Psicodélico: agosto 2007

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Entrevista com o antropólogo Anthony Henman

Fonte: ISTOÉ nº 1467 (12 de novembro de 1997)

“Droga não é o demônio”

Consultor da OMS, Anthony Henman diz que as autoridades devem tolerar a maconha para concentrar esforços nos viciados em heroína e cocaína.

Eliane Trindade
O antropólogo Anthony Henman, 47 anos, é uma autoridade mundial em drogas. Foi consultor do assunto junto à Organização Mundial da Saúde (OMS), às Nações Unidas e à Comissão Européia. Filho de ingleses, nascido em São Paulo, Henman esteve no Brasil há três semanas a convite do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Entorpecentes para participar de um seminário em Brasília sobre políticas de "redução de danos". Surgido nos anos 80, para tentar barrar o avanço da AIDS entre consumidores de drogas, o conceito vai pela linha "dos males o menor", que acabou permitindo o surgimento de programas de distribuição de seringas para usuários de drogas injetáveis e até de heroína para viciados crônicos. Henman acompanhou experiências na Inglaterra e na Suíça. Atualmente é consultor de um projeto de troca de seringas no Estado de Nova York. Com vasta experiência, esse ex-professor de antropologia da Unicamp, formado pela Universidade de Cambridge, admite que, como toda a sua geração, já fumou maconha. Suas posições se assemelham mais às músicas da banda Planet Hemp do que ao discurso oficial. Ele também compra polêmicas como o uso da folha de coca no tratamento de dependentes de cocaína e crack. "Dessa forma haveria um consumo de cocaína muito menos danoso. Mas o que impera é a visão americana de que a única saída é a abstinência, o tudo ou nada", diz. Antes de enveredar pela problemática médica e urbana do uso das drogas, Henman pesquisou regiões produtoras de cocaína na Colômbia e estudou o consumo da folha de coca pelos índios. No Brasil, fez interessantes descobertas sobre a história do consumo da maconha. Um dia antes de embarcar para os Estados Unidos, na quarta-feira 29 de outubro, Henman concedeu a seguinte entrevista a ISTOÉ:

ISTOÉ – O senhor poderia citar um exemplo de sucesso na aplicação da política de redução de danos?
Anthony Henman – Em Liverpool, cidade pioneira na distribuição de seringas descartáveis, a taxa de infecção por HIV entre os usuários de drogas injetáveis não ultrapassa 1,6%. Enquanto em Nova York, em certos bairros, o índice é de 60%. Aqui, em cidades como Itajaí (SC), a taxa é de 70%. No Brasil, a reação das autoridades tem sido sempre de que droga é confusão, droga é marginalidade, droga é crime. Com a chegada da AIDS essa mentalidade teve de mudar. De repente, existia uma doença que era uma ameaça tangível. Quando as pessoas viram que existia um risco altíssimo de transmissão do vírus através da seringa, começaram a pensar o impensável. Até então, distribuir seringas seria o equivalente a dar drogas para crianças. Hoje, programas de distribuição e troca de seringas evoluíram bastante na Europa.

ISTOÉ – Existem outros exemplos positivos mais recentes?
Anthony Henman – Na Europa atualmente estima-se um consumo de dez milhões de pastilhas de ecstasy por fim de semana entre Espanha, Itália, França e Inglaterra. É um tipo de uso concentrado, em festas que duram a noite inteira, as raves. Na Holanda, por exemplo, as prefeituras passaram a obrigar os organizadores a realizar as festas em locais mais arejados e a fornecer água de graça. Isso para evitar mortes por desidratação ou colapsos físicos. Sob o efeito do ecstasy as pessoas dançam tanto que podem se desidratar ou sofrer uma inversão térmica no corpo.

ISTOÉ – Isso é redução de danos?
Anthony Henman – Exatamente. É uma política que diz: não vamos conseguir parar essas milhões de pessoas. Mas, pelo menos a gente pode evitar as piores seqüelas sabendo do que se trata e impondo certas normas. Precisamos olhar especificamente quais são as substâncias que estão criando problemas, em que camadas da população, em que faixa etária e em que contexto sociais. Não dá para continuar com o discurso de que droga é obra do demônio.

ISTOÉ – Como fica o papel do Estado, que reprime o uso e de repente começa a oferecer seringas?
Anthony Henman – Existe uma contradição, entre uma ideologia de controle total, de proibição – "vamos eliminar essas coisas da face do planeta" – e outra lógica que diz: "essa coisas existem, elas produzem um certo tipo de problema, para certos tipos de pessoas e a gente tem que concentrar recursos, uma vez que está custando muito caro". O governo norte americano gasta US$ 15 bilhões por ano, numa política que não tem dado resultado nenhum, centrada na repressão, na proibição.

ISTOÉ – Pode-se pensar em redução de danos no uso de cocaína e do crack que representam riscos bem maiores?
Anthony Henman – Há um médico boliviano em La Paz que tem tratado com folha de coca dependentes de crack, dizendo: "Vamos substituir a forma mais concentrada, por uma forma mais branda." É a mesma droga, mas entra no sangue com menos rapidez. Então, serve para uma desintoxicação progressiva.

ISTOÉ – Seria um antídoto contra a cocaína?
Anthony Henman – É uma forma muito mais moderada de consumir esse mesmo alcalóide. Numa carreira de cocaína ou numa pedra de crack deve haver por volta de 50 miligramas da droga. É mais ou menos a mesma quantidade de cocaína que existe numa boa mascada de folha. A diferença é que quando você fuma um pouco de crack, isso entra na corrente sanguínea em 30 segundos, e quando você está mascando entra de um a dois miligramas por minuto, durante pelo menos uma hora.

ISTOÉ – A folha de coca ajudaria a tratar viciados e a mantê-los em tratamento?
Anthony Henman – Por se tratar de cocaína essas experiências não foram feitas porque predomina a visão americana do problema de que a única alternativa é a abstinência imediata. É o tudo ou nada.

ISTOÉ – A abstinência seria prejudicial aos programas de recuperação de drogados?
Anthony Henman – A abstinência total só funciona para quem de fato quer parar, o que é uma minoria. O que se vê são viciados que passam dezenas de vezes por processos de desintoxicação, voltam ao vício e isso vira um processo repetitivo. Estão sempre alternando entre o tudo e o nada, o tudo sendo consumido por quem quiser na rua e o nada sendo o modelo da abstinência.

ISTOÉ – Colocar a folha de coca como intermediária poderia reduzir o consumo?
Anthony Henman – Acho que poderia levar a um tipo de consumo de cocaína muito menos problemático. Para isso, teria que se admitir o consumo da folha de coca ou de algum produto que reproduz a sua farmacologia. Seria ainda um consumo de cocaína, mas levado a um padrão mais estável, que não faz nenhum mal ao organismo. Seria uma forma de admitir que essa planta existe, que essa substância existe e para certas pessoas pode ter utilidade. É justamente a atual lógica de tentar coibir que está levando o consumo de cocaína para formas cada vez mais danosas.

ISTOÉ – O crack é um exemplo dessa evolução negativa?
Anthony Henman – Sem dúvida é uma evolução perversa do mercado. O crack é uma espécie de McDonald’s da cocaína. É a forma de você vender em pequenas quantidades repetidas vezes e rápido. Não existe mais aquela história de 20 anos atrás, quando o traficante ficava testando o produto para ver se estava bom. Para vender um grama, perdia meia hora. Hoje em dia o negócio é muito mais rápido.

ISTOÉ – Quais os entraves legais ao uso da folha da coca para tratamento de viciados?
Anthony Henman – No Peru e na Bolívia existem pequenas experiências e não enfrentam problemas pelo fato cultural de o uso, em tribos, ser aceito. Eu sei que existem centros na Suíça e Holanda interessados nisso, mas enfrentam enormes dificuldades para enquadrar um projeto desse tipo dentro da legislação internacional antidrogas. A convenção única das Nações Unidas foi feita para dificultar ao máximo o comércio internacional desses produtos e especialmente de suas formas mais primitivas e vegetais. A maconha e a coca sofrem controles ainda maiores do que o ópio, já que a heroína pode ter uso médico.

ISTOÉ – É boa ou má a experiência do consumo de folha de coca nas comunidades indígenas?
Anthony Henman – Os índios usam folhas de coca há muito tempo. E percebe-se que ela funciona como um estimulante eficaz, que de fato traz muito menos danos do que a cocaína refinada. Você pode mascar folha de coca todo dia, a vida inteira, e isso não te fazer mal. Ele é um estimulante, mais ou menos no mesmo nível de dois cafezinhos diários. Não dá nenhuma fissura. Não entendo porque as sociedades ocidentais, em especial o Brasil, não levam em conta essa experiência de milhões de pessoas durante milhares de anos com relação a essa planta. Eles encontraram uma forma de conviver com ela que me parece sadia.

ISTOÉ – No Brasil há registro do uso da folha de coca?
Anthony Henman – Existe uma pequena área onde estive há uns 15 anos, no alto Rio Negro, na fronteira com a Colômbia. Lá, alguns grupos indígenas usam o que eles chamam de ipadu. A coca amazônica é preparada no Brasil de outra forma. O ipadu é um arbusto que dá umas folhas grandes. Elas são torradas e pulverizadas. Faz-se uma mistura com as cinzas. É uma coisa semi-elaborada.

ISTOÉ – Quando a Cannabis chegou ao Brasil?
Anthony Henman – O Brasil é o país das Américas que tem a tradição mais longa de uso de maconha. No Caribe, nos EUA e no México, a droga surge só no fim do século XIX. Enquanto no Brasil já existem boas indicações de que o consumo da maconha era relativamente comum a partir da segunda metade do século XVIII. Em 1930, no Rio de Janeiro, o uso era tão comum que houve uma portaria da prefeitura proibindo o "pito do pango" em estabelecimentos públicos.

ISTOÉ – O uso era restrito aos marginais e malandros?
Anthony Henman – Tem uma história de que Carlota Joaquina tinha um escravo que preparava todos os remédios para ela, e dizem que a rainha usava pelo menos a maconha em forma de infusão. Provavelmente não fumava, mas isso não se sabe com certeza.

ISTOÉ – Quando é que a droga tornou-se um fenômeno urbano no Brasil?
Anthony Henman – Um artigo de um médico baiano, publicado em 1915, trata do uso da maconha e fala dos problemas do abuso. O artigo refere-se à droga consumida por estivadores e trabalhadores braçais no cais do porto de Salvador.

ISTOÉ – Quando chegou à classe média?
Anthony Henman – Provavelmente só nos anos 50. Mas, nos anos 30, aparece em letras de samba. Tem uma música do Wilson Batista que se chama "Chico Brito" que diz assim: "Chico Brito fez do baralho seu maior esporte, é valente no morro, diz que ele fuma uma erva do norte". Isso é uma música de 1932, vem de um meio malandro carioca, sambista, que não é exatamente classe média, mas que já está chegando perto.

ISTOÉ – No que o seu discurso a favor da liberação das drogas difere das letras do Planet Hemp e do Gabriel, o Pensador?
Anthony Henman – Se um estudioso diz numa revista científica que a maconha não faz tanto mal assim, passa. Mas se você falar no palco "Olha, eu já puxei fumo e não caiu meu cabelo e tal", fica chocante. O que os músicos fazem é vir com um contra-discurso – "Olha, aquilo que estão dizendo, não é verdade". Mas eu não considero que seja uma apologia. É simplesmente uma tentativa de ir contra o domínio de um discurso proibicionista que é anticientífico, que tem pouca base nas realidades históricas e culturais de nossa época.

ISTOÉ – Por que este discurso persiste?
Anthony Henman – É um traço autoritário, não só dos regimes militares, mas até dos democráticos, repetir que essa planta é ruim, que ela produz um vício terrível e um estrago enorme ao organismo. Só que hoje existem mais de duas gerações que têm experiência com a maconha. Tem gente com 60 anos que conviveu com maconha a vida inteira. Sabem que esse discurso oficial sobre o malefício inevitável associado à droga, não é verdade. Quer dizer, algumas pessoas podem ter algumas reações problemáticas com a maconha, mas a grande maioria dos usuários é do tipo ocasional e consegue controlar o seu consumo.

ISTOÉ – O senhor então é defensor do "liberou geral"?
Anthony Henman – A gente quer encontrar outras soluções para cada tipo de produto. Então não é assim "liberar geral", qualquer coisa vale. Mas é olhar que tipo de consumo existe, qual está efetivamente criando problemas. Existe, por exemplo, um consumo massivo de maconha que não está criando grandes problemas. Não vejo porque isso não deva ser comercializado. Bastaria um certo controle. Já produtos químicos podem entrar num tipo de controle que existe para medicamentos. O usuário poderia então ir à farmácia buscar um produto puro e numa dose adequada. Assim não haveria overdose acidental, que é a maior causa de mortalidade por uso de opiáceos. É ridículo as pessoas estarem morrendo por acidente. Mas não significa que qualquer barzinho da esquina deva vender cocaína. Eu tenho participado muito dessas discussões. Fui até secretário executivo da Liga Internacional Antiproibicionista, que foi bancada pelo grupo verde dentro do Parlamento Europeu.

