RELATO DE EXPERIÊNCIA
17-01-06
Faltavam poucos minutos para o amanhecer, eu agitado em meu pequeno quarto figurado por blocos de tijolos e madeira marrons, sintonia total com uma olaria. Com um xarope de guaraná comi alguns cubensis. Embora um tanto cansado, cantava festivas músicas ao longo do que ia sendo tomado por extrema sonolência. Os grandes mestres azulados cobriam-me com um ardente manto, me pondo à cama com força. Resisti cambaleante àquele sono que estava mais que claro ser o necessário e inevitável à minha condição no tal momento. Era aquele meu fatal destino – mas desviamos nossos caminhos.
Olhos cerrados, membros pesados. O delicioso manto cobria-me mais a cada passo, ao ponto de prender-me à cama por vários segundos, intercalados em acessos de euforia seguidos de disforia. Iniciaram-se as náuseas. Todo meu corpo vibrava em disparos frenéticos de substâncias; o campo de visão tendia a fundir-se todo num único denso vítreo objeto. Eu via constantemente deslocamentos de tijolos para dentro uns dos outros, o
display colorido do Som, mesmo a poucos centímetros, era indecifrável. Sob forte excitação nervosa, eu observava curioso, atento, paciente, até dedicado: disparei em tremendas gargalhadas! A excitação aumentava; cada toque meu corpo ardia em prazer, logo estava em completo êxtase.
Acompanhando esta sensação havia uma náusea. Eu sentia algo cíclico "passeando" pelo meu corpo, começando pelos pés, passando pelo estômago chegando à parte traseira da cabeça.
Já em estado de graça diante tamanho prazer, inebriado em cada poro e cada olhar, deixei-me cair na cama. Cada movimento ou a falta deles era simplesmente extremo prazer. Enquanto observava pela janela as plantas e os pássaros sob o reluzente amanhecer, liguei para uma amiga. Contei-lhe a situação que se passava, ela demonstrando entusiasmo por minha condição, perguntou quantos cogumelos eu havia comido, respondi prontamente: - Todos! De fato eu havia comido todos. Quase que girando deitado, mais algumas frases ditas com extrema felicidade e deliciosas gargalhadas, levantei-me com alguma dificuldade. Troquei o CD, colocando Enya e suas músicas vastas e seus graciosos violinos. Minhas mãos romperam nossas leis gravitacionais sendo sugadas ao alto, puxando delicadamente todo o corpo – mais um passo e eu estaria acima do chão. Involuntariamente dançava com os violinos, meus braços se posicionaram: eu tinha um violino! Minhas mãos seguiam com maestria a melodia em sua precisão, harmonia e leveza. Eu fui aquele violino e aquela música.
Os visuais se tornavam sensações, partindo em blocos flutuantes, provocando seqüências absurdas dos mais variados tipos de prazeres. Blocos verdes, rosa e outros tons menos nítidos se integravam, vindo de todos os lados. Todo o lugar estava como que com linhas metálicas de varal, que se dissolviam em fina chuva dentro do meu quarto, sob meu corpo e os móveis. O campo energético de minhas mãos deixava a impressão suspensa no ar por alguns segundos, fadas dançavam pousando suavemente sob minhas mãos. O prazer crescia escontroladamente, parecendo não ter limites. Em vão tentei vomitar, a náusea acompanhava o crescimento do prazer, que neste momento fazia tilintar pequeninos sinos azul-laranja que cobriam meu campo de visão, ululando pelo meu corpo. Fiquei alguns momentos sentado com o tronco inclinado, enquanto eu "massageava" o chão de cerâmica escura, balbuciava alguns sons sem nexo.
Esforçando-me fui até o banheiro, molhei o rosto, sorri a mim mesmo alegre, feliz. Meu corpo queimava, a visão trêmula me obrigou a voltar a sentar. Lentamente voltei-me para o teto esbranquiçado, meus braços novamente foram sugados, quando um clareamento incomum como um estrondo explodiu em centenas, milhares, milhões de sensações, vivências, lugares! Cai de costas chorando o choro mais puro de que possa me recordar. Sentei-me jorrando límpidas lágrimas, ergui as mãos como quem adora e agradeci com louvor. Era à Vida a quem eu me dirigia, as energias escorriam por minhas mãos, recebi ali verdadeira força, vigor...vida!
Deixei cair-me deitando de lado, acariciando meu sobretudo, abracei-o fortemente enquanto vivia por alguns instantes vivências alheias. – AH se eles soubessem que sei o que eles sentem! – AH se eu pudesse lhes falar!
Exclamei alegremente a mim mesmo.
Desperto por aquela renovada energia, fui até o jardim. Um caracol me esperava, em sua bela casa roxo-reluzente de pontos brilhantes que mudavam de cor a cada "passo" do animal e da luz. Observei encantado seu caminho, seus poros, sua carne. Dei alguns passos e pulos – merecia aquilo naquela perfeita manhã de vívido sol.
Voltando ao quarto, fechei as janelas, quando a sobreposição das formas tornou-se mais curiosa, virei-me ao espelho, meu rosto se tornou dourado-esverdeado, o lado esquerdo muchou, logo voltando e espremendo
minha cabeça ao meio que inchou, metamorfoseou-se em outras formas até chegar a um "zig-zag", como um balanço de papel ao vento. De olhos fechados, exercitei a imaginação, pensava num tema logo surgia uma situação equivalente da qual eu participava e simultaneamente "comentava" a mim mesmo.
Faltava a realização do caminho traçado pelos sábios: dormir. Deitei, mais alguma imaginação profunda. Acordei pela tarde ainda sob algum efeito, não havia ainda assimilado bem o que tinha ocorrido. Ao longo dos dias
seguintes a força, o vigor, a vida (!), tornaram-se maiores e mais fortes
em mim. As sutilezas dos prazeres ganharam tremenda imensidão. Eu já não era mais o mesmo...
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