Psicodélico: Experiência com Ayahuasca.

domingo, 25 de março de 2007

Experiência com Ayahuasca.

Segue um relato sobre uma experiência com Ayhuasca retirado do livro : Ayahuasca - Alucinógenos, Consciência e o Espírito da Natureza. Organizador : Ralph Metzer.

Estamos Experimentando o Maravilhoso Fenômeno da Re-criação

Cristina Santos

Nesta narrativa, uma escritora e terapeuta de shiatsu, de 29 anos de idade, faz uma reflexão sobre suas experiências de adolescência com as drogas psicoativas, e ainda sobre suas vivências tardias em torno da meditação iluminadora do budismo, comparando-as com a profunda união com as árvores e com a manifestação intensa de força vital vivenciadas por ela através da ayahuasca.


Meu trabalho com enteógenos começou quando eu estava com 15 anos de idade. Eu, meu irmão mais velho, e Will, nosso melhor amigo, tínhamos o hábito de tomar LSD para depois sairmos a pas­seio no bosque que ficava atrás da nossa casa num subúrbio de Connecticut. A caminhada terminava ao chegarmos ao nosso cantinho favorito: uma clareira aconchegante cravada no meio da mata, que possuía um delicioso laguinho. A melhor época para tais aventuras era o verão, quando podíamos pernoitar, vestidos com roupas leves e esti­rados confortavelmente na relva. Nossas viagens eram cercadas de aro­mas e abrigadas pelas estrelas que nos serviam de guias. Depois que saí do ginásio continuei minha exploração em companhia da ma­conha, do PCP (pó de anjo) e do ópio, além de nesta época ter iniciado um namoro com o MDMA (Ecstasy), que durou até os anos da universidade.

Minha universidade ficava em Minnesota, e lá acrescentei a mescalina e a psilocibina à minha crescente lista de companheiros de viagem. Nas férias de verão do meu primeiro ano, Will me chamou a atenção para um curso de meditação budista que ele havia feito em Shelburne Falls, Massachusetts. Ele me convenceu a fazer o curso: "Pode acreditar que vai ser uma viagem incrível! A fragmentação do seu corpo em minúsculas partículas subatômicas será a melhor coisa que você vai sentir!" Obvia­mente, para quem já estava apaixonada pelos enteógenos, a promessa de tal meditação era um convite para lá de sedutor.

Telefonei, então, para o Centro de Meditação Vipassana, e reser­vei minha vaga no curso de dez dias que viria a seguir. Depois desse período de completo silêncio e de meditação ao longo de 12 horas por dia, descobri que o curso não era apenas de uma viagem. Porque me foi extremamente doloroso ter de ficar sentada para meditar por perí­odos seguidos de uma a duas horas, fazendo com que minha agitação mental chegasse ao limite. Por ter me sentido um fiasco como budis­ta, e a despeito de ter prometido a mim mesma que concluiria aqueles dez dias, jurei que nunca mais passaria de novo por uma meditação.

No último dia do curso, no ápice de minha angústia, revelei meu sentimento para Paul, meu instrutor (psiquiatra e mestre experimen­tado de Vipassana). Seu jeito tranqüilo me deixou inteiramente rela­xada, e assim ele me convenceu a meditarmos juntos por algum tem­po. Coloquei-me frente a ele na posição de lótus, e passei à técnica de explorar sensivelmente meu corpo, da cabeça aos pés. Passados alguns instantes, percebi uma sólida energia azul a se movimentar na minha cabeça. Ela atingiu minha garganta, provocando uma sensação de es­talo semelhante ao desarrolhar de uma garrafa de champanhe, que me fez chorar descontroladamente. Deixei a sala, onde umas cem pessoas meditavam em silêncio, e fui para o lado de fora da casa, e ali acolheu­-me a brisa morna do pôr-do-sol de Berkshires.
Eu estava tomada por algo que hoje consigo identificar como um tremendo pesar, ou melhor, uma profunda e extática conexão com o sofrimento deste planeta; embora, tenha sido gratificante e poderosa a satisfação de matar minha fome de algo do qual até então eu não estava consciente. Os budistas chamam a isso de dukkha, ou seja, a experimentação direta do sofrimento universal, e este é o primeiro passo no caminho da iluminação.

Apesar de ter jurado nunca mais meditar, embarquei em uma prá­tica de meditação que já vem durando mais de uma década com lon­gas horas diárias de dedicação, além de todo ano me inscrever em cur­sos de dez dias. Desde então, a técnica da vipassana, isto é, o próprio dharma, tem sido um grande mestre nestes meus 29 anos de vida. Aos 20, abandonei todas as drogas, primeiramente pela minha intenção de explorar a Vipassana de acordo com os seus mais puros preceitos, que excluem os agentes intoxicantes, e, depois, porque o tempo me fez sentir que eu não precisava dos enteógenos para investigar ou expandir a consciência. Contudo, no último inverno, depois de mais de uma década na prática pura do dharma, e seis meses antes do meu trigési­mo aniversário, as plantas mestres surgiram inesperadamente no ca­minho do meu autoconhecimento.

