Psicodélico: junho 2010

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Rituais do Daime escondem uso de drogas


Presidente da Federação Nacional da Ayahuasca admite que uso de drogas está disseminado em rituais do Daime e defende repressão

Severino Motta, iG Brasília 24/05/2010

O presidente da Federação Nacional da Ayahuasca - mais conhecida como Santo Daime -, Emiliano Dias Linhares, disse nesta segunda-feira, em audiência pública na Câmara dos Deputados, que o uso de drogas como a maconha e a cocaína estão presentes em diversos templos religiosos. Segundo ele, caso não exista uma forte repressão, a proposta do deputado Paes de Lira (PTC-SP), que quer proibir o chá, ganhará força e a religião fundada no início do século 20 pode acabar.

“Hoje há uma banalização no uso do chá. A mistura com drogas está acontecendo em larga escala. Há quem o misture com a Santa Maria (maconha), com a Santa Clara (cocaína) e mais recentemente com crack, e deram nome de São Pedro para ele. Isso é um absurdo que tem que acabar. Eu prefiro ver o Daime proibido a isso seguir assim, com gente dando droga até para crianças”, disse.

A audiência pública realizada nesta tarde foi feita a pedido do deputado Paes de Lira, que quer proibir o uso da bebida alucinógena no Brasil desde março, quando o cartunista Glauco foi assassinado por Carlos Eduardo Nunes, adepto da igreja de Daime, Céu de Maria, fundada pelo artista.

“O uso do chá pode levar a surtos psicóticos ou ao consumo de outras drogas. Hoje tivemos denúncias graves do uso de drogas junto com o chá. Precisamos analisar melhor o tema e a liberação do uso da Ayahuasca”, disse Lira.

A igreja fundada por Glauco chegou a ser citada por Emiliano. Durante exposição na audiência pública o presidente mostrou um documento enviado por ele à Polícia Federal onde constava o nome da Céu de Maria na lista de igrejas em que ele acusa de haver uso de drogas paralelamente ao Daime.

“Nós entregamos documento para o Conad [Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, e para a Polícia Federal], mostrando os pontos de narcotráfico. E um deles era lá [no Céu de Maria]. Quinze dias depois o Glauco morre”, disse.

Além do uso de entorpecentes, que potencializam o efeito do chá, Emiliano também criticou a comercialização da Ayahuasca. De acordo com ele, qualquer um pode comprar os ingredientes do chá pela internet ou indo a alguns dos templos que desrespeitam a Lei.

“E compram para usar com maconha, com anfetamina, nas festas raves e nos prostíbulos”, disse.
O presidente da Federação sugeriu que o governo crie um órgão para fiscalizar o uso do Santo Daime no Brasil, fechar casas e prender os responsáveis em locais onde seja identificado o uso de drogas junto ao chá.

Briga

Durante a audiência pública Emiliano bateu boca com o presidente da União Brasileira do Vegetal - um dos maiores grupos do Santo Daime – Flávio Mesquita da Silva. Emiliano cobrou um posicionamento forte por parte da seita no combate às drogas. Ainda criticou um vídeo exibido por Flávio mostrando a cultura do Daime.

“A situação comprovadamente é que chegou um ponto que o Estado precisa sim agir. Se atentar à realidade é momento de ação. Não adianta colocar vídeo e mostrar coisa bonita enquanto gente é aliciada e tem tráfico dentro dos rituais Santo Daime. Muitas coisas foram ditas e poucas resolvidas”, disse.

Flávio, por sua vez, disse que o controle na União do Vegetal é rígido, mas que não estava ali para entrar em polêmicas pois há mais de 20 anos luta pela legalização da Ayahuasca, e que Emiliano não sabia disso “pois começou a tomar há pouco tempo e não conhece a história” do chá.

Ele ainda entregou uma petição extra-judicial para que Emiliano a assinasse. A intenção é impedir que Emiliano use o nome da União do Vegetal em sua Federação da Ayahuasca.

Protesto

Cerca de 500 pessoas participaram de um protesto em frente à Câmara pouco antes da audiência pública, que começou às 15h. Adeptos do Daime, pediam para que os deputados não apoiassem o projeto de Paes de Lira, que proíbe o chá no país.

Fonte : http://ultimosegundo.ig.com.br/

Um novo olhar sob as drogas alucinógenas

Matéria da Revista VEJA
17/05/2010


O uso terapêutico de drogas como a maconha e o ecstasy ressurgiu no campo de pesquisas médicas e reacendeu o debate sobre os efeitos benéficos de drogas ilegais para condições específicas de saúde. Segundo estudos publicados em revistas científicas nos últimos anos, a administração controlada dessas substâncias pode ajudar, por exemplo, pacientes com câncer, AIDS, esclerose múltipla, dores crônicas agudas, além de ser útil no tratamento de transtornos psíquicos.

No Brasil, começa nesta segunda-feira uma discussão para a possível criação de uma agência nacional de cannabis medicinal, cujo objetivo seria aprovar e controlar o uso terapêutico dos derivados da maconha. Organizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), o simpósio receberá autoridades brasileiras e profissionais da área, que deverão apresentar argumentos científicos sobre o uso benéfico da droga. "Não vamos discutir a legalização da maconha. Uma agência abriria a oportunidade de mais estudos no país, além de possibilitar o registro de medicamentos para uso em casos específicos", explica Elisaldo Carlini, presidente do simpósio e coordenador do CEBRID.

Segundo Carlini, mais de trinta estudos sugerem que a maconha tem efeitos positivos quando utilizada para fins medicinais. Os pesquisadores perceberam que quando as moléculas canabinoides da planta (princípio ativo) são isoladas é possível encontrar as propriedades terapêuticas. A partir disso, foram desenvolvidos medicamentos que atualmente já são prescritos em países como o Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e Holanda.

"A maconha tem cerca de 400 substâncias dentro dela, 80 são canabinoides: entre elas encontramos o THC (tetrahidrocanabidiol), que é usado em tratamento de doenças como glaucoma, e o canabidiol, que tem o efeito ansiolítico", explica o psiquiatra José Alexandre Crippa, que atualmente estuda os efeitos do canabidiol para amenizar os sintomas de pacientes com mal de Parkinson.

Propriedades terapêuticas da maconha e de drogas alucinógenas como ecstasy e LSD despertam o interesse dos cientistas desde as décadas de 1950 e 1960. No entanto, o uso recreativo e as preocupações sobre os efeitos maléficos fizeram com que diversos países aprovassem em convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) restrições severas para pesquisa médica com essas substâncias. "A literatura psiquiátrica daquela época já mostrava relatos de tratamentos bem-sucedidos com drogas psicodélicas", afirma o psiquiatra Charles Grob, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que atualmente estuda os efeitos da psilocibina - substância alucinógena encontrada em cogumelos - no tratamento de ansiedade e do desconforto de pacientes com doenças terminais.



Charles Grob

Em anos recentes, pesquisadores voltaram a olhar para essas substâncias como ferramenta aliada da medicina. No mês passado, um congresso realizado nos Estados Unidos reuniu cientistas do mundo inteiro para discutir os efeitos de alucinógenos no tratamento de problemas psíquicos. Durante o encontro, resultados de um ensaio clínico mostraram que o ecstasy - também conhecido como metilenodioximetanfetamina (MDMA) - vem demonstrando grande potencial para ajudar pacientes com stress pós-traumático. O transtorno pode ser desenvolvido por pessoas que vivenciam um trauma emocional severo e que são atormentadas por lembranças ruins, sofrem de ansiedade, sentem medo de que a situação se repita e têm dificuldade para dormir por conta dos constantes pesadelos. O tratamento convencional envolve terapia comportamental e a prescrição de medicamentos antidepressivos. No entanto, nem todos os pacientes respondem a esse tipo de abordagem.

De acordo com os pesquisadores, os voluntários observados no estudo não apresentaram efeitos adversos. Apesar de promissores, os resultados, que ainda não foram publicados, não são suficientes para garantir a eficácia de um tratamento convencional. Grob acredita que é importante que os pesquisadores atuais conheçam o que foi relatado no passado, já que podem encontrar referências importantes. "Exemplo disso seria o uso dessas substâncias para tratar alcoólatras crônicos. A medicina moderna nunca desenvolveu um tratamento efetivo para o alcoolismo", diz Grob.

Drogas liberadas? - Diversos estudos científicos comprovaram que drogas podem desencadear dependência, depressão, esquizofrenia, entre outros efeitos danosos já conhecidos pela população em geral. Segundo os médicos, a diferença entre as pesquisas que apontam os malefícios para as que apontam os benefícios está no objetivo do uso. "Há uma grande confusão sobre isso. A maconha pode causar uma série de problemas à saúde, mas para o uso recreativo. Quando falamos do uso médico, é utilizada uma substância química específica, com dose apropriada e prescrita para uma condição particular de um paciente. Ela é contraindicada para fins não medicinais", alerta Crippa.

O conhecimento a respeito do potencial medicinal da maconha não é novidade entre os cientistas. Enquanto alguns países já disponibilizam medicamentos à base de cannabis, as pesquisas com drogas como o ecstasy, psilocibina e LSD ainda são iniciantes no mundo científico. Devem demorar, portanto, a serem consideradas como uma alternativa de tratamento convencional. "Estamos muito distantes. Só começamos a abrir uma porta que foi fechada há 40 anos - não por falta de resultados, mas por conta de questões políticas e sociais daquele tempo", avalia Grob. "Tratamentos com essas substâncias poderiam ser úteis para uma população de pacientes que não responde bem ao que está disponível. Na psiquiatria atual, a maioria está dominada por tratamento com medicamentos convencionais, alguns com efeitos colaterais severos", finaliza.

Fonte : http://veja.abril.com.br/noticia/saude/adiantamento-novo-olhar-drogas-alucinogenas-560177.shtml