Psicodélico: junho 2009

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Lidando com Experiências Psicodélicas Difíceis

[VÍDEO] - Lidando com Experiências Psicodélicas Difíceis
## MAPS ##
Redução de Danos
O vídeo acima, produzido pela MAPS (Associação Mutidisciplinar para Estudos com Psicodélicos // maps.org ), procura estabelecer princípios gerais de como prestar apoio e ajuda a alguém que está passando por uma experiência psicodélica difícil, as tão faladas bad trips (má viagem): um dos eventos mais preocupantes no que diz respeito aos danos psicológicos severos no uso recreativo e ilícito de substâncias psicodélicas.
Apesar de a maioria destes químicos figurar como substâncias proibidas, é preciso reconhecermos que o seu uso acontece em variados lugares e por variados grupos de pessoas, principalmente pelos jovens. Este uso abusivo e inconsciente, que a incompetência de um proibicionismo violento e arbitrário não é capaz de sanar, incide em um submundo de riscos reais que nós, em função de um monolítico tabu, preferimos não enxergar.
A intensão da MAPS é divulgar informações que, imprescindivelmente, precisam alcançar diversos meios, principalmente a família e as escolas, altamente despreparadas para lidar com a complexidade das substâncias psicodélicas: um grupo de alcalóides impregnado por uma antiquíssima história de utilização pelo homem e que, nos últimos 50 anos, tornou-se o protagonista de uma série de eventos científicos, sócio-culturais e políticos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Entrevista de Carlos Castañeda

Entrevista de Carlos Castañeda para a Revista
Psychology Today, 1972.

Tradução: Miguel Duclós

Esta entrevista saiu logo depois da publicação do terceiro livro do autor, Viagem a Ixtlan. Ele estava procurando desvencilhar-se da alcunha de guru das drogas psicodélicas que havia recebido com a publicação dos primeiros livros. Este entrevistador, Sam Keen, talvez tenha sido o mais competente na formulação de perguntas. Sua formação em filosofia e teologia em Harvard e Princeton o fazem buscar paralelos entre os ensinamentos e as tradições ocidentais e orientais já conhecidas. Aparece aqui até uma curiosa afirmação de Don Juan a respeito do filósofo austríaco Wittgenstein. Leia a seguir.

Sam Keen:Como eu acompanhei Don Juan através de seus três livros, suspeitei, às vezes, que ele era uma criação de Carlos Castaneda. Ele é quase bom demais para ser verdade. Um índio velho e sábio cujo conhecimento da natureza humana é superior ao de quase todo mundo.

Carlos Castaneda: A idéia de que eu forjei uma pessoa como Don Juan não é convincente. Ele dificilmente seria o tipo de figura que minha tradição intelectual européia levaria a conceber. A verdade é sempre algo muito estranho. Eu não estava sequer preparado para fazer as mudanças na minha vida que a minha associação com Don Juan requisitou.

Sam Keen:Como e quando você encontrou Don Juan e tornou-se seu aprendiz?

Carlos Castaneda: Eu estava terminando meu trabalho de conclusão de curso na UCLA e planejando ir para a graduação em antropologia. Estava interessado em me tornar professor e pensei que poderia começar de maneira apropriada publicando um ensaio curto sobre plantas medicinais. Não podia ter me importado menos por encontrar um esquisitão como Don Juan. Eu estava em uma estação de ônibus no Arizona com um amigo do tempo do colégio. Ele apontou um velho índio yaqui e disse que ele tinha conhecimento sobre peiote e plantas medicinais. Fiz a melhor cara que pude e me apresentei a Don Juan dizendo: . Entendo que você sabe muito acerca do peiote. Eu sou um especialista em peiote (Eu havia lido o livro de Weston La Barre's, O ritual do peiote) e pode ser gratificante para você almoçar e passar um tempo comigo.. Bem, ele apenas me lançou um olhar e minha audácia dissolveu-se.

Fiquei completamente tímido e paralizado. Eu normalmente era muito vigoroso e falante, então foi um negócio sério ser silenciado com um olhar. Depois disso, comecei a visitá-lo e cerca de um ano depois ele disse-me que gostaria de me repassar o conhecimento da feitiçaria que havia obtido com seu mestre.

Sam Keen:Então Don Juan não é um fenômeno isolado, mas faz parte de um grupo de feiticeiros que compartilham um conhecimento secreto?

Carlos Castaneda: Certamente. Conheço três feiticeiros e sete aprendizes e existem muitos mais. Se você pesquisar a história da conquista espanhola no México, encontrará que os inquisidores católicos tentaram acabar com a feitiçaria porque a consideraram como uma coisa do demônio. Ela tem estado por aí há muitos milhares de anos. A maioria das técnicas que Don Juan me ensinou é muito antiga.

Sam Keen: Algumas das técnicas que os feiticeiros usam é amplamente usada também por outros grupos secretos. As pessoas às vezes usam os sonhos para encontrar objetos perdidos, e vão para jornadas fora-do-corpo durante seu sono. Mas quando você diz como Don Juan e seu amigo Don Genaro fizeram o carro desaparecer durante a plena luz do dia, eu poderia apenas coçar a cabeça. Eu sei que um hipnotista pode criar a ilusão de presença ou ausência de um objeto. Você acredita que foi hipnotizado?

Carlos Castaneda: Talvez, alguma coisa deste tipo. Mas temos que começar por perceber, como diz Don Juan, que existe muito mais no universo do que normalmente confessamos conhecer. Nossas expectativas usuais acerca da realidade são criadas por um consenso social. Nos ensinam como ver e perceber o mundo. A truque da socialização consiste em nos convencer que as descrições que estamos de acordo definem os limites do mundo real. O que chamamos de realidade é apenas um modo de ver o mundo, um modo que é sustentando pelo consenso social.

Sam Keen: Então um feiticeiro, como um hipnólogo, cria um mundo alternativo construindo diferentes expectativas e fornecendo pistas premeditadas para produzir um consenso social.

Carlos Castaneda: Exatamente. Eu comecei a entender feitiçaria nos termos da idéia de interpretação [glosses] de Talcott Parsons. Uma interpretação [gloss] é um sistema completo de percepção e linguagem. Por exemplo, esta sala e é uma interpretação. Nós reunimos juntos uma série de percepções isoladas: chão, teto, janela, luzes, tapete, etc para compor uma totalidade. Mas nós temos que ser ensinados a dispor o mundo junto desta forma. Uma criança experimenta o mundo com poucos pré-conceitos até que é ensinada a vê-lo de uma forma que corresponde à descrição que todos compartilham. O sistema de interpretações parece um pouco com caminhar. Nós temos que aprender a caminhar, mas uma vez que aprendemos ficamos sujeitos à sintaxe da linguagem e ao modo de percepção que ela contém.

Sam Keen:Então a feitiçaria, assim como a arte, ensina um novo sistema de anotações. Quando, por exemplo, Van Gogh rompe com a tradição artística e pinta. O Céu Estrelado [The Starry Night], ele estava efetivamente dizendo: aqui está uma nova maneira de ver as coisas. As estrelas estão vivas e rodam em volta de seus campos energéticos.

Carlos Castaneda: De uma certa forma. Mas existe uma diferença. Um artista normalmente apenas rearranja as velhas anotações que são apropriadas para seu grupo.

Sam Keen: Don Juan estava lhe dessocializando ou ressocializando? Ele estava lhe ensinando um novo sistema de significados ou apenas um método para esvaziar o antigo sistema para que assim você pudesse ver o mundo como uma criança fascinada?

Carlos Castaneda: Don Juan e eu discordamos quanto a isto. Eu digo que ele está me reinterpretando [reglossing]. Ensinando-me feitiçaria me deu um novo conjunto de interpretações, uma nova linguagem e uma nova maneira de ver o mundo. Uma vez eu li um pouco da filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein e ele riu e disse. Seu amigo Wittgenstein amarrou o nó com muita força em torno de próprio pescoço, assim ele não pode ir muito longe...

Sam Keen: Wittgenstein é um dos poucos filósofos que poderia ter entendido Don Juan. Sua noção de que existem muitos tipos diferentes de jogos de linguagem, ciência, política, poesia, religião, metafísica, cada um com sua própria sintaxe e regras . poderia ter permitido a ele entender a feitiçaria como um sistema alternativo de percepção e entendimento.

Carlos Castaneda: Mas Don Juan pensa que o que ele chama de ver é apreender o mundo sem nenhuma interpretação. Este é o fim almejado pela feitiçaria. Para quebrar a certeza do mundo que sempre lhe foi ensinado, você deve aprender uma nova descrição do mundo da feitiçaria e então manter a velha e a nova juntas. Então você percebe que nenhuma das duas é final. No momento que você desliza entre as descrições; você para o mundo e vê. Você é deixado com o assombro, o verdadeiro assombro de ver o mundo sem nenhuma interpretação.

Sam Keen:Você pensa que é possível ultrapassar as interpretações usando drogas psicodélicas?

Carlos Castaneda: Eu penso que não. Está é minha briga com gente como Timothy Leary. Eu penso que ele estava improvisando dentro da sociedade européia e rearrumando meramente velhos sistemas de interpretação. Eu nunca tomei LSD, mas o que entendi dos ensinamentos de Don Juan é que os psicotrópicos são usados para interromper o fluxo das interpretações ordinárias, para aumentar as contradições dentro das interpretações e para romper as certezas. Mas somente as drogas não possibilitam você parar o mundo. Por isso que Don Juan teve de me ensinar feitiçaria.

Sam Keen:Existe uma realidade normal que nós, ocidentais, pensamos que é o único mundo, e existe também a realidade a parte do feiticeiro. Quais as diferenças essenciais entre elas?

Carlos Castaneda: Na sociedade européia o mundo é construído em grande parte pelo que os olhos informam à mente. Na feitiçaria o corpo todo é usado como percipiente. Como europeus vemos o mundo ao redor de nós e falamos sobre ele. Nós estamos aqui e o mundo está lá. Os nossos olhos alimentam a razão e não temos conhecimento direto das coisas. De acordo com a feitiçaria esta sobrecarga dos olhos é desnecessária.
Nós percebemos com o corpo total.


Sam Keen:Ocidentais partem do pressuposto que sujeito e objeto são separados. Nós existimos a parte do mundo e temos de cruzar o vácuo para chegar até ele. Para Don Juan e a tradição dos feiticeiros, o corpo já está no mundo. Nós estamos unidos ao mundo, e não alienados dele.

Carlos Castaneda: Isso mesmo. A feitiçaria tem uma teoria diferente de personificação. O problema da feitiçaria é o de harmonizar e arrumar seu corpo para ser um bom receptor. Os europeus lidam com seus corpos como se eles fossem um objeto. Nós os enchemos de álcool, comida ruim e inquietações. Se alguma coisa está errada nós pensamos que germes de fora invadiram o corpo e então importamos algum medicamento para curá-lo. A doença não é parte de nós. Don Juan não acreditava nisso. Para ele a doença é a desarmonia entre um homem e seu mundo. O corpo é consciente e deve ser tratado impecavelmente.

