(...) Escrevi dessa maneira sobre as premissas da feitiçaria exatamente como Don Juan as explicou para mim, dentro do contexto de seus ensinamentos.
Em seu esquema de ensino, o qual foi desenvolvido por feiticeiros de tempos antigos, havia duas categorias de instrução.
Uma era chamada "ensinamentos para o lado direito", desenvolvida no estado normal de consciência. A outra era chamada "ensinamentos para o lado esquerdo", posta em prática apenas em estados de consciência intensificada.
Essas duas classes permitiam que os professores ensinassem a seus aprendizes em três áreas de habilidades: a maestria da consciência, a arte da espreita e a maestria do intento.
Essas três áreas de habilidades é o enigma da mente; a perplexidade que os feiticeiros experimentam quando reconhecem o espantoso mistério e propósito da consciência e da percepção.
A arte da espreita é o enigma do coração; o desconcerto que os feiticeiros sentem ao se tornarem conscientes de duas coisas: primeiro, que o mundo parece para nós inalteravelmente objetivo e factual, por causa das peculiaridades de nossa consciência e percepção; segundo, que se deferentes peculiaridades de percepção entram em jogo, as próprias coisas do mundo que parecem tão inalteravelmente objetivas e factuais mudam.
A maestria do intento é o enigma do espírito, ou o paradoxo do abstrato - os pensamentos e ações dos feiticeiros projetados além de nossa condição humana.
A instrução de Don Juan quanto à arte da espreita e a maestria do intento dependia de sua instrução sobre a maestria da consciência, que era a pedra fundamental de seus ensinamentos, que consistia das seguintes premissas:
I - O universo é uma aglomeração infinita de campos de energia, semelhante a filamentos de luz;
II - Esses Campos de energia, chamados de "emanações da Águia", radiam de uma fonte de proporções inconcebíveis, metaforicamente denominada Águia;
III - Os seres humanos também são compostos de um número incalculável dos mesmos campos de energia filamentosos. Essas emanações da Águia formam uma aglomeração encapsulada que se manifesta como uma bola de luz do tamanho do corpo da pessoa com os braços estendidos lateralmente, como um ovo luminoso gigante;
IV - Apenas um grupo muito pequeno de campos de energia no interior dessa bola luminosa são acesos por um ponto de intenso brilho localizado na superfície da bola;
V - A percepção ocorre quando os campos de energia desse pequeno grupo imediatamente ao redor do ponto de brilho estendem sua luz para iluminar campos de energia idênticos no exterior da bola. Uma vez que os únicos campos de energia perceptíveis são aqueles iluminados pelo ponto brilhante, esse ponto é chamado "o ponto onde a percepção é aglutinada", ou simplesmente "o ponto de aglutinação";
VI - O ponto de aglutinação pode ser movido de sua posição usual sobre a superfície da bola luminosa para outra posição na superfície ou no interior. Uma vez que o brilho do ponto de aglutinação pode iluminar qualquer campo de energia com o qual entra em contato, quando se move para uma nova posição ilumina de imediato novos campos de energia, tornando-os perceptíveis. Esta percepção é conhecida como ver;
VII - Quando o ponto de aglutinação se desloca, torna possível a percepção de um mundo inteiramente diferente - tão objetivo e factual como aquele que normalmente percebemos. Os feiticeiros entram nesse outro mundo para obter energia, poder, soluções para problemas gerais e particulares, ou para encarar o inimaginável;
VIII - Intento penetrante que nos faz perceber. Não nos tornamos conscientes porque percebemos; antes, percebemos como resultado da pressão e intrusão do intento;
IX - O objetivo dos feiticeiros é atingir um estado de consciência total de modo a experimentar todas as possibilidades de percepção disponíveis ao homem. Esse estado de consciência implica mesmo uma maneira alternativa de morrer.
Um nível de conhecimento prático era incluído como parte do ensino da maestria da consciência. Nesse nível prático Don Juan ensinava os procedimentos necessários a mover o ponto de aglutinação. Os dois grandes sistemas desenvolvidos pelos feiticeiros videntes dos tempos antigos para realizar isto eram: sonhar, o controle e utilização de sonhos; espreitar, o controle do comportamento.
Mover o ponto de aglutinação de um indivíduo era uma manobra essencial que todo feiticeiro tinha de aprender. Alguns deles, os naguais, também aprendiam a executá-lo para outros. Eram capazes de desalojar o ponto de aglutinação de sua posição costumeira, desferindo um forte golpe diretamente contra o ponto de aglutinação. Esse golpe, que era experimentado como um soco na omoplata direita - embora o corpo nunca fosse tocado - resultava num estado de consciência intensificada.
De acordo com essa tradição, era exclusivamente nesses estados de consciência intensificada que Don Juan executava a parte mais importante e dramática de seus ensinamentos: as instruções para o lado esquerdo. Por causa da extraordinária qualidades nesses estados, ele pedia que eu não os discutisse com outros até que tivéssemos concluído tudo no esquema de ensino dos feiticeiros. Esse pedido não era difícil de aceitar. Nesses estados únicos de consciência, minha capacidade de entender a instrução era inacreditavelmente aumentada, mas ao mesmo tempo minha capacidade de descrever ou mesmo lembrá-la ficava diminuída. Eu podia funcionar nesses estados com habilidade e segurança, mas não podia lembrar-me de coisa alguma a seu respeito depois de retornar a minha consciência normal.
Levei anos para me tornar capaz de fazer a conversão crucial da minha consciência aumentada para o normal. Minha razão e o bom senso retardavam esse momento porque colidiam com a realidade irracional e impensável da consciência intensificada e do conhecimento direto. Por anos o descompasso entre uma consciência e outra forçou-me a evitar o assunto, não pensando a respeito.
Tudo o que escrevi sobre o meu aprendizado de feitiçaria, até o presente, tem sido um relato de como Don Juan ensinou-me a maestria da consciência. Não escrevi ainda a arte de espreitar ou a maestria do intento.
Don Juan ensinou-me seus princípios e aplicações com a ajuda de dois de seus companheiros: um feiticeiro chamado Vicente Medrano e outro chamado Silvio Manuel, mas tudo o que aprendi deles ainda permanece nublado no que Don Juan chama de complexidades da consciência intensificada. Até agora foi impossível para mim escrever ou mesmo pensar com coerência sobre a arte da espreita e a maestria do intento. Meu engano foi encará-las como temas de memória e reminiscência normais. São, e ao mesmo tempo não são. Para resolver esta contradição, não persegui os temas diretamente - uma imposição virtual -, mas lidei com eles de modo indireto através do tópico conclusivo da instrução de Don Juan: as histórias dos feiticeiros do passado.
Ele contava essas histórias para tornar evidente o que chamava 'os cernes abstratos de suas lições'. Mas eu era incapaz de perceber a natureza dos cernes abstratos, apesar de suas minuciosas explicações, as quais, agora sei, destinavam-se mais a abrir minha mente do que explicar tudo de modo racional. Seu modo de falar fez-me acreditar por muitos anos que suas explicações dos cernes abstratos eram como dissertações acadêmicas; e tudo que fui capaz de fazer, sob essas circunstâncias, foi tomar suas explicações como eram dadas. Elas tornaram-se parte da minha aceitação tácita de seus ensinamentos, mas sem o comprometimento completo de minha parte, essencial para compreendê-las.
Don Juan apresentou três conjuntos de seis cernes abstratos cada, arranjados num nível crescente de complexidades. Lidei aqui com o primeiro conjunto, que é composto do seguinte: as manifestações do espírito, o assalto do espírito, as artimanhas do espírito, a descida do espírito, os requisitos do intento e a manipulação do intento.
O Poder do Silêncio
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