombra pode tornar-se objetivo de uma liberação explosiva. Aí está realmente um dos riscos da droga, e isto é razão suficiente para que seu emprego seja controlado e seletivo. Alguns casos registrados, nos quais o LSD foi nefasto, provocando sérias depressões, psicoses e até suícidios, são provavelmente casos onde aparece um "problema de sombra", ou então onde foi rejeitada uma classificação que se impunha, ou ainda onde estavam reunidos os dois. Se a sombra for pouco integrada ao ego e ao resto da personalidade, sua liberação - o ressugir de matérias relegadas ao inconsciente - pode causar um pânico mais ou menos irreversível, levando à desintegração da personalidade. Por outro lado, se as expectativas do sujeito forem malsãs, ou se o ambiente contiver elementos ou interdições, a liberação da sombra poderá, então, mesmo numa pessoa razoavelmente ou bem integrada, ultrapassar aquilo que ela é capaz de suportar.
Mas, se todos os candidatos à experimentação do LSD forem cuidadosamente examinados e se a droga for ministrada em condições favoráveis, parece que não há virtualmente perigo. De qualquer modo, aquele que teve a experiência da aparição consciente da matéria da sombra não a esquecerá tão cedo, quer ela tenho sido doce ou violenta. A revisão, feita pelo autor, da experiência do nascimento (acontecimento que, na linguagem de Jung, pode ser considerado tanto como uma experiência arquetípica, quanto como uma experiência de sombra) é um exemplo: era doce no sentido de não ser expressamente alarmante e, entretanto, era absolutamente inesquecível. Do mesmo modo, ficou gravada na memória do autor a transformação do médico que dirigia a experiência do LSD, homem que se tornava alternadamente um diabo brutal e um santo replandecente, assim como, em outra ocasião, a transformação de uma bela mulher de meia-idade em uma jovem virgem, alternando-se com uma ameaçadora feiticeira desdentada.
A confrontação com a sombra tem, no entanto, mais probabilidade de ser violenta do que doce. Pode provocar uma angústia intensa, ou mesmo o terror em estado bruto. O sujeito pode sentir-se irremediavelmente desligado do mundo exterior, ou povoar este mundo de monstros concebidos por ele mesmo. Companheiros totalmente benevolos, que nada desejam alem do bem do indivíduo, podem surgir como criminosos degenerados aos quais seria impossível escapar. A pessoa pode sentir-se acusada por qualquer complô diabólico arquitetado por seres malévolos, numa última viela corrompida do universo. Não é de surpreender que, em tais circunstâncias, certos sujeitos se tornem violentos ou tentem fugir.
Há, no entanto, pelo menos do ponto de vista semântico, um valor verdadeiro em tais experiências paranóicas, na medida em que são atravessadas com sucesso. Este valor está na confirmação que elas trazem da realidade da projeção. A alteração, aparentemente dramática, dessa mulher e desse médico era um fenômeno puramente semântico. Tais mudanças não se deram de modo algum nestas duas personagens, mas, antes, naquele que as experimentara. Havia mudança completa da significação daquelas personagens, pois a significação era criada, depois exteriorizada e projetada por seu observador. Ao mesmo tempo, os tipos de experiências dentre as mais alarmantes a que aludimos, tais como a transformação de pessoas benévolas em monstros degenerados, são puramente o resultado de projeções, fato que se torna translúcido à medida que os efeitos da droga diminuem.
Uma curiosa propriedade do LSD e de outras drogas novas é que essas alterações perceptivas produzidas não atingem (comumente) o nível da alucinação. A pessoa conserva a consciência através da natureza alterada de suas percepções. A realidade pública continua sendo seu ponto de referência. O sujeito é assim capaz de examinar suas próprias projeções enquanto elas se realizam. Em casos extremos, pode mesmo sair do estado alucinatório e nele reentrar para tomar consciência de suas próprias projeções. Em cada coisa, a experiência se acha normalmente completada na pessoa por uma consciência lúcida de sua própria capacidade de criar significações que lhe aparecem superficialmente como lhe externas. Além do mais, evidentemente, há mudanças de significação que descobrimos em nosso mundo interior. A recuperação de matérias inconsciêntes pelos métodos psicanalíticos pode facilmene ser interpretada como um processo semântico, uma clarificação do saber interno por avaliação. O método psicanalítico pode ser superior ao método do LSD quanto à permanência dos resultados - embora isto esteja longe de ser certo - mas o método do LSD é francamente superior, no sentido em que a profusão das imagens provocadas é tão dramática e violenta que se torna inesquecível.