Sam Keen:Isto parece similar à idéia de Norman O. Brown's onde as crianças, esquizofrênicos e aqueles com loucura divina da consciência dionisíaca estão cientes das coisas e das outras pessoas como extensões de seu corpo. Don Juan sugere algo do tipo quando diz que os homens de conhecimento têm fibras de luz que conectam seu plexo solar ao mundo.

Carlos Castaneda: Minha conversa com o coiote é um bom exemplo das diferentes teorias de personificação. Quando ele chegou para mim eu disse: .Olá, pequeno coiote. Como você está?. E ele respondeu de volta: Estou bem. E você? Aqui eu não escutei as palavras da forma normal.
Mas meu corpo sabia que o coiote estava dizendo alguma coisa e eu traduzi isto em um diálogo. Como um intelectual, minha relação com o diálogo é tão profunda que meu corpo automaticamente transpôs para palavras o sentimento que o animal estava comunicando a mim. Nós sempre vemos o desconhecido nos termos do conhecido.


Sam Keen:Quando você estava no modo mágico de consciência onde os coiotes falam e tudo é adequado e entendido parece que o mundo todo está vivo e o ser humano está em comunicações que incluem animais e plantas. Se abandonarmos nossas concepções arrogantes de que somos a única forma de vida que conhece e comunica talvez conseguíssemos perceber toda a sorte de coisas se comunicando conosco. John Lilly falava com os golfinhos. Talvez nos sentíssemos menos alienados se pudéssemos acreditar que não somos a única forma inteligente de vida.

Carlos Castaneda: Nós podemos nos tornar capazes de falar com qualquer animal. Para Don Juan e os outros feiticeiros não havia nada de estranho na minha conversa com o coiote. Na verdade eles disseram que eu deveria ter pegado um animal mais confiável para amigo.Coiotes são trapaceiros e não pode se confiar neles.

Sam Keen:Quais animais são os melhores para serem amigos?

Carlos Castaneda: Cobras são amigos estupendos.

Sam Keen:Uma vez conversei com uma cobra. Uma noite sonhei que havia uma cobra no sótão da casa onde eu vivia quando era criança. Peguei um pau e tentei matá-la. De manhã falei sobre o sonho a um amigo e ela me disse que não era uma coisa boa matar cobras, mesmo se elas estivessem no sótão em um sonho. Ela me sugeriu que na próxima vez que aparecesse uma cobra em sonho eu deveria alimentá-la ou fazer alguma coisa para atrair sua amizade. Cerca de uma hora depois eu estava dirigindo meu patinete motorizado numa estrada pouco usada e lá, esperando por mim, estava uma cobra de quatro pés, estirada no seu banho de sol. Eu a contornei e ela não se mexeu Depois de nos olharmos um nos outros por um tempo eu pensei que deveria fazer algum gesto para mostrar que estava arrependido de ter matado seu irmão em meu sonho. Eu cheguei perto e toquei sua cauda. Ela se enrolou mostrando que eu havia invadido sua intimidade. Então eu voltei e fiquei apenas olhando. Cinco minutos depois lá se foi ela atrás dos arbustos.

Carlos Castaneda: Você não a espetou?

Sam Keen:Não.

Carlos Castaneda: Era uma amiga muito boa. Um homem pode aprender a chamar as serpentes. Mas você precisa estar em excelente forma, calmo, controlado, com um humor amigável, sem nenhuma dúvida ou assuntos pendentes.

Sam Keen:A cobra me ensinou que eu sempre tinha pensamentos paranóicos em relação à natureza. Eu considerava animais e cobras perigosos. Após meu encontro jamais mataria outra cobra e começou a ser mais plausível para mim que nós possamos ter uma espécie de conexão viva. Nosso ecossistema pode muito bem incluir comunicações com outras formas de vida.

Carlos Castaneda: Don Juan tinha uma teoria muito interessante acerca disso. As plantas, assim como os animais, sempre afetam você. Ele dizia que se você não pedisse desculpas para as plantas por colhê-las você provavelmente ficaria doente ou sofreria um acidente.

Sam Keen:Os índios americanos tem crenças similares sobre os animais que eles matam. Se você não agradece o animal por dar a vida para que você possa viver, seu espírito pode lhe causar problemas.

Carlos Castaneda: Nós temos uma associação com toda forma de vida. Alguma coisa se altera toda vez que machucamos a vida vegetal ou animal. Nós tiramos a vida para sobreviver mas devemos querer abrir mão de nossa própria vida sem ressentimentos quando chegar nossa vez. Nós somos tão importantes e nos levamos tão a sério que esquecemos que o mundo é um grande mistério que pode nos ensinar se escutarmos.

Sam Keen:Talvez as drogas psicodélicas momentaneamente limpem o ego isolado e permitam uma fusão mítica com a natureza. A maior parte das culturas que conservam um senso de união entre o homem e a natureza também fez uso cerimonial das drogas psicodélicas. Você estava usando peiote quando falou com o coiote?

Carlos Castaneda: Não, de maneira alguma.

Sam Keen:Esta experiência foi mais intensa das que teve quando Don Juan lhe ministrou plantas psicotrópicas?

Carlos Castaneda: Muito mais intensa. Todas as vezes que eu tomei plantas psicotrópicas eu sabia que havia ingerido algo e sempre podia questionar-me acerca da validade das minhas experiências. Mas quando o coiote falou comigo eu não tinha desculpas. Não podia explicar isso. Eu realmente parei o mundo e, saí completamente do meu sistema de interpretações europeu.

Sam Keen:Você acredita que Don Juan vive neste estado de atenção a maior parte do tempo?

Carlos Castaneda: Sim, ele vive num tempo mágico e ocasionalmente volta para o tempo normal. Eu vivo no tempo normal e ocasionalmente entro no tempo mágico.

Sam Keen:Qualquer um que tenha viajado tão longe além do desgastado consenso deve ser alguém muito solitário.

Carlos Castaneda: Penso que sim. Don Juan vive num mundo impressionante e deixou as pessoas rotineiras bem longe. Uma vez eu estava junto com Don Juan e seu amigo Don Genaro e vi a solidão que eles dividiam e sua tristeza em deixar para trás os enfeites e pontos de referência da sociedade normal. Penso que Don Juan transformou sua solidão em arte. Ele contém e controla seu poder, mistério e solidão e os transforma em arte. Sua arte é o caminho metafórico em que ele vive. É por causa disso que seus ensinamentos tem tanta carga dramática e unidade. Ele deliberadamente constrói sua arte e sua maneira de ensinar.

Sam Keen:Por exemplo, quando Don Juan levou-o às montanhas para caçar animais estava conscientemente encenando uma alegoria?

Carlos Castaneda: Sim. Ele não estava interessado em caçar por esporte ou por comida. Há 10 anos que o conheço, e o vi matar apenas quatro animais, e apenas nas vezes em que ele viu que suas mortes eram um presente para ele, assim como sua própria morte um dia será um presente para alguma coisa. Uma vez apanhamos um coelho numa armadilha, ficamos imóveis e Don Juan achou que eu devia matá-lo, pois seu tempo havia acabado. Fiquei desesperado porque eu tinha a sensação de que eu mesmo era o coelho. Eu tentei libertá-lo mas não conseguia abrir a armadilha. Então eu pisei na armadilha e quebrei acidentalmente o pescoço do coelho. Don Juan estava tentando me ensinar a assumir a responsabilidade por estar neste mundo maravilhoso. Ele inclinou-se e sussurrou no meu ouvido: .Eu lhe disse que este coelho não tinha mais tempo para vagar por este lindo deserto.. Ele conscientemente construiu a metáfora para me ensinar sobre os caminhos de um guerreiro. Um guerreiro é alguém que caça e acumula poder pessoal. Para fazer isto ele deve desenvolver a paciência e se mover deliberadamente sobre o mundo. Don Juan usou a situação dramática da caçada para me ensinar porque estava se dirigindo diretamente ao meu corpo.

Sam Keen:Em seu livro mais recente, Viagem a Ixtlan, você revê a impressão dada nos primeiros livros de que o uso de plantas psicotrópicas era o método principal usado por Don Juan no intuito de ensiná-lo sobre a feitiçaria. Como você vê agora o lugar dos psicotrópicos em seus ensinamentos?

Carlos Castaneda: Don Juan usou plantas psicotrópicas no período intermediário do meu aprendizado porque eu era muito estúpido, sofisticado e arrogante. Eu me agarrava à minha descrição do mundo como se ela fosse a única verdade. Os psicotrópicos criaram um vácuo no meu sistema de interpretações. Eles destruíram minha certeza dogmática. Mas eu paguei um enorme preço. Quando a cola que segurava meu mundo unido foi dissolvida, meu corpo estava fraco e eu demorei meses para me recuperar. Eu fiquei ansioso e funcionava a um nível muito baixo.

Sam Keen:Don Juan usa drogas psicotrópicas regularmente para parar o mundo?

Carlos Castaneda: Não. Ele pode agora mesmo pará-lo com a sua vontade. Ele me disse que para mim a tentativa de ver sem a ajuda das plantas seria inútil.
Mas se eu me comportasse como um guerreiro e assumisse a responsabilidade não precisaria delas; elas apenas enfraqueceriam meu corpo.


Sam Keen:Isso pode soar um pouco chocante para vários admiradores seus. Você é uma espécie de santo patrono da revolução psicodélica.

Carlos Castaneda: Eu tenho seguidores e eles têm idéias estranhas a respeito de mim. Eu estava andando para dar uma palestra no Califórnia State, em Long Beach, outro dia e um rapaz que me conhecia me apontou para uma garota e disse Ei, esse é o Castaneda.. Ela não acreditou nele porque tinha a idéia de que eu deveria parecer muito sobrenatural. Um amigo estava reunindo algumas das histórias que circulavam sobre mim. O consenso era que eu havia feito uma façanha mística.

Sam Keen:Façanha mística?

Carlos Castaneda: Sim, que eu andava de pés descalços como Jesus e não tinha calos. As pessoas acham que devo estar doidão a maior parte do tempo. Eu também cometi suicídio e morri em vários lugares diferentes. Um colega de departamento quase fez um escândalo quando eu comecei a falar sobre fenomenologia e sociedade e explorar o conceito de percepção e socialização. Eles queriam que eu falasse pausadamente, os deixasse altos e fizesse suas cabeças. Mas para mim o entendimento é importante.

Sam Keen:Os rumores voam no vácuo de informações. Sabemos alguma coisa de Don Juan e muito pouco de Castaneda.

