Psicodélico: Pesquisa com drogas alucinógenas pode regenerar a imagem de substâncias proibidas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pesquisa com drogas alucinógenas pode regenerar a imagem de substâncias proibidas.

LSD, cogumelos, ayahuasca e ecstasy podem ser eficazes no tratamento de distúrbios psiquiátricos, dores de cabeça e outras doenças

por Guilherme Rosa | Fotos: Ricardo Toscani
 Fonte : Revista Galileu
Editora Globo
Pesadelos, crises de raiva, insônia e vários problemas emocionais são: sintomas do chamado Transtorno de Estresse Pós-Traumático, que virou uma epidemia nos EUA, com o envio de mais de 2 milhões de homens ao Oriente Médio desde 2001. 

Só entre os que foram ao Iraque, 12% voltaram com o problema. Por isso, milhões de dólares foram investidos na última década em busca de um tratamento para a doença. E o melhor remédio encontrado até agora é o ecstasy, a pílula do amor. 
LSD (Dietilamida do ácido lisérgico)
Editora Globo
POSSÍVEL INDICAÇÃO: aliviar o sofrimento de pacientes terminais. 
EFEITOS ADVERSOS: Pode provocar ataques de pânico e ansiedade. Existem casos raros de flashback – a pessoa revive a viagem da droga dias ou meses depois de usá-la. Em pessoas com tendências à esquizofrenia, pode desencadear crises. 
“EFEITOS COLATERAIS”: Alucinações visuais e auditivas, sinestesia (mistura dos sentidos) e sensação de bem-estar. 
PESQUISAS: O médico Peter Gasser, realizou um estudo sobre como a droga pode diminuir o sofrimento e a ansiedade em pacientes terminais. Ele administrou 200 microgramas de LSD – dose forte, comparada com a das ruas – em 8 voluntários. Outros 4 receberam uma baixa dose da substância, de 20 microgramas, que funcionaria como placebo. Todos os participantes receberam duas sessões de terapia sob efeito psicodélico, com semanas de intervalo entre elas, além de outras sessões “caretas”. A experiência está pronta, mas o estudo ainda não foi publicado. “Não posso fornecer detalhes sobre os resultados, mas não houve efeitos adversos e os voluntários relatam ter melhorado com a experiência”, diz Amanda Feilding, da Beckley Foundation, que patrocinou o estudo. 
Famosa em pistas de dança por sua capacidade de aumentar a empatia e a sensibilidade sonora e tátil, a "bala" é a maior esperança dos veteranos para reaprender o lema hippie "faça amor, não faça guerra". Um estudo publicado em 2010 mostrou que a droga melhorou 83% dos pacientes tratados com ela – resultado melhor que o de antidepressivos, por exemplo. Agora, o estudo será replicado numa escala maior, com soldados que não conseguem, apagar a lembrança de explosões, cadáveres e a sensação de morte iminente. E o ecstasy não está sozinho: essa é apenas uma das substâncias psicodélicas proibidas por lei que têm mostrado eficácia no tratamento de problemas de saúde. 

Na última década, pesquisadores de universidades acima de qualquer suspeita, como as prestigiadas Berkeley e Harvard, dos EUA, começaram a superar anos de preconceito no meio acadêmico para estudar o potencial terapêutico de dessas substâncias. Cogumelos têm sido avaliados para o tratamento de depressão e cefaléia, dor de cabeça mais forte que existe. A Ayahuasca – droga tradicional de índios amazônicos consumida no ritual do Santo Daime – é testada por alemães para curar dependentes químicos de outras drogas. E o LSD, cuja eficácia em casos de cefaléia também foi investigada, foi usado para aliviar o sofrimento de pacientes terminais de câncer, num estudo inglês que deve ter seus resultados divulgados este ano. Esses estudos retomam uma rota científica abandonada desde os anos 60, quando o uso de drogas psicodélicas começou a ser banido, e podem mudar o modo como cientistas e governos encaram essas substâncias. 

COGUMELOS (Psilocibina)
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POSSÍVEIS INDICAÇÕES: Cefaleia, depressão e dependência química. 
EFEITOS ADVERSOS: “Bad trips” e quadros de psicose em pessoas predispostas. 
“EFEITOS COLATERAIS”: Causa visões, sinestesia (mistura de sentidos), além de experiências místicas e de transcendência. 
PESQUISAS: O médico Andrew Sewell entrevistou 53 pacientes com cefaleia em salvas, o tipo mais forte de dor de cabeça, que tomaram psilocibina ou LSD para se tratar. Para 93% das 29 pessoas que tomaram psilocibina, a “viagem” aliviou a dor parcialmente ou por completo. Outros 6 entrevistados usaram LSD, e 5 deles melhoraram. Vinte dos entrevistados gostaram tanto da experiência que tomaram a psilocibina preventivamente, sem dor, e 19 notaram que as crises demoraram mais para voltar. O próprio autor da pesquisa, porém, aponta limitações do estudo. como o fato de pessoas com histórias de sucesso serem mais propensas a contar sua experiência do que as que não acharam o “remédio” útil. Detalhe, 42% dos que tomaram cogumelo e LSD para aliviar dores usaram doses pequenas, não alucinógenas. A droga também está sendo testada para tratar depressão e vício em nicotina.