ISTOÉ – O Estado dessa forma não estaria abrindo caminho para a tragédia individual dos viciados?
Anthony Henman – Quando se fala em guerra contra drogas entra-se na contramão da história ética ocidental. É uma contradição. A nossa foi sempre a ética da alta responsabilidade, em que as pessoas são responsáveis por seus atos. Essa é a tendência há mais de 900 anos. De repente, nessa questão das drogas, por uma série de razões, a classe médica, depois o Estado e por fim a polícia passaram a ditar o que faz bem e o que faz mal às pessoas. Assim, tiraram do cidadão a própria responsabilidade. Tanto é que se criou o mito de que todos os usuários são irresponsáveis, de que não sabem o que fazem. É importante o músico dizer: "Você consumidor é responsável pelos seus atos". Então, se cair no vício, é o único responsável por isso. Não adianta pôr a culpa no traficante. Foi você que escolheu. E, se quiser sair, também não será o Estado, nem o médico que vão te salvar. A única pessoa que vai te salvar é você mesmo. Para conseguir, tem que haver vontade de parar.

MATÉRIA SOBRE DROGAS NA REVISTA GALILEU

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O que é Tensegridade?

Tensegridade é a versão modernizada de alguns movimentos conhecidos como passes mágicos desenvolvidos por índios xamãs que moraram no México em épocas anteriores à Conquista Espanhola.

Épocas anteriores à Conquista Espanhola é um termo usado por Dom Juan, um índio mexicano xamã que apresentou Carlos Castaneda, Carol Tiggs, Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar ao mundo cognitivo dos xamãs que viveram no México nos tempos antigos que, segundo Dom Juan, foram de 7000 a 10.000 anos atras.

Dom Juan explicou a seus estudantes que aqueles xamãs descobriram que, através de práticas que ele mesmo não podia penetrar, é possível para os seres humanos perceber a energia diretamente como ela flui no universo. Em outras palavras, segundo Dom Juan, aqueles xamãs diziam que qualquer um de nos pode se livrar por um momento do nosso sistema de transformar o influxo de energia em informação sensorial própria ao tipo de organismo que somos. Os xamãs afirmam que, transformar o influxo de energia em informação sensorial cria um sistema de interpretação que transforma o fluxo de energia do universo no mundo da vida cotidiana que conhecemos.

Dom Juan explicou ainda que uma vez que os xamãs dos tempos antigos estabeleceram a validade da percepção direta de energia, que chamaram visão, eles a refinaram usando-a neles mesmos, isso quer dizer que eles percebiam uns aos outros, sempre que queriam, como um conglomerado de campos energéticos. Para aquele que “viam”, os seres humanos percebidos de tal modo eram como esferas luminosas gigantes. O tamanho de tais esferas luminosas é o comprimento dos braços abertos.

Quando os seres humanos são percebidos como conglomerados de campos energéticos, um ponto de luminosidade intensa pode ser percebido nas costas, na altura da clavícula a uma distância de um braço. Antigamente, as pessoas que vêem, que descobriram esse ponto de luminosidade, o chamavam de ponto de aglutinação, porque eles concluíram que é aí que a percepção se aglutina. Eles perceberam, auxiliados pela sua visão, que naquele ponto de luminosidade, o local que é homogêneo para a humanidade, convergem zilhões de campos energéticos na forma de filamentos luminosos que constituem o universo. Ao se convergirem para lá, eles se tornam informações sensoriais, que são utilizadas pelos seres humanos como organismos. Esta utilização da energia convertida em informação sensorial foi considerada pelos xamãs como um ato de magia pura...energia transformada pelo ponto de aglutinação em um mundo verdadeiro, global no qual os seres humanos como organismos podem viver e morrer. O ato de transformar o influxo de pura energia num mundo perceptível era atribuído pelos xamãs a um sistema de interpretação. Sua conclusão arrasadora, arrasadora para eles, é claro, e talvez para alguns de nós que temos a energia para ter atenção, era que o ponto de aglutinação não era unicamente o local onde a percepção é aglutinada pela transformação do influxo de energia pura em informação sensorial, mas é também o local onde ocorre a interpretação da informação sensorial.

A observação seguinte deles foi que esse ponto de aglutinação é deslocado de modo muito natural e não obstrutivo da sua posição habitual durante o sono. Eles descobriram que quanto maior a deslocação, mais estranhos os sonhos que acompanhavam. Destas experiências de ver, esses xamãs pularam para a ação pragmática de deslocar voluntariamente o ponto de aglutinação. Eles chamaram esses resultados concludentes a arte de sonhar.

Essa arte foi definida por aqueles xamãs como a utilização pragmática de sonhos comuns para criar uma entrada para outros mundos pelo ato de deslocar o ponto de aglutinação pela própria vontade e manter essa nova posição, também pela própria vontade. As observações desses xamãs ao praticar a arte de sonhar eram uma mistura de razão e de ver diretamente a energia do universo enquanto flui. Eles perceberam que na sua posição habitual, o ponto de aglutinação é o local para onde converge uma porção específica e minúscula dos filamentos de energia que formam o universo, mas se o ponto de aglutinação muda de local, dentro do ovo luminoso, uma porção minúscula diferente de campos energéticos se convergem nele, tendo como resultado um novo influxo de informação sensorial.: campos energéticos diferentes dos comuns se tornam informações sensoriais, e os campos energéticos diferentes são interpretados como um mundo diferente.

A arte de sonhar se tornou para aqueles xamãs a prática mais absorvente. Durante aquela prática, eles experimentaram estados não igualados de força física e bem-estar, e no seu esforço de duplicar esses estados nas horas de vigília descobriram que podiam repeti-los seguindo certos movimentos do corpo. Os esforços culminaram com a descoberta e desenvolvimento de grande número de tais movimentos, que são chamados de passes mágicos.

Os Passes Mágicos daqueles xamãs do antigo México se tornaram sua possessão mais preciosa. Eles os rodearam com rituais e mistérios e somente os ensinaram as pessoas que eles iniciavam em meio a um enorme segredo. Esta foi a maneira na qual Dom Juan Matus os ensinou a seus discípulos. Seus discípulos, sendo o último elo de sua linhagem chegaram a conclusão unânime de que qualquer outro segredo, sobre os passes mágicos seria contra o interesse que tinham em tornar o mundo de Dom Juan disponível aos outros homens. Eles decidiram, portanto, resgatar os passes mágicos de seu estado obscuro. Eles criaram desse modo a Tensegridade, que é um termo na arquitetura que significa a propriedade das estruturas esqueléticas que empregam elementos de tensão contínua e elementos de compressão descontínua de tal forma que cada elemento opera com o máximo de eficiência e economia. Este é o nome mais apropriado porque é uma mistura de dois termos: tensão e integridade, termos que conotam as duas forças motrizes dos passes mágicos.

Extraído de Readers of Infinity, de Carlos Castaneda, Número 1, Volume 1, 1996. Publicado por Cleargreen, Incorporated, (c) Copyright 1996, Laugan Productions, Incorporated. Todos os direitos reservados.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Redução de danos para o uso da Cannabis - Texto Completo

Redução de danos para o uso da Cannabis
Edward MacRaei
O uso generalizado da Cannabis parece remontar ao período neolítico, existindo
evidências de seu emprego freqüente nessa época em rituais xamânicos no nordeste
asiático.
Desde então vem ocorrendo uma difusão do uso dessa planta por todo o planeta,
para uma grande variedade de finalidades. Segundo a antropóloga Vera Rubin, dois grandes
complexos culturais se formaram ao seu redor que ela chama de “complexo da ganja” e
“complexo da marihuana.”;a primeira corrente, de natureza folk, demonstrando grande
continuidade em suas tradições, que remontam a tempos imemoriais, e a segunda de
configuração mais circunscrita à atualidade e originalmente mais disseminada entre grupos
mais elitizados, antes de se difundir por setores mais amplos da sociedade.

O “complexo da ganja” seria muldimensional e multifuncional, envolvendo usos
sagrados e profanos, e geralmente baseado no cultivo de pequena escala. Encontramos
assim o emprego da planta na manufatura de cordame, na alimentação, na medicina, na
religião e na vida social, em geral, como euforizante e símbolo de companheirismo.Com a
exceção do uso ritual, envolvendo sacerdotes, o uso regular dentro dessa corrente
tradicional geralmente se deu no âmbito das classes populares.

Já a segunda corrente de difusão do uso da planta abrange duas grandes linhas
onde desempenha funções diferentes. A primeira, precedendo a descoberta da América,
baseia-se no uso do cânhamo para fins industriais e comerciais a partir de grandes
plantações localizadas principalmente na Rússia, no Canadá e nos Estados Unidos.
Essa mercadoria deu grande ímpeto às empreitadas colonizadoras das metrópoles européias e ao
capitalismo mercantilista.A segunda linha, remonta ao século XIX, à formação do Club des
Hachichins por artistas e intelectuais de Paris e é associada principalmente à busca por
experiências psicodélicas. Difundida durante o século XX entre a juventude ocidental ou
ocidentalizada em numerosos países, tem sido um fenômeno freqüentemente caracterizado
como de classe média, limitada à exploração de seus aspectos psicoativos, geralmente
recreacionais( Rubin 1975:3).

No Brasil encontramos a presença dos dois complexos culturais. O da “ganja” foi
introduzido pela população de origem africana,sendo, até recentemente, identificado com
os negros e sua cultura, sofrendo, consequentemente a repressão exercida pela sociedade
racista. O segundo é de introdução mais recente e tornou-se mais difundido na década de
1970, no bojo da contracultura. A sua grande expansão abarcou todos os setores
populacionais e acabou por levar ao esquecimento quase total das antigas práticas
originárias da África.

A partir do contato mais freqüente com o emprego das propriedades psicoativas
da Cannabis por parte das populações ocidentais, ocorrendo no século XIX, diferentes
administrações públicas, instadas a tomar uma posição sobre o uso e comercio da
substância,vêm optando pela constituição de comissões de especialistas para investigar o
seu impacto sobre a saúde dos indivíduos e da sociedade. Assim, já se realizaram pesquisas
sobre o tema em muitas regiões do mundo e em quase todas se chegou à conclusão de que a
Cannabis é uma droga relativamente segura, embora muitos tenham recomendado que a
permissão para seu uso devesse ser limitada a finalidades medicinais e que mesmo essas 3
deveriam continuar restritas até que sejam realizados todos os testes costumeiramente
exigidos para a aprovação de novos medicamentos. Apesar das importantes credenciais
científicas e políticas de seus proponentes e integrantes, nenhuma das recomendações
dessas comissões chegou a induzir mudanças significativas na legislação, revelando a
preponderância nessas discussões de outros fatores de ordem moral e política sobre
considerações que se apresentam como estritamente científicas.

Entre esses estudos oficiais o pioneiro, e um dos mais importantes, foi realizado
pelo Indian Hemp Drugs Commission, empreendido de forma minuciosa pelo governo
britânico na Índia. Seu relatório final , publicado em 1894, considerava injustificada e
desnecessária a proibição do uso da substância em suas várias formas.

Outro foi o da comissão nomeada pelo prefeito de nova-iorquino Fiorello La
Guardia que, em 1944, publicou seu relatório ‘O Problema da Marihuana na Cidade de
Nova York’. Seus estudos incluíam pesquisas clínicas feitas em voluntários assim como
investigações sociológicas onde se concluiu que :
‘o consumo prolongado desta droga não produz degeneração física, mental ou
moral e que também não se observa nenhum efeito deletério permanente como
conseqüência de seu uso prolongado.’

Até então, no Ocidente, o uso da Cannabis em busca de seus efeitos psicoativos,
apresentava-se como circunscrito a certos grupos étnicos ou categorias profissionais
minoritários .Mas, a partir da década de 1960, ocorreu um repentino e vertiginoso aumento
do seu consumo recreacional na América do Norte e na Europa, associado ao
reposicionamento juventude em relação aos valores e práticas tradicionais. O alarme social
provocado por isso entre a geração mais velha levou à criação de várias comissões oficiais 4
de inquérito, incluindo a da Grã Bretanha, (Wotton Committee, 1968), a da Organização
Nacional de Saúde(1971), a do Canadá (Le Dain, Bertrand e outros, 1972) e a dos Estados
Unidos (National Comission, 1972).

Essas comissões produziram extensos e bem pesquisados relatórios que
enfatizavam a baixa periculosidade apresentada por esse consumo, embora apontassem para
a necessidade de um aprofundamento das pesquisas sobre o tema. Durante certo tempo
houve um aumento no interesse científico pelo assunto, mas este entrou em declínio quando
o uso por parte da juventude ocidental deixou de ser novidade , o consumo começou a
diminuir e verbas para pesquisa começaram a escassear. Porém, na década de 1990 o
interesse dos cientistas e do público voltou a crescer, devido a novas descobertas
envolvendo receptores de canabinóides no cérebro e os canabinóides endógenos, apontando
para a possibilidade de novos usos terapêuticos dos canabinóides. Outro fator importante
foi a crescente preocupação com os custos sociais e econômicos da manutenção de políticas
proibicionistas , que pareciam superar aqueles gerados pelo uso em si .

