A criação da consciência moderna ocidental trouxe consigo uma repressão violenta de nossa herança arcaica. Esta herança incluia a habilidade de explorar reinos mágicos e sagrados através da ocorrência espontânea de estados de êxtase, de rituais de iniciação ou por meio de compostos visionários encontrados em certas plantas. Por muitos milhares de anos, o conhecimento direto do sagrado era uma parte natural e universal da existência humana, como ainda permanece em culturas tribais. Com a ascensão do Estado moderno e da Igreja, a interação com realidades místicas foi alienada das massas e explicitamente demonizada. A comunhão com o sagrado foi reservada para os padres. Durante a Santa Inquisição, danças sagradas com os espíritos da natureza ou contatos com as almas dos mortos tornaram-se heresias. A punição para estes crimes era severa.
O processo dialético que criou o pensamento possessivo do capitalista e a aparência racional do tecnocrata demandaram a destruição de vestígios de crenças pré-modernas animísticas e comunais, estivessem estas crenças em populações isoladas da Europa ou em populações indígenas do Novo Mundo. Esta destruição era parte do processo que Karl Marx descreveu como a alienação de todos os nossos sentidos físicos e intelectuais em apenas um: o sentido da posse. Claro, o “sentido da posse” não é realmente um sentido – é uma ilusão de realização pessoal que parece se estender para fora do ego.
A modernidade causou uma mudança dramática na maneira como usamos nossos sentidos. Em seu livro Myth and Meaning (Mito e Significado), Lévi-Strauss admitiu seu choque inicial quando descobriu que tribos indígenas eram capazes de ver o planeta Vênus durante o dia, a olho nu – “algo que para mim seria absurdamente impossível e incrível.” Mas ele aprendeu com astrônomos que era de fato possível e encontrou relatos antigos de navegadores ocidentais com a mesma habilidade. “Hoje usamos menos os sentidos e usamos mais de nossa capacidade mental do que no passado”, concluiu. Nós sacrificamos capacidades perceptuais por outras habilidades mentais – nos concentrar numa tela de computador enquanto sentados num cubículo por muitas horas seguidas (algo que aqueles indígenas achariam “absurdamente impossível e incrível”), ou desligar múltiplos níveis de consciência enquanto dirigimos um carro no trânsito pesado. Em outras palavras, somos criados em um sistema que nos ensina a postergar, retardar e eliminar a maioria das informações sensoriais em favor de uma futura recompensa. Nós vivemos em um ciclo de retroalimentação de atraso da recompensa perpétuo. Quase sempre, nem ao menos temos noção do que é que perdemos.
Pessoalmente, eu não tinha consciência do que estava perdendo até que comi cogumelos. Durante estas viagens iniciais eu descobri que estava preso num estado de postergação da expectativa e um compulsório distanciamento de mim mesmo. Eu tinha o hábito neurótico de um intelectual constantemente tentando observar a mim mesmo de algum ponto imaginário e objetivo fora de mim, e esse caminho impossível drenou minha energia e impossibilitou conectar-me com o presente. Cogumelos não me curaram disso – por um longo tempo apenas o álcool podia obliterar a divisão, e levei anos para solucionar o problema – mas os pedaços de cogumelos desidratados me fizeram perceber, pela primeira vez, exatamente o que eu estava fazendo errado.
A consciência moderna está desperta para o materialismo, para o incorpóreo “sentido de ter”, para a visão mecanicista de mundo e o método científico de observação empírica. Sua antítese é a mente arcaica, viva para o mundo dos sentidos, em contato íntimo com o sagrado como ele é revelado pelo mundo natural, através de sonhos e visões. Para este tipo de consciência, Henry Miller descreveu que “O objetivo da vida não é possuir, mas irradiar”.
Há uma rachadura cultural entre o foco no cérebro, o hardware material no qual a consciência opera, e o estudo da mente, o nexo incorpóreo de tudo que experienciamos. A ciência ocidental estuda obsessivamente os mecanismos “objetivos” do cérebro, as vias de seus neurônios e suas densas florestas de sinapses, sem compreender a natureza da consciência. O xamanismo arcaico é uma tecnologia para explorar a verdade “subjetiva” da mente através de processos visionários, sonhos, mitos e interação com a natureza. De acordo com a psiquiatria atual, doenças mentais têm causas físicas que podem ser tratadas, até certo ponto, com medicamentos adequados. Na perspectiva xamânica, não apenas desordens mentais mas também as físicas têm causas não físicas – espirituais – que devem ser abordadas para uma cura efetiva.
As plantas visionárias são os espíritos guia de culturas ancestrais. Elas são sagradas porque despertam a mente para outros níveis de consciência. São um portal para um universo espiritual, ou multidimensional. No mundo moderno as substâncias derivadas destas plantas continuam a ser demonizadas, ridicularizadas e sobretudo suprimidas. No início dos anos 60, quando um entrevistador reduziu a fascinação de Aldous Huxley com os psicodélicos a uma “diversão com cogumelos”, Huxley respondeu em termos fortes: “O que é melhor, ter diversão com cogumelos ou idiotização com ideologia, ter guerras por causa de palavras, ter as leis de amanhã baseadas nas crenças de ontem?”
Este racha cultural permanece uma divisão profunda. Enquanto escrevo isso, drogas psicodélicas foram novamente desmerecidas como “brinquedos da geração hippie” na seção científica do New York Times. Parece que nenhum jornal ou revista, sério ou de grande circulação, possa publicar um artigo sobre alucinógenos sem ridicularizá-los de alguma forma.* Psicodélicos, catalisadores químicos de mundos interiores supremos, permanecem banidos e mal entendidos porque ocupam um ponto de contradição direta e possível síntese entre o materialismo baseado no cérebro e o xamanismo orientado espiritualmente.
A exploração e estudo não enviesado destas moléculas expansoras da mente – um legado da pesquisa científica e psicológica dos anos 50 interrompido pela forte histeria dos anos 60 – é um caminho para unificar estas abordagens opostas sobre a natureza da realidade.
Talvez seja o único caminho.
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