FECHANDO AS PORTAS DA PERCEPÇÃO 
O LSD já foi considerado uma espécie de droga maravilha por cientistas e terapeutas. Seu poder psicodélico foi descoberto em 1943 e, durante os anos 50 e 60, centenas de estudos foram feitos sobre seu potencial para tratar dores, estresse, problemas psicológicos e psiquiátricos. Muitos foram feitos secretamente pela CIA e agências militares de diferentes países, mas os resultados publicados por cientistas civis se mostraram promissores: a droga beneficiou 70% dos pacientes no tratamento de ansiedade, 62% no de depressão e 59% no de alcoolismo. 
S 
ó que o LSD também fez sua fama entre os hippies, virou símbolo de contestação e droga da vez entre jovens que lutavam contra a Guerra do Vietnã, a corrida nuclear, a caretice e o establishment, em geral. Laboratórios clandestinos produziam dezenas de milhares de doses, e as pessoas usavam o “remédio” para se divertir e “abrir a mente”. Em 1966, a revista Life estampou na capa de sua primeira reportagem sobre a droga: “a ameaça explosiva da droga mental que saiu de controle”. Nascia o pânico entre pais e parte dos médicos da época. Em 1968, os Estados Unidos classificaram o LSD como droga perigosa, sem uso médico reconhecido, e 3 anos depois a ONU a inclui na convenção internacional que mantém seu uso não medicinal proibido até hoje. Apesar de as pesquisas não terem sido proibidas, o financiamento para esses estudos minguaram. Outros alucinógenos recém-descobertos, como a mescalina do peiote e a psilocibina dos cogumelos, seguiram o mesmo caminho. 
AYAHUASCA (DMT)
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POSSÍVEL INDICAÇÃO: Dependência em outras drogas. 
EFEITOS ADVERSOS: Pode desencadear quadros psicóticos ou esquizofrênicos em pessoas predispostas a essas doenças. 
“EFEITOS COLATERAIS”: Produz alucinações sensoriais e induz experiências místicas. 
PESQUISAS: Um estudo liderado por Anya Loizaga Velder, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, busca descobrir o potencial do ayahuasca para curar o vício em outras drogas. Eles irão entrevistar 10 profissionais de saúde que já usam a substância nesse tipo de tratamento, para entender mais profundamente como o processo terapêutico funciona. Depois, entrevistarão mais 10 voluntários que passaram por esse processo, para descobrir as condições sociais e psicológicas que cercam uma terapia bem-sucedida com a droga como coadjuvante. A mesma pesquisadora já estudou os efeitos da ibogaína, uma droga psicodélica africana, para curar a dependência. 
Amanda Feilding, herdeira de uma família de nobres ingleses, viveu o auge da contracultura – e do uso do LSD. Até os anos de 1990, ela se dividiu entre estudar religiões e misticismo e uma vida de artista performática. Hoje, mais comportada, é uma das pessoas responsáveis por quebrar o tabu em relação às pesquisas com psicodélicos. “Essas drogas sempre foram usadas como remédio na Antiguidade. A criminalização criou um tabu sobre esse assunto – e é isso que quero desfazer”, diz Amanda, que em 1998 fundou a Beckley Foundation, grupo que advoga pela mudança na legislação sobre drogas. “O LSD não é tóxico, não faz mal para a saúde e pode ser um medicamento muito útil. Ninguém quer financiar esse tipo de estudo. E essa é uma porta quer a Beckley Foundation quer abrir.” 

O ecstasy seguiu um caminho parecido. No fim dos anos de 1970, ele se popularizou entre psicólogos, que o usavam para facilitar a comunicação com os pacientes, principalmente em terapias de casal. Logo, porém, a droga chegou às baladas e passou a ser usada de modo recreativo. Em 1985, foi proibida pela primeira vez. Daí em diante, as pesquisas sobre a droga se restringiram à investigação de seus danos para a saúde. Mas, dessa vez, não demorou para que um grupo de cientistas tentasse dar continuidade aos estudos terapêuticos da substância, com a fundação do Maps (Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos, em inglês). 

O grupo representa outro canal de financiamento – captando recursos de terceiros – para pesquisas com drogas de uso proibido. Brad Burge, diretor de comunicação do Maps, explica que não foi apenas o estigma da criminalização que prejudicou a pesquisa dessas substâncias como remédios. “As patentes do LSD e do ecstasy já expiraram. Então, se algum dia virarem medicamentos, serão genéricos, pouco lucrativos. Por isso as companhias farmacêuticas as ignoram.” 