6. A Descoberta do Amor

Aqueles que experimentaram o LSD "não conhecem todas as respostas", assim como o fato de terem tomado a droga não lhes permite resolver automaticamente todos os seus problemas. Mas sentem-se freqüentemente muito à vontade na presença uns dos outros, fenômeno que, quando percebido pelos outros, é às vezes constrangedor, porque pode ser confundido com um "espírito de clã". A razão desta naturalidade sentida pelos que tomam o LSD quando estão juntos vem do fato de eles terem visto através do jogo, pelo menos de um modo geral, e também porque, notando a presença de outras pessoas que também viram através do jogo, se sentem não somente menos dispostos a atacar, mas também relativamente a salvo de ataques. Sentem-se relativamente livres para deixar cair suas defesas e outras armadilhas de proteção ao ego e ficam simplesmente na presença uns dos outros livremente, francamente.
Mas há mais do que isto. Sob a ação do LSD sentiram o amor - talvez pela primeira vez. A qualidade do amor que sentiram não é habitual. Graças à experiência da sombra e a aparição de matérias relegadas para fora desse domínio, eles viram a continuidade, a unidade essencial do amor e do ódio e (conceptualmente, pelo menos) aceitaram esta unidade. Em resumo, aceitaram seus sentimentos - não apenas os "bons", mas também os inconfessáveis, os "maus", os sentimentos embaraçosos - e com isto se sentem melhor. Tendo-se permitido odiar, podem permitir-se amar; pelo fato de terem reconhecido que tinham medo, podem agora ficar em silêncio, em plena segurança na presença uns dos outros. Mas extraordinário ainda, entretanto, é o fato de lembrarem-se do que é a sensação do amor, sem ciúme ou necessidade de posse. Tendo visto através do jogo e posto a nu a mentira do ego, eles renunciaram, pelo menos em parte, à necessidade de impor-se e rejeitaram parcialmente o condicionamento pelo qual o ego se mantém.
O ego morre dificilmente, é claro; mas é "inteligente" de maneira perversa e sua ajuda pode ser utilizada na campanha feita para dominá-lo. As pessoas não desejam conscientemente sofrer, mas o ego afrouxa um pouco seu domínio quando se convence de que isso é de seu maior interesse. Tendo visto sua própria irrealidade, o ego começa a relaxar-se. "Como posso ter ciúme de vós ou ser por vós rejeitado? Como posso desejar possuir-vos ou ser por vós possuído, se sou vós? Se minha separação de vós é só de nome e minha identidade convosco a realidade, que tenho a temer?"