A própria Organização Mundial de Saúde sentiu a necessidade de atualizar seus
pareceres sobre o tema convocando um novo painel de pesquisadores que acabou por
publicar um relatório final em 1997. Este, porém, omitia alguns dos estudos inicialmente
encomendados que apontavam para uma menor periculosidade do uso da Cannabis, em
comparação com os do álcool e tabaco. Isso foi objeto de um artigo publicado pela
prestigiosa revista inglesa de divulgação científica “ New Scientist”, que atribuía essa
omissão a pressões exercidas pela National Institute on Drug Abuse (NIDA) dos Estados
Unidos e pelo Programa Internacional das Nações Unidas para o Controle das Drogas
(UNDCP). Esse artigo teve repercussão internacional e a polêmica levantada acabou
ensejando, em 1999, a publicação de uma coletânea, mais completa e atualizada, de todos
os estudos produzidos por essa comissão, incluindo as considerações que haviam sido
excluídas do relatório oficial. A ela foi acrescentada uma introdução onde se afirmava que,
embora representando os julgamentos e interpretações científicos de seus autores, ela não
deveria ser tomada como representando as posições ou políticas oficiais da Organização
Mundial da Saúde ou dos outros órgãos patrocinadores dos estudos originais (Kalant et ali,
1999).

Apesar de indicar que , dentro dos atuais padrões de uso, a Cannabis apresentasse
um problema de saúde pública muito menor do que as drogas lícitas, esses estudos apontam
para a existência de alguns riscos para a saúde nesse uso. Segundo eles, os mais prováveis
riscos atribuíveis ao uso crônico e pesado da Cannabis seriam: o desenvolvimento de uma
síndrome de dependência, o aumento do risco de envolvimento em acidentes com veículos
motorizados, um aumento no risco de desenvolver bronquite crônica, câncer no aparelho
respiratório, o nascimento de crianças abaixo do peso normal entre mães que fumam
durante a gestação e um aumento do risco de esquizofrenia entre indivíduos já propensos a
essa condição(Kalant et al. 1999:495).

De todos esses riscos, o mais potencialmente prevalente seria o da dependência.
Ao pensar sobre esse tema deve-se levar em conta as dificuldades que a medicina vem
encontrando em definir “dependência a uma substância”. Atualmente os critérios mais
utilizados para o reconhecimento científico de sua ocorrência são os elaborados pela
Associação Americana de Psiquiatria e publicados nos seus manuais DSM III-R (1987) e
IV( 1999).Esse enfoque difere bastante de concepções anteriores, dispensando-se agora a
obrigatoriedade de se constatar a presença de tolerância ou dependência, bastando a 6
referência a certas dificuldades de ordem psicológica e social_ii. Mas, em alguns casos, este
tipo de dificuldade poderia ser mais decorrentes do status ilícito de certas substâncias do
que de suas atuações sobre o organismo, levando ao risco da medicalização de problemas
de ordem sócio-cultural.

A nova classificação levou a um aumento na constatação de prevalência de
dependentes de Cannabis, o que vem sendo contestado por aqueles que sustentam que ela
não deve ser considerada como provocadora de dependência ou adicção, uma vez que seus
consumidores podem deixar de usá-lo a qualquer momento, por sua própria vontade. De
fato, poucos usuários parecem procurar tratamento para esse tipo de dependência,
ocorrendo também uma alta taxa de remissão espontânea dos sintomas (Kalant et ali,
1999:483 e 491). O próprio critério de “uso freqüente”, ( ou seja, que o indivíduo costuma
fazer uso da substância), que o senso comum pareceria exigir na atribuição de
“dependência”, deixa de ser considerado essencial, segundo essa nova forma de
classificação. Assim, por exemplo, o I Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas
Psicotrópicas no Brasil sóregistra um total de de 6,9% de “uso na vida” de maconha ( o
que pode incluir um ou poucos incidentes,de pequeno ou nenhum impacto, ocorridos em
qualquer momento, em toda a vida do respondente). Esse relatório do levantamento deixa
de fornecer os dados sobre “uso freqüente”, que seriam os verdadiramente significativos na
discussão sobre efeitos do uso. Segundo explicação da publicação : “Os dados de maconha
referentes ao uso freqüente não estão apresentados devido às prevalências serem muito
baixas em todas as faixas etárias”. Algo que pode ser interpretado como falta de
significância estatística. Porém, isso não impede o registro de 1% de casos de
“dependência”, avaliados segundo critérios do National Household Surveys on Drug Abuse (NHSDA), derivados do DSM-III-R (Carlini et al 2002:68). Ao leitor resta a indagação
sobre a pertinência de se classificar como “dependente” alguém que faz pouco uso da
substância.

Mas, até mantendo-se como referência esses critérios, o perigo de criação de
dependência dessa substância é relativamente baixo. Kalant (1999:489), resenhando
diversas pesquisas científicas cita estudo de Anthony, Warner e Kessler de 1994,
realizados nos Estados Unidos e que indicam que 9 % dos que fizeram “uso na vida”da
maconha naquele país tornam-se “dependentes”em comparação com os 32% do tabaco,
23% dos opióides e 15% do álcool.

Esse grau de risco é tão baixo que muitos autores têm considerado a Cannabis
como não causadora de dependência. Outros, porém, sem se alinharem no campo dos que
se opõe a qualquer tipo de uso da Cannabis, têm chamado atenção para a pertinência da
questão da dependência à substância. Especialmente relevantes nesse ponto são as
considerações do médico naturalista americano, Andrew Weil, conhecido por sua
abordagem tolerante a respeito do uso de psicoativos e outras técnicas de alteração da
consciência. Embora reconheça que a síndrome de abstinência da maconha seja pouco
intensa ou duradoura e que sua dependência seja bastante diferente daquela de qualquer
outro psicoativo, considera que ela certamente ocorre e tem se tornado mais comum com o
crescimento do seu uso. Na sua forma mais aguda ela se manifestaria como um hábito de
fumar incessantemente durante o dia inteiro, num padrão de uso parecido ao de muitos
dependentes de nicotina.

Também ocorreria um processo de tolerância à maconha. Neste até as variedades
mais fortes parecem perder sua força, quando fumadas incessantemente. Isso levaria usuários a buscar variedades com ainda maiores concentrações de THC, para atingirem o
mesmo nível de “barato”. Mas, ocorrendo isso, ele sugere que tudo que esse indivíduos
precisariam fazer seria diminuir sua freqüência de uso, já que até um intervalo de vinte e
quatro horas no consumo pode restabelecer a sensibilidade aos efeitos dessa substância
(Weil e Rosen 1998:120). Outra pesquisa, realizada no Brasil, relata que usuários registram
o surgimento de tolerância em relação a amostras específicas da planta, não deixando,
porém, de sentir efeitos prazerosos com erva de outra procedência ou então após breve
interrupção no uso (MacRae e Simões 200:99).

Embora existam relatos apontando para a ocorrência, entre usuários pesados, de
uma chamada “síndrome amotivacional” caracterizada por apatia, reclusão e falta de
motivação, não há documentação convincente de uma verdadeira síndrome o que tem
levado pesquisadores a considerar que ao invés de inventar uma nova síndrome
psiquiátrica, seria mais razoável considerar uma motivação diminuída como sintoma de
intoxicação crônica pela Cannabis (Kalant 1999:277). Mas, indivíduos com propensão a
doenças mentais como a esquizofrenia devem evitar o consumo da Cannabis, pois estudos
tem mostrado que esse uso pode exacerbar os sintomas da doença em indivíduos já afetados
(Kalant 1999:282).

Apesar dos diversos posicionamentos a favor, até recentemente somente um país,
a Holanda, havia despenalizado o uso e o pequeno comércio da Cannabis.Lá, a partir de
1976, passou-se a permitir que certos cafés vendessem pequenas quantidades de maconha
ou de haxixe, para serem consumidos no local ou em casa. Essa política, um exemplo
clássico de redução de danos, procura, através da regulamentação do tráfico, separar o
consumo de produtos canábicos daquele das drogas vistas como mais pesadas, como os
opiáceos.Hoje existem mais de mil desses estabelecimentos , onde não se permite que se
estoque mais de 500gr. de Cannabis e onde não se pode vender bebidas alcoólicas ou
outras drogas psicoativas. Também estão vedados: a publicidade, a venda para menores e
qualquer incômodo aos vizinhos.

Após vinte anos de despenalização, os níveis atuais de consumo da Cannabis entre
jovens holandeses é comparável ao de outros paises europeus e mais baixo que o
americano. Por outro lado, o consumo de opiáceos na Holanda, parece ter se estacionado
em uma determinada geração, que está envelhecendo sem conseguir recrutar muitos novos
adeptos entre os mais jovens. Além disso, enquanto em 1995 o número de dependentes de
heroína holandeses para cada 100.000 habitantes era de 160, nos Estados Unidos era de
430. Mas continua a existir um problema relacionado à venda por atacado dos produtos, já
que o dono do café não dispõe de respaldo legal para compra seu próprio suprimento, uma
vez que acordos internacionais dos quais a Holanda é signatária não permitem a plena
legalização do tráfico. Conseqüentemente o país ainda tem dificuldades com a economia
paralela que se desenvolve em torno do mercado atacadista de produtos canábicos. (Iversen
2001:304-318).Mesmo assim, seu exemplo tem estimulado outros paises a discutir a adoção
de políticas semelhantes e hoje, alguns cantões da Suíça, por exemplo, já permitem uma
comercialização controlada da Cannabis.
Controles sociais informais do uso da Cannabis
O conhecimento mais detalhado da psicofarmacologia da Cannabis ainda
apresenta muitas lacunas, sabendo-se pouco, por exemplo sobre os efeitos em longo prazo
das diferentes maneiras de se consumir essa substância. Assim, persiste a polêmica sobre
políticas oficiais a serem adotadas a respeito da criminalização ou liberação do seu uso. A
discussão desse tema torna-se ainda mais difícil devido à natureza ampla dos efeitos a
serem apreciados e que extrapolam considerações puramente fisiológicas. Abordagens mais
completas do tema exigem também considerações de natureza psicosociocultural .A
discussão sobre o uso de substâncias psicoativas inevitavelmente tem que lidar com temas
relacionados à questão dos valores relativos da saúde física individual vis-à- vis aqueles da
paz social, da autonomia do sujeito vis-à- vis aqueles das normas da moral hegemônica.
Nestes campos não há soluções consensuais e é difícil escapar do de noções preconcebidas.
Os aspectos psicosocioculturais da questão nem sempre podem ser detectados
pelas metodologias quantitativas, consideradas as únicas verdadeiramente científicas por
uma grande parcela dos praticantes das ciências da saúde, a quem atualmente costuma-se
atribuir a primazia do discurso legítimo sobre o tema. Mas isso não tem impedido que
diversos estudiosos de outras áreas de conhecimento discutam a relevância de fatores que
extrapolam o âmbito daquelas ciências.

Richard Bucher defende a idéia de que não existe droga a priori, considerando
que, no estudo da evolução da toxicomania, mais do que o efeito puramente fisiológico da
droga, o que importa é compreender a interpretação que o indivíduo dá à sua experiência,
ao seu estado e à motivação que o impele a um consumo repetido da droga. (Bucher et al
;1992:160-162). Ou seja, ao estudar o efeito de drogas como a Cannabis, não se poderia
considerar a substância isolada da subjetividade do usuário.

Mas, além dos aspectos diretamente relacionados à psique dos usuários, Bucher,
assim como outros autores, como o antropólogo Gilberto Velho, têm chamado atenção para
a relevância de considerações de ordem política e social tais como a maneira como o ‘mito
do maconheiro’ tem servido para fins conservadores, criando bodes expiatórios apontados
como inimigos públicos, utilizando-os para desculpar os mal-estares na sociedade e para
justificar os esforços de controle e repressão como garantia de segurança pública. Segundo
diz Richard Bucher:
“No uso desse mito, denuncia-se a máfia das drogas, mas para colocar-se ,
paradoxalmente , ao serviço de uma outra, merecendo o apelido de ‘máfia antidroga’
operando nos bastidores dos poderes constituídos. Infiltrando-se ali com tentáculos
astuciosamente articulados, ela consegue, hoje ainda, angariar para os seus propósitos
defensivos (se não belicistas) o grosso dos parcos recursos disponíveis.”(Bucher 1996:59).
Gilberto Velho, por seu lado, aponta a dimensão política da acusação de ‘drogado’
que também seria utilizada com a finalidade de manter o status quo servindo à clássica
tentativa de gerações mais velhas exercerem controle social sobre as mais novas (Velho
1981:58)

Adiala, discutindo o processo que levou à criminalização da maconha confirma
que no Brasil, assim como nos Estados Unidos, ela teria servido, em sua época para
reforçar medidas repressivas cujo objeto eram determinadas minorias étnicas identificadas
com o seu uso. Enquanto lá se tratava da população de migrantes de origem mexicana, aqui
os visados eram os negros quando, em 1936, a promulgação ocorreu, após violentas
campanhas de cunho declaradamente racista. Estas retratavam o costume de fumar
Cannabis como a “vingança do derrotado”, enfatizando a sua origem africana. Associavam
seus efeitos aos dos opiáceos (daí a utilização da expressão “ópio do pobre”) e
apresentavam-no como uma ameaça à “raça brasileira”. Muniu-se, assim, as autoridades de
novos pretextos para manter a população negra, então considerada “classe perigosa”, sob
vigilância. Qualquer negro tornava-se suspeito de ser maconheiro ou traficante e, portanto,
passível de ser revistado e detido (Adiala 1986).

