Psicodélico: As portas de uma outra dimensão.

sábado, 26 de maio de 2007

As portas de uma outra dimensão.

Os enteógenos e os psiconautas: a expansão da consciência
través de plantas chega ao século XXI
DÉBORA LERRER
Plantas alucinógenas têm sido usadas em ritos religiosos por várias culturas ao longo dos séculos. Ao promoverem estados alterados de consciência, estas plantas agem como mediadoras entre o mundo da experiência imediata e as infinitas dimensões espirituais que permeiam toda a existência. Por esta razão são vistas por algumas culturas como portadoras de inteligência e são consideradas fontes de uma profunda e misteriosa sabedoria, instrumentos do divino, fontes de beleza e inspiração, assim como meio para manter a integridade cultural.
Hoje em dia os devotos das experiências visionárias abastecidas por plantas e químicos preferem denominá-las "enteógenos", palavra originada a partir do grego e que quer dizer "tornar-se divino interiormente". Para esses modernos "psiconautas", a palavra psicodélico carrega demasiada bagagem cultural. O objetivo deles, ao embarcarem em viagens com os enteógenos, é acessar outros planos de consciência, entender mais amplamente seu processo de vida e se conectar com a natureza. Mas há que se ter cuidado. Embora não haja efeito colateral conhecido, nem registro de dependência química ou dano cerebral, há alguns riscos psicológicos, particularmente para aqueles com histórico de problemas mentais. Os portais da consciência só devem ser abertos em contextos seguros, para que eles promovam um encontro iluminador e não desestruturante.
O médico Otávio Castello de Campos, que toma chá de ayuasca regularmente dentro dos rituais da União Vegetal, explica: "Uma coisa é você pegar uma substância dessas, sintetizá-la e distribuí-la em uma danceteria na cidade. Outra coisa é você usar esta substância dentro de um contexto ritual, onde ela não é a finalidade em si e é encarada como um veículo sagrado, que está dentro de uma esfera cultural, um conjunto de valores".
Uso moderno de ritos antigos
Na Grécia Antiga, durante a celebração dos Mistérios de Elêusis, dedicada à Deusa Deméter, na primavera, o iniciado bebia uma poção, o Kykeon. Em vários povos ameríndios, a ingestão de substâncias alucinógenas é parte fundamental de seus rituais religiosos. Os povos Huichol e Tarahumaras do México e vários povos indígenas da América do Norte usam o cacto peyote em rituais que duram a noite toda, extensamente descritas por antropólogos. Para numerosos grupos indígenas da Amazônia o uso da ayahuasca, o "vinho da alma", é parte fundamental de sua concepção de mundo. Em geral, é através do uso ritual de plantas alucinógenas que os xamãs vão se treinando para adquirir seus poderes.
No início do século XX, os dadaístas e surrealistas, seguindo o escritor e teatrólogo Alfred Jarry, exploraram o uso de haxixe e da mescalina, princípio ativo do peyote, para aumentar a criatividade. A experiência com o peyote, junto ao povo Tarahumaras, no México, também teve um lugar importante na obra do ator e escritor francês Antonin Artaud, que escreveu vários textos inspirado por esta experiência. Esta experiência com os indígenas mexicanos também teve considerável influência na concepção artaudiana do Teatro da Crueldade, pois seu objetivo era conseguir elevar os espectadores a uma espécie de transe teatral.
A aversão de Artaud ao teatro tradicional, que ele chamava de burguês, retoma uma concepção elaborada por Nietzsche, em seu livro de estréia, "O Nascimento da Tragédia", em que ele advoga que nos primórdios dos ritos teatrais gregos não havia espectadores passivos. Segundo o filósofo, os espectadores também ingeririam substâncias e em contato com a máscara de Dionísio, Deus que simboliza o espírito teatral, se sintonizavam com a mensagem trágica. Em 1954, o escritor inglês Aldous Huxley narrou as percepções provocadas por sua experiência com a mescalina em seu livro "As portas da percepção". Huxley também teve experiências com o LSD, que ele considerava particularmente útil para alcançar percepções espirituais. Mas foi na década de 70, a partir dos cultuados livros do antropólogo Carlos Castañeda, que o uso ritual de plantas se tornou conhecido em todo o mundo. Grande parte da obra de Castañeda, inclusive seu primeiro livro "A erva do diabo", é derivada das experiências de ampliação da percepção motivadas pelo peyote, ao qual ele foi iniciado pelo xamã Don Juan.