7. A Realização do Ser

Resulta, da parte precedente, um esquema bastante sumário da personalidade. Grosseiramente, e mais do que simplificados, seus principais traços são os seguintes: algumas pessoas que tomaram o LSD têm a impressão de ter adquirido um conhecimento, através de uma experiência direta, de um aspecto de si diferente daquele a que estão habituadas. É como se tivessem descoberto um alter ego. Este alter ego é percebido como uma espécie de ser unitário, ao passo que o ser habitual, cotidiano, poderia chamar-se o farsante.
O Ser unitário é cambiante e ofusca literalmente. É constituído por um número aparentemente indefinido de dimensões que não são evidentes à consciência ordinária, mas às vezes terrivelmente presentes à consciência liberada pelo LSD. Devido à sua aparente infinidde, o homem que tomou a droga pode sentir-se em conexão com todos os outros homens e todas as outras criaturas. É por isso que empregamos o termo "unitário".
O farsante, ao contrário, resulta da acumulação de regras, papéis, rituais, objetivos, sistemas lingüísticos, valores e estratégias herdados por uma pessoa no curso de sua formação cultural. Ao invés de ser unitário em suas ações, o farsante tende a separar. É o órgão da afirmação do indivíduo (the organ of one-up-manship). Enquanto o Ser unitário une o indivíduo aos outros indivíduos, o farsante lança-o numa luta sutil pela supremacia social. Quando o homem que tomou a droga descobre o farsante, é-lhe possível desprezá-lo. Pode sentir, sob a influência da droga, o desejo de dedicar sua vida ao serviço do Ser unitário. Por outro lado, enquanto os efeitos esmarcem, ele sente que o farsante de novo se afrima lentamente. Os efeitos maiores de experiência lisérgica talvez estejam neste jogo entre os dois fragmentos do Ser.
Se, após uma "sessão de droga" o farsante se reafirmar totalmente, a experiência do LSD terá causado apenas certo prazer e uma lembrança mais ou menos obsedante, mas nada mais que isto. Se o farsante não se reafirmar suficientemente, o homem que tomou a droga estará então perdido para a sociedade, ou deslizará para a psicose. Por outro lado, se o farsante e o Ser unitário de certo modo se compenetraram, formando um nível de transformação na concepção do ser real do sujeito, este terá então dado um passo em direção a esta condição de individualidade - no-interior-mesmo-das-relações que é o verdadeiro sinal da maturidade psicológica. O homem que chega a esse ponto sente-se parte tanto da sociedade quanto do conjunto, e até mesmo parte do cosmo, e, entretanto, sente-se único como ser-em-si e válido em sua unicidade.
A felicidade sentida por alguns homens que experimentaram o LSD resulta da experiência da unidade com o cosmo. O sujeito sente-se essencialmente uno com o que vê, como um todo incrivelmente glorioso. Por outro lado, o terror experimentado por alguns decorre do aferramento ao seu ser farsante, cuja natureza especialmente fraudulenta apareceu sob a ação da droga e cuja existência, assumida sob a forma presente, foi ameaçada.
É um caso no qual a psicose pode parecer iminente. Por conseguinte, façamos mais uma vez a pergunta principal, cuja resposta pode ser crucial para o futuro da raça: as novas drogas são psicotomiméticas ou psicodélicas? Geradoras de pseudopsicoses ou da manifestação do espírito?
A resposta está condicionada pelas circunstâncias. Quem quer que tenha experimentado a expansão da consciência e o desvendar do Ser unitário com uma destas drogas não pode ter dúvidas: seu efeito é inevitavelmente psicodélico. Mas, qualquer um que tenha roçado um episódio de psicose - com tudo o que encerra de terrôres paranóicos, de violência, de vôo e depressão à beira do suicídio - sabe que as drogas podem ser psicotomiméticas (e podem mesmo ser psicotogenéticas ou produtoras de psicose) por seu impacto.
Mas, como de costume, uma orientação binária é inadaptável aos fatos. Nem "por um lado ... por outro lado..." nem "e... e..." exprimem a verdade da coisa. É essencial ser polivalente à aproximação das novas drogas, tão profundas e sutis em suas operações no interior da psique. São, não somente psicodélicas, mas também psicotomiméticas. Mais ainda, são psicodélicas porque são psicotomiméticas e psicotomiméticas porque são psicodélicas. O fato de nos ser mostrada a verdade sobre nós mesmos, de nos ser mostrado que somos todos de certo modo trapaceios e impostores, jogadores agindo como uma estratégia que visa a surpreender nosso parceiro, é uma experiência alarmante. E é a experiência que estas novas drogas podem produzir. O processo psicodélico mostra-nos o que somos e é possível que reajamos psicotomiméticamente, com terror. Em tal caso, o terror origina-se do fato de que cessar de estar identificado exclusivamente ao ser farsante, para identificar-se um pouco mais ao Ser unitário, corresponde psicologicamente a morrer ao que fomos, a ponto de podermos nascer para nos tornarmos aquilo de que somos capazes. Não é de admirar que alguns homens que tomaram a droga se sintam de repente tomados de pânico ante esta ameaça de morte iminente.
O pânico, no entanto, tem um valor, e o terror psicotomimético produz certo benefício psicodélico. "O Inferno", conforme observou Joe K. Adams, "é pelo menos tão instrutivo quanto o Céu". Aquele que foi brutalmente surpreendido brincando com seus próprios excrementos terá uma tendência a relaxar-se e a deixar de dar-se ares em público. Tendo aparecido como verdadeiramente coprófito, não tem mais medo de descobertas ulteriores. Da mesma forma, a descoberta geral, após uma experiência, de que não temos em nós apenas um campo de jóias reluzentes, mas também um ninho de escorpiões, tem um efeito dos mais libertadores. A autodefesa tomba. A necessidade de fingir não existe mais. Torna-se fácil ao homem reconhecer em público que é agressivo, hostil, medroso, de espírito competitivo, levemente paranóico e amargamente preso ao jogo da afirmação de si mesmo (one-up-manship). Isto, por outro lado, abre a possibilidade de dar um passo para alcançar uma mudança.
O princípio segundo o qual o estado do paciente deve piorar para poder melhorar é um truísmo médico. Inúmeros práticos da psicoterapia relaram que uma angústia crescente é freqüentemente o prelúdio de uma angústia decrescente. Uma das razões é que a psicoterapia é em parte um tratamento de choque para levar o paciente aver além de suas afirmações errôneas quanto ao sentido de sua conduta, a deixar cair suas defesas. O tratamento faz mal, mas é essencial ao crescimento. O LSD e outras drogas novas podem trazer resultados semelhantes de maneira espantosa e com incrível rapidez.
Podem, evidentemente, falhar. Podem mesmo, a menos que sua ministração seja cuidadosamente preparada, ser nocivas a quem as tomou. O problema maior parece ser a criação de um condicionamento que gera a confiança. Se esta confiança vier a faltar, a pessoa poderá sentir esta perda momentânea do ser farsante como uma perda de sua personalidade e enveredar para o pânico. Por outro lado, se não houver falta de confiança, poderá sentir finalmente que chegou à sua verdadeira identidade.
Esta "identidade verdadeira", este Ser é o que norma sob todos os nomes, sob todos os jogos. Inominável e inconhecível, ela é sentida unicamente como aquilo que conhece, uma espécie de princípio integrante de unidade crativa, não classificada e espontânea. É a própria consciência, o Tao, o Inominado, o caminho que não pode ser mostrado, o "Eu sou" que não pode ser conjugado. A tudo o que se move espontânea e livremente para dar forma, cunho e significado - a tudo isto, quem toma a droga pode identificar-se.
Por outro lado, sem crença, sem confiança em si mesmo, na situação imediata e até no cosmo como um todo, o sujeito pode ver-se e ver os outros como monstruosos e ameaçadores. Sua situação será, então, sob uma forma enriquecida, a de um homem ordinário em circunstâncias ordinárias: ele deve realizar sua fé no processo de vida e de morte.

1. Aldous Huxley, As Portas da Percepção

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