Carlos Castaneda: Isto é uma parte proposital da vida do guerreiro. Para escapulir dentro e fora de diferentes mundos você deve permanecer discreto. Quanto mais você ser conhecido e identificado, mais sua liberdade vai ser reduzida. Quando as pessoas tiverem idéias definitivas sobre quem é você e como você vai agir, você não poderá mais se mexer. Uma das primeiras coisas que Don Juan me ensinou foi que eu tinha que apagar minha história pessoal. Se aos poucos você criar uma névoa em torno de si então você não vai ser tomado como garantia e você tem mais espaço para se mexer. É por causa disso que eu impeço gravações de áudio e fotografias quando dou palestras.

Sam Keen:Talvez possamos ser pessoais sem sermos históricos. Você agora minimizou a importância da experiência psicodélica em relação ao seu aprendizado. E você não parece sair por aí fazendo o tipo de truques disponíveis no estoque dos feiticeiros. Que elementos dos ensinamentos de Don Juan são importantes para você? Você foi mudado por eles?

Carlos Castaneda: Para mim as idéias de ser um guerreiro e um homem de conhecimento, com a esperança de eventualmente parar o mundo e ver, têm sido as mais adequadas. Elas tem me dado paz e confiança na minha capacidade de controlar minha vida. Na época que encontrei Don Juan eu tinha muito pouco poder pessoal. Minha vida havia sido muito errática. Eu percorri um longo caminho desde o local do meu nascimento no Brasil. Exteriormente eu era agressivo e arrogante, mas interiormente era indeciso e incerto acerca de mim. Estava sempre forjando desculpas para mim mesmo. Don Juan uma vez me acusou de ser uma criança profissional porque eu estava cheio de auto-piedade. Eu me sentia como uma folha ao vento. Como com a maioria dos intelectuais, minhas costas estavam contra o muro. Eu não tinha lugar para ir. Eu não podia perceber nenhuma forma de vida que realmente me excitasse. Eu pensei que tudo o que poderia fazer era uma acomodação amadurecida para uma vida de tédio ou encontrar formas mais complexas de entretenimento como usar drogas psicodélicas, maconha e ter aventuras sexuais. Tudo isso era aumentado pelo meu hábito de ser introspectivo. Eu estava sempre olhando para dentro de mim e falando comigo mesmo. O diálogo interno raramente parava.
Don Juan abriu meus olhos para o exterior e ensinou-me a acumular poder pessoal.
Não creio que haja outro pode de vida para alguém que queira estar cheio de energia.


Sam Keen:Parece que ele fisgou você com o velho truque dos filósofos de segurar a morte diante dos seus olhos. Eu estava impressionado em perceber quão clássica a abordagem de Don Juan é. Eu ouvia ecos da idéia de Platão de que um filósofo deve estudar a morte antes que possa ganhar acesso ao mundo real e da definição de Martin Heidegger de um homem como um ser-para-a-morte.

Carlos Castaneda: Sim, mas a abordagem de Don Juan tem um aspecto diferente, que vem da tradição da feitiçaria, que é o de considerar a morte como uma presença física que pode ser sentida e vista. Uma das interpretações da feitiçaria é: a morte está à sua esquerda. A morte é um juiz imparcial que lhe dirá a verdade e lhe dará conselhos precisos. Afinal, a morte não está com pressa. Ela lhe pegará em um dia, uma semana, ou 50 anos. Não faz diferença para ela. No momento que você pensa que eventualmente deve morrer está reduzindo o lado direito.
Eu acho que ainda não tornei esta idéia vívida o bastante. A interpretação .A morte está a sua esquerda. não é uma questão intelectual na feitiçaria, é percepção. Quando seu corpo está adequadamente sintonizado com o mundo e você vira os olhos para a esquerda, você pode testemunhar um evento extraordinário, a presença sombria da morte.


Sam Keen:Na tradição existencial, as discussões sobre responsabilidade geralmente se seguem às discussões sobre a morte.

Carlos Castaneda: Então Don Juan é um bom existencialista. Se não há como saber se eu tenho apenas mais minuto de vida, devo agir como se cada instante fosse o último. Cada ato é a última batalha do guerreiro. Então tudo deve ser feito impecavelmente. Nada pode ser deixado pendente. Esta idéia foi muito libertadora para mim. Eu estou aqui falando com você e talvez nunca volte para Los Angeles. Mas não importa porque eu cuidei de tudo antes de vir para cá.

Sam Keen:Este caminho de morte e determinação é distante da utopia psicodélica na qual a percepção do final do tempo destrói a qualidade trágica da escolha.

Carlos Castaneda: Quando a morte permanece à sua esquerda você deve criar o mundo a partir de uma série de decisões.
Não existem decisões grandes ou pequenas, apenas decisões que devem ser tomadas agora. E não há tempo para dúvidas ou remorsos. Se eu passar o meu tempo lamentando o que fiz ontem eu evito as decisões que tenho de tomar hoje.


Sam Keen:Como Don Juan lhe ensinou a ser determinado?

Carlos Castaneda: Ele falou com meu corpo através de atos. Meu modo antigo de ser deixava tudo pendente e nunca decidia nada. Para mim, tomar decisões era algo feio. Parecia injusto para um homem sensível ter de decidir. Um dia Don Juan me perguntou: Você acha que você e eu somos iguais? Eu era um estudante universitário e um intelectual e ele era um velho índio, mas eu fui condescendente e disse: Claro que somos iguais. Ele disse: Eu não acho que somos. Eu sou um caçador e um guerreiro e você é um frouxo. Eu estou pronto a abreviar minha vida a qualquer instante. Seu mundo débil de indecisão e tristeza não é igual ao meu. Eu fiquei muito insultado e teria voltado, mas nós estávamos no meio do nada. Então eu sentei e fiquei absorvido nas armadilhas do meu ego. Eu ia esperar até ele decidir voltar. Após várias horas percebi que Don Juan ficaria ali para sempre se precisasse. Por que não? Para um homem sem assuntos pendentes este é o seu poder. Eu finalmente percebi que este homem não era como meu pai, que podia tomar 20 resoluções de ano-novo e não cumprir nenhuma. As decisões de Don Juan eram irrevogáveis enquanto durasse seu interesse. Elas podiam ser canceladas apenas por outras decisões. Então cheguei perto e o toquei, ele desistiu e voltamos para casa. O impacto deste ato foi tremendo. Ele me convenceu de que o caminho do guerreiro é um modo de vida poderoso e vigoroso.

Sam Keen:O conteúdo da decisão não é tão importante quanto o ato de ser determinado.

Carlos Castaneda: Isto é o que Don Juan entende por fazer um gesto. Um gesto é um ato deliberado que é responsável pelo poder que advém de tomar uma decisão. Por exemplo, se um guerreiro encontra uma cobra que está dormente e fria, ele pode esforçar-se por levar a cobra para um lugar quente sem ser mordida. O guerreiro pode decidir fazer um gesto sem nenhum motivo. Mas ele vai fazê-lo perfeitamente.

Sam Keen:Parecem existir muitos paralelos entre a filosofia existencialista e os ensinamentos de Don Juan.
O que você disse sobre decisões e gestos sugere que Don Juan, como Nietzsche e Sartre, acredita que a vontade, ao invés da razão, é a faculdade mais fundamental do homem.

Carlos Castaneda: Acho que sim. Deixe-me falar por mim mesmo. O que eu quero fazer, e talvez consiga executar, é superar o controle da minha razão. Minha mente tem estado no controle a minha vida toda e ela preferiria me matar a abandonar este controle. Em um dado ponto de meu aprendizado, eu fiquei profundamente deprimido. Eu estava cheio de medo, obscuridade e pensamento sobre suicídio. Então Don Juan me alertou que este é um dos truques da razão para manter o controle. Ele disse que minha razão estava fazendo meu corpo sentir que não havia sentido na vida. Uma vez que minha mente travou esta última batalha e perdeu, a razão começou a assumir o local apropriado de ser apenas uma ferramenta do corpo.

Sam Keen:O coração tem razões que a própria razão desconhece., e também o resto do corpo.

Carlos Castaneda: Este é o ponto. O corpo tem vontade própria. Ou melhor, a vontade é a voz do corpo. Este é o motivo de Don Juan consistentemente colocar suas lições em uma forma dramática. Meu intelecto poderia facilmente descartar o mundo da feitiçaria como sem sentido. Mas meu corpo foi atraído por este mundo e este modo de vida.
E quando o corpo toma o controle, um reino novo e mais saudável se estabelece.


Sam Keen:As técnicas de Don Juan para lidar com os sonhos me interessam porque ele sugere a possibilidade de voluntariamente controlar as imagens do sonho. Dessa forma ele propõe estabelecer um observatório estável e permanente dentro do espaço interior. Fale-me sobre o treinamento de sonhos de Don Juan.

Carlos Castaneda: O truque nos sonhos é sustentar as imagens tempo o bastante para que possamos examiná-las cuidadosamente. Para adquirir este controle você deve escolher uma coisa antes e aprender a encontrá-la nos seus sonhos. Don Juan sugeriu que eu usasse minhas mãos como ponto fixo e alternasse entre elas e as imagens. Após alguns meses eu aprendi a usar minhas mãos e parar o sonho. Fiquei tão fascinado por esta técnica que espero ansioso pela hora de dormir.

Sam Keen:Parar as imagens nos sonhos é parecido com parar o mundo?

Carlos Castaneda: É similar. Mas existem diferenças. Uma vez que você se torna capaz de achar suas mãos quando quiser, você percebe que isto é apenas uma técnica. O que você quer na verdade é o controle. Um homem de conhecimento deve acumular poder pessoal. Mas isto não é suficiente para parar o mundo. É necessário algum abandono. Você precisa parar a conversa que está ocorrendo internamente e render-se ao mundo exterior.

Sam Keen:Das várias técnicas que Don Juan lhe ensinou para parar o mundo, qual você ainda pratica?

Carlos Castaneda: Minha maior técnica no momento está em romper as rotinas. Eu sempre fui uma pessoa muito rotineira. Eu comia e dormia sempre nos mesmos horários. Em 1965 comecei a mudar meus hábitos. Eu escrevia nas horas quietas da noite e dormia quando sentia necessidade. Agora eu desmantelei tanto meus hábitos usuais que posso me tornar imprevisível e surpreendente até mesmo para mim.

Sam Keen:Sua disciplina me lembrou de uma história Zen de dois discípulos vangloriando-se de feitos milagrosos. Um dos discípulos alegava que o fundador da seita a que pertencia podia ficar em uma das margens do rio e escrever Buda num pedaço de papel segurado por seu assistente do outro lado do rio. Um outro discípulo alegava que esse milagre não era muito impressionante. Meu milagre., disse ele, .é que quando tenho fome, eu como, e quando tenho sede, eu bebo..