Eu e um amigo chegamos em Coba no final de uma tarde, ambos exaustos devido a uma viagem através do Iucatã. Burt, este meu ami­go químico, perguntou-me se eu queria experimentar a pharmahuasca [uma combinação de duas drogas sintéticas, similar à beberagem da ayahuasca] que ele havia preparado no seu laboratório. Expli­cou-me que a viagem duraria umas três horas, e que só então poderí­amos nos alimentar e dormir. Aceitei a proposta, ingerimos com água a cápsula que continha a pharmahuasca (150 mg de harmina + 100 mg de DMT pura), e nos pusemos à vontade naquele quarto confor­tável de hotel à espera do início da viagem.
Como já era previsto, levou uma hora para que tal acontecesse. E tudo começou de forma adorável, logo surgiram algumas cores líqui­das que se misturavam, suspiros profundos e extasiados que indicavam a perda do soma, e ainda uma forte sensação de que havia sido remo­vido o teto da minha psique, abrindo assim um espaço infinito sobre minha cabeça. Esta experiência, porém, não me agradava de todo, pois sua ação era a de uma droga de laboratório. Eu me sentia intoxicada, ao invés de me sentir iluminada, e me via inebriada, em vez de estar conectada, e também fiquei tão entediada que comecei a contar os minutos para que as três horas passassem depressa. Sugeri que fôsse­mos para o lado de fora, achando que perto do lago, e a céu aberto, talvez eu pudesse vivenciar a comunhão que havia planejado quando resolvi ingerir a pharmahuasca.

Andamos até o final de um pier que se estendia ao longo das águas do lago, e ali nos acomodamos em silêncio, abrigados pelo brilhante minueto das estrelas no céu. No instante em que as três horas já quase chegavam ao fim, sem que tivesse havido qualquer sinal de comunhão, falei para meu amigo: “Acredito que você já saiba da enorme diferença entre tomar esta droga química e ingerir o material da planta que lhe serve de base!" Havia nesta afirmativa uma convicção que vinha de algum lugar que eu não conseguia identificar, mas eu não deixava de estar certa. O meu leal amigo cientista emitiu um resignado "hum, hum", demonstrando assim que já tinha ouvido os inumeráveis argu­mentos dos organófilos em favor das substâncias naturais, e não nu­tria qualquer intenção de defender sua criação. Depois, me dei conta de uma árvore iluminada pela luz de um poste na entrada do hotel, que também estava situada à beira do lago, e isto me fez expressar a intenção de ir até lá para mirá-la. Nossa viagem já tinha mesmo ter­minado, e retomamos ao ponto de partida, caminhando pelo pier de­baixo do céu índigo do Iucatã, para visitar aquele majestoso vegetal.

Aproximei-me daquela árvore da mesma forma que me aproxima­ria do meu amado, ou seja, em um clima de enorme intimidade. Dis­pus delicadamente minha mão sobre seu tronco, pois eu queria acariciá­-la com todo meu afeto, de tal maneira que as linhas dos meus dedos pudessem explorar cada um dos nós de sua superfície, depositando meu carinho em cada casquinha do seu corpo. Por fim, as graciosas curvas convidaram-me a escalar seu tronco; uma vez aí, apoiei meu peso so­bre seus galhos bifurcados, colocando os braços ao redor de um enorme galho, com isso as batidas do meu coração começaram a reverbe­rar na sólida estrutura daquela árvore. De repente, comecei a chorar, deixando extravasar o mesmo pesar, ou melhor, a mesma dukkha pela qual passara, uma década antes, naquela sala de meditação. Meu peito sacudiu em espasmos e as lágrimas rolaram pela minha face, como se as múltiplas formas do sofrimento do planeta estivessem vertendo sobre mim.

Meu profundo pesar dirigia-se a todo aquele que vive a vida sem jamais experimentar a verdadeira paz da mente e do coração. Assim fiquei até que este sentimento diminuiu de intensidade, fazendo com que eu percebesse que meus dedos encontravam-se sobre o nó de um galho que possuía a forma de uma vulva. E, para a minha surpresa, aquele galho estendia-se até o limite de uma forma ovular, dando a impressão de ser uma mulher de cabeça para baixo, tendo as pernas ligeiramente abertas e os pés esticados para o céu. Comecei outra vez a chorar, agora com um sofrimento muito particular, isto é, o de uma mulher que havia sido estuprada.
Nos quatro anos anteriores, eu tinha trabalhado com sobreviventes de abusos sexuais na minha prática privada do shiatsu. O que a árvore me dizia tinha a ver com o meu trabalho, e concluí que a partir dali não deveria mais fazer um simples acompanhamento do sofrimento das mulheres, - minha função mais importante teria de ser a de ajudá-las a se tornarem capazes de celebrar e criar. A própria árvore parecia querer ilustrar esta evidência, pois logo retirou-me do sofrimento, fa­zendo com que eu deslizasse a mão suavemente por aquela pequena vulva, de maneira a deslocar a atenção para outro galho. E o sentimento que este novo galho transmitia era o de espontaneidade e criatividade, ou seja, de muita alegria! Todas as imagens que vieram à minha men­te estavam relacionadas com a poesia, a dança, a escultura, e o riso.