Posteriormente, na década de 1970, quando os jovens de classe média se
apresentavam como importantes contestadores do ethos conservador que a ditadura militar
procurava impor ao país, a identificação do uso dessa substância com a chamada “cultura
alternativa”, serviu a propósitos repressivos semelhantes direcionados contra esse segmento
da população (MacRae e Simões 2003:96).A Lei 6368, promulgada em 1976, não fazia
uma distinção clara entre o tráfico de drogas (posteriormente classificado como “crime
hediondo”, radicalizando seu potencial repressivo) e porte para uso próprio, sujeitando uma
grande parcela da população, em sua maioria cidadãos honestos e produtivos, a graves
riscos de danos físicos, psíquicos e sociais, muito maiores que os se alega resultarem do uso
da Cannabis. . Isso dificulta o desenvolvimento de maneiras mais tranqüilas dos usuários
conseguirem seus suprimentos, penalizando severamente, por exemplo, sua prática
corriqueira de formar cooperativas para realiza uma compra coletiva maior, com a intenção
de reduzir os contatos com o submundo do crime e seus perigos. Pequenas plantações
caseiras, objetivando uma produção isenta de aditivos químicos, também expõem seus
cultivadores à acusação de tráfico. Outro conceito jurídico deixado pouco claro nessa lei é o
de “apologia do uso de drogas”, cuja apenação dificulta muitas iniciativas de redução de
danos ao ameaçar qualquer discussão ou divulgação de formas menos danosas de uso.

Os contextos sociais políticos e culturais desempenhariam também importante
papel nos próprios padrões de uso das drogas,assim como na determinação de muitas das
suas conseqüências. Becker discute a importância do saber sobre as substâncias que se desenvolve entre os usuários, influenciando como ele as usa, interpreta e responde aos seus
efeitos. Em um estudo sociológico pioneiro sobre usuários de maconha, inicialmente
publicado em 1953, ele chamou atenção para a necessidade de um aprendizado social para
que os seus efeitos pudessem ser obtidos, reconhecidos e apreciados (Becker 1966:46).
Além disso, haveria, segundo ele, a necessidade de se participar de um grupo que
incentivasse o usuário a enfrentar os interditos sociais e seguir pela ‘carreira do
maconheiro’, passando pelas etapas de ‘iniciante’,’usuário ocasional’ e ‘usuário regular’
(Becker 1976:60).

Uma vez que a difusão do saber sobre as drogas é função da organização social
dos grupos em que as drogas são usadas, os efeitos do uso refletirão ou estarão
relacionados de alguma forma com cenários sociais. Torna-se , portanto necessário refletir
também sobre o papel do poder e do conhecimento nesses cenários (Becker 1976:202).
Em outro estudo o autor comenta como mudaram as conseqüências relacionadas ao uso
massivo da maconha entre a juventude americana. Apesar de originalmente esse uso haver
levado a numerosos casos de psicose, com o passar do tempo, esses casos diminuíram em
termos relativos, devido à difusão do conhecimento sobre essa droga e a natureza
passageira de seus efeitos, tanto entre os médicos quanto entre os usuários (Becker
1980:183).

A importância dos aspectos psicosociais no uso de substâncias psicoativas foi
reconhecida nas pesquisas realizadas no final da década de 1970 pelo médico americano
Norman Zinberg entre usuários de opiáceos, cannabis e alucinógenos (Zinberg 1984). Ele
se interessou especialmente pelo que chamou de ‘uso controlado’ de psicoativos,
caracterizado por seus baixos custos pessoais e sociais e, em boa medida determinado por controles sociais organizados em torno de “sanções sociais” e “rituais sociais”."Sanções
sociais" seriam as normas que definem se e como determinada droga deve ser usada.
Incluiriam tanto os valores e regras de conduta compartilhados informalmente por grupos
(embora freqüentemente de maneira não explicitada) e as leis e políticas formais que
regulamentam o uso de drogas. Já os "rituais sociais" seriam padrões estilizados de
comportamento recomendado em relação ao uso de uma droga. Eles seriam aplicados aos
métodos de aquisição e administração da substância, à seleção do meio físico e social para
usá-la, às atividades empreendidas após o uso, e às maneiras de evitar efeitos indesejados.
Dessa forma, esses rituais reforçariam e simbolizariam as sanções sociais. Os controles
sociais para todas as drogas, lícitas ou ilícitas, atuariam em diferentes contextos sociais,
indo desde grupos muito grandes, representativos de uma cultura como um todo, até
pequenos grupos específicos. Sua vigência se aplicaria de maneira variada em diferentes
momentos.

Realizando sua pesquisa com usuários de maconha vinte cinco anos depois da
primeira publicação do estudo de Becker, Zinberg constatou que muitas das conclusões do
sociólogo continuavam válidas. Apesar do grande crescimento no uso da substância nos
Estados Unidos durante esse tempo, os usuários novatos continuavam a se mostrarem
apreensivos sobre suas primeiras experiências, refletindo os temores do grande público
sobre as possibilidades dessa droga os levarem à dependência e à loucura, assim como
continuavam preocupados com o seu status ilícito. Os novatos continuavam a depender de
alguém com mais experiência que os mostrassem como fumar corretamente e
freqüentemente relatavam terem ficado decepcionados ao não se sentirem ‘de barato’ na
primeira vez que usaram a substância.(Zinberg 1984:83).

Nesse estudo o uso encontrado da maconha era pouco ritualizado, podendo
ocorrer numa grande variedade de ambientes e circunstâncias. Usuários controlados podiam
fumar a sós ou acompanhados. Estes não se reuniam especificamente para fumar, mas pela
sociabilidade sendo que a droga era simplesmente vista como um acessório para a ocasião.
Tal flexibilidade do ritual seria parcialmente explicada pela leveza e transitoriedade dos
efeitos e pela maneira mais tranqüila de amplos setores sociais conceberem o seu uso. Este,
embora ainda ilícito, era visto como envolvendo uma “droga leve”de amplo uso na
população. Havendo perdido muito de sua aura “desviante”, o uso de Cannabis agora
prescindiria dos antigos rituais determinados principalmente pela necessidade do
ocultamento dessa prática. Ao mesmo tempo ‘sanções sociais’ para o uso controlado
haviam se consolidado e eram encontradas entre a maior parte das subculturas usuárias.
Nessas condições, atualmente muito já pode ser aprendido sobre o uso controlado, antes de
uma primeira experiência de consumo da substância.

Embora os rituais de iniciação ao uso continuassem a existir, os novatos
rapidamente ultrapassavam essas primeiras situações altamente estruturadas e adaptavam
seu uso a uma variedade de diferentes situações sociais. Isso não significava que os
usuários controlados faziam um uso desordenado e perigoso, mas que os antigos controles
externos rígidos haviam sido substituídos por sanções sociais mais gerais, embora ainda
efetivos. Tampouco ocorrereria um descarte total dos rituais sociais de consumo. Embora o
compartilhar de um baseado entre um grupo de amigos tenha deixado de ser visto como
essencial,essa prática ainda era muito comum e continuava a ter uma função na redução de
danos, servindo para ajudar o usuário a ajustar a intensidade do barato. O tempo que
transcorre entre as inalações permite-lhe monitorar seu grau de intoxicação.

Com o desenvolvimento de maior familiaridade com todos os aspectos do uso da
maconha, estas sanções, assim como as para o uso de álcool, foram internalizadas e os
rituais que se desenvolveram para apoiar as sanções não precisam mais ser seguidos de
forma tão rígida. .Significativamente, os pesquisadores tiveram muito mais dificuldades em
encontrarem usuários de maconha “abusadores” do que “controlados” (Zinberg 1984:136-
137).

Pesquisa realizada em São Paulo e Salvador, entre usuários de Cannabis
considerados socialmente integrados, também detectou a formação e a vigência de uma
‘cultura da maconha’. Assim como fez Zinberg nos EUA, esse estudo demonstrou uma
tendência no Brasil à internalização das ‘sanções sociais’, que tem permitido um
afrouxamento dos ‘rituais sociais’. O contato com seus pares nas ‘rodas de fumo’ajudaria
os indivíduos a desenvolverem suas estratégias de consumo controlado. Através da troca de
experiências, os usuários aprenderiam a distinguir as atividades em que a maconha servia
como facilitador, inspirador ou complemento agradável, daquelas em que agia como
perturbador ou empecilho.

No curso da carreira desses fumantes brasileiros, constatou-se o estabelecimento
de um crescente autocontrole sobre os efeitos e sensações proporcionados pela substância,
até seu uso integrar-se plenamente à vida cotidiana. Nesse momento a ‘roda de fumo’
deixava de ser importante como ritual de controle, para ser substituída por sanções
internalizadas, passando a ser comum o uso solitário. Além disso, o contato com seus pares
da ‘roda de fumo’ serviu para lhes transmitir novas formas de perceberem a si mesmos e ao
mundo. Em todos os casos estudados, essa experiência era vista como referência importante
para a orientação da conduta dos sujeitos, mesmo que posteriormente deixassem de emprestar ao ato de fumar maconha qualquer significado especial ou transcendente.
(MacRae e Simões 200:136).

Mais recentemente, o modelo de Zinberg para o uso controlado de substâncias
psicoativas foi retomado por um cientista social holandês, Jean-Paul Grund, em pesquisa
realizada sobre os rituais de uso de heroína e cocaína em Rotterdam. Mas, para este, esse
modelo não explicaria satisfatoriamente as variações intragrupais encontradas na habilidade
de seus sujeitos de estudo em se beneficiarem efetivamente desses controles sociais.
Tampouco dava conta da natureza multidimensional dos processos de autoregulação, pois
além das normas e rituais a teoria deixava de tratar de maneira explicita de outros fatores
que podem ter impacto sobre os controles sociais. Grund considera a teoria de Zinberg
demasiadamente estática e propõe, portanto, algumas adaptações e elaborações.Assim, ele
introduz dois novos fatores ao modelo: ‘a estrutura de vida do usuário’e ‘a disponibilidade
da droga’.

Por "estrutura de vida" são entendidas as atividades regulares, tanto as
convencionais quanto as relacionadas à droga, que estruturam os padrões da vida
quotidiana. Aí também se incluem as relações pessoais, os compromissos, obrigações,
responsabilidades, objetivos, expectativas, etc., mesmo que não primariamente
direcionados à droga. Uma disponibilidade adequada das substâncias, que evitasse que a
sua simples aquisição se tornasse o único foco de interesse do usuário, também seria
importante para permitir o desenvolvimento das sanções e dos rituais sociais. As normas,
regras e rituais determinariam e constrangeriam os padrões de uso da droga, evitando uma
erosão na estrutura de vida, Uma vida altamente estruturada permitiria que o usuário
mantivesse a estabilidade na disponibilidade da droga, essencial para a formação e
manutenção de regras e rituais. A auto-regulação do consumo de drogas e seus efeitos
seriam, portanto, questão de um equilíbrio (precário) em uma corrente de retroalimentação
circular.

Em sua conclusão Grund enfatiza que o uso de drogas (mesmo as pesadas) não
leva, necessariamente, a padrões de uso descontrolados ou nocivos. Embora o uso de
psicoativos possa tornar-se uma atividade predominante, ela é raramente uma atividade
isolada e é, geralmente, social. Padrões de uso (quem usa o que e como) seriam sujeitos a
diversos determinantes como: disponibilidade, tendências pessoais e padronização cultural.
Alerta, também, para o fato de que embora o modelo seja circular, ele não é um circuito
fechado independente; os três elementos do trio (disponibilidade da droga; valores, regras e
rituais; estrutura de vida) sendo sujeitos a variáveis e processos externos distintos que vão
desde fatores psicológicos pessoais e culturais até regulamentos oficiais e considerações
mercadológicas. Grund considera que, portanto, o uso de psicoativos não pode ser isolado
do seu contexto social e, concordando com Zinberg, afirma que o controle sobre o uso
dessas substâncias é principalmente determinado por variáveis sociais (Grund 1993: 237-
254).