Carlos Castaneda: É este elemento de compromisso com o mundo que me mantém seguindo o caminho que Don Juan me mostrou. Não há necessidade de transcender o mundo. Tudo o que você precisa saber está aqui defronte nós, se prestarmos atenção. Se você entrar num estado de realidade extraordinária, como faz quando usa plantas psicotrópicas, está apenas usando a força que precisa para ver o caráter milagroso da realidade ordinária. Para mim o modo se viver o caminho com coração não é introspectivo ou de transcendência mística, mas a presença no mundo.
Este mundo é o campo de caçada do guerreiro.


Sam Keen:O mundo que você e Don Juan pintaram é cheio de coiotes mágicos, corvos encantados, e magníficos guerreiros. É fácil de ver como ele pode lhe atrair. Mas, e em relação ao mundo de uma pessoa urbana moderna? Onde está a mágica nele? Se todos nós pudéssemos viver em montanhas talvez conseguíssemos manter o mistério vivo. Mas como poderemos fazer isso se estamos perto de uma estrada?

Carlos Castaneda: Uma vez formulei a mesma questão para Don Juan. Nós estávamos sentados em um café em Yuma e eu insinuei que eu poderia me tornar apto a parar o mundo e ver se pudesse viver no ermo junto com ele. Ele olhou para a janela, viu os carros passando e disse: .Ali, lá fora, é o seu mundo.. Eu vivo em Los Angeles agora e sinto que posso usar o mundo para favorecer minhas necessidades. É um desafio viver sem rotinas em um mundo rotineiro. Mas é possível.

Sam Keen:O nível do barulho e a pressão constante de massas de pessoas parecem destruir o silêncio e a solidão que poderiam ser essenciais para parar o mundo.

Carlos Castaneda: Não de todo. Na verdade, o barulho pode ser usado. Você pode usar o barulho da buzina para treinar a si mesmo ouvir o mundo exterior. Quando paramos o mundo, o mundo que paramos geralmente é o que é mantido pelo diálogo interno. Uma vez que você para o blá-blá-blá interno você para de manter este mundo. A descrição entra em colapso. É quando começa nossa mudança de personalidade.
Quando você se concentra nos sons, percebe que é difícil para o cérebro categorizar todos os sons, e em pouco tempo você para de tentar. Não é como a percepção visual que nos mantém formando categorias e pensando. É tão revigorante quando você consegue parar de falar, categorizar e julgar.


Sam Keen:O mundo interno muda, mas e em relação ao externo? Nós podemos revolucionar a consciência individual, mas ainda assim não conseguir tocar as estruturas sociais que criam nossa alienação. Existe um lugar para a reforma social e política no seu pensamento?

Carlos Castaneda: Eu vim da América Latina onde os intelectuais estão sempre falando sobre revolução política e social e onde um muitas bombas são lançadas. Mas a revolução não mudou muita coisa. Requer pouca coragem bombardear um prédio, mas para desistir de cigarros, parar de ser ansioso ou parar a tagarelice interna, você tem que reconstruir-se. É aí que começa a verdadeira reforma. Don Juan e eu estávamos em Tucson não muito tempo atrás quando estava tendo a Semana da Terra. Alguns homens estavam palestrando sobre ecologia e os males da guerra do Vietnã. Enquanto isto, eles fumavam. Don Juan disse: Não posso imaginar como eles podem se preocupar com os outros se eles não se gostam de si. Nossa primeira preocupação deve ser com nós mesmos. Eu posso gostar dos meus semelhantes apenas quando estiver no auge do meu vigor e sem depressão. Para estar nesta condição devo manter meu corpo preparado. Toda revolução deve começar aqui, neste corpo. Eu posso mudar minha cultura mas apenas através de um corpo impecavelmente sintonizado com este mundo estranho. Para mim, a verdadeira realização é a arte de ser um guerreiro, a qual, como diz Don Juan, é o único meio de balancear o terror de ser um homem com a maravilha de ser um homem.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

MESCALINA - A MOLÉCULA MÁGICA DO PEIOTISMO

Dos antigos êxtases xamânicos visionários aos relatos de Aldous Huxley ou Carlos Castaneda, a mescalina representa uma das mais velhas substâncias psicodélicas utilizadas pelo homem. Isolada pela primeira vez em 1896 pelo químico alemão Arthur Heffter a partir de uma espécie de cacto – o peiote – este poderoso e secular alcalóide carrega uma história impregnada de folclore, batalhas, ciência e religião.

A mescalina (3,4,5-trimetoxifeniletilamina), substância pertencente à família das feniletilaminas, é o mais antigo composto químico psicodélico já isolado e sintetizado pelo homem. Antes mesmo do LSD, consagrado como a substância expoente do grupo, invadir os laboratórios e as mentes inquietas de um sem-número de pesquisadores, ela já havia ocupado uma diversidade de frentes de investigação. Aproximadamente 50 anos antes da descoberta do ácido lisérgico pelo químico suíço Albert Hofmann, uma estranha e misteriosa substância foi isolada a partir de um cacto nativo da região norte mexicana e parte dos Estados Unidos.

Arthur Heffter, um químico farmacologista alemão, desenvolvia uma investigação que procurava identificar os princípios ativos do cacto conhecido como peiote (Lophophora williamsii, na época ainda Anhalonium williamsii), uma planta cuja ingestão produzia efeitos alucinógenos e era há muito utilizada por uma diversidade de comunidades indígenas mexicanas e estadunidenses. Durante tal investigação, que só foi possível em função de um primeiro estudo do cacto desenvolvido pelo farmacologista alemão Ludwig Lewin, o cientista pôde isolar uma série de alcalóides: anhalonina, anhanolidina, pelotina, loforina e mescalina. Para a continuidade da pesquisa, Heffer administrou doses dos agentes em experimentos com animais e até mesmo em auto-experimentos. Como resultado dos exames clínicos (que inclusive valeram a Heffer o título de primeiro psiconauta da história) o químico obteve a descoberta da primeira molécula psicodélica conhecido pelo homem: a mescalina. Mais tarde o mesmo químico foi identificado, em menos concentração, em outras espécies, como o cacto San Pedro (Trichocereus pachanoi) e o wachuma (Trichocereus peruvianus), encontrados na América do Sul e Central.


A publicação das pesquisas, em 1896, concedeu a Heffer um notório respeito na comunidade científica da época, e o alemão – primeiro cientista a estudar psicodélicos sistematicamente – abriu as portas dos laboratórios para conseqüentes frentes de investigação. Além do interesse farmacológico, sob o qual, em 1919, o químico austríaco Ernst Späth sintetizou a substância pela primeira vez, a substância também despertou um interesse significativo das ciências humanas. Jaensch, um psicólogo alemão, investigou a mescalina em suas pesquisas sobre a psicologia conhecida como eidética: um braço da psicologia cujo modelo foca-se na identificação de essências da consciência e na análise indissociável à experiência subjetiva. Personalidades científicas como o psicólogo britânico Havelock Ellis, o médico e escritor estadunidense Silas Weir Mitchell e o neurologista e psicólogo germano-americano Heinrich Klüver desenvolveram diversas linhas de pesquisas e experimentos com o composto, representando um avanço científico subsidiado por uma grande onda de interesse investigativo. Toda a gama de novas informações e apontamentos identificados no decorrer deste período foi publicada pelo médico psiquiatra alemão Kurt Beringer na obra Der Meskalinrausch (algo como Os Efeitos da Mescalina), em 1927. A escassez de apontamentos medicinais (medicamentos), no entanto, fez com que o interesse pela substância declinasse.

Embora a mescalina representasse um universo inteiramente novo diante dos olhos da ciência, detinha uma antiga história de íntima familiaridade com um número considerável de comunidades arcaicas de origem indígena em território norte-americano (México e Estados Unidos). Tais comunidades, das quais há manifestações remanescentes contemporâneas, desenvolviam uma relação com a mescalina, através do consumo ritual do cacto peiote (in natura ou na forma de bebidas), cuja existência era anterior à época da colonização colombiana. Há também registros da cultura mescaleira entre povos equatorianos e peruanos, através do cacto San Pedro.

O primeiro relato sobre o peiote, cujo nome origina-se do termo asteca (náuatle) peyotl, pode ser encontrado na obra Historia General de las Cosas de Nueva España, de 1560, escrita pelo cronista da Nova Espanha, o frei franciscano Bernardino de Sahagún. Em tal relato, o autor descreve o uso do cacto pelas tribos Tolteca e Chichimeca: “Há outra planta, que se apresenta como um fruto da terra, se chama peyotl, é branca, se encontra no norte do país; aqueles que a comem ou bebem, tem visões terríveis ou cômicas; a intoxicação dura de dois a três dias; é comumente consumida pelos Chichimecas, pois os mantém acordados e os dá ânimo para lutar e não ter medo, nem sede, nem fome e dizem que os guarda de todo perigo”. Bernardino de Sahagún estimou que a utilização do cacto pelas tribos poderia datar em mais de 2 mil anos.

Esta forma de peiotismo encontrada pelos conquistadores espanhóis caracterizava-se como um complexo comportamento de padrões étnicos e culturais ancestrais onde a figura do xamã – o mestre do conhecimento e dos poderes da tribo – era bastante enfatizada. Em tal configuração de sociedade, o xamã é a fonte da sabedoria transcendental, assim como o personagem que assume o papel do curandeiro – ele detém todo o conhecimento sobre as plantas e sobre como relacionar-se com elas, principalmente quando são utilizadas como portais para realidades extraordinárias, freqüentemente mais valorizadas do que a própria realidade “comum”. Neste contexto, havia uma variedade de mecanismos de consumo do cacto – pasta, infusão, mascagem, além de uma intrincada atribuição de valores a todas as etapas envolvidas (anterior e posteriormente) pelo momento da ingestão: colhimento, feitura etc.

Aos olhos da colonização colombiana, porém, o consumo ritual do peiote encheu-se de significados satânicos. A despeito da profunda carga representada por um antigo e rico sistema de crenças e cultura, a intolerância do clero católico levou os conquistadores espanhóis a proibirem e a combaterem violentamente a utilização cerimonial do cacto. Os índios passaram a ser perseguidos e julgados pelos tribunais da Santa Inquisição como disseminadores da obra do demônio.

Em 1760, aproximadamente um século após a proibição oficial pelo Santo Ofício Espanhol, as denúncias e julgamentos prosseguiam. Os manuais da Inquisição se proliferavam, instruindo aos conquistadores como os processos deveriam ocorrer, e incluíam perguntas com: “Você tem comido carne de homem? Você é um advinho? Tem anunciado eventos futuros mediante a leitura de presságios, interpretando sonhos ou traçando figuras na água? Você tem chupado o sangue de outras pessoas? Você tem caminhado pela noite invocando a ajuda de demônios? Tem bebido peiote ou dado de beber a outras pessoas para descobrir segredos ou o lugar onde se encontram objetos perdidos ou roubados?”. O consumo do peiote ainda resistiu às primeiras e veementes investidas da colonização ocidental, passando a incluir elementos da cultura e religião espanhola como forma de sincretismo: uma tática para a sobrevivência. No entanto, os povos que praticavam o peiotismo passaram por um trágico momento de desfiguração e desintegração.

Como medida para preservar a antiga cultura mescaleira, no final do séc. XIX, algumas tribos onde o peiote desempenhava o papel central nas manifestações religiosas, como os huichóis (descendentes dos astecas), kiowas e comanches, passaram a disseminar o uso do cacto até o sudeste dos Estados Unidos, de onde espalhou-se até mesmo ao território canadense. Há relatos, a partir de 1867, da utilização do peiote inclusive entre tribos apache. Índios como o líder comanche Quanah Parker influenciaram massivamente neste processo.

Este novo peiotismo, já distinto da sua configuração original, fez ressurgir com força o costume de utilizar o cacto no contexto do transcendental, mas invocou novamente a impetuosidade dos missionários. Como única alternativa para não ver completamente dizimada uma manifestação legítima e representante de uma cultura tão antiga cujas raízes estavam sendo duramente arrancadas, diversas tribos, inclusive através da articulação política com os descendentes integrados à cultura “branca”, optaram por uma unificação: nascia, em 1906, a Igreja Nativa Americana.

Sob o dispositivo constitucional que garantiu, e garante até os dias de hoje, o direito ao uso do peiote enquanto ritual religioso, a Igreja Nativa Americana tornou-se a mais forte manifestação do uso contemporâneo remanescente das culturas arcaicas indígenas norte-americanas – e transformou-se na religião oficial de aproximadamente 70 tribos nativas.

Após a conturbada história de sobrevivência da utilização do peiote e dos primeiros estudos científicos através das quais a mescalina foi identificada e investigada, o composto voltou às páginas da história apenas a partir da segunda metade do séx. XX.

A descoberta da dietilamida do ácido lisérgico por Albert Hoffman, em 1943, iniciou um fervor científico interessado nas pesquisas sobre um grupo de substâncias até então carregado de lacunas e promessas: os psicodélicos. Em um curto espaço de tempo uma variedade de alcalóides, entre eles a mescalina e a psilocibina – substância encontrada em algumas espécies de cogumelo – invadiram os laboratórios de maneira espetacular e tornaram-se protagonistas de linhas e linhas de investigação sistemática da ciência moderna, principalmente daquelas ligadas à psiquiatria e psicologia. Pesquisadores como o psiquiatra norte-americano Humphrey Osmond, que inclusive supervisionou o político Christopher Mayhew em um teste com mescalina televisionado em 1955, desenvolveram experimentos onde puderam verificar a proximidade molecular entre a mescalina e a adrenalina, fato que deu novo ânimo à análise dos distúrbios psicóticos à luz da natureza psicodélica.

Duas publicações, mundialmente conhecidas, foram, contudo, as principais responsáveis pela divulgação do químico oriundo do peiote. As Portas da Percepção (The Doors of Perception), de Aldous Huxley, em 1954, e A Erva do Diabo (The Teachings of Don Juan: A Yaqui Way of Knowledge), de Carlos Castaneda, em 1968, levaram a mescalina ao conhecimento do cidadão comum nos quatro cantos do globo.

Em As Portas da Percepção, o ensaísta filosófico e autor inglês Aldous Huxley, após ter sido apresentado à molécula por Osmond, faz um diagnóstico pormenorizado de seus auto-experimentos com o alcalóide. Baseado nestas observações em constante cruzamento com as novas informações sobre a emergente epistemologia dos psicodélicos, Huxley traça um ensaio filosófico delineado pela análise dos estados alterados de consciência. Tal análise leva o autor à teoria que dá nome à obra: agentes químicos como a mescalina e o LSD possuiriam a capacidade de expandir os limites da percepção humana, que se encontram naturalmente fechados por um mecanismo de filtros. Tais drogas ligariam a chave da consciência abrindo as “portas” para uma percepção de mundo diferenciada em experiências capazes de transformar significativa e positivamente a relação do homem com o mundo.

Já em A Erva do Diabo, Carlos Castaneda, um antropólogo brasileiro radicado nos Estados Unidos, traça uma análise detalhada de suas próprias experiências iniciatórias vividas sob a tutela de um velho índio brujo de tradição mescaleira – Don Juan. Castaneda acaba por afastar-se da investigação antropológica, visto que ele mesmo está incluído no objeto de estudo, mas nos traz os registros de uma cultura xamânica e ancestral com uma riqueza ímpar. Durantes suas experiências, Castaneda é apresentado a três diferentes plantas do poder com propriedades psicodélicas: o cogumelo, a erva-do-diabo (trombeta, datura) e o peiote – tratado por Don Juan como uma respeitável e poderosa entidade: o Mescalito.

Nos anos 50 e 60, durantes os quais as moléculas psicodélicas lideraram diversas séries de investigação, a mescalina, porém, não desempenhou papel tão expoente quanto outras substâncias como o LSD e a psilocibina. Durante as quase três décadas que se seguiram à completa abolição das pesquisas científicas (ação complementar à violenta tática governamental de Guerra às Drogas e resposta às indagações e movimentos da Contracultura), a análise da mescalina pela ciência resumiu-se a observações antropológicas da cultura mescaleira.

A partir dos anos 90, no entanto, podemos verificar uma retomada investigativa dos psicodélicos. Dentro deste novo panorama, a mescalina tem voltado às frentes de estudos, dentre as quais a do psiquiatra norte-americano John Halpern, da Universidade de Harvard. Halpern desenvolve uma pesquisa onde procura estabelecer o uso terapêutico da substância em pacientes diagnosticados com alcoolismo ou outros tipos de drogadição. O psiquiatra ainda espera pela aprovação de um estudo da mescalina no tratamento da ansiedade em pacientes terminais com câncer, trabalho que já vem sendo desenvolvido pelo psiquiatra Charles Grob, da Universidade da Califórnia, com a psilocibina.

EFEITOS E RISCOS:

Os efeitos da mescalina iniciam-se após cerca de 60 a 90 minutos após a ingestão (chá, pasta, mascagem ou consumo dos botões de peiote – como são conhecidas as fatias desidratadas do cacto). Já os efeitos da mescalina administrada por via intravenal iniciam-se entre 10 e 20 minutos após a aplicação. Os efeitos desencadeados pelo consumo do peiote possuem algumas distinções dos efeitos produzidos pelo mescalina pura, visto que há uma série de outros alcalóides psicoativos no cacto.

A dose ativa é de cerca de 150mg (a mescalina é aproximadamente 4.000 vezes menos potente que o LSD – isto é, sua dose ativa é 4.000 vezes maior do que a dose ativa do ácido lisérgico).

A gama de alterações cognitivas (efeitos psíquicos) produzidas pela adição do composto, assim como para os demais psicodélicos, varia de acordo com o ambiente (condição externa) e o estado de espírito e personalidade (condição interna) do usuário: as experiências ruins e potencialmente danosas são freqüentes entre os usuários recreacionais (ilícitos) enquanto o uso positivo é sumamente verificado no contexto religioso (lícito). Os efeitos são similares aos efeitos desencadeados pelos químicos pertencentes ao mesmo grupo: alterações na percepção visual que podem incluir visões caleidoscópicas, hiper-coloridas e zoons em texturas ou padrões de formação dos objetos; sensibilização sensorial; experiências de despersonalização onde o indivíduo perde a identidade com seu próprio corpo e com os limites do próprio corpo; alteração da noção temporal e espacial; sensação de plenitude consciencial, de unicidade com o universo (cosmovisão); sensações tanto de paz suprema quanto de intenso terror que pode levar a quadros de pânico (má viagem, bad trip); taquipsiquismo (pensamento rápido); pensamento confuso e desordenado; perda do controle emocional etc.


Apesar de podermos delinear um certo universo de efeitos, a definição dos mesmos torna-se essencialmente dificultada devido a natureza subjetiva e idiossincrásica da experiência psicodélica.

Há dois trechos, no filme Blueberry (2004), que simulam uma experiência vivida através do consumo de uma infusão de peiote no contexo religioso de uma tribo apache (chirikahua).

Já os efeitos fisiológicos incluem alterações variáveis como o aumento da pressão sanguínea, taquicardia, midríase (dilatação da pupila) e atividades eméticas (vômito).

A mescalina não é capaz de desenvolver relação de vício com o usuário e não possui toxicidade cerebral suficiente para acarretar problemas, distúrbios ou danos neurológicos. O grande problema encontrado no uso de substâncias como a mescalina não recai em seus mecanismos fisiológicos, mas sim nos efeitos imprevisíveis que esta adição pode causar no indivíduo psiquicamente (principalmente quando utilizada com fins recreativos).

MECANISMO DE AÇÃO:

Os mecanismo de ação de psicodélicos como a mescalina, assim com os de outros químicos deste grupo, apresentam, ainda hoje, uma série de lacunas preenchidas apenas por teorias. Os últimos estudos têm encontrado diversos indícios da natureza química interativa no cérebro humano.

Sabe-se que a mescalina possui estrutura semelhante aos neurotransmissores cerebrais dopamina, noradrenalina e serotonina (especialmente à dopamina, enquanto o LSD, por exemplo, assemelha-se mais à serotonina). Em função de tal afinidade, a molécula liga-se aos mesmo locais (receptores) em que estas substâncias se conectam, onde passam a desenvolver a função de neurotransmissores, neste caso, de origem externa. Os neurocientistas acreditam que a ativação de determinados grupos destes receptores é o mecanismo responsável pelas alterações perceptivas e cognitivas produzidas pela adição destes químicos.

RELATOS:

Richard Heffern, autor de Secrets of the Mind Altering Plants of Mexico, de 1974, faz, na obra, um relato detalhado sobre uma experiência com mescalina:

"Queria que minha primeira experiência com peiote fosse perfeita em cada detalhe, assim a planejei cuidadosamente o quanto pude. Meu colega e eu decidimos dormir a maior parte do dia para estar alerta durante a noite. Deliberadamente escolhemos uma noite de lua cheia para não precisar de luz artificial. Aproximadamente uma hora antes de entardecer, ingerimos cada um o equivalente a 500mg de mescalina. Aproximadamente 40 minutos depois caminhei costa abaixo até um campo onde tive a estranha sensação de que seria muito desrespeitoso passar perto do cacto sem o saudar. Neste momento a planta era tão importante como eu. Ambos – a planta e eu – estávamos nesta terra juntos, e me embargava um sentimento de que existia um vínculo entre nós. Estávamos "nisto" juntos. Durante toda a experiência senti um regozijo pronunciado. Sentia que estava parado mais ereto do que de costume; sentia um grande orgulho por ser uma criatura vivente. Nestes momentos, a consciência de estar vivo me parecia suficiente para ser completamente feliz. Ao mesmo tempo, parecia que me restava muito pouco do ego; sentia que era uma pequena parte de um todo muito maior. Estava na Terra para viver, experimentar e aprender. O mundo ao redor era um grande lugar sagrado - um lugar que devia ser reverenciado e respeitado. Me pergunto se as coisas teriam sido diferentes caso estivesse rodeado por um ambiente urbano em que prevalecessem as coisas feitas pelo homem. De alguma maneira, senti um grande desamparo. Me senti como uma criança num mundo estranho, pouco familiar e fascinante. Senti que estava aprendendo tudo de novo. O ápice da experiência pareceu vir depois de quatro horas, apesar da dificuldade em estar consciente do tempo. Em algum ponto, parecia que eu podia sentir a rotação da Terra sobre seu próprio eixo. Era uma noite de neblina, e esta neblina parecia tomar a forma de um enorme dragão, iluminado pela lua. Em algum ponto, um tipo de retrospectiva se tornou no aspecto dominante da experiência. Era como se a minha mente estivesse buscando avidamente encontrar o significado da experiência completa. Eu tinha um conhecimento intuitivo de que a experiência tinha um grande significado e eu não estava sendo capaz de captar a totalidade do seu significado. Nos dias que se seguiram, pensei muitas vezes em tudo o que havia passado, já que se leva algum tempo para compreender tudo.”

Neste outro relato, encontrado no livro PiHKAL: A Chemical Love Story (1991), dos autores Alexander e Ann Shulgin, um viajante anônimo descreve sua experiência:

"Eu estava esperando ter um dia de excitação visual, mas parece que fui incapaz de escapar da auto-análise. Aprendi muitas coisas sobre eu mesmo e sobre o meu interior. Comecei a perceber um ponto, uma luz branca brilhante, que parecia ser por onde Deus estava entrando, e era inconcebivelmente maravilhoso percebê-la e estar cercado por ela. E eu desejava, com todo o coração, o que se aproximava. Pude entender por que as pessoas sentam e meditam durante horas sozinho com a esperança de que um pouco desta luz as contate. Supliquei que ela continuasse a me circundar. Mas ela não o fez. Desvaneceu-se e não regressou nesta forma particular durante o resto do dia. Escutando o Requiem, de Mozart, encontrei magníficos ápices de beleza e glória. O mundo estava tão distante de Deus, e nada era mais importante do que voltar a entrar em contato com ele. Pude ver como criamos o fiasco nuclear para amenizar a existência no planeta, como se fosse só através das armas e da aniquilação completa que as pessoas pudessem começar a se preocupar com os demais. Um efeito destacável desta droga é a extrema empatia que te faz sentir pelas coisas pequenas: uma pedra, uma flor, um inseto. Creio que seria impossível levar alguém a cometer um ato destruidor sobre alguém ou algo neste estado, nem se quer se pode cortar uma flor. Terminei a experiência sentindo que havia passado por muitas coisas, e que havia aprendido algo importante. Me sentia maravilhosamente livre.”

STATUS POLÍTICO ATUAL:

A mescalina é considerada uma droga ilícita pelas Nações Unidades, através da Convenção de Substâncias Psicotrópicas, de 1971. Devido à aceitação internacional da convenção, é uma substância proibida em todos os territórios mundiais, exceto sob condições rituais e religiosas, como o contexto da Igreja Nativa Americana, onde os adeptos possuem o direito garantido de utilizar o peiote em suas cerimônias.

A produção e cultivo do peiote, assim como a sintetização, produção, comercialização e consumo da mescalina são proibidos sob pena de se fazer valer as medidas constitucionais cabíveis em cada federação.

Apesar do atual status, a mescalina tem sido consumida ilegalmente por uma diversidade de grupos urbanos. A droga (street mescaline) é produzida e sintetizada em laboratórios ilegais e inapropriados para os processos químicos implicados, oferecendo, assim, o risco de conter substâncias perigosas e outros tipos de impureza, além de já oferecer os riscos normais enquanto substância utilizada para fins recreativos.

Extraído do Blog : http://projetoultralice.blogspot.com/


ASSINE A CARTA: Envie seus dados ou os da sua instituição para o email contato@marchadamaconha.org
Não esqueça de colocar a forma correta como quer ser citado(a) no documento.

Carta Aberta à Sociedade Brasileira – Pela reabertura do debate público sobre a maconha
Por, Sergio Vidal [1]

“…Temos clareza de que as metas de um ‘mundo sem drogas’ se mostraram inatingíveis, com visível agravamento das “conseqüências não desejadas”, tais como aumento da população carcerária por delitos de drogas, aumento da violência associada ao mercado ilegal das drogas, aumento da mortalidade por homicídio e violência entre jovens – com reflexo dramático nos indicadores de mortalidade e de expectativa de vida da população. Agregue-se a isso exclusão social por uso de drogas, a ampliação do mercado ilegal…” (General Jorge Armando Felix, 11 de março de 2009).

“A Cannabis aparece nos documentos de referência da ONU produzidos nas Convenções de 1961 e 1971 de maneira contraditória, além de cientificamente incorreta. [...] O Brasil teve papel fundamental na gênese dessa situação, na Convenção de 1924. Faz sentido que o Brasil busque correção de equívoco histórico que já perdura por quase um século”(Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, Março de 2009) [3].

A planta Cannabis sativa é conhecida no Brasil popularmente como maconha, mesmo nome que é dado também ao fumo usado como droga, apenas uma entre as diversas possibilidades de uso da planta. As folhas, caule, sementes e flores foram e ainda são utilizadas em diversos países do mundo, como matéria prima para inúmeros produtos nas mais diversas áreas. Poderíamos expor dados a respeito de como o Brasil tem se furtado a lucrar com a regulamentação da exploração comercial das partes não-psicoativas da planta e seus derivados, sem necessariamente legalizar o uso para fins recreativos e existem diversos estudos, livros, artigos e outros trabalhos científicos e técnicos que podem ser consultados a esse respeito. Porém, dentro de uma discussão sobre leis e políticas públicas sobre drogas que se proponha de fato debater acesso à saúde, segurança e cidadania aos cidadãos, precisamos atentar não apenas para as perdas econômicas da exploração desse nicho de mercado, mas principalmente para os custos que a manutenção de políticas e leis proibicionistas causam para toda a sociedade.

Mesmo que o uso da maconha e de outras plantas psicoativas tenha sido uma presença constante em quase toda a trajetória humana na terra, somente a partir do final do séc. XIX, após a Guerra do Ópio, surgiram os Encontros Internacionais para discutir o tema. Durante os encontros de 1909, 1911, 1912 e 1921, realizados para discutir questões relacionadas à coca e ao ópio, não houve qualquer menção à maconha. Na Reunião de 1924, Brasil, Egito, Grécia e alguns outros países cujos governantes tinham interesses em proibir seu uso iniciaram uma campanha para que ela também fosse considerada perigosa e incluída na lista de proscrições. Sob pressão, uma Comissão especial foi criada para analisar a matéria. Inspirados na criação dessa Comissão, na década de 1930, alguns países, a exemplo do Brasil (1932) e EUA (1937), criaram leis federais banindo seu uso. Desde então, passaram a pressionar para que os Tratados Internacionais incluíssem a Cannabis sativa, o que só foi conseguido na Convenção Única de Entorpecentes, em 1961. De lá pra cá, o consumo não diminuiu, mas a repressão foi intensificada, na mesma medida em que aumentou a violência relacionada à produção e comercialização não-autorizada de maconha, bem como de outros crimes e problemas sociais relacionados, como os citados pelo General Jorge Armando Félix.

É importante ressaltar que a participação da delegação brasileira nesses encontros, ao expor dados sobre os perigos da maconha no país, contrariou os dados clínicos e científicos que existiam no país. Até mesmo um relatório publicado por encomenda do Governo Brasileiro em 1959 sobre a planta foi desconsiderado. Ou seja, a delegação brasileira, queremos crer que por imprudência ou imperícia, levou dados equivocados sobre a planta para um Encontro Internacional. Esses dados foram utilizados para equiparar a maconha à heroína e outros opiáceos, drogas incluídas na Lista IV, justificando uma decisão que influência até hoje as leis de diversos países, incluindo o Brasil.

A história da maconha e da sua proibição no Brasil e no mundo é cheia de capítulos obscuros. Não é possível precisar ao certo como uma planta que foi cultivada em todo o mundo e considerada econômica e socialmente importantíssima passou a ser perseguida política e legalmente. Especificamente no Brasil, é difícil entender como uma planta cultivada oficialmente pela Coroa Portuguesa e disseminada em todo o país e que teve seu uso difundido e tolerado passou a ser estigmatizada e criminalizada. É apenas possível ver nesses processos indícios de racismo, etnocentrismo, xenofobia, autoritarismo e muitos outros ‘ismos’ que sabemos tão perniciosos à construção de um Estado Democrático de Direito.

O proibicionismo, ou seja, as políticas e leis que nas quais é utilizada de forma exagerada e perniciosa a proibição enquanto regra é uma criação recente na história. Acredito realmente que os representantes de cada país, tanto no passado quanto atualmente queiram o melhor para suas nações e para o mundo. Porém as boas intenções iniciais de regular o mercado para que ele não causasse danos aos indivíduos nem à sociedade foram esquecidas em algum momento no passado. As trocamos por uma ilusão coletiva de que a melhor forma de lidar com as drogas e com as pessoas que as consomem é publicar decretos proibindo suas existências e ampliar as maneiras e intensidades de punir aqueles que insistem em não se encaixar nesse mundo utópico. Ao fazer isso, esquecemos também que políticas e leis sobre drogas não podem causar danos mais graves à sociedade ou aos indivíduos do que o uso das drogas em si.

Segundo os dados do Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas de 2005, estima-se que 5.000.000 de pessoas fumaram maconha ao menos uma vez na vida. Isso significa que correram o risco de ser processadas e passar pelos trâmites policiais e jurídicos por terem fumado maconha, uma prática que, até outubro de 2006 era punível com até 2 anos de prisão. Esses dados dão uma aproximação da realidade e nos levam a refletir que todas as pessoas conhecem alguém – um parente, um vizinho, um amigo ou conhecido – que fuma maconha, freqüentemente ou não, ou então que já fumou. Sendo assim, em todas as famílias brasileiras existem pessoas que sofrem direta ou indiretamente as conseqüências negativas das políticas e leis sobre drogas adotadas atualmente. Mesmo que não seja possível mensurar qual seria o impacto da autuação e processo de todos esses cidadãos brasileiros que consomem derivados de Cannabis sativa, é possível imaginar o que tem representado para o país e para essas pessoas a adoção de leis e políticas pouco tolerantes com suas condutas. No mínimo, essas políticas e leis não têm alcançado seus objetivos principais de assegurar acesso à segurança, saúde e cidadania.
Estão previstas para ocorrer nos próximos dias 2, 3 e 9 de maio a Marcha da Maconha em 14 cidades brasileiras e em mais de 250 cidades em todo o mundo, tendo como objetivo promover reflexões em torno dos danos causados pelas atuais políticas e leis sobre a maconha e seus derivados. Essa não é uma manifestação que interessa apenas às pessoas que usam maconha ou outras drogas. Interessa a todos os cidadãos e cidadãs que querem ajudar a construir e a manter a Democracia Brasileira.

Em uma Nação que se pretenda afirmar como Estado Democrático de Direito, qualquer tentativa de desvirtuamento do Artigo 5º da Constituição Brasileira, do Código Civil ou mesmo da Lei 11.343, com a intenção de obscurecer os objetivos da Marcha da Maconha ou incutir-lhe qualquer conotação de apologia ao crime ou incentivo ao uso de drogas é inaceitável. Movimentos sociais não podem ser criminalizados apenas por querer reabrir um debate político-legal ou por manifestar seus posicionamentos, como ocorreu em quase todo o país em 2008 e como estamos vendo ocorrer esse ano em Fortaleza, João Pessoa, Gôiania, Salvador e São Paulo.
Ao afirmar na 52ª Sessão da Comissão de Entorpecentes da ONU para o tema das drogas que as metas acordadas nos Tratados Internacionais anteriores se mostraram inatingíveis, o Brasil tomou uma posição de coragem, admitindo que o caráter absurdo de uma das principais metas que sustentam a manutenção das políticas proibicionistas. Assim como ao reafirmar a necessidade de avançar com firmeza na garantia dos Direitos Humanos dos cidadãos usuários de drogas. Também deu um passo importante quando aprovou na última reunião do CONAD – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, realizada em março desse ano, que errou na reunião de 1924 e que deve ser enviada uma moção pedindo retração por esses erros e sugerindo a exclusão da Cannabis da Lista IV. Porém, muitos passos ainda precisam ser dados para sairmos do lugar incomodo onde atualmente estamos e começarmos a trilhar caminhos que verdadeiramente respeitem a diversidade, os direitos humanos e assegure o acesso à saúde, segurança e cidadania.

[1] Sergio Vidal é pesquisador, redutor de danos, militante antiproibicionistas, membro do coletivo Marcha da Maconha Salvador e Representante da União Nacional dos Estudantes – UNE – no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD
[3]Trecho das ‘Conclusões’ do Parecer da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico sobre encaminhamento à ONU de proposição de retirada da Cannabis e substâncias canabinóides da Lista IV, com sua manutenção na Lista I da Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961

ASSINAM A CARTA

INSTITUIÇÕESABESUP – Associação Brasileira de Estudos Sociais sobre o uso de Psicoativos;
ACARD – Associação Capixaba de Redução de DanosAMAR – Associação de Mulheres do Acre Revolucionarias
AREDACRE - Associação de Redução de Danos do Acre
ARDAM- Associação de Redução de Danos do Amazonas;
BEM VIVER – CONSULTORES ASSOCIADOS;
Centro de Convivência É de Lei – São Paulo
Centro Academico de Ciências Sociais Caio Amado ( Cacam) – Universidade Federal de Sergipe (UFS);
Coletivo Marcha da Maconha Salvador;
Coletivo Marcha da Maconha São Paulo;
Coletivo Marcha da Maconha Porto Alegre;
Coletivo Marcha da Maconha Rio de Janeiro;
Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal da Bahia;
Flores de Maio – Movimento Estudantil da Univesidade Federal da Bahia;
Fórum Norte de Redução de Danos;
Fórum Saúde do Acre;
Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos – Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Grupo de Pesquisa Violência, Política de Drogas e Direitos Humanos – Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC;
LAPIS – Laboratório de Pesquisa Interdisciplinar sobre o uso de Substâncias Psicoativas/UNIVASF
Movimento Mudança – Movimento Estudantil;
RADAR – Rede Acreana de Defensores da Amazonia e Rios;
Rede Paulista de Redutores de Danos;
UNE – União Nacional dos Estudantes.

INDIVÍDUOS
Adriana Barcellos – Representante de São Paulo no Colegiado ABORDA e Membro da Diretoria da Rede Paulista de Redutores de Danos;
Aldeisa Freitas de Oliviera – Redutora de Danos do Acre, Conselheira estadual de Saúde do Acre;
Álvaro Augusto de Andrade Mendes – Coordenador do Fórum Norte de RD, Conselheiro Estadual de Saúde do Acre e Coordenador do Fórum Saúde do Acre;
Bruna Macedo Sussuarana – Redutora de Danos e Conselheira Estadual de Saúde do Acre;
Bruno Ramos Gomes – Psicólog e mestrandfo em Saúde Pública;
Christiane Moema – Psicologa, Membro da Psicotropicus;
Claudio Ricardo Silva de Oliveira – Jornalista;
Daphne Oliveira Soares – Psicóloga, CRP-03/05853
Delma Alves de oliviera - Redutora de Danos e Diretora Administrativa da Aredacre;
Dênis Roberto da Silva Petuco – Educador popular, redutor de danos, sociólogo, Mestrando em educação pela UFPB, Membro do Grupo de Pesquisa sobre Educação Popular e Saúde – UFPB;
Edward MacRae – Antropólogo, Prof. da Universidade Federal da Bahia, membro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas ;
Fabio Batista Felizardo da Silva – historiador, e, pós-graduando em História do Brasil pela UFF (Universidade Federal Fluminense);
Fabio Nutti Marangoni – Fotógrafo (Escola Panamericana de Arte), Publicitário (FAAP), Professor de ensino superior de fotografia e comunicação visual;
Felipe Vago Ferreira – Redutor de Danos;
Gabriela Giacomini de Almeida – estudante, funcionária da USP e militante do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade);
Helder Uhebe Soares El-Bachá – Psicólogo e Redutor de Danos, CRP-03/04083
Henrique Soares Carneiro – Historiador;
Jandervan Pereira Mais – Redutor de Danos e Mobilizador da Aborda no Acre;
João Sampaio Martins – Psicólogo CRP 03/03791, Apoiador Institucional da Área Técnica de Saúde Mental da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia;
Leazar Haedrich – Presidente da Aredacre, Conselheiro estadual de Saúde do Estado do Acre e Redutor de Danos do acre;
Luana Silva Bastos Malheiro – Supervisora de campo da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti, serviço da Faculdade de Medicina da UFBA, Conselheira suplente do Conselho Estadual da Juventude, Membro do GIESP E NEIP;
Luciana Boiteux – Advogada e Professora Adjunta de Direito Penal. Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Luiz Fernando Marques – médico, especialista em saúde pública, adolescência e substâncias psicoativas, ex-conselheiro do então Conselho Nacional Anti-drogas da SENAD/Presidência da República, representante do Ministério da Saúde
Luzania Barreto Rodrigues – Antropóloga
Marco Antônio Gracie Côrte Imperial – Prof: Jornalista, fotógrafo, músico, analista de leis. meio ambiente, direitos-humanos Representante do Centro Eclético de Fluente Luz Universal São Pedro e Rainha do Mar;
Maria da Liberdade do Carmo – Assist.Social, Sexologa, Coord. Estadual do MAB – Movimento dos Atingidos Por Barragens _ TO e Mobilizadora do colegiado da ABORDA;
Marisa Felicíssimo – Médica, Psiquiatra Especialista em Dependência Química e Redução de Danos. Integrante das ONGs Psicotropicus e ENCOD;
Marco Magri – Cientista SocialMarcos Luciano Lopes Messeder – Antropólogo, Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pesquisador associado ao Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD/UFBA);
Maurício Fiore – Antropólogo Neip/CEBRAP;
Michelle Miranda – Psicóloga CRP 06/86.391, especialista em Saúde Coletiva e redutora de danos.
Pablo Ornelas Rosa, sociólogo/antropólogo, professor da UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná e pesquisador do NEJUC/UFSC e NEIP.
Paulo Cesar Pontes Fraga – Professor Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz, Coordenador do Grupo de Pesquisa Violência, Política de Drogas e Direitos Humanos;
Rafael Aragao Pinto – estudante do curso de Ciências Sociais (UFS);
Rafael Guimarães dos Santos – biólogo e pesquisador do NEIP;
Ramon Arruda Braz – Redutor de Danos e Diretor Tecnico da Aredacre;
Renato Cinco – Sociólogo. Militante do PSOL, do Coletivo Marcha da Maconha e do Movimento Nacional pela Legalização das Drogas (MNLD);
Rinaldo Rossi – Estudante de Geografia da UFBA, militante do DCE UFBA e do PT;
Ronaldo Pinto Júnior - Diretor de Assistência Estudantil da UNE e membro da Direção Nacional da Juventude do PT;
Rossana Rameh – Psicóloga, Redutora de Danos, Membro do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas de Recife, Membro da Rede Pernambucana de Redução de Danos, Assessora Técnica da Saúde Mental da Cidade do Recife e do Estado de Pernambuco (Secretarias de Saúde), Pesquisadora do LEVES (Laboratório de Estudos sobre Violência e Saúde CPqAM / FIOCRUZ).
Sandra Goulart – antropóloga e pesquisadora do NEIP
Semíramis Maria Amorim Vedovatto – Psicóloga crp 08/6207, Especialista em Saúde Mental;
Sheila dos Santos Brasileiro – antropóloga/Salvador-BA;
Stella Pererira de Almeida – pós-doutora em psicologia USP/FAPESP, coordenadora projeto Baladaboa;
Tales de Castro Cassiano – Vice-Presidente da UNE, Movimento Mudança, Movimento de Ação e Identidade Socialista – PT;
Talita Nunes Costa – Psicóloga, CRP-03/03791.

A hipótese do antropólogo Jeremy Narby

Fonte : http://www.jornalinfinito.com.br/series.asp?cod=103

Jeremy Narby, PhD, é um antropólogo franco-canadense que trabalha na Suíça para a Nouvelle Planet, uma organização “non-profit”. Narby formou-se na Universidade de Canterbury e recebeu o seu PhD em antropologia na Universidade de Stanford. Por dois anos, viveu na Amazônia Peruana estudando os índios Ashaninka e os seus métodos de emprego dos recursos da floresta. Volta e meia ele retorna às suas pesquisas na Floresta Amazônica Peruana. Jeremy Narby escreveu dois livros. No primeiro, The Cosmic Serpents and the Origins of Kownledge, o antropólogo foi obrigado a estudar biologia para dar corpo a uma hipótese revolucionária que lhe ocorreu, sobre o papel desenvolvido pelo DNA na origem da vida e da sua evolução no planeta Terra. Recebeu o auxílio de vários biólogos importantes dentre eles: Lynn Margulis e Dorion Sagan que assim se manifestaram sobre o livro de Narby: “The Cosmic Serpents oferece conexões intrigantes para o conhecimento de uma estrada muito pouco trafegada – aquela que os índios usam através do uso de alucinógenos – e de como esta estrada pode se conectar, no futuro, com a biologia molecular”. Dorion Sagan e Lynn Margulis autores de: What is life?

“Iniciei a minha investigação na Amazônia Peruana com o enigma da “comunicação das plantas”. Aceitei a idéia de que as alucinações dos shamans poderiam se tornar numa fonte de informação verificável. Terminei com a hipótese que sugere que a mente humana pode se comunicar, em consciência desfocalizada com a rede global da vida baseada no DNA. Tudo isto contradiz os princípios do conhecimento ocidental”. (pág. 131)

Jeremy Narby confessa, como muitos outros, de que foi influenciado por Carlos Castañeda quem a maioria global desconhece que nasceu no Brasil, na cidade de Juqueri, no interior de São Paulo. Carlos Aranha Castañeda, o seu nome real, de conformidade com uma das suas últimas entrevistas, feita com uma jornalista espanhola e que se tornou em um livro (edição esgotada).

A hipótese de Narby é testável, diz ele.“O teste consistiria em saber se biólogos institucionalmente respeitados poderiam encontrar informação biomolecular no mundo dos alucinógenos dos auahuasqueiros. Embora esta hipótese seja correntemente rejeitada pela biologia institucional, porque infringe as pressuposições da disciplina. A biologia tem uma cegueira de origem histórica”. (pág. 132).

Qual seria esta hipótese?O antropólogo afirma que ela sugere que o que é chamado de essências animadas pelos shamans que com elas dizem se comunicar e de onde recebem informações preciosas e úteis, é o DNA, que anima todas as formas vivas. Infelizmente, a biologia moderna está fundamentada na noção de que a natureza não é animada por uma inteligência e que, portanto, o histórico desta questão nasceu com a tradição materialista estabelecida pelos naturalistas dos séculos 18 e 19. Esta foi a época, inclusive, onde questionar os ditames da bíblia se tornava em heresia e em pesadas sanções.

Corajosamente, Linneus, Lamarck, Darwin e Wallace afrontaram este estado de coisas concluindo que as diferentes espécies evoluíram ao longo do tempo e que não tinham sido criadas no Jardim do Éden em formas pré-fixadas há milhões de anos.Com a teoria da origem das espécies, Darwin e Wallace tiraram Deus do seu jardim e proporcionaram a grande chance aos biólogos estudar a natureza e ignorarem um plano divino para ele.

Pro um século a teoria da evolução foi contestada, vitalistas, como Bergson, rejeitaram todo este materialismo, argumentando que lhe faltava a explicação de um mecanismo capaz de desvendar o segredo de como se originaram todas as variações.

No ano de 1950, com a descoberta do DNA, a teoria de Darwin se firmou no meio acadêmico. O DNA demonstrava a materialidade da hereditariedade e se encarnava no mecanismo exigido por Bérgson.A molécula do DNA é auto-duplicante e transmite informações para as proteínas, os biólogos então concluíram que esta informação não poderia fluir de volta das proteínas para o DNA; em vista disto, a variação genética poderia advir somente de erros no processo de duplicação. Sir Francis Crick, um dos co-descobridores da estrutura do DNA batizou esta descoberta de dogma central da novel disciplina denominada – biologia molecular: “A chance é somente a verdadeira fonte da inovação”, disse ele.A filosofia materialista, desde então, cobrou novo ímpeto. A vida passou a ser um fenômeno material.

“O último objetivo do movimento moderno na biologia é explicar toda a biologia nos termos da física e da química”. Sir Francis Crick (grifo original do autor).“Os processos que ocorrem nos seres vivos vistos ao microscópio no nível das moléculas, são de modo algum diferentes daqueles analisados pela física e química nos sistemas inertes”. François Jacob –Prêmio Nobel – biólogo molecular.

A Chance e a Necessidade

Jacques Monod – Prêmio Nobel – e também biólogo molecular expressou no seu livro cujo título abre este texto, que a chance e somente ela, seria a fonte da inovação na natureza.

Os biólogos se ufanaram com a idéia de que haviam descoberto a verdade ou seu dogma como intitularam. Mas a tão famosa e decantada chance sobreveio com ares de furacão balançando todo este ufanismo com a descoberta do código genético em 1960.

O antropólogo Jeremy Narby, enfronhando-se na biologia profundamente para dar corpo à idéia que lhe assaltava a mente, assustou-se com a semelhança extrema entre o DNA e toda a sua maquinaria celular, a uma tremenda e sofisticada tecnologia de origem cósmica!...

“Mas à medida que eu estudava atentamente as milhares de páginas contidas nos textos da biologia, descobria um mundo em tudo semelhante à ciência ficção e que parecia confirmar a minha hipótese”. Narby (pág. 135).

O Mundo da Ciência Ficção na Biologia Molecular

São proteínas e enzimas descritas como “robots miniatura” , ribosomas surgem como verdadeiros computadores moleculares, as células são descritas como fábricas e o próprio DNA: “texto”, “programa”, “linguagem” ou “data” (informação). Mesmo diante de todo este cenário estupefaciente e muito excitante, diz Narby – “muitos autores demonstram uma falta total de deslumbramento e parecem considerar que a vida é meramente um fenômeno fisioquímico”.

Jeremy Narby detalhou minimamente todo este mundo maravilhoso que nem mesmo sendo tão estupefaciente, consegue emocionar a maioria daqueles que nele e dele vivem cotidianamente! A mais incrível das descobertas que o antropólogo fez, foi a de que os shamans da Amazônia Peruana, com as suas metáforas descritivas daquilo que as simples palavras não conseguem exprimir a contento, a seu modo, se correlacionavam com a linguagem científica descritiva do DNA, com as suas metáforas antropocêntricas e tecnológicas. Lendo os textos da biologia e meditando sobre toda esta semelhança, Narby concluiu que: “Constantemente, eu imaginava como a natureza pode ser destituída de intenção se ela corresponde verdadeiramente às descrições que os biólogos fazem a seu respeito”. Narby (pág. 137).

A Dança dos Cromossomos

“Basta-nos, apenas, considerarmos a dança dos cromossomos para observarmos que o DNA se move num caminho deliberado. É como se dançassem uma “pavana”. Depois de explicar toda a coreografia desta pavana, Narvy pergunta: “Esta assombrosa e imponente pavana ocorreria sem alguma forma de intenção? Na biologia esta questão, simplesmente, jamais foi formulada”.

Esta questão pode ter, também, ligações com o que Narby denomina de olhar racional ou aproximação racional, que “tende a minimizar aquilo que não se compreende”. Diz o antropólogo que o melhor dos campos de treinamento para esta arte muito conveniente, é a sua profissão: a antropologia. E explica o porque. “Os primeiros antropólogos consideravam a todos aqueles que viviam na periferia do mundo dito “civilizado e racional” de primitivos e pertencentes a sociedades inferiores. Os shamans foram categorizados como doentes mentais. A aproximação ou olhar racional é o resultado da idéia de que tudo o que é inexplicável e misteriosos é, em um determinado senso, o inimigo. Isto significa que se prefere o pejorativo, e mesmo o erro, a responder demonstrando a ausência de compreensão”.(pág. 139).

A Ciência Cow-boy

A ciência “cowboy” primeiro atira e depois... PERGUNTA. Um perfeito exemplo dela diz respeito ao que se nomeou de “junk” DNA. 97% do DNA no nosso corpo foi denominado, por pura ignorância do que poderia chamar de: “lixo” (junk). Recentemente, hipóteses sugerem que o junk pode desempenhar determinadas funções. Isto define o apelido de ciência cow-boy que não é tão objetiva o quanto faz parecer que é! Reclama Narby e conclui: “Aprendi durante a minha investigação: vemos somente aquilo no acreditamos, e para mudarmos a nossa visão, torna-se necessário, algumas vezes, mudarmos aquilo no que acreditamos”. (pág. 140).

A Hipótese

Para fazer compreender bem a hipótese de Jeremy Narby, tivemos que desenrolar a ponta do novelo para que se pudesse assimilar algumas das elucubrações feitas pelo antropólogo durante a sua caminhada. O novelo lhe foi entregue quando pesquisava a mitologia dos ashininka peruanos. A constância da imagem de uma serpente ou de serpentes quilométricas, enroladas e desenroladas de dupla hélice, doadoras da vida e do conhecimento total a respeito de tudo, as pinturas feitas pelos shamans novamente mostrando as duplas hélices, escadas, trepadeiras, imagens que copiavam fielmente a forma dos cromossomos em fases específicas, formas idênticas as do DNA e a sua descrição tão fiel que tudo parecia ter saído de um livro de biologia, mas saíra, na verdade, dos lábios e dos pincéis de personagens que sempre foram descritos pela antropologia como sendo doentes mentais...

Narby fez um teste: mostrou ilustrações coloridas e quadros muito detalhados feitos pelos índios peruanos e shamans daquela e de outras plagas do planeta, para um amigo seu, versado em biologia. O amigo se espantou sobremaneira: “olhe, aqui está o colágeno... e alí são as hélices triplas... e acolá o DNA afar (de longa distância) semelhante a um fio telefônico... isto se parece com cromossomos em fase específica... há uma forma do DNA espalhado e junto os cilindros (spools) de DNA na sua estrutura de nucleosomo”. Suren Erckman – 1994.

Narby estava chocado! Havia descoberto que os simples mitos dos shamans peruanos e de todo o mundo, relacionavam-se, perfeitamente, com um conhecimento real descoberto nos laboratórios!

Neste ponto o Gênesis até que tinha razão, pensou Narby. E no princípio era o “VERBO”: Verbo? Linguagem? DNA?

Origem da Vida

Não pretendo atacar a fé de mingúem, mas demarcar a cegueira do olhar racional e fragmentado da biologia contemporânea e explicar porque a minha hipótese está condenada, antecipadamente, a permanecer trancada dentro desta cegueira. Resumindo: minha hipótese está baseada na idéia de que o DNA em particular e a natureza em geral possuem um tipo específico de mente. Isto contradiz o princípio básico da biologia molecular, ou seja, a ortodoxia corrente”. (pág. 145).

Bibliografia:- The Cosmic Serpent – Jeremy Narby – ed. Penguin Pretnam Inc.

PELA CORREÇÃO DE UM ERRO HISTÓRICO