Por : Daniel Pinchbeck
Recentemente, visitei alguns centros do Santo Daime com Jyoti, nossa guia da rede Kayumari, e outros dez ocidentais da Europa e dos Estados Unidos, em uma viagem que durou três semanas. Nossa primeira parada foi Brasília, a capital do Brasil, uma cidade modernista construída a partir do nada em 1960. Ficamos na comunidade do Santo Daime nos arredores da cidade, e participamos de duas cerimônias enquanto estávamos lá.
Inicialmente, senti uma resistência profunda ao trabalho com Santo Daime. Nas cerimônias shamânicas que participei anteriormente, nós tomamos ‘medicina’ no escuro, e o foco era na experiência de visões individuais. Nas cerimônias do Santo Daime, as luzes ficaram acesas, e a energia focalizada em criar um tipo de mente grupal. Mais tarde, José Murilo e Fernando La Rocque, nossos anfitriões, explicaram que chamam isto de “shamanismo coletivo”. Também levei algum tempo para me acostumar com os hinos, que pareceram muito estranhos a princípio. Além disso, senti uma poderosa reação negativa à idéia de uma estrutura religiosa formal onde as pessoas usam uniformes, sentam em filas, e os homens são separados das mulheres.
Eu tive que sair constantemente da igreja. Saía para me sentar perto do fogo aceso do lado de fora ou andar a esmo olhando as estrelas. Há guardiões designados a tomar conta da cerimônia e eles sempre vinham até mim para me convencer a voltar para dentro. Para mim, naquele momento, me pareceu uma violação da minha liberdade pessoal ter de participar do trabalho. Voltei mas com grande relutância. Eu senti raiva de suas tentativas de restringir minha independência.
De Brasília, nosso grupo voou seis horas até a Floresta Amazônica no Oeste do Brasil. Ficamos em uma comunidade Daimista chamada Céu do Cruzeiro do Sul. Eles têm um lindo centro de cerimônias, pintado em branco e azul, com faixas coloridas. Para nossa única noite, organizaram um trabalho que implicava em dançar a noite toda. A dança era simples, de apenas dois passos, todos indo de cá para lá dentro de um espaço mínimo de um metro. Dancei um pouco, então minha resistência cresceu de novo. Saí e me sentei perto do fogo, depois voltei à minha rede. Nesta comunidade, ninguém parecia se preocupar se eu estava ou não em meu lugar.
Voltei sozinho para meu quarto de hóspede e percebi que não queria mesmo participar da cerimônia. Minha resistência desapareceu instantaneamente. Voltei e dancei o resto da noite, e comecei a entender porque o Santo Daime têm trabalhos de uma forma tão rigorosa. Quando eu me permiti entrar “na corrente”, como eles dizem, senti que a ‘medicina’ não estava apenas me apresentando a uma força ou presença divina, mas também limpando minha psique. Era parecido com a meditação Budista da não/mente onde pensamentos aparecem e desaparecem sme nossa interferência.
Na manhã seguinte, voltei e sentei por um instante na igreja vazia. Pela primeira vez em minha vida, senti que entendia a natureza da devoção como prática espiritual. Me pareceu que a devoção era uma vibração ou um tipo de freqüência que ajudava a segurar a estrutura da realidade. Me emocionei e senti muita gratidão por ter sido apresentado a esta prática cerimonial.
Daí entramos num barco, viajando com Padrinho Alfredo e Luís Fernando por dois dias e meio, descendo o rio Juruá. Paramos brevemente para visitar o centro Daimista de Ipixuma e depois viajamos até a vila dos Estorrões, também conhecida como Céu do Juruá. Por alguma razão, eu estava um pouco amedrontado com essa viagem antes de sair de Nova York, e não podia nem mesmo me forçar a olhar no mapa para ver nosso destino. Tudo que sabia era que íamos entrar fundo na Amazônia.
Na primeira noite, depois de um lindíssimo pôr do Sol, entramos em nossa redes e balançamos com o barco. A minha estava armada no convés superior, sob um pequeno telhado. Foi uma experiência incrível. À noite eu acordei e descobri tudo encoberto pela neblina, as árvores eram como fantasmas nas margens. Me senti flutuando no vazio, em direção ao abismo, tremendamente libertador.