A perspectiva desenvolvida por Grund parece especialmente adequada para a
avaliação de certos grupos de orientação religiosa, como os rastafarianos (Barret1988:128)
e uma das “linhas” do Santo Daime (MacRae, 1992:73 e 1998), cujas doutrinas admitem o
uso sacramental da Cannabis como propiciador de estados de transe místico.Essas religiões
promovem e regulamentam aspectos da vida pessoal e social dos seus adeptos referentes
aos elementos controladores do uso elencados por aquele pesquisador. Ao longo de sua
história elas desenvolveram uma série de normas e de rituais sagrados para nortear o consumo do enteógeno, mas o status ilegal dessas práticas impossibilita a consolidação de
rituais públicos de uso. Assim, mais uma vez, a política proibicionista acaba por dificultar o
controle do consumo. Deixa de mobilizar os poderosos controles normativos, rituais e
sociais em geral de que dispõe essas organizações religiosas. São bastante conhecidos os
seus princípios puritanos e a eficácia de sua regulamentação, às vezes um tanto rígida, de
outros aspectos do comportamento de seus adeptos: como no uso de bebidas alcoólicas e na
estruturação de suas vidas sexuais.
Desperdiça-se a importante contribuição que esses movimentos religiosos poderiam dar, ajudando a retirar do uso dessa substância sua atual conotação de “malandragem”ao enfatizar seus potenciais aspectos espirituais e ordeiros.
Algumas sugestões para reduzir danos decorrentes do uso da Cannabis
Transportando para a prática algumas das idéias desenvolvidas por Becker,
Zinberg e Grund, entre outros, podemos sugerir que seria importante adotar as seguintes
medidas para reduzir os danos associados ao uso de substâncias psicoativas em geral e da
Cannabis em particular:
a) Reconhecendo que os piores danos do uso da Cannabis advém do seu status
ilícito, defender a legalização e regulamentação da disponibilidade dessa substância e seus
derivados e, possivelmente, dos psicoativos em geral. Ajudaria-se, assim, a evitar o
desenvolvimento de estruturas criminosas e violentas associadas ao tráfico e a assegurar um
controle de qualidade. Valeria também reconhecer a importância de usos formais e
ritualísticos de enteógenos, como modelos de redução de danos.
b)Enquanto ainda predominam políticas proibicionistas, buscar parcerias com
faculdades de direito para constituir grupos de defesa jurídica para usuários presos pela
polícia, e procurar contatos com órgãos de defensoria pública, chamando sua atenção para
problemas específicos dos usuários de drogas em sua relação com a lei.
c)Fomentar a disseminação e a discussão em torno dos saberes eruditos e leigos
existentes a respeito dos psicoativos. Para tanto serviriam publicações dos mais diversos
tipos, a criação de sítios na Internet e a constituição de grupos de discussão para usuários.
d) Apontar que, embora relativamente inócuo, o uso da Cannabis não deixa de
apresentar seus perigos, assim como o de outras drogas, lícitas ou ilícitas, sendo indicada a
busca de estratégias para reduzir seus danos.
e)Reduzir o sensacionalismo em torno do tema, chamando atenção para aspectos
mais amplos do uso de psicoativos lícitos e ilícitos, deixando de enfocar exclusivamente a
Cannabis..s Paralelamente é importante desmitologizar a figura do “traficante”, já que sua
representação atual como uma poderosa ameaça à ordem social instituída o torna um
modelo extremamente atraente para aqueles que se sentem excluídos de seus benefícios,
além de dificultar abordagens mais eficazes para os diversos problemas que o uso de drogas
apresenta de fato para a saúde física, psíquica e social da população .
f) Incentivar discussões intere intrageracionais sobre o tema de maneira isenta de
preconceitos. Para tanto se podem incentivar debates nas escolas, famílias, grupo de jovens,
etc, sobre a questão, deixando aflorar novas perspectivas e sugestões.
g)Evitar posturas de censura, tanto em discussões familiares quanto públicas sobre
o tema e buscar incentivar o desenvolvimento de normas, regras de conduta e rituais sociais
relacionados aos: métodos de aquisição e consumo, à seleção do meio físico e social para o
uso, às atividades empreendidas sob o efeito da substância e às formas de evitar efeitos
indesejados.
h)Promover uma melhoria na estruturação da vida do usuário, combatendo sua
marginalização econômica, social e cultural. Tendo em vista a estrutura essencialmente
desigual e pouco democrática da nossa sociedade, isso pode parecer irrealista por ser
demasiadamente ambicioso, mas a instituição de programas, oficiais ou não, de redução de
danos e a criação de grupos de usuários são passos iniciais que podem ser tomados nessa
direção.
i)Promover serviços de atendimento psicológico e social especializados para
aqueles que apresentam dificuldades em estabelecer uma relação controlada com a
substância. Estes poderiam visar o deslocamento do lugar ocupado pela droga na vida do
usuário, de maneira a retirar a sua centralidade e diminuir sua carga simbólica e afetiva.
Mais concretamente, em relação à abordagem direta de usuários da Cannabis
podemos fazer algumas sugestões complementares:
Primeiramente, sempre adotando uma posição de diálogo franco e democrático,
lembrar a eles a natureza ilícita de suas práticas e as severas sanções penais às quais se
expõe. Na persistência da intenção de uso, sugerir e reforçar normas, regras de conduta e
rituais sociais condizentes com o uso controlado, incluindo modos de evitar efeitos
indesejados e a importância de se escolher ambientes físicos e sociais de natureza tranqüila
e protetora para o uso.

Incentivar debates sobre as melhores maneiras de fazer frente aos piores perigos
apresentados pelo uso ilícito da Cannabis: a violência da repressão e do submundo do
tráfico de drogas ilícitas. Conscientizar os usuários de seus direitos legais e discutir formas
de evitar contato desnecessário com os traficantes; levantar os prós e contras de estratégias como a formação de cooperativas de compradores ou o desenvolvimento de pequenas
plantações caseiras.

Promover a conscientização do usuário sobre quais os benefícios que busca, e
atentar para a importância de se impor limites ao uso, para que este não se torne um simples
hábito acompanhado de tolerância aos princípios ativos da Cannabis e deixando de prover
satisfação. Quando isso ocorre o usuário pode considerar mudar seu padrão de uso,
buscando a potencialização dos efeitos através da redução no consumo e não na busca
incessante por variedades mais potentes ou no aumento da sua freqüência. Na persistência
de problemas na relação com a substância o usuário deveria considerar a possibilidade de
buscar o auxílio de profissionais especialistas no tratamento de toxicomanias.

Além de evitar usar o psicoativo por simples conformismo a padrões de
comportamento grupais ou só porque está disponível, o usuário deve pensar sobre o melhor
momento para seu uso, levando em conta as suas necessidades de estudo e trabalho.Para
isso pode também procurar identificar as atividades são mais adequadas ao seu estado de
“barato”, evitando, assim, o uso dessa substância quando isso possa ser um fator de
perturbação.Alguns usuários alegam poder ler, estudar e se concentrar melhor sob efeito do
Cannabis, outros dizem o contrário. Certas atividades simples e repetitivas como varrer a
casa ou capinar um terreno podem se tornar mais agradáveis, outras, requerendo precisão e
coordenação psicomotora, reflexos rápidos e orientação espacial, como a condução de
veículos, são dificultadas e devem ser evitadas. A ingestão de bebidas alcoólicas e a
sonolência agravam ainda mais essas perturbações. Assim, cada um deve buscar um autoconhecimento em torno dessas questões, uma vez que os efeitos de psicoativos tendem a
variar de indivíduo para indivíduo.

Embora pesquisas médicas tenham demonstrado uma relativa inocuidade da
Cannabis, é indubitável o efeito danoso ao sistema respiratório de se inspirar grandes
volumes de fumaça, seja qual for a sua origem e composição. Assim, torna-se importante
discutir maneiras de se realizar o consumo de formas mais eficientes e menos agressivas
para o organismo.Com essa finalidade, se pode discutir a relevância de diversas sugestões
de redução de danos como as seguintes, colhidas entre usuários e em documentos que
circulam nos ambientes onde se usam produtos canábicos na Europa e na Austrália.
Evitar reter o fumo no pulmão mais que alguns segundos. Isso basta para absorver
grande parte do THC, o resto do tempo representando uma exposição desnecessária aos
componentes cancerígenos do fumo como o alcatrão.

Evitar a presença de fungos que possam afetar o sistema respiratório (pode-se
sugerir deixar a Cannabis ao sol ou aquecê-la no forno brando), assim como produtos
químicos, como amônia, que podem vir misturados com a droga (nesse caso recomenda-se
deixar o produto imerso em água durante algumas horas e depois secá-lo ao ar livre ou em
forno brando).Igualmente, ao enrolar baseados, seria recomendável usar papel fino,
desprovido ao máximo de corantes e outros produtos químicos, sendo também importante
evitar “maricas” e cachimbos de plástico ou outros materiais que possam soltar vapores
tóxicos ao serem aquecidos.

Evitar um fumo demasiadamente quente, deixando de fumar pontas, utilizando
cachimbos de água, ou, mais simplesmente, improvisando um cachimbo com a mão
(prendendo o baseado entre os dedos, fazendo um oco com a mão fechada e aspirando
através dele).

Não usar filtros de cigarros em baseados, já que eles podem reter muito do THC e
aumentam a absorção de tóxicos como o alcatrão.Atualmente já existem na Europa
vaporizadores e outros produtos que permitem inalar os vapores de THC sem levar a
Cannabis à combustão. São especialmente recomendados para usuários debilitados que
consomem a substância com fins medicinais.

Aqueles com a imunidade prejudicada ou que estejam consumindo maconha na
companhia de pessoas sofrendo de doenças transmitidas pela saliva, devem evitar a
exposição a patógenos, deixando de colocar a ponta do baseado diretamente na boca. Isso
pode ser feito da maneira já descrita acima, onde o baseado é fumado através de um oco
formado com a mão fechada.

O aparecimento de dificuldades em respirar, tosses constantes ou outros
problemas do aparelho respiratório podem sinalizar danos sendo causados pelo fumo.

Nesses casos, tal como com tabagistas, é recomendável a cessação ou redução no uso e,
possivelmente, a adoção de outras vias de consumo, tal como a ingestão de comidas
preparadas com Cannabis.Esse antiqüíssimo método de consumo tem, porém, suas
especificidades e difere do fumar especialmente em relação ao controle da dosagem.

Quando se consome a Cannabis em bolos, doces, etc, os efeitos da ingestão levam entre 30
e 60 minutos para se manifestar. Isso torna fácil um consumo de quantidades excessivas do
produto por aqueles acostumados a sentir os efeitos imediatamente após as primeiras
inspirações de fumo. Além disso, o fígado produz um metabolito denominado 11-hidroxi-
THC, que é de 4 a 5 vezes mais potente que o THC. Embora a overdose de THC não seja
fatal, ela pode ser desagradável e durar várias horas.

Mulheres grávidas devem levar em conta os riscos ao feto apresentados pelo
hábito de fumar, tanto tabaco quanto maconha. Embora o tema ainda seja controverso, há
evidências de que o uso da substância durante a gravidez pode produzir efeitos sutis no
nascituro e até afetar suas capacidades de aprendizagem em anos posteriores (Kalant
1999:425).

Mesmo baixas doses de THC costumam causar dilatação nas veias sanguíneas nos
olhos, tornando-as mais visíveis. Embora não haja evidência de nenhum risco maior,
pessoas com conjuntivite, ou olhos inflamados, deveriam levar isso em consideração.Não é
recomendável o uso de colírios que constringem essas capilares para esconder a
vermelhidão “bandeirosa” (Conrad 2001:118).

Atentar para os efeitos sinergizantes da mistura da maconha com bebidas
alcoólicas e outras drogas, assim como para o efeito devastador da “larica” em programas
de regime alimentar, etc.

Lembrar que indivíduos com propensão a certas doenças mentais, como a
esquizofrenia, devem evitar o consumo de Cannabis que pode desencadear crises em
indivíduos suscetíveis.
Conclusões finais
Mas, apesar da relevância de várias das indicações voltadas para as minúcias das
práticas de uso da Cannabis, não parece demasiado reiterar os comentários a respeito da
relativa inocuidade da substância em si e dos perigos apresentados pela ilicitude do seu uso
e distribuição, tanto aos cidadãos em geral (sejam eles usuários ou não) quanto à
organização social como um todo, devido à corrupção e arbitrariedade que esse status legal
suscita. Assim, torna-se de suma importância mudar a maneira como a sociedade, vem se relacionando com as substâncias psicoativas em geral e com seus usuários. Ao discutir a
questão da descriminalização do uso não se pode deixar de lado a questão do fornecimento
da substância, o outro lado dessa moeda. Lembra-se também que a disponibilidade da droga
é um fator importante para o desenvolvimento de regras e rituais mais eficazes em
assegurar um uso mais controlado e menos danoso.

Igualmente, deve-se lembrar que em grande parte as dificuldades encontradas no
uso de drogas são devidas a problemas sociais de ordem mais ampla. O reconhecimento da
importância do usuário ter uma vida bem estruturada, em termos de ocupação de tempo,
renda, obrigações sociais e afetivas, deve voltar nossa atenção para a necessidade de se
prover melhores condições de emprego, saúde, educação e inclusão social para as
populações que demonstram maiores dificuldades em suas relações com as substâncias
psicoativas. Ao invés de concebidas como perigosas ameaças à ordem institucional, seriam
mais bem vistas como suas grandes vítimas.

Como último ponto, levando em conta o papel importante no agravamento da
crise de saúde nacional desempenhado pelas péssimas condições em que são submetidas as
populações confinadas, devemos reavaliar, de maneira radical, as noções que norteiam as
atuais políticas de encarceramento dos que infringem as leis. Afinal, muitas das sugestões
acima, que foram inspiradas por práticas já bastante comuns e recomendados como sensatas
em diversos paises, ainda podem acarretar, entre nós, severas penas de prisão sob o regime
proibicionista atualmente em vigor.
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Zinberg, N. Drug,Set and Setting- The Basis of Controlled Intoxicant Use, New
Haven, Yale University Press,1984

Redução de Danos para Cannabis sativa (maconha)

Segue um resumo do Artigo Redução de Danos para Cannabis Sativa (Maconha) escrito pelo Edward.

Leia o texto na íntegra no site: http://www.neip.info/downloads/t_edw4.pdf

Transportando para a prática algumas das idéias desenvolvidas por Becker, Zinberg e Grund, entre outros, podemos sugerir que seria importante adotar as seguintes medidas para reduzir os danos associados ao uso de substâncias psicoativas em geral e da Cannabis em particular:

1º) Reconhecendo que os piores danos do uso da Cannabis advém do seu status ilícito, defender a legalização e regulamentação da disponibilidade dessa substância e seus derivados e, possivelmente, dos psicoativos em geral. Ajudaria-se, assim, a evitar o desenvolvimento de estruturas criminosas e violentas associadas ao tráfico e a assegurar um controle de qualidade. Valeria também reconhecer a importância de usos formais e ritualísticos de enteógenos, como modelos de redução de danos.

2º) Enquanto ainda predominam políticas proibicionistas, buscar parcerias com faculdades de direito para constituir grupos de defesa jurídica para usuários presos pela polícia, e procurar contatos com órgãos de defensoria pública, chamando sua atenção para problemas específicos dos usuários de drogas em sua relação com a lei;

3º) Fomentar a disseminação e a discussão em torno dos saberes eruditos e leigos existentes a respeito dos psicoativos. Para tanto serviriam publicações dos mais diversos tipos, a criação de sítios na Internet e a constituição de grupos de discussão para usuários;

4º) Apontar que, embora relativamente inócuo, o uso da Cannabis não deixa de apresentar seus perigos, assim como o de outras drogas, lícitas ou ilícitas, sendo indicada a busca de estratégias para reduzir seus danos;

5º) Reduzir o sensacionalismo em torno do tema, chamando atenção para aspectos mais amplos do uso de psicoativos lícitos e ilícitos, deixando de enfocar exclusivamente a Cannabis.

6º) Paralelamente é importante desmitologizar a figura do “traficante”, já que sua representação atual como uma poderosa ameaça à ordem social instituída o torna um modelo extremamente atraente para aqueles que se sentem excluídos de seus benefícios, além de dificultar abordagens mais eficazes para os diversos problemas que o uso de drogas apresenta de fato para a saúde física, psíquica e social da população;

7º) Incentivar discussões intere intrageracionais sobre o tema de maneira isenta de preconceitos. Para tanto se podem incentivar debates nas escolas, famílias, grupo de jovens, etc, sobre a questão, deixando aflorar novas perspectivas e sugestões.

8º) Evitar posturas de censura, tanto em discussões familiares quanto públicas sobre o tema e buscar incentivar o desenvolvimento de normas, regras de conduta e rituais sociais relacionados aos: métodos de aquisição e consumo, à seleção do meio físico e social para o uso, às atividades empreendidas sob o efeito da substância e às formas de evitar efeitos indesejados;

9º) Promover uma melhoria na estruturação da vida do usuário, combatendo sua marginalização econômica, social e cultural. Tendo em vista a estrutura essencialmente desigual e pouco democrática da nossa sociedade, isso pode parecer irrealista por ser demasiadamente ambicioso, mas a instituição de programas, oficiais ou não, de redução de danos e a criação de grupos de usuários são passos iniciais que podem ser tomados nessa direção;

10º) Promover serviços de atendimento psicológico e social especializados para aqueles que apresentam dificuldades em estabelecer uma relação controlada com a substância. Estes poderiam visar o deslocamento do lugar ocupado pela droga na vida do usuário, de maneira a retirar a sua centralidade e diminuir sua carga simbólica e afetiva.

Mais concretamente, em relação à abordagem direta de usuários da Cannabis podemos fazer algumas sugestões complementares:
Primeiramente, sempre adotando uma posição de diálogo franco e democrático, lembrar a eles a natureza ilícita de suas práticas e as severas sanções penais às quais se expõe. Na persistência da intenção de uso, sugerir e reforçar normas, regras de conduta e rituais sociais condizentes com o uso controlado, incluindo modos de evitar efeitos indesejados e a importância de se escolher ambientes físicos e sociais de natureza tranqüila e protetora para o uso.

Incentivar debates sobre as melhores maneiras de fazer frente aos piores perigos apresentados pelo uso ilícito da Cannabis: a violência da repressão e do submundo do tráfico de drogas ilícitas.
Conscientizar os usuários de seus direitos legais e discutir formas de evitar contato desnecessário com os traficantes; levantar os prós e contras de estratégias como a formação de cooperativas de compradores ou o desenvolvimento de pequenas plantações caseiras.

Promover a conscientização do usuário sobre quais os benefícios que busca, e atentar para a importância de se impor limites ao uso, para que este não se torne um simples hábito acompanhado de tolerância aos princípios ativos da Cannabis e deixando de prover satisfação.
Quando isso ocorre o usuário pode considerar mudar seu padrão de uso, buscando a potencialização dos efeitos através da redução no consumo e não na busca incessante por variedades mais potentes ou no aumento da sua freqüência. Na persistência de problemas na relação com a substância o usuário deveria considerar a possibilidade de buscar o auxílio de profissionais especialistas no tratamento de toxicomanias.

Além de evitar usar o psicoativo por simples conformismo a padrões de comportamento grupais ou só porque está disponível, o usuário deve pensar sobre o melhor momento para seu uso, levando em conta as suas necessidades de estudo e trabalho.

Para isso pode também procurar identificar as atividades são mais adequadas ao seu estado de “barato”, evitando, assim, o uso dessa substância quando isso possa ser um fator de perturbação.
Alguns usuários alegam poder ler, estudar e se concentrar melhor sob efeito do Cannabis, outros dizem o contrário. Certas atividades simples e repetitivas como varrer a casa ou capinar um terreno podem se tornar mais agradáveis, outras, requerendo precisão e coordenação psicomotora, reflexos rápidos e orientação espacial, como a condução de veículos, são dificultadas e devem ser evitadas. A ingestão de bebidas alcoólicas e a sonolência agravam ainda mais essas perturbações. Assim, cada um deve buscar um auto-conhecimento em torno dessas questões, uma vez que os efeitos de psicoativos tendem a variar de indivíduo para indivíduo.

Embora pesquisas médicas tenham demonstrado uma relativa inocuidade da Cannabis, é indubitável o efeito danoso ao sistema respiratório de se inspirar grandes volumes de fumaça, seja qual for a sua origem e composição. Assim, torna-se importante discutir maneiras de se realizar o consumo de formas mais eficientes e menos agressivas para o organismo.

Com essa finalidade, se pode discutir a relevância de diversas sugestões de redução de danos como as seguintes, colhidas entre usuários e em documentos que circulam nos ambientes onde se usam produtos canábicos na Europa e na Austrália.

Evitar reter o fumo no pulmão mais que alguns segundos. Isso basta para absorver grande parte do THC, o resto do tempo representando uma exposição desnecessária aos componentes cancerígenos do fumo como o alcatrão.

Evitar a presença de fungos que possam afetar o sistema respiratório (pode-se sugerir deixar a Cannabis ao sol ou aquecê-la no forno brando), assim como produtos químicos, como amônia, que podem vir misturados com a droga (nesse caso recomenda-se deixar o produto imerso em água durante algumas horas e depois secá-lo ao ar livre ou em forno brando).

Igualmente, ao enrolar baseados, seria recomendável usar papel fino, desprovido ao máximo de corantes e outros produtos químicos, sendo também importante evitar “maricas” e cachimbos de plástico ou outros materiais que possam soltar vapores tóxicos ao serem aquecidos.

Evitar um fumo demasiadamente quente, deixando de fumar pontas, utilizando cachimbos de água, ou, mais simplesmente, improvisando um cachimbo com a mão (prendendo o baseado entre os dedos, fazendo um oco com a mão fechada e aspirando através dele).

Não usar filtros de cigarros em baseados, já que eles podem reter muito do THC e aumentam a absorção de tóxicos como o alcatrão.

Atualmente já existem na Europa vaporizadores e outros produtos que permitem inalar os vapores de THC sem levar a Cannabis à combustão. São especialmente recomendados para usuários debilitados que consomem a substância com fins medicinais.

Aqueles com a imunidade prejudicada ou que estejam consumindo maconha na companhia de pessoas sofrendo de doenças transmitidas pela saliva, devem evitar a exposição a patógenos, deixando de colocar a ponta do baseado diretamente na boca. Isso pode ser feito da maneira já descrita acima, onde o baseado é fumado através de um oco formado com a mão fechada.

O aparecimento de dificuldades em respirar, tosses constantes ou outros problemas do aparelho respiratório podem sinalizar danos sendo causados pelo fumo. Nesses casos, tal como com tabagistas, é recomendável a cessação ou redução no uso e, possivelmente, a adoção de outras vias de consumo, tal como a ingestão de comidas preparadas com Cannabis.Esse antiqüíssimo método de consumo tem, porém, suas especificidades e difere do fumar especialmente em relação ao controle da dosagem. Quando se consome a Cannabis em bolos, doces, etc, os efeitos da ingestão levam entre 30 e 60 minutos para se manifestar. Isso torna fácil um consumo de quantidades excessivas do produto por aqueles acostumados a sentir os efeitos imediatamente após as primeiras inspirações de fumo. Além disso, o fígado produz um metabolito denominado 11-hidroxi-THC, que é de 4 a 5 vezes mais potente que o THC. Embora a overdose de THC não seja fatal, ela pode ser desagradável e durar várias horas.

Mulheres grávidas devem levar em conta os riscos ao feto apresentados pelo hábito de fumar, tanto tabaco quanto maconha. Embora o tema ainda seja controverso, há evidências de que o uso da substância durante a gravidez pode produzir efeitos sutis no nascituro e até afetar suas capacidades de aprendizagem em anos posteriores (Kalant 1999:425).

Mesmo baixas doses de THC costumam causar dilatação nas veias sanguíneas nos olhos, tornando-as mais visíveis. Embora não haja evidência de nenhum risco maior, pessoas com conjuntivite, ou olhos inflamados, deveriam levar isso em consideração.Não é recomendável o uso de colírios que constringem essas capilares para esconder a vermelhidão “bandeirosa” (Conrad 2001:118).

Atentar para os efeitos sinergizantes da mistura da maconha com bebidas alcoólicas e outras drogas, assim como para o efeito devastador da “larica” em programas de regime alimentar, etc.Lembrar que indivíduos com propensão a certas doenças mentais, como a esquizofrenia, devem evitar o consumo de Cannabis que pode desencadear crises em indivíduos suscetíveis.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Palestra de Jeremy Narby (baseada em seu livro Cosmic Serpent: DNA and the Origins of Knowledge )

Inteligência Natural




Boa noite. Sou um antropólogo; isso significa, estudo pessoas. Em 1984 me
embrenhei na Amazônia peruana, novato, direto dos subúrbios e da biblioteca. Não
possuía nenhuma experiência prévia a respeito da floresta tropical ou de seus
habitantes indígenas. Voltando no tempo, especialistas afirmavam que para se
desenvolver a Amazônia, você deveria eliminar da floresta seus habitantes indígenas e
derrubá-la, no intuito de explorar seus recursos naturais . Eles afirmavam que os índios
não sabiam como utilizar os recursos racionalmente, e confiscar suas terras era
economicamente justificável. Como um jovem antropólogo, eu queria estudar como o
povo ashaninca vivia no meio da Amazônia peruana e utilizavam a floresta, no intuito
de demonstrar que eles utilizavam seus recursos racionalmente, e, portanto, mereciam
e tinham o direito sobre sua própria terra. O objetivo era contradizer os bancos de
desenvolvimentos internacionais e tentar promover uma mudança na política. O povo
ashaninca com o qual eu convivi, acolheram e demonstraram-me o que eles sabem a
respeito da floresta. Torna-se notório que a Amazônia peruana é o local no mundo com
maior diversidade biológica. É o epicentro da biodiversidade mundial. Ela possui mais
espécies de mamíferos, árvores, répteis, anfíbios e pássaros do que qualquer local de
tamanho similar. Quando você anda pela floresta, você observa a mescla de espécies.
Na Amazônia peruana, os cientistas acharam mais (a música inicia) espécies de
formigas em uma única árvore do que em todas as ilhas britânicas; mais espécies de
árvores em um simples hectare do que em toda a Europa; mais espécies de pássaros
em um único vale do que em toda a América do Norte. É uma concentração de
biodiversidade, um local onde a vida é mais ativa e fértil, e você pode sorver-la, o ar é
almiscareiro, tal qual uma estufa.




Surpreendentemente, o ashaninca que me acompanhou pela floresta possuía os
nomes de quase todas as plantas, e atribuiu usos para metade delas. Eles utilizam
plantas como alimento, materiais de construção, cosméticos, tingimento e medicação.
Rapidamente, percebi que eles possuem quase um conhecimento enciclopédico das
propriedades das plantas. Eles conhecem plantas que aceleram a cicatrização de
ferimentos, curam diarréia, ou curam dores crônicas de costas. Eu mesmo utilizei esses
medicamentos quando necessários, somente para certificar-me que eles funcionavam.
Logo, comecei a perguntar aos meus consultores ashanincas como eles sabiam a
respeito das plantas. Suas respostas foram enigmáticas. Disseram que o conhecimento
a respeito das plantas emana das próprias plantas, e os “ayahuasqueros”, tabaqueiros
ou xamãs, tomam uma infusão de planta alucinógena chamada ayahuasca, ou comem
tabaco concentrado, e falam em suas visões com as essências, os espíritos, que são
comuns a todas as formas de vida e são fontes de informações. Eles dizem que a
natureza é inteligente e fala com as pessoas por meio de visões e sonhos.
Bem, eu não levei muito a sério o que essas pessoas estavam me contando. Não
podia ser verdade, pois considerando que há informação verídica em suas alucinações,
tem-se a definição de psicoses. Era uma impossibilidade epistemológica. Além do
mais, isso contradizia o ponto central da minha pesquisa, demonstrar que essas
pessoas utilizavam seus recursos racionalmente.

Contudo, uma noite, após quatro meses nesta aldeia, eu estava nas proximidades
da vila bebendo chá de mandioca com alguns homens e questionando a respeito da
origem dos conhecimentos sobre plantas, quando um deles disse: “Irmão Jeremias, se
você quiser descobrir a resposta para sua pergunta, você deve beber ayahuasca, se
você quiser, eu poderei mostrar-lhe algum dia”. Ele a chamou de tele-visão da floresta,
ela permite que uma pessoa veja imagens e aprenda coisas.

Eu cresci na Suíça, onde o LSD é uma molécula indígena, portanto, eu já provei-o
várias vezes, e pensei que sabia tudo sobre coisas desse tipo. Logo, disse sim.
Algumas noites mais tarde, me encontrei com este “ayahuasquero” no tablado de uma
casa silenciosa, rodeada pelos sons da floresta. Ele administrou a ayahuasca, que é
uma infusão amarga, então, após um longo silêncio, ele começou a cantar na
escuridão, refrões de sons incompreensíveis e melodias levemente dissonantes.
Imagens apareceram na minha mente, e rapidamente me encontrei rodeado por
enormes serpentes fluorescentes de 13 metros de comprimento por um metro de
altura, realmente arrepiante, que começaram a conversar comigo por meio de uma
linguagem mental, contando-me coisas consideradas dolorosas a meu respeito. Elas
disseram, você é apenas uma existência humana, uma sensível existência humana. Eu
pude ver, olhando para elas, que estavam certas , que minha perspectiva materialista
possuía limites, iniciando pela pressuposição de que meus olhos mostravam-me coisas
que não existiam. E, pude ver que minha visão de mundo possuía uma arrogância
abismal, fazendo-me cair para frente de joelhos. Então, tive que vomitar – em
ashaninca, a palavra ayahuasca é kamárampi, do verbo kamarank, vomitar. A palavra
também significa cobra. Logo, me levantei, caminhei sobre as cobras fluorescentes, e
vomitei colorido, então me encontrei na escuridão, e transpus meu corpo acima do
planeta, que não era azul, sim branco, e coberto de gelo. Mas, assim que o xamã
mudou sua canção, eu retornei ao meu corpo, e vi centenas de milhares de imagens,
como veias de uma mão humana que lembravam imagens de sulcos de uma folha
verde; elas pareciam iguais. Havia muitas imagens, era difícil lembrar-me de todas
elas. Era como estar dentro de uma máquina de lavar.

No dia seguinte, tentei falar dessa experiência. Por um lado, ela confirmou o que
meus amigos ashanincas disseram. Você pode ingerir a ayahuasca sob a orientação
de um praticante treinado e aprender coisas. Eu aprendi que eu era insignificante e de
alguma forma, fazia parte da natureza. Eu olhei para a folha verde e em seguida para a
pele da minha mão, e descobri que éramos feitos da mesma matéria. A experiência
acima de tudo foi um antídoto à contemplação antropocêntrica da antropologia. Isso
demonstrou que as noções aparentemente fantasiosas dos meus amigos ashaninca
correspondem a algo poderoso, que passou diante da minha própria compreensão da
realidade. Foi maravilhoso. Como eu poderia falar para meus colegas a respeito disso
e ser levado à sério por eles? Experiências subjetivas de alucinógenos nativos não
eram conhecidas no âmbito das carreiras antropológicas, portanto, me acovardei. Voltei
as costas para este mistério e continuei minha pesquisa a respeito do uso dos recursos
ashanincas, mais um ano, então retornei à universidade, escrevi minha dissertação e
tornei-me um doutor em antropologia.

Os europeus chegaram à América há 500 anos atrás e começaram a despovoar as
terras. Segundo avançadas estimativas conservadoras de historiadores europeus,
quarenta milhões de indígenas morreram, do Alaska à Patagônia, à medida que os
europeus apoderavam-se do continente.

Alguns afirmam que este genocídio não foi deliberado, e culpam as doenças
contagiosas. Contudo, isso ignora os fatos da história. Europeus massacraram
populações inteiras. Gonzalo de Oviedo, o historiador oficial da Coroa Espanhola, disse
que ele viu mais mortes cruéis que as estrelas no céu. Ele nomeou esses homens de
“despovoadores”. Os europeus reduziram países inteiros à escravidão e trabalho, que
levou seus habitantes à morte. Conquistar a montanha de prata, Potosi, no Império
Inca. Essa prata da montanha originou e impulsionou o capitalismo, mas quatro entre
cinco trabalhadores morreram após um ano de trabalho forçado em Potosi. Nas
proximidades das minas de mercúrio de Huancavelica, a expectativa média de vida do
trabalhador era de três semanas. Historiadores estimam que mais de oito milhões de
pessoas morreram nessas minas.

Essa implacável conquista estendeu-se até o século 20. Nos anos 60 e 70, na
Amazônia, os índios eram definidos como “obstáculos pré-históricos ao progresso”, e
eles foram massacrados. Na Amazônia brasileira, 56 tribos foram varridas da face da
terra, somente no século 20. Foram 56 sociedades, línguas, formas de pensamentos
transformados em fumaça. Costumavam ser sete milhões de indígenas na Amazônia,
agora restou somente menos de um milhão.

O que podemos fazer com essa história? Não é sua culpa, não é minha, mas
estamos montados nela esta noite.

E acredite ou não, a religião cristã com sua forma missionária evangélica continua
a destruir as crenças dos índios amazônicos. Eu recentemente visitei muitas regiões
amazônicas, nas quais os últimos xamãs foram levados à morte pelos próprios
indígenas, por sugestão missionária. Muitos séculos após a inquisição, as pessoas
afirmam agirem em nome de Cristo, e continuam a erradicar o xamanismo.
O mundo industrial ameaça a diversidade biológica. Ele também ameaça a
diversidade humana. Das 6.000 línguas ainda faladas, metade não está sendo
ensinada às crianças. A cada duas semanas, uma língua desaparece juntamente com
os mais idosos de uma tribo. Lingüistas estimam que 3.000 línguas desaparecerão
durante este século, o que representa metade das palavras no mundo. Uma língua é
mais do que um conjunto de palavras; é uma forma de compreender o mundo. O que
está em perigo é o repertório da humanidade, por negociar com os desafios
desconhecidos do futuro. Tomados juntos, as culturas deste mundo representam um
vasto reservatório de conhecimento contendo as memórias de todos os mais velhos,
curandeiros, guerreiros, fazendeiros, pescadores, parteiras, poetas e visionários. Essa
é a expressão plena da experiência humana. A sociedade industrial possui somente
200 anos. Como uma simples cultura, com tão frívola história, possui todas as chaves
para a sobrevivência das nossas espécies?

Os europeus não inventaram a civilização. Os chineses possuíam a porcelana
quando os europeus ainda viviam na lama. Os hindus e os maias inventaram a
matemática, a qual os árabes aprimoraram. Agora é nossa responsabilidade cuidar da
diversidade humana com carinho, aproximar-se de outras formas de conhecimento e
realização, compartilhar nossa contemplação e experiência de outras culturas.

O ashaninca ensinou-me muitas coisas, algumas das quais levaram anos para
tornar-se compreensíveis. Contudo, uma coisa que eles conseguiram ensinar-me
rapidamente foi a idéia de que a prática é a forma mais avançada da teoria. Em
suas concepções, se uma idéia é boa, você pode colocá-la em prática. De outro
modo, é somente pura teoria, em outras palavras não vale muito. Isso me encoraja
a aplicar o que aprendi. Em 1989, consegui um emprego em uma ONG suíça que
promovia os direitos territoriais dos índios na Amazônia. Até então, este trabalho levou
a garantir cerca de 4 milhões de hectares às comunidades indígenas, que é uma área
equivalente à 1% da floresta amazônica. Isso também me permitiu visitar pessoas de
muitas sociedades indígenas, não somente os ashanincas, mas os aguaruna, shipibo,
shawi entre outros. E durante estas viagens, pude perguntar como eles aprenderam a
respeito das plantas. Todos eles deram-me prontamente a mesma resposta: o
conhecimento à respeito das plantas vem dos ayahuasqueros e tabaqueiros, que
ingerem suas misturas de plantas e falam em suas visões com as essências comuns a
todas as formas de vida. Você compreendeu? Sim, compreendi. Mas o que significa?
Isso foi um mistério: aqui as pessoas vivem na maior localidade de diversidade
biológica no planeta; seus conhecimentos empíricos a respeito das plantas são agora
amplamente reconhecidos pela ciência e indústria; eles ainda afirmam que a maior
parte deste conhecimento surge das alucinações de seus xamãs. O que isso poderia
significar?

Em 1992, fui à Conferência da Terra, no Rio, e descobri que todos falavam a
respeito de conhecimentos de botânica dos povos indígenas, mas ninguém falava da
origem alucinatória de parte deste conhecimento, como os povos indígenas a
debatiam. Então, decidi aprofundar-me na questão.

Após meses de leitura e reflexão, comecei a enxergar coerência nas práticas
xamãnicas mundiais. Todos os xamãs trabalham em estados de transe que alcançam
de distintas formas, não necessariamente por meio de plantas alucinógenas.Todos os
xamãs os acompanham por uma música. Primeiramente, em especial, os xamãs
realizam as músicas, tanto cantadas ou por meio de instrumentos. Os xamãs ao redor
do mundo associam as essências, ou espíritos, a uma forma que os historiadores de
religião chamam de axis mundi, o eixo do mundo, que está formatado tal qual uma
escada trançada , ou duas vinhas entrelaçadas , ou uma escada em espiral , as quais
eles as descrevem como sendo extremamente longas, tão longas que unem o céu à
terra.

Procurando compreender essas noções a partir de um ponto de vista racional,
achei correspondentes diretos com a biologia contemporânea. O DNA, uma molécula
informacional no centro de cada célula, a estrutura e a função que foram descobertas
em um laboratório inglês há 51 anos atrás; essa se faz comum a todas as existências
humanas, e está formatada precisamente tal qual uma escada trançada. Esta forma
explica a função da molécula. Está configurada como dois cordões complementares
envolto um ao redor do outro, o que pode protegê-los e permitir cópias exatas de si
mesmos. Este formato permite que ocorra o armazenamento de informações e um
mecanismo de duplicação. A molécula de DNA numa célula humana possui 10 átomos
de largura e 2 metros de comprimento. Isso é um bilhão de vezes maior que sua
largura. É como se um dedo mínimo fosse prolongado de Londres a Los Angeles. Se
você pudesse estender seu DNA e colocá-los em linha reta, ele se estenderia por 200
bilhões de quilômetros, o que equivale a 70 viagens de ida e volta entre Saturno e o
Sol, e o suficiente para dar a volta ao redor da terra 5 milhões de vezes.
Um DNA não é apenas uma montagem de átomos, não somente um ácido
deoxiribonucleico, mas sim um tipo de texto; os biólogos o estão seqüenciando tal qual.
Afirmar que o DNA é apenas uma química, seria o mesmo que afirmar que os trabalhos
de Machado de Assis são apenas tinta sobre o papel. Trata-se de uma afirmação
verídica, contudo não se afirma tanto.

O DNA transmite sua informação ao resto das demais células, por meio de um
sistema de codificação que é surpreendentemente similar aos códigos humanos, no
quais os registros individuais são significativos. As quatro moléculas que compõem os
degraus da escada de DNA, e as quais os cientistas atribuíram uma letra (A, G, C e T) ,
não significam nada individualmente, elas devem ser combinadas em tríades para que
façam sentido. O código genético contém 64 palavras de letra-tríade, todas quais
possuem significado, incluindo pontuação, travessão e ponto. Estranhamente este
sistema de codificação fora considerado como prova de uma inteligência, até a
descoberta do código genético nos anos 60; até então , considerava-se que somente
os humanos utilizavam códigos nos quais os sinais são significativos. Porém descobriuse
que todas as células no mundo utilizam tal código. Há uma unidade simbólica
significativa em toda natureza.

Para conceber ciência e xamanismo conjuntamente, tive que enxergar inteligência
na natureza, um conceito que os xamãs a muito sugeriram, e que os biólogos
confirmaram em seus recentes estudos, até mesmo dos mais simples organismos.
Tome o mofo do limo physarum policephalum. Esta acéfala criatura unicelular
amorfa normalmente comporta-se como uma massa cintilante de muco que move-se
sobre, e engolfa sua comida – não se trata exatamente de um candidato premiado por
conquista intelectual. Mas esse mofo é capaz de, consistentemente, resolver labirintos.
É um organismo unicelular peculiar que pode crescer ao tamanho de uma mão humana
e pode unir-se, em caso de separação. Quando pedaços de mofo são colocados em
um labirinto, o limo espalha-se e forma um organismo simples que preenche os
corredores do labirinto. Mas quando a comida está posicionada no início e no fim do
labirinto, o mofo afasta-se da bordas e encolhe seu corpo em formato de um tubo, o
caminho mais curto entre as fontes de comida. Ele resolvera o labirinto desta forma,
todas as vezes que fora testado.

Uma visão comum desta inteligência requer um cérebro. E cérebros são compostos
por células. Mas neste caso, uma simples célula comporta-se como se tivera um
cérebro.

No seu significado original, a palavra inteligência refere-se à escolha (inter-legere) ,
e implica na capacidade de tomar uma decisão.

As células em nossos corpos constantemente tomam decisões, respondendo a
uma variedade de fatores elétricos, químicos e táteis, por isso crescem e diferenciamse
de modo coordenado. As células se comunicam umas com as outras de maneiras
consideradas notáveis, que incluem cascatas em dominó de proteínas e uma larga
variedade de sinais com significados tais quais “mantenha-se viva”, “mate-se”, “libere
esta molécula que você tem armazenado”, “divida”, “não divida”. Qualquer célula
recebe centenas de sinais de uma única vez e deve integrá-los e decidir o que fazer.

Os cientistas descobriram que as formigas podem cultivar hortas de cogumelos
com antibióticos; abelhas podem lidar com conceitos abstratos possuindo um cérebro
do tamanho de uma semente de grama; corvos podem utilizar-se de ações
padronizadas de furto; golfinhos podem reconhecerem-se em espelhos; e papagaios
podem dizer o que querem. O velho dogma leva os cientistas enxergarem as
existências naturais como objetos desprovidos de intenção, que Jacques Monod
chamou de “a pedra angular do método científico”, não preenche mais os requisitos da
informação. Além do mais, há claros sinais de inteligência em todos os níveis da
natureza, e os conceitos dos xamãs indígenas podem lançar luz sobre isso.
Até mesmo os vegetais não são estúpidos. Os xamãs amazônicos a muito
consideram certas plantas como “professores”. Agora, mesmo os cientistas estão
começando a reconhecer que as plantas se movem e reagem ao mundo com
inteligência. Por exemplo, uma planta parasita chamada cuscuta move-se ao redor de
si, e ao redor de outras plantas e avalia sua qualidade nutricional. Botânicos
descobriram que a cuscuta avalia corretamente o momento exato de comer, e de
mover-se; estas estratégias de pilhagem possuem as mesmas exatidões matemáticas
dos animais pilhadores. Mas a cuscuta computa a escolha certa entre alternativas
próximas, sem o benefício de um cérebro.

Os xamãs utilizam suas mentes para aprender a respeito do mundo. Eles possuem
técnicas distintas para modificar suas consciências. Afirmam que podem comunicar-se
com outras espécies utilizando uma linguagem indireta e densamente metafórica. Os
espíritos da natureza, eles afirmam, são fundamentalmente ambíguos, gostam e
desgostam, e não podem ser reduzidos a uma simples descrição; isso justifica a
metamorfose ser a única maneira correta para nomeá-los.

A comunicação com inteligências ambíguas da natureza leva ao conhecimento e
poder, que são por si só ambíguos, duplo-facetado, e com uma face negra. E deveria
ser dito que não basta beber ayahuasca para entender o mundo, pois a ayahuasca é
um poderoso alucinógeno, e sua ingestão por parte de usuários casuais envolvem
riscos. Por exemplo, pode modificar sua visão de mundo se o que você vê não é o que
buscava. Por isso, tomem cuidado.

Na Amazônia, os povos indígenas dizem que nós temos semelhanças com as
plantas e animais. Na cosmologia amazônica, humanidade é uma condição que se
refere a todas as existências que habitam o mundo. Não há distinção fundamental
entre humanos e outras espécies. Amazônicos pensam que é possível comunicar-se
com outras espécies no reino das visões. Eles afirmam que os xamãs podem
transformar-se em animais por meio de certas músicas. Os xamãs são transformistas.
Suas almas podem abandonar seus corpos, afirmam, e entrar nos corpos dos jaguares,
por exemplo. Os xamãs tornam-se jaguares em suas crenças.

Esta capacidade de transformação é indicativo da semelhança que conecta os
humanos ao resto da natureza. A ciência agora confirma que a semelhança humana
com a natureza é literalmente verdadeira. A muito tempo atrás , eu tive uma bactéria
por herança. As moléculas do meu corpo são cópias das cópias das cópias, voltando
no tempo muitos bilhões de anos, de moléculas de DNA contidas em bactérias .
Cogumelos, minhocas, girafas e pessoas possuem sobre-transposição de seqüências
de DNA. Cinqüenta por cento dos genes contidos em uma banana possuem
equivalentes no genoma humano. O que não significa que vocês sejam meio-bananas.

Com chimpanzés, a similaridade genética é de 99%. A biologia molecular como um
todo é uma demonstração da nossa semelhança para com as demais espécies. Os
povos animistas e xamãnicos do mundo têm sido destacados por esse parentesco por
milênios, enquanto a biologia contemporânea apenas começou a descobrir sua
manifestação física.

A biologia agora tremúla o duplo helix como sua bandeira, o símbolo de novas
curas. Mas este mote é o mais antigo símbolo da vida e cura no mundo. A escada
transada, duas serpentes entrelaçadas, o axis mundi, o símbolo dos xamãs nos cinco
continentes por milênios.

A despeito destas convergências, a ciência e o conhecimento indígena distinguemse.
Ao redor do mundo, a população indígenas encontra-se em precárias condições .
Na Amazônia, eles obtiveram títulos de terra de extensos territórios, porém,
construções de estradas, colonização, derrubadas, extração de petróleo, e a tentação
do mercado continuam a assombrá-los. Jovens indígenas amplamente encaram a
natureza como uma mentalidade de mercado, rompendo com o entendimento espiritual
das plantas e animais. Há um tempo não muito distante, em muitas sociedades
indígenas, os xamãs habituavam-se a negociar em suas visões pela liberação da caça
com o “dono dos animais”, uma entidade disse desaprovar a caça excessiva e
predatória. Mas, hoje em algumas partes da Amazônia, jovens caçadores indígenas
têm levado grandes mamíferos à extinção em resposta à demanda de carnes raras nas
cidades próximas. Suas aspirações de mercado são tão legitimas como as de qualquer
um. Porém, surgir com alternativas se faz necessário, pois, a natureza deve ser
preservada em sua diversidade.

Em áreas de grande biodiversidade tais quais a Amazônia Ocidental, a
conservação da natureza requer uma mescla da ciência e do conhecimento indígena.
Mas trabalhar na linha de duas formas de conhecimento não é fácil. Há diferenças
metodológicas, conceituais, filosóficas, tecnológicas e financeiras entre os dois
campos. Para os indígenas e os cientistas conversarem entre si, se faz necessário o
desenvolvimento de embasamentos conceituais comuns.

Uma base comum para o conhecimento humano poderia acomodar muitas formas
de saber, e permitir que as mesmas sejam comparadas e utilizadas juntamente. Essa
base comum poderia harmonizar controle e respeito, microscópios e consciências
modificadas, textos científicos e especialistas orais, complicação e espírito,
desprendimento e emoção.

Aprender a trabalhar com conhecimento indígena é como aprender uma segunda
língua. Bicognitivismo, como bilingüismo, é difícil, mas vale, pois leva a outra forma de
enxergar o mundo.

Se a natureza é inteligente, e somos parte da natureza, por que somos tão
estúpidos? Porque somos uma espécie jovem. Nós, homo sapiens sapiens, com nossa
fronte chata e queixo pontiagudo, temos aproximadamente 150.000 anos, segundo os
registros de fósseis e análises de DNA. São somente 7.000 gerações biológicas, que
está próximo a nada para uma espécie. Existiram outros hominídeos antes de nós, os
neandertais, por exemplo, com seus crânios de formato oval, frontes afundadas e
queixos, e corpos atarracados. Nossas espécies co-habitaram a terra com os
neandertais por mais de 100 mil anos. Como nós, os neandertais semearam seu
desaparecimento, fizeram instrumentos musicais e produziram eficientes apetrechos de
caça. Mas eles não sobreviveram. Nossos ancestrais fizeram sofisticadas armadilhas e
desenvolveram instrumentos precisos, não somente de pedra e madeira, mas também
de ossos e cifres. Eles transformaram ossos em agulhas, o que permitiu que
costurassem roupas, enquanto os neandertais provavelmente careciam da capacidade
de fazerem roupas. Isso explica por que eles não sobreviveram à longa era glacial que
ocorreu há 100.000 anos. Nossa grande força é a nossa capacidade de adaptação a
todos os tipos de circunstâncias. Os descendentes de um pequeno grupo de humanos
que deixou a África cerca de 100.000 anos atrás, espalhou-se pelo mundo e o povoou.
Do Ártico ao deserto da Austrália e florestas da Amazônia; eles aprenderam à explorar
as plantas e animais em cada novo meio que entravam. Os humanos possuem um
histórico de longa depredação ecológica perpretada. Espécies que eram fáceis de
caçar tenderam à desaparecer rapidamente, após a chegada dos humanos em
determinada área. O registro fóssil indica isso claramente em lugares como
Madagascar, Nova Zelândia e Austrália. Como leões e lobos, os humanos são
predadores sociais. Os leões e lobos possuem presas e garras, nós temos engenhosos
conceitos que pomos em prática. Somos uma espécie invasora. Nossa formidável
capacidade de adaptação nos torna os mais perigosos dos predadores.
Bem, temos cabeças grandes. Nossos cérebros triplicaram em volume durante os
últimos três milhões de anos. Os primeiros primatas bípedes que foram os precursores
da humanidade possuíam cérebros com um terço do tamanho do nosso. Desde então,
os cérebros hominídeos não pararam de crescer. Porém, a posição bípede e erecta
significava que a pélvis humana deveria estreitar-se, do topo do nosso dorso até a base
da coluna entre nossas pernas. Surge o questionamento: como se pode dar a luz à
crianças com cérebros grandes ao passo que se possui uma pélvis estreita? Sendo
esperto e bípede é uma charada anatômica. As mulheres do mundo pagaram esse
preço: nossas espécies possuíram as maiores taxas de mortalidade maternal durante o
parto. Jovens humanos requerem muitos anos de ensinamento, educação e compaixão
para que seus cérebros alcancem potência total. Os humanos possuem de longe os
mais longos períodos de infância e adolescência; os pais humanos mantêm compaixão
por mais tempo, em comparação aos pais de outras espécies. Somos formidáveis
predadores e temos grandes capacidades de compaixão. Combinamos os contrários;
somos criaturas contraditórias.

Quinze mil anos atrás, nossos ancestrais pintaram na caverna de Lascaux. Foram
somente 7000 gerações atrás. Eles não possuíam eletricidade ou qualquer coisa que
possuímos hoje. E agora, olhe para nós. Ainda somos a mesma espécie, com a fronte
chata e queixo pontiagudo, sem pelos ou rabos primatas, mas agora, equipados de
tecnologia e apontando para o cosmos.

Nossa espécie possui uma trajetória vertiginosa. Para onde estamos direcionados?
Qualquer resposta é especulativa. Mas um olhar no gráfico demonstra que estamos em
uma fase intermediária. Estamos condenados a mantermo-nos evoluindo, contudo,
com o risco de desaparecer. 99,9% de todas as espécies que existiram na terra já
desapareceram. Com referência aos dinossauros, que viveram milhões de anos. Nós
mesmos nos podamos. Mas se fazemos as coisas certas, somos capazes de nos
transformarmos, em semente de biosfera, capazes de transmitir vida. Temos ainda
uma jovem ciência tecnológica que nos permite manipular o DNA, e deixar o planeta
fisicamente. Ainda possuímos o velho conhecimento, que considera a vida como sendo
sagrada, uma chama a ser defendida. Combinar esses dois pólos, conhecimento
tecnológico e velho conhecimento, ciência e xamãnismo, parece ser necessário para a
sobrevivência de nossa espécie.