A invenção, a popularização e o ostracismo do LSD
O uso de substâncias alucinógenas se popularizou no Ocidente a partir da década de 60, embalado pela revolução de costumes que caracterizou a década. A mais popular delas, o LSD, foi resultado de uma pesquisa farmacêutica de rotina, no laboratório Sandoz, na Suíça, em 1938. O farmacêutico Albert Hoffman tentava produzir um novo remédio que facilitasse o trabalho de parto, quando sintetizou o primeiro LSD (Lysergic Acid Diethylamide ou Dietilamida do Ácido Lisérgico). Anos mais tarde, em 1943, sem perceber que havia absorvido uma dose de LSD ao trabalhar sem luvas, Hoffman sentiu os efeitos do alucinógeno que havia criado e que o tornou reverenciado por psiconautas de todo o mundo. Inicialmente, o Sandoz distribuiu o LSD para pesquisas científicas. Eram os primórdios da psiquiatria farmacológica e não havia remédios desenvolvidos para tratar doentes mentais que lotavam hospitais e asilos psiquiátricos. A carreira do LSD como experimento de pesquisa gerou bons resultados. Os psiquiatras canadenses Abram Hoffer e Humphrey Osmond tabularam resultados de 11 diferentes estudos de alcoolismo e concluíram que 45 % dos pacientes tratados com LSD melhoraram.
Quem o tirou do meio científico e o levou para as ruas foi o psicólogo norte-americano Thimoty Leary, PhD de Harvard que ficou conhecido como o "guru do LSD". Ao obter resultados positivos em sessões de LSD com presos, Leary passou a elaborar várias teorias sobre substâncias psicoativas, sua função social dentro da cultura, da arte e da ciência. A partir disso, impressionado com o potencial de abertura da consciência que o LSD proporcionava, Leary começou a propagar seu uso em sessões grupais guiadas pelo Livro Tibetano dos Mortos que caiu como uma luva na atmosfera da contra-cultura norte-americana. Em 1966, entretanto, o LSD foi proibido e Leary, preso. A popularidade e o uso indiscriminado do LSD acabou mostrando seu lado obscuro e todas as pesquisas que o utilizavam foram abandonadas.
Psicodélicos e tecnologia
A proibição do uso de alucinógenos, entretanto, não diminuiu sua procura, inclusive em circuitos plenamente incorporados ao status quo, como é o caso do Vale do Silício, meca da indústria informática norte-americana. Por razões óbvias, estatísticas confiáveis sobre a extensão do uso de psicodélicos naquela área não existem, mas há pelo menos um dado que revela seu interesse pelo assunto. Rick Doblin, o fundador do MAPS, uma associação multidisciplinar para o estudo de psicodélicos, diz que mais de 50% de seus recursos vêm de dirigentes do Vale do Silício. Embora não goste de falar sobre isso, Bill Gates, o dono da Microsoft, admitiu em entrevista à revista Playboy que teve experiências com o LSD quando estudava em Harvard. Outro membro fundador da Microsoft, Bob Wallace, é menos comedido. Ele acredita que o caos criativo e o potencial visionário proporcionado pelo uso recreacional de LSD foram responsáveis por inspirações cruciais no desenvolvimento de programas de informática. Logo, não é exagerado atribuir às experiências psicodélicas a criação das janelas do tão usado Windows.
Já o Nobel de Química de 1993, Dr. Kary Mullis, é ainda mais enfático. Ele atribui ao uso de LSD a criação do PCR, uma técnica biológica molecular sofisticada que permite a multiplicação de pequenos fragmentos de DNA, descoberta científica que lhe valeu a indicação para o prêmio. Segundo Terence McKenna, autor de vários livros em torno de xamanismo e uso de psicodélicos, não seria a primeira vez que estas substâncias teriam contribuído para a evolução humana. Em seu livro "The Food of Goods", de 1992, McKenna, que morreu no início de abril, defende que a ingestão de cogumelos mágicos propiciou que nossos ancestrais aumentassem suas capacidades lingüísticas e visuais.
Combustíveis para a outra dimensão
DMT - Um dos alucinógenos mais poderosos, o DMT (Dimetiltriptamina) é uma substância química produzida por diversos animais e vegetais, inclusive pelo próprio homem. Alguns pesquisadores apontam que ele seria o responsável pelas visões nos nossos sonhos. O DMT foi sintetizado pela primeira vez em 1956, pelo químico checo Steven Szara. Ao ser fumado, seus efeitos alcançam o pico em dois minutos e enfraquecem depois de dez, mas injeções de DMT produzem viagens mais prolongadas.
Peyote - O cacto peyote (Lophophora williamsii), foi apresentado para a ciência pelo farmacologista alemão Lewis Lewin, que o conheceu em uma viagem pelos Estados Unidos em 1887. Em 1897, Arthur Heffer isolou a mescalina, poderoso princípio ativo presente no topo do peyote, capaz de produzir visões e outras evidências de natureza mística. Assim como outras drogas alucinógenas, o peyote não vicia e, longe de ter uma influência destrutiva, seus usuários e alguns observadores atribuem a ele a promoção de moralidade e comportamento ético entre os indígenas que o utilizam ritualmente. Por esta razão o uso do peyote nos rituais da Igreja Nativa Americana, fundada por índios norte-americanos, é hoje reconhecido e permitido pelo governo federal norte-americano.
Ayahuasca - Bebida usada em rituais na América do Sul, sobretudo na Bacia Amazônica. Conhecida também como daime e huasca, caapi, ou yagé, é obtida a partir da fervura de duas plantas amazônicas, o cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi) e o arbusto chacrona (Psychotria viridis). Indígenas e seguidores das religiões União Vegetal e Santo Daime sustentam sua virtude, que inclui poderes de cura e de clarividência. Pesquisadores já provaram que a bebida produz efeitos notáveis que envolvem freqüentemente a sensação de voar. O nome ayahuasca vem de palavras em quechua, língua dos povos indígenas do Peru. Aya pode ser traduzido como "alma" ou "espírito" e "huasca", vinho. Pesquisadores que desenvolveram um estudo com os freqüentadores da seita União do Vegetal, em 1993, concluíram que o uso do chá ayahuasca não gera dependência química e teria, inclusive, ajudado alguns deles a superar o alcoolismo.
Cogumelos Mágicos - Certos cogumelos são usados em cultos entre povos indígenas da América Latina, especialmente no Estado de Oaxaca, no Sul do México. A espécie principal é a Psilocybe mexicana, cujo princípio ativo é o psilocibina e seu derivado psilocina. Mas existem vários tipos de cogumelos alucinógenos. O mais comum no Brasil é o Psilocybe cubensis. Há uma variação desta espécie, o Psilocybe subcubensis e diversos outros Psilocybes: semilanceata cyanescens, azure. Depois de colhidos, estes cogumelos são comidos crus, ou consumidos em forma de chá. Também podem ser secados para serem ingeridos depois. Os efeitos dos cogumelos são muito similares ao de um ácido, apesar de alguns relatarem uma viagem mais "natural" e a sensação de descolamento da realidade. Pequenas doses podem trazer excitação e euforia, enquanto que doses altas podem trazer distorções de formas e cores e alucinações.
LSD - O LSD altera a percepção da realidade. Ele pode levá-lo a ver o mundo como um lugar mágico, sublime e engraçado. Durante uma viagem, as cores podem parecer mais intensas, os objetos são vistos de maneiras bizarras ou maravilhosas e todos os sentidos podem se tornar confusos e distorcidos. Sintetizado por acaso, a partir de substâncias vasoconstritoras derivadas do ergot, o LSD vem usualmente em pequenos quadradinhos de papel. Ele pode demorar de 20 min a 2 horas para dar um efeito que dura de 7 a 12 horas. Não há como saber o quão forte é uma dose ou o quanto ela pode afetar o usuário. Algumas pessoas voltaram a sentir os efeitos do LSD dias ou mesmos semanas depois de tomá-lo.

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