Esta nova experiência, porém, que também dizia respeito à dukkha não me era familiar, por isso, eu insistia em retornar ao pesar intenso e profundo já conhecido por mim. Contudo, paciente e persistentemente, a árvore voltava a redirecionar meu foco de atenção para a alegria do outro galho que expressava o mundo da criação e da renovação. Sua mensagem era bem clara: você já conhece a ladainha lamuriante de cor e salteado, agora é o momento de ensinar a si mesma uma nova canção!

Fui desenvolvendo minhas forças para mergulhar no ritmo da alegria, mesmo porque eu já estava maravilhada com aquela árvore, por ela ser capaz de um ato tão criativo. Passei a examinar os intrincados padrões de enroscamento do seu córtex, e a sentir a aspereza das pre­gas em torno da sua estrutura lisa. Fiquei admirada diante da estupen­da ascensão sensual dos seus galhos, que se esticavam para o alto como se quisessem abraçar o espaço infinito. E, então, aproximei os lábios da casca áspera do seu tronco, para lhe sussurrar: "Olha só a forma que você mesma se deu! Menina, você é absolutamente linda!" Neste ins­tante, a lição de criatividade tornou-se mais clara ainda. Cada um de nós se desenha a si próprio a partir de uma energia imensamente pura, e por isso existem tantos olhos maravilhosos, um sem fim de mãos educadas, e este planeta verdejante que respira através dos seus pulmões também verdes. Entretanto, sobre-sob-dentro-e-fora de tudo isso algum ato irresistível de criatividade quis que existíssemos, e todos nós passamos a vivenciar o divino e maravilhoso fenômeno da re-criação. Enfim, a vida é por si mesma uma obra de arte indescritivelmente magis­tral que está sempre a estimular as raízes desta florida e humana criatura.

Meu amigo e eu retomamos ao quarto de hotel; ele, para dormir um pouco, e eu para viajar com o espírito da ayahuasca por mais oito horas. Assim, comecei a vivenciar os movimentos do planeta à medi­da que passei a sincronizar o ato de inspirar e expirar com o fluxo da teia de Gaia. Desci até um recanto de argila vermelha, situado no cen­tro da terra e abaixo do meu umbigo, onde a Mãe Terra falou comigo. Ela acariciou a ruga de preocupação das minhas sobrancelhas e repe­tiu a mesma mensagem que eu havia sussurrado para a árvore: "Olha só a forma que você se deu! Menina, você é absolutamente linda! Veja só como você já se tornou paciente, gentil e adorável aos 29 anos de idade!" Lembrou-me ainda o quanto eu havia amado, o quanto fora leal e, o mais importante, o quanto eu havia mantido minha identida­de, apesar das vicissitudes de minha vida. Esta mensagem penetrou­ me tão profundamente que não tive outra coisa a fazer senão aceitar seu amor incondicional na posição de um quase absoluto relaxamen­to, e de tal maneira que pude me sentir segura e completamente feliz pela primeira vez na vida. Aproximei os lábios na direção do meu amigo adormecido, o bastante para roçar sua doce face, para sussurrar: "Muito obrigada por trazer de volta a minha magia!"

Hoje, passado o verão da minha experiência com a ayahuasca, sigo interpretando e entendendo mais ainda a lição que me foi dada naquelas oito horas intensamente envolventes. Acredito que tal ensinamento tenha chegado à minha vida para que eu refletisse sobre todo o traba­lho anterior que já havia realizado no fundo da minha alma, sobretu­do as assíduas tentativas, que fiz e ainda faço a cada instante, para ver a beleza onde ninguém consegue enxergá-la. Estou certa de que a planta conseguiu me falar com clareza e amor porque passei os últimos dez anos cultivando estas qualidades na minha prática de meditação. E mesmo que minhas primeiras experiências com as drogas tenham se apoiado exclusivamente no "barato da viagem", depois que adquiri disciplina e paciência através de um trabalho constante e diário com a meditação, o espírito da ayahuasca passou a responder ao meu chama­ do com a voz da maturidade. Mas, acima de tudo, creio que esta voz veio a mim para que eu não esquecesse do veículo que serviu à minha magia, ou seja, os enteógenos, e mais ainda para me estimular a inves­tigar a relação de sinergia entre minha magia, meu processo meditati­vo baseado no caminho do dharma e meu trabalho de cura.

Um comentário:

Unknown disse...

Nossa...
Que belíssimo texto.. tô fascinado!

Parábens pelo Blog.. continue postando e relatando suas maravilhosas experiências.

Obrigado