Finalmente o cais. Parte do nosso processo de iniciação foi aprender como se faz o sacramento do Santo Daime (ayahuasca), trabalhar com as duas plantas que são cozidas juntas, o cipó e a folha. Assim que atracamos, fomos levados à casa comunitária onde um enorme monte de folhas nos aguardava. Elas deviam ser limpas individualmente, folha por folha. Geralmente só as mulheres realizam este trabalho mas por alguma razão eles decidiram que os homens deveriam tentar também.
No começo, limpar as folhas parecia uma tarefa impossível e interminável. Mas, nos deram Daime para tomar, e depois de algum tempo toda tarefa transformou-se em algo intensamente prazeroso. Senti como se cada folha estivesse se apresentando como um divindade feminina que demandava atenção. Parecia que a ‘medicina’ me ensinava como cuidar dela. Imerso no trabalho, perdi a noção do tempo.
Paramos para o almoço depois andar por quatro horas dentro da floresta, até a comunidade do Céu do Juruá que é considerada um dos centros espirituais mais importantes do Santo Daime. Pelos padrões ocidentais, é um lugar rudimentar – sem telefone, eletricidade ou água encanada. As casas ficam penduradas em longas trilhas na floresta como peças de um colar. Uma grande ponte liga a parte baixa ao centro da comunidade onde há uma cozinha central, uma área para refeições, um santuário a céu aberto e uma pequena igreja.
Fomos levados ao nosso grande e único quarto, onde armamos as redes e mosquiteiros. Foi preciso algum esforço para me acostumar com o calor e a umidade da floresta.
Logo aprendemos a seguir o exemplo dos moradores, que sabiam como ficar quietos e conservar suas energias durante as horas mais quentes do dia. Eram muito amigáveis, e pareciam nos ajudar por termos realizado esta longa viagem para visitá-los e participar de seus rituais. Fomos bem recebidos, sem julgamento, na vida da comunidade.
Durante os próximos dias, nosso trabalho centrou-se ao redor da casa de feitio onde o Daime é preparado. Aprendi como trabalhar com o Cipó – limpando as partes mofadas e podres e depois batendo até reduzi-lo a filamentos para o cozimento.
Tivemos duas cerimônias, presididas por Padrinho Alfredo, que é o líder da igreja. Fiquei muito impressionado com ele. Muito gentil e, apesar disso, confiei imediatamente nele e em sua maestria no Daime. As cerimônias foram extraordinariamente belas e emocionantes. Descobri que realmente queria estar conectado com esta tradição que tinha estabelecido um contato tão direto com o sagrado. Dois de meus amigos sentiram o mesmo. Antes de sairmos da selva, decidimos que nos fardaríamos. Contamos nossa decisão a Luís Fernando.
O último trabalho foi de cura. A energia foi tão enorme, as visões tão intensas, que tive medo de não suportar, mas Alfredo permaneceu firme mesmo durante o pior. De vez em quando eu podia ver a “Mãe da Floresta”, como um ser astral grandioso, dançando acima de nossas cabeças. Senti algo que só posso descrever como Presença Divina no centro da sala, acima do altar, onde a energia das cantoras estava centrada. Eu podia ver seres astrais que pareciam vir a mim trazendo flores e frutos.
Por um longo tempo tive a sensação que havia uma figura escura do meu lado esquerdo, e fiquei com medo de ser algo ameaçador. Finalmente, em meu estado visionário, eu olhei e percebi que era Alfredo me oferecendo uma mão. Em minha visão, eu apertei sua mão. Ele me deu um sorriso maravilhoso e desapareceu.
No dia seguinte, depois de nos juntarmos para um último abraço e uma foto grupal com Alfredo e sua família, deixamos o Juruá. Pegamos uma canoa pelos afluentes menores até alcançar nosso barco no rio. Por quase uma hora e meia, uma águia voou junto de nós, planando de árvore em árvore enquanto prosseguíamos. Parecia um sinal de boa sorte.
Esta viagem foi a experiência mais bonita da minha vida.
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