ECSTASY [metilenodioximetanfetamina (MDMA)]
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POSSÍVEIS INDICAÇÕES: TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático) e câncer. 
EFEITOS ADVERSOS: O uso prolongado está associado a mudanças de humor e prejuízo de funções cerebrais, especialmente da memória e da cognição, e a uma maior incidência de problemas psicológicos, como a depressão. 
“EFEITOS COLATERAIS”: Altera a percepção sensorial, especialmente a sonora e a tátil, além de causar bem-estar e aumentar a empatia entre as pessoas – razão do apelido “droga do amor”. 
AS PESQUISAS: O psiquiatra americano Michael Mithoefer tratou com MDMA 
20 pacientes que sofriam de TEPT. Eles já haviam sido tratados com psicoterapia e outros remédios, sem melhoras. Doze deles receberam uma dose de 125 mg da droga e, em alguns casos, uma dose de reforço de 62,5 miligramas duas horas após a primeira - nas ruas, o ecstasy tem geralmente até 100 mg de MDMA. Outros 8 pacientes receberam um placebo. Depois de tomar seus comprimidos, os dois grupos entraram em longas sessões de 8 horas de terapia. Eles também fizeram sessões “caretas” antes e depois da “psicodélica”. 

Ao fim de dois meses, Mithoefer fez uma avaliação padrão para o diagnóstico de TEPT. Entre quem usou a droga, 83% teve melhoras – sem registro de efeitos adversos. Entre os que tomaram placebo, apenas 25% teve alguma evolução. Agora, essa mesma experiência está sendo feita em 6 países, com um número maior de pacientes, incluindo ex-combatentes. 

Em outro estudo, pesquisadores da Universidade de Birmingham descobriram que o ecstasy destrói células cancerígenas em laboratório. Como a quantidade da droga necessária para enfrentar tumores em seres vivos seria muito grande, e possivelmente letal, eles estão desenvolvendo uma substância parecida, mais eficaz e menos tóxica. 
NOVA ONDA 
Mesmo com dinheiro, algumas dificuldades ainda persistem. Para ter acesso às drogas, os pesquisadores têm de obter a autorização das agências reguladoras de seu país, o que geralmente representa um caminho burocrático muito mais longo do que o de pesquisas com drogas “normais” – nos EUA, por exemplo, ainda é preciso ter uma autorização adicional apenas para armazenar a substância. A pesquisa sobre a eficácia do ecstasy, por exemplo, levou 18 anos para sair do papel. Entre a aprovação preliminar e a definitiva, foram 3 anos. “Nos anos 1980, era impossível conseguir as autorizações, havia muita pressão econômica, profissional e cultural contra as pesquisas”, afirma Burge, do Maps. “Agora isso está mudando, temos conseguido mostrar que trabalhar com essas drogas é uma necessidade médica.” 

Essa revisão de conceitos só está acontecendo, é claro, graças ao sucesso do estudo inicial com o ecstasy, publicado em 2010. “Estou feliz de dizer que as coisas estão mudando, agora que temos resultados divulgados em uma publicação respeitada pela comunidade acadêmica”, diz Michael Mithoefer, autor do estudo, que considera a mudança louvável. “Qualquer interferência política que impeça a investigação de tratamento para pessoas que estão sofrendo é uma piada”, diz Mithoefer. 

Outro fator que contribui para o aumento das pesquisas com drogas psicodélicas é a existência de cada vez mais estudos científicos que consideram essas drogas relativamente seguras. Cogumelos alucinógeos, LSD e ecstasy foram classificados entre as drogas menos perigosas para os usuários em um estudo comparativos de substâncias psicoativas publicado em 2010 na revista Lancet. 

Em torno do ecstasy, por exemplo, havia receio de que ele matasse neurônios. A tese foi popularizada por um estudo de 2003 que meses depois de publicado descobriu-se ser uma fraude. De fato, desde então, nenhum outro estudo conseguiu comprovar que a droga destrói células nervosas, embora seu uso frequente esteja associado com o prejuízo de algumas funções cerebrais, especialmente da memória, e uma maior incidência de problemas psicológicos. Em seu estudo, no entanto, Mithoefer administrou aos pacientes o equivalente a apenas uma “bala” e meia, em um dia – e isso foi tudo o que eles tomaram ao longo do tratamento. 

Agora, ele busca a autorização do governo para transformar o ecstasy em remédio aprovado, num processo que pode demorar 7 anos ou mais para ser concluído. Esse é justamente o objetivo de todas essas pesquisas: que os alucinógenos deixem de ser estigmatizados, encontrados em becos e adquiridos das mãos de traficantes, para serem usados por cientistas e médicos de todo o mundo, se sua eficácia for comprovada. E, nesse caso, adquiridos diretamente na prateleira das farmácias, com as devidas receitas. Tarja preta? Tarja multicolorida.

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