- Fale-nos sobre seu primeiro encontro com Carlos Castaneda.
_ Foi através de seus livros, quando eu tinha 14 anos. O primeiro que li foi “Os Ensinamentos de Dom Juan”. Lembro-me que, ao vê-lo, pensei que se tratassem dos ensinamentos de Dom Juan Tenorio, e que me ensinaria como arranjar uma namorada, por isso o peguei com avidez. Mas o conteúdo me saiu ainda mais interessante do que tudo que eu poderia esperar. Li de uma vez só, em um só dia, e me impressionou tanto, que a partir de então busquei todos os livros de Castaneda e os estudei. Nunca mais pude deixá-los. Com eles aprendi o que significa ser um guerreiro, e tomei esse ensinamento como um objetivo em minha vida.
_ O que pode nos dizer sobre as reuniões com ele das quais você participou?
_ Nunca tomei notas, por isso tudo o que posso dizer é a partir das minhas lembranças. Tenho a vantagem de ser meio surdo, de modo que meus amigos, depois de uma reunião, conferência ou encontro, tinham a gentileza de resumir para mim tudo o que havia dito o nagual; isso me permitia escutar tudo duas vezes.
Meus primeiros encontros com ele foram em conferências públicas no México, que tiveram lugar no Centro Cultural Universitário, no Palácio de Minería e na livraria do Fundo de Cultura Econômica.
A conferência da universidade se deu na época em que acabava de sair em castelhano seu livro “O Presente da Águia”. O auditório estava completamente cheio. Um dos organizadores apareceu para desculpar-se e disse que o senhor Castaneda não ia se apresentar, o que levou grande parte do público a abandonar o recinto. Também pensei em me retirar, mas meu amigo Victor Sanchez, que estava ao meu lado, deteve-me e disse: “Esperemos para ver o que acontece”.
Sentei-me novamente e me armei de paciência. Esperamos durante longo tempo. De repente apareceu Castaneda no palco, pediu aos presentes que se aproximassem, dizendo que não gostava de usar microfones, e começou sua conferência.
Disse muitas coisas. O que mais me chamou a atenção foi sua afirmação de que havia entrado na terceira atenção brevemente, mas não havia podido ver nada que pudesse estruturar como uma idéia. Tudo o que se lembrava daquele mundo se resumia a coisas que giravam numa velocidade “centrífuga”. Por fim, terminou preso em uma espécie de rodamoinho, do qual se acercaram seres inorgânicos, que se ofereceram para salvá-lo, se e quando ele aceitasse ficar com eles. Mas ele se negou e conseguiu sair por sua própria força. Afirmou que a velocidade “centrífuga” lhe causou um descolamento de retina.
Fazia pouco tempo que eu tinha provado o peyote com uma xamana chamada Georgina, que também andava nos grupos do nagual no México. Por isso, a primeira pergunta que lhe fiz naquela noite foi sobre esse tema.
“Nagual, você afirma em seus livros que as plantas de poder servem como proteção, nos dão força. Agora que a leitura me levou a fazer essa experiência, tenho que continuar a consumi-las?”
Lembro-me bem de sua resposta: “Use as plantas de poder uma, duas ou três vezes, no máximo. Elas farão com que o seu ponto de encaixe se mova e abra um túnel em sua luminosidade. Então, à base de disciplina e economia de energia, você sozinho, sem o apoio das plantas, deve chegar ao mesmo lugar e ter as mesmas visões. Afinal, seu ponto de encaixe já conhece o caminho. O que fará com que sua percepção se desloque será sua economia de energia, sua impecabilidade.”
Afirmou que as plantas de poder não devem ser usadas muitas vezes, pois podem criar fendas irreparáveis na luminosidade de uma pessoa.
Na conferência do Palácio de Minería fui testemunha de como Victor Sanchez chegou junto dele, o saudou e o abraçou com carinho. Por essa época, Victor tinha aproximadamente 22 anos. Isso foi três anos antes de escrever seu livro “Os Ensinamentos de Dom Carlos”, e pouco antes de Florinda Donner convidá-lo a ir a Los Angeles, convite que ele nunca aceitou.
Nessa oportunidade, referiu-se aos ovos luminosos verdes e azuis. Disse que os verdes eram mais parecidos com o dos bruxos da antigüidade, e que os azuis eram muito raros de se encontrar, pois não eram desse mundo.
Também me lembro de um encontro muito impactante na Casa Amatlán, um centro onde se davam aulas e terapias, dirigido por dois amigos próximos do nagual. Castaneda chegou quando estávamos praticando nossas aulas de Tensegridade; já tinha o cabelo grisalho e seu corpo era muito delgado; aparentava uma fragilidade extrema, a ponto de um amigo, Juanito, se oferecer para ajudá-lo a descer a escadaria da sala.
O que surpreendeu a todos nós foi que o nagual tirou o paletó e começou a nos ensinar os movimentos de Tensegridade com um dinamismo fora do comum. A transformação foi maravilhosa, como essas histórias dos mestres de Kung Fu, puro nervo em seu corpo. Uma de nossas companheiras, Aída, perguntou surpresa a Mariví:
“Mas... quem é esse senhor?”
E ela respondeu:
“É o nagual, idiota!”
Apesar de não dar uma de milagreiro, Castaneda era um homem poderoso. Em certa ocasião levou um grupo de amigos à cidade de Tula, capital do império tolteca, e percorreu com eles as ruínas, o museu e a igreja em que ele havia conhecido anos antes o Desafiante da Morte.
Um ano depois, alguns dos participantes quiseram reviver sua experiência e viajaram de novo para Tula. Mas ao chegar, oh! surpresa, descobriram que a igreja que tanto lhes havia impressionado pelo seu esplendor barroco, se havia modificado. Onde antes havia um altar talhado em madeira, agora se alçava um moderno púlpito, a decoração era outra. Ficaram transtornados, sua mente não podia aceitar que essa fosse a mesma igreja que visitaram com Castaneda.
Perguntei a Mariví o que havia acontecido a essas pessoas. Ela me explicou que o nagual os havia levado, em um ensonho, a um povoado quase idêntico, mas que não era a mesma Tula de nossos dias.
Tempos depois, Mariví me levou a Tula e me mostrou alguns segredos que lhe havia revelado o nagual. Por exemplo, conduziu-me a um lugar onde estava a estátua de um Chac-mool e me ordenou que pusesse um dedo debaixo do seu nariz. Assim o fiz, e de repente percebi que a escultura respirava! Ela me disse que o nagual Carlos havia feito o mesmo com ela e lhe havia explicado que essa escultura era de um antigo guerreiro que havia transferido sua consciência para a pedra.
Também lhe contou que, do Cerro de la Campana – um lugar próximo às ruínas arqueológicas que constitui o centro de referências de toda a cidade –, os voadores se lançavam, planando até as ruínas, e que os videntes os viam como gigantescas pipas negras. E que, em certos momentos do entardecer, as pirâmides deixavam de ser montes de pedra e se tornavam chamas brilhantes de cor esmeralda.
_ Quais os ensinamentos de Castaneda que mais o impressionaram?
_ Sua exigência de sermos impecáveis. Percebi o que isso significa dez anos depois de meu primeiro encontro com ele. Mariví me havia convidado a um centro chamado Casa Tibet, que estava sob o mando de Toni Karam, outro dos principais organizadores dos grupos do México. Quando Castaneda estava dando sua palestra, perguntei a ele:
“Nagual, quanto mais humilde quero ser, mais me vanglorio de meus atos de humildade, e termino sendo o mais chingón dos humildes. Que posso fazer?”
Olhou-me com assombro. Seu corpo se moveu com agilidade, parecia que ia saltar da tribuna para me dar uns cascudos por perguntar essas tolices.
“Olhe para mim!”, disse, “Olhe-me bem! Eu não sou humilde, mas tampouco me sinto importante. Não me sinto melhor do que nenhum dos que aqui estão. Só sou o melhor de mim mesmo: um guerreiro impecável.”
Com essa frase terminou minha busca de humildade e começou meu caminho para a impecabilidade. Compreendi que o caminho dos bruxos não tem a ver com posições de falsa moral, e sim com abandonar a importância e economizar a energia.
Recordo que, a princípio, o nagual zombava das pessoas novas que chegavam aos grupos de práticas. Dizia, rindo:
“Chegam com a importância pessoal pela frente, desejosos de serem notados. Têm esperança de que eu os descubra, e aí estão, olhando-me, como que dizendo: ‘aqui estou, já cheguei, descubra-me, por favor!’ É como se quisessem se tornar meus herdeiros, ou pelo menos, membros do meu grupo.”
Nós dávamos muitas risadas, porque sabíamos que era verdade.
Contou-nos que, em certa ocasião, um homem parou na frente dele e começou a repetir uma estranha palavra, como uma espécie de mantra. Ele se surpreendeu e perguntou o que ele estava fazendo, ao que o homem respondeu: “É que estive sonhando com você, e no meu sonho você me disse que, se eu me lembrasse dessa palavra e a pronunciasse aqui, frente a frente, então se abririam para mim todas as portas.”
Naturalmente, Carlos não lhe fez caso, deu meia volta e se foi. O homem, com cara de surpresa, ficou lá repetindo sua palavra, olhando enquanto o nagual se afastava.
Como pude comprovar, era fácil apaixonar-se por sua pessoa. Vi que as pessoas chegavam a suas conferências para escravizar-se, mas o que ele menos queria era ter escravos. Quando tratava de afastar os mais bajuladores, estes se decepcionavam e até se zangavam. Sempre havia alguém com alguma história de desilusão para contar.
Segundo Castaneda, um guerreiro tem que ser independente, sem um pingo de auto-compaixão, capaz de valer-se por si mesmo e sumamente respeitoso da integridade dos demais. Em uma ocasião, referindo-se à não-compaixão como requisito para encontrar a liberdade, disse-nos algo muito forte:
“Se vier a Madre Teresa de Calcutá e quiser ajudar você, cuspa-lhe na cara! Vai lhe fazer um favor, porque ela vem impor seu amor e seu desejo de ajudar, sem lhe pedir permissão.”
Outra das importantes lições que me deu teve a ver com o manejo da energia sexual.
Eu havia viajado para um seminário em Los Angeles. Caminhava sozinho, rumo ao restaurante no qual costumava comer, mas uma sensação estranha no estômago me fez pensar em outro restaurante cubano, que ficava a uma hora de caminhada. Como eu não tinha maiores compromissos nesse dia, dei meia volta e me dirigi ao local.
No restaurante encontrei um companheiro argentino que também assistia ao seminário de Tensegridade. Estava sentado junto à porta do lugar. Cumprimentei-o muito contente e fiquei conversando com ele, mas, passado um tempo, notei que ele estava ficando mais e mais nervoso. Finalmente, vendo que eu não ia embora, me disse que esperava alguém. Repliquei que, quando a visita chegasse, eu os deixaria a sós e iria comer lá dentro. Mas ele ficou ainda mais nervoso, e me confessou que tinha um encontro com o nagual, e que este não devia me ver ali, pois poderia pensar que ele me havia avisado.
Sabendo que o segredo e a discrição eram requisitos indispensáveis para mover-se nesse meio, despedi-me dele e entrei até o fundo do restaurante, colocando-me, porém, em um lugar de onde pudesse ver. Assim, dispus-me a esperar, e comi lenta e saborosamente.
Finalmente, vi como meu amigo se despedia e ia embora, cabisbaixo. Senti um pouco de culpa, pois pensei que talvez o nagual o tivesse visto comigo do seu automóvel, o que seria suficiente para cancelar o encontro. Cinco minutos depois da partida do meu amigo, pedi a sobremesa para retirar-me. Mas nesse momento, vejo na porta o nagual e Kylie, a instrutora de Tensegridade. Caminharam diretamente para minha mesa; ele ia na frente. Levantei-me, encarei-o e disse, sorrindo:
“Boa tarde, nagual. O homem que você chamou para almoçar ficou pelo menos uma hora esperando lá fora e acaba de ir faz uns minutos.”
Kylie se aproximou, colocando-se entre nós. Ele, muito amavelmente e com uma cara de surpresa na qual se vislumbrava certo mal-estar, replicou que não esperava ninguém para almoçar, que havia ido ali apenas para almoçar com Kylie.
Senti-me tão idiota! Pedi desculpas e me sentei. Eles se sentaram três mesas atrás de mim. Com pesar, comecei a comer a sobremesa, mas, poucos minutos depois, Castaneda levantou-se de sua mesa e foi conversar comigo. Foi essa a única ocasião em que tivemos uma conversa realmente em particular. Pôs a mão sobre meu estômago e disse: “Você tem estofo, mas, o que faz de noite quando está sozinho?”
Eu soube a que se referia. Pouco antes nos havia contado uma história sobre uma mulher guru muito famosa da Índia. Disse-nos que havia recebido uma indicação do nagual Dom Juan para ir conhecer pessoas importantes e líderes do mundo. Tinha que compreender o que era que tinham em sua energia que os destacava do resto das pessoas. Ele dizia que os gurus não são como os xamãs, que podem mover o ponto de encaixe para entrar em outros estados de percepção, e sim, que são pessoas que têm o ponto de encaixe maior que o normal. Por conseguinte, têm acesso a mais bandas luminosas de consciência.
Numa dessas viagens, encontrou-se com uma mulher guru. Entrou em um recinto, e a mulher estava sentada em uma espécie de trono, com dois homens, um de cada lado. Era muito bonita e contou-lhe histórias sexuais, tentando induzir idéias desse tipo, tanto em Castaneda quanto na mulher que o acompanhava.
Não obtendo resposta, a guru começou a tocar nos testículos de um homem que estava junto dela. O homem devia estar mais que acostumado, porque, apesar de essa senhora mexer em sua intimidade, ele não tinha nenhuma ereção.
Castaneda a questionou: “Como você se sente à noite, quando está sozinha e se olha no espelho, e vê que não há congruência entre o que diz e o que faz? Como pode se olhar e não sentir vergonha de si?”
Ela respondeu-lhe, com um olhar de malícia: “O segredo é nunca estar só.”
Naquele restaurante cubano, a pergunta de Castaneda me tocou bem fundo. Tomei-a como indicação direta sobre a minha conduta.
A conversa foi longa. Ao final, Kylie, muito amavelmente, nos interrompeu, indicando que a comida dele estava servida e esfriando. Carlos se despediu de mim, mostrando muita amabilidade. Já quando se ia, deu-me outra indicação:
“Mude de trilha.”
Naquele momento não entendi, mas, depois, Rosa me explicou o que isso significava:
“Você é muito xamã. Mude de trilha, torne-se alguma outra coisa, um comerciante, por exemplo. Essa é uma trilha completamente diferente da sua percepção e da posição habitual do seu ponto de encaixe.”
Obedeci imediatamente a sua sugestão, e em um ano havia aberto uma loja de móveis.
Carlos estava cheio de ensinamentos. Toda vez que me encontrei com ele obtive algo de valor para minha evolução pessoal. O mais interessante é que tinha o dom de exemplificar vividamente suas descrições, fazendo com que fosse mais fácil entender as proposições abstratas dos bruxos. Este é um caso: na Casa Amatlán havia uns ovinhos de pedra à venda; um dia o nagual os adquiriu e deu um de presente para cada um de nós, para nos recordar que, no caminho do conhecimento, é preciso ter ovos de aço.
Outro de seus métodos didáticos era repetir uma e outra vez certas histórias, a fim de que ficassem profundamente impressas em nosso interior. Afirmava que há tópicos na bruxaria que, se não se repetem, não são captados pelo consciente. Também era muito dado a levar seus aprendizes para lugares de poder, como montanhas, grutas ou ruínas. Esse era seu estilo.
_ E que faziam nesses lugares?
_ Praticávamos exercícios, mas também havia outras atividades.
Em uma ocasião soube que ele havia levado um grupo bastante numeroso de companheiros às grutas de Cacahuamilpa. Não pude assistir, pois fui passear em Taxco. Depois tive um encontro fortuito com Marcela (uma das mais próximas aprendizes do nagual) e perguntei a ela o que haviam feito lá.
Ela me disse que, na linhagem de Dom Juan, os aprendizes iam para essas grutas, porque ali existia um guerreiro de antes de nossa humanidade. Esse bruxo era uma grande abóboda natural no fim da gruta, um olho imenso de pedra, que é consciente das intenções dos que ali vão com um ânimo impecável. Durante gerações, os membros dos grupos iam até esse lugar para fazer a promessa de seguir o caminho do guerreiro. Essa consciência serve de porta. Marcela ordenou-me que fosse ali fazer meu voto.
Essas expedições foram no princípio; depois, tudo mudou.
O trabalho de Castaneda se fez mais teórico. Os encontros se canalizaram para a prática da Tensegridade e deixaram de ficar restritos a grupos pequenos. Ao massificar o ensinamento, o nagual teve de afastar-se do trato pessoal. A mudança se nota inclusive em seus livros, que adquiriram outro caráter.
E não foi somente uma mudança de estratégia, também houve alterações profundas na energia. Dei-me conta disso um dia, enquanto estava na sala da casa de Mariví. Ela comentava sobre suas experiências com o nagual, afirmando que com ele havia vivido alguns dos momentos mais felizes de sua vida. No meio da conversa tocou o telefone. Ela atendeu e, pelo tom de sua voz, percebi que era Castaneda.
Conversaram durante cerca de uma hora. Finalmente, ela desligou o telefone e me olhou. Havia lágrimas em seus olhos. Disse-me que o nagual havia ligado para despedir-se dela, porque estava prestes a deixar esse mundo. Pareceu-me que estava falando de sua morte. No entanto, Carlos permaneceu ainda por quatro anos entre nós.
Por aqueles dias acabava de sair seu nono livro, “A Arte do Sonhar”. A partir daí, tenho a sensação de que uma parte dele se foi; seu corpo ficou nesse mundo, porém já não era o mesmo nagual; estava ocupado, talvez, pelo Desafiante da Morte ou por alguma outra energia. Pode ser que tenha mudado sua configuração energética.
A nova etapa se consolidou quando Castaneda começou a dar seminários de Tensegridade, muitos seminários em pouco tempo. Neles, negava-se a falar do que havia escrito em seus livros, e afirmava:
“Aquilo é velho, aqui tenho o novo.”
No primeiro intensivo que houve em Los Angeles, chegaram umas 180 pessoas, porque não se sabia se ali estaria Carlos Castaneda em pessoa. Mas quando se soube que ia vir mesmo, começou a chegar gente de todos os lados, até que nos reunimos cerca de 600. Se bem me lembro, os primeiros que chegamos recebemos um diploma; que eu saiba foi a única vez que deram diplomas.
Às vezes, nos convidava para as aulas de Tensegridade em Santa Mônica. Assistir a cada três meses a esses cursos me permitiu ir conhecendo o grupo de pessoas que havia buscado durante anos o nagual. Eu procurava não perder nenhum evento, tanto no México quanto em Los Angeles ou na Espanha.
Durante os encontros em Los Angeles, Carlos sempre separava o grupo de pessoas que falavam espanhol, e nos dava pelo menos uma palestra em particular: as aulas latinas. Dizia que não é a mesma coisa transmitir o conhecimento dos bruxos em inglês e em espanhol, porque foi nesta última língua que ele o aprendeu, e no México é que foram elaborados os conceitos fundamentais.
Lembro-me da primeira vez em que me sentei a uma mesa para comer com ele. Éramos quatorze convidados, todos latinos; faltavam chegar quatro pessoas, entre elas, uma jornalista de Nova York. Rosa Coll estava encarregada de nos atender. Pamela Fields, minha companheira naquela época, esperava em outra mesa do restaurante, já que era norte-americana. Pedi a Rosa que desse a ela a oportunidade de ficar próxima ao nagual, e ela amavelmente concordou que Pamela ocupasse um dos lugares dos convidados que não haviam chegado. Assim, fiz um sinal a Pamela, que se aproximou da mesa.
Ao vê-la, Castaneda confundiu-a com a jornalista que estava esperando, saudou-a efusivamente e abraçou-a com muito carinho. A surpresa de todos os presentes foi imensa. Quando se esclareceu a confusão, ele tomou o encontro como um augúrio e, como exceção, permitiu que Pamela se sentasse com o grupo de latinos. Foi a única norte-americana a quem ele concedeu esse direito.
Lembro-me de outra vez, nos primeiros cursos, em que as instrutoras que eram chamadas de as Chac-mool tiveram uma pequena divergência em público sobre a maneira de fazer determinado movimento.
A conferência estava sendo dada em um grande auditório, e contava com a assistência de umas 600 pessoas. O nagual, de forma pública e fulminante, as repreendeu e destituiu. A Tensegridade continua mas as Chac-mool terminam, disse. Nos seminários seguintes reapareceram com um grupo de aprendizes denominados os Elementos. Sabia bem que nesse grupo não se podia cometer erros.
Lembro-me de uma dessas reuniões dirigidas aos latinos, na qual ele começou a falar mal de Rosa Coll, dizendo que, já que ela em seu crescimento estava superando a importância pessoal, já se podia falar mal dela em público sem que isso lhe causasse uma perda de energia; descrevia-o como uma realização e uma forma de posicionar o aprendiz no ponto de crescimento em que estava.
Também me recordo de quando falava sobre a necessidade da massa energética gerada pelos grupos. Contou-nos uma história: havia um cientista que pôs uma formiguinha em observação, o bicho caminhava de um lado para o outro, pôs duas, três, assim até 41; as formiguinhas, desconcertadas, pareciam não saber o que fazer... De acordo com essa história, cada vez que se juntavam 42 formigas estas tinham a massa energética suficiente para criar uma consciência coletiva e saber o que fazer: um formigueiro; quando são 42 formigas no mínimo, cada uma sabe qual é o seu papel para criar um formigueiro.
Lembro-me também – mas não localizo exatamente onde foi o comentário – que a energia gerada pela Tensegridade se canalizava para resgatar Dom Juan e seu grupo que haviam ficado presos na segunda atenção; que era um pagamento mínimo de nós para com ele pelo legado que nos havia deixado.
A última vez que o vi foi em Santa Mônica; como sempre, havia no mínimo uma reunião com os latinos dentro dos seminários. Corria o rumor de que ele estava enfermo e era possível que não se apresentasse, mas ali estava, radiante e belo, cheio de vida, nervoso e ágil, transmitindo como sempre o melhor de si, respondendo às perguntas e fazendo as pessoas rirem; era um prazer vê-lo, um momento sublime para a eternidade. Uma mulher fez a pergunta: “E você, como está?”
O rosto do nagual Carlos Castaneda mudou por completo, seu olhar se entristeceu.
“Os inorgânicos querem me levar, moveram uma só fibra energética, o açúcar (diabetes). Preciso de uma razão para ficar; já cumpri minha tarefa; movi o ponto de encaixe da terra, resgatei Dom Juan que ficou preso com seu grupo na segunda atenção e entrei com o corpo na terceira atenção. Preciso de uma nova razão para ficar, oxalá essa razão fossem vocês com a Tensegridade.”
Realmente era fácil admirá-lo e apaixonar-se por ele. Desde a primeira vez que o vi até a última, sempre admirei a congruência entre suas palavras e seus atos. Escutei muitas histórias, e vi muitas pessoas que queriam ser seus escravos e como não foram aceitas se desiludiram e se aborreceram, vi também fanáticos que acreditavam que o único xamanismo que existia no México era o tolteca. Até um amigo meu que trabalhava na CIA comentou que Carlos era uma das pessoas mais observadas pelo serviço de inteligência. Eu pessoalmente fico com o que vi: um Guerreiro Impecável que admirei acima de tudo. Hoje me sinto orgulhoso do que sou e sei que o devo a ele. Esteja onde estiver, meu amor incondicional e meu agradecimento